ANA CAROLINE NERES CASTRO
ATENAS BRASILEIRA X BABILÔNIA DE EXÍLIO: uma análise sobre
a decadência intelectual do Maranhão (1894 – 1932)
São Luis
2007
ANA CAROLINE NERES CASTRO
ATENAS BRASILEIRA X BABILÔNIA DE EXÍLIO: uma análise sobre
a decadência intelectual do Maranhão (1894 – 1932)
Monografia apresentada ao Curso de História da
Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, para
obtenção do grau de Licenciado em História.
Orientadora: Profª. Ms. Maria de Lourdes Lauande
Lacroix
São Luis
2007
CASTRO, Ana Caroline Neres
Atenas Brasileira X Babilônia de exílio: uma análise sobre a
decadência intelectual do Maranhão (1894-1932) / Ana Caroline
Neres Castro. – São Luis, 2007.
- f.
Monografia (graduação em História) – Universidade Estadual
do Maranhão, 2007.
1.Decadentismo 2.Academia 3.Mito 4.Status I. Título
CDU: 94 (81) “1894/1932"
ANA CAROLINE NERES CASTRO
ATENAS BRASILEIRA X BABILÔNIA DE EXÍLIO: uma análise sobre
a decadência intelectual do Maranhão (1894 – 1932)
Monografia apresentada ao Curso de História da
Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, para
obtenção do grau de Licenciado em História.
Orientadora: Profª. Ms. Maria de Lourdes Lauande
Lacroix
Aprovado em ___/___/___.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Profª. Ms. Maria de Lourdes Lauande Lacroix
Orientadora
______________________________________________________________________
Profº. Ms. José Henrique de Paula Borralho
______________________________________________________________________
Profª. Ms. Elizabeth Sousa Abrantes
Aos meus pais, Raimundo e Expedita
Castro.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo cuidado e amizade sincera ao longo desses vinte e três anos.
Aos meus pais, pela presença constante, amor, dedicação e apoio irrestrito durante
todo o período de elaboração deste trabalho. Amo Vocês!
À minha irmã Ana Carolina, por ter me aliviado das tarefas domésticas. Valeu!
À minha Sobrinha Ana Beatriz, pelos momentos de distração proporcionados pela
inocência dos seus quatro anos de idade.
A João Bispo (namorado), pelo envolvimento direto na elaboração deste trabalho,
pela boa companhia, cumplicidade, amor, incentivo e paciência nos momentos mais
difíceis. Amo-te !
A Profª. Lurdinha, minha orientadora, minha mestra. Obrigada pelas conversas e
conselhos, pelo apoio, pela disponibilidade, pelo carinho e pela amizade. Obrigada por
acreditar em mim, mas do que eu mesma. Amo Você!!
Ao Profº. Marcelo Cheche, pelo exemplo de profissionalismo que me ensinou
preciosas lições. Tenho imensa admiração por você!
Ao Profº. Henrique Borralho, pelas contribuições para a realização deste trabalho,
pelas aulas dinâmicas recheadas de conhecimento. Você é o cara!
À Profª. Elizabeth Abrantes, pela disposição e pelas aulas maravilhosas. Você é
uma fonte de inspiração!
Aos professores Alan e Helidacy, pelo carinho e pelo convívio durante estes cinco
anos. Tenho imenso apreço por vocês!
Aos professores Ximenes e Júlia Constança pelo convívio e pelas contribuições
para a minha formação acadêmica.
Ao Profº. Fábio Monteiro, a quem pouco tempo de convívio foi necessário para
demonstrar sua competência. Obrigado pelo carinho e compreensão demonstrados a mim
em momentos importantes, talvez até sem perceber.
À professora Adriana Zierer, pelas contribuições importantes para a minha
formação acadêmica.
Ao Profº. Paulo Rios, que apesar do pouco tempo de convívio, foi o suficiente para
deixar marcas indeléveis de conhecimento.
Aos profissionais da secretaria do Curso de História, pela prestimosidade no
atendimento.
Aos colegas de todos os períodos que tive oportunidade de conhecer.
À Edyene e Eloy, pelas contribuições imprescindíveis que me auxiliaram na
confecção deste trabalho.
Aos colegas que tive o prazer de conhecer e que fizeram destes cinco anos de
estudos uma grande aventura repleta de experiências inesquecíveis. Entre eles: Esmênia e
Sandro, Edyene, Eloy, Lívio Bruno, Rafael e Glêdson Cardoso.
(...) Ah! Se os novos escritores não pensassem na Academia, se eles
por sua vez a matassem em suas almas, que descortino imenso para
o magnífico surto do gênio, enfim liberto de mais esse terror. Esse
‘academicismo’ não é só dominante na literatura. Por ele tudo o que
a nossa vida oferece de enorme, de esplêndido, de imortal, se torna
medíocre e triste.
(Graça Aranha)
RESUMO
O Decadentismo intelectual (1894-1932) cantado e decantado pelo grupo de intelectuais
denominados Novos Atenienses, não deve ser entendido simplesmente como uma tendência
natural, um determinismo causado pelo abandono dos intelectuais que partiram para outras
regiões do país em busca de novas perspectivas. A afirmação constante daquela condição
decadente pode ser entendida como uma construção ideológica fomentada por um grupo de
intelectuais que buscavam afirmação no concorrido cenário das letras. A utilização do
Decadentismo justificava a fundação de várias agremiações entre elas a Academia
Maranhense de letras que tinha por missão, resgatar o Maranhão daquela triste condição.
Busca-se, neste trabalho, revelar as estratégias empregadas pelos neoatenienses na
incansável corrida pelo status de homens de letras, tomando como objeto de estudo a
Academia Maranhense de Letras, associada à contextualização econômica política e social.
Palavras-chaves: Decadentismo. Academia. Mito. Status.
RÉSUMÉ
Le Décadentisme intellectual (1894-1932) chanté et célébré par le groupe d’intellectuels
nommés Nouveaup Atheniéns, ne doit pas être vu seulement comme une tendance
naturelle, um déterminisme causé par l’abandon des intellectuels qui partirent vers d’autres
régions du pays à la recherche de nouvelles perspectives. L’ affirmation réitérées de cette
condition décadente peut être comprise comme une construction idéologique suscitée par
un groupe d’intellectuels qui cherchaient une affirmation sur la scène recherchée des
lettres. L’utilisation de Décadentisme justifiait la fondation de divers associations, entre
autres de l’Académie Maranhense des Lettres qui avait pour mission de récupérer lê
Maranhão de cette triste condition. Dans ce travail on cherche à révéler les stratégies
employées par les nouveaux athéniens dans cette course sans fatigue au status des hommes
de lettres, prenant comme objet d’étude l’Académie Maranhense de Lettres, associée au
contest économique, politique et social.
Paroles-clés: Décadentisme. Academie. Mythe. Status.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Quadro de membros efetivos da Academia Maranhense de Letras em
1920..............................................................................................................
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 Salão de alvejamento..................................................................................................Anexo
2 Salão de tecelagem.....................................................................................................Anexo
3 Rua do Sol..................................................................................................................Anexo
4 Teatro São Luis...........................................................................................................Anexo
5 Arredores da cidade....................................................................................................Anexo
6 Praça João Lisboa.......................................................................................................Anexo
7 José Ribeiro do Amaral..............................................................................................Anexo
8 Clodoaldo Freitas........................................................................................................Anexo
9 I. Xavier de Carvalho..................................................................................................Anexo
10 Barbosa de Godóis....................................................................................................Anexo
11 Godofredo Viana......................................................................................................Anexo
12 Antonio Lobo............................................................................................................Anexo
13 Fran Paxeco..............................................................................................................Anexo
14 Alfredo de Assis.......................................................................................................Anexo
15 Vieira da Silva..........................................................................................................Anexo
16 Astolfo Marques.......................................................................................................Anexo
17 Domingos Barbosa....................................................................................................Anexo
18 Corrêa de Araújo.......................................................................................................Anexo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................13
1 UM BREVE RETROSPECTO: O MARANHÃO NA PASSAGEM DO SÉCULO
XIX PARA O SÉCULO..................................................................................................16
1.1 Economia...........................................................................................................16
1.2 Política...............................................................................................................24
1.3 Cotidiano e Sociedade......................................................................................31
2 QUESTIONANDO E DECADENTISMO....................................................................43
2.1 A evolução educacional do Maranhão: da colônia à República...................43
2.2 “Atenas Brasileira” X “Babilônia de Exílio”.................................................54
3 ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS: DISCURSO SALVACIONISTA E
FOMENTAÇÃO DO DECADENTISMO.....................................................................72
3.1 A regeneração intelectual.................................................................................75
3.2 Academia Maranhense de Letras...................................................................78
3.2.1 A réplica nas letras do art nouveau ............................................................78
3.2.2 Do quadro e das obras...................................................................................82
3.3 O poder/saber: uma faceta do poder/cultura.................................................91
3.1 Canais/Discursos...............................................................................................92
3.4 Decadentismo: um mal necessário................................................................101
3.5 AML e o combate ao Decadentismo..............................................................105
CONCLUSÃO................................................................................................................. 116
REFERÊNCIAS...............................................................................................................119
ANEXO..............................................................................................................................124
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, muitos pesquisadores da área de História dedicaram-se ao
aprofundamento de questões relacionadas à historiografia local no que tange aos grupos de
intelectuais, suas produções, bem como o ambiente por eles vivido ou forjado.
Observa-se, porém, que ainda existem muitas zonas intocadas, grandes espaços
que necessitam ser explorados. Outros temas ainda, mesmo que sempre repetidos, ainda
reservam pontos que merecem estudos, releituras e ainda despertam novas questões.
No Maranhão, por exemplo, sobretudo no período que este trabalho pretende
abranger, – 1889-1930 – o Decadentismo intelectual preconizado pelos literatos intitulados
neoatenienses tornou-se uma “verdade” que, de tão repetida, cantada e decantada pelos
clássicos, passou a ser um ponto da historiografia oficial praticamente irretorquível.
O discurso decadentista não era novidade no início do século XX, apenas a
continuação de uma postura assumida por intelectuais desde o século XIX, principalmente
no que se refere à economia.
A diferença entre um período e outro é que, naquele início de século a atenção
dos literatos estava voltada para as questões intelectivas. Expressões como: “o Maranhão já
não era o mesmo”, “fuga dos grandes espíritos”, eram comumente utilizadas para referir-se
àquele período que, segundo eles, era de “negror para as letras maranhenses”, ocasionada,
principalmente pelo abandono dos intelectuais que foram tentar a vida fora do torrão
natalício.
Este período despertou nosso interesse pelo fato de terem surgido vários grupos
“organizados” de intelectuais que diziam ter um objetivo comum: regenerar o Maranhão da
letargia mental na qual estava submerso.
Nossa atenção foi direcionada a um grupo específico de intelectuais: os
membros fundadores da Academia Maranhense de Letras. Neste sentido, tentou-se elucidar
pontos essenciais da sua formação, o ambiente por eles vivido, o que pensavam a respeito
do suposto Decadentismo e que medidas foram tomadas por esta instituição para
solucioná-lo.
Definida a questão, o trabalho resultou organizado em três capítulos.
O primeiro deles, dividido em três seções primárias tenciona reconstituir o
ambiente econômico, político e social. Entendemos que o recorte temporal privilegiado
neste trabalho (1890-1930) contempla um período de importantes transformações.
O objetivo perseguido foi estudar, através de um breve retrospecto, os vários
aspectos da realidade maranhense daquele período de transição, não apenas de século, mas
de regime político, economia e cultura, contextualizando nosso objeto de estudo para uma
compreensão mais abrangente, uma vez que, todos esses aspectos estão intimamente
relacionados com o tipo de cultura produzida pela sociedade ludovicense naquele período
em que a idéia de decadência já cristalizada no âmbito econômico passou a caracterizar
também a produção intelectual.
O segundo capítulo Questionando o Decadentismo visa analisar a profundidade
desse termo – Decadentismo – criado pelos intelectuais neoatenienses, buscando identificar
o que foi fato e o que foi mito (exagero) na construção dessa ideologia. Para tanto,
dividimos este capítulo em duas sessões. A primeira visa analisar a evolução educacional
do Maranhão. Procuramos perceber se de fato houve em São Luís, uma realidade
educacional que propiciasse o surgimento dos títulos de Atenas Brasileira e República das
Letras. Neste ponto dedicamos uma seção secundária à comparação entre a Atenas
Brasileira e a Atenas Grega. Na segunda sessão, objetivamos mostrar se houve condições
intelectuais reais anteriores aos neoatenienses onde a saída daqueles literatos para outras
regiões do país resultasse no posterior Decadentismo.
O terceiro e último capítulo, dedicado à Academia Maranhense de Letras, que
despontou dentro do contexto delimitado neste trabalho, busca revelar as estratégias
contidas no discurso decadentista/salvacionista, preconizado por aqueles intelectuais
membros da Academia, que almejavam afirmação no concorrido mercado das letras e
status perante a elite local.
O objetivo desta pesquisa não está em buscar a origem do Decadentismo, mas,
verificarmos se ele realmente existiu como foi apontado por alguns intelectuais – o grupo
fundador da Academia Maranhense de Letras – e revelar os interesses ocultos desses
literatos ao preconizar em alta voz o Decadentismo.
Para a elaboração desta pesquisa, utilizamos como fontes primárias, artigos de
jornais produzidos durante o período em questão, e o primeiro volume da Revista da
Academia Maranhense de Letras, publicada dez anos depois de sua fundação, porém
registrando as primeiras atividades dessa instituição.
Para uma melhor compreensão do período estudado fizemos um levantamento
de referências bibliográficas produzidas por historiadores locais acerca do conteúdo, bem
como referências que constituíssem balizas teóricas, formuladas por Burke, Chartier,
Foucault, Hunt, entre outros.
Trazendo a lume este trabalho de pesquisa, anelamos não apenas atender as
exigências do Programa de Graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão,
como também contribuir, de forma modesta, para a compreensão de aspectos da
historiografia local.
1 UM BREVE RETROSPECTO: O MARANHÃO NA PASSAGEM DO SÉCULO
XIX PARA O XX
1.1 Economia
O recorte temporal deste trabalho está delimitado entre a última década do
século XIX e as duas primeiras do século XX (1890-1920), no entanto, nos permitimos
fazer breves considerações relacionadas à economia maranhense de períodos que
antecederam os trinta anos privilegiados neste estudo. Sem a intenção de parecer
repetitivos, traremos à lume um breve retrospecto.
Expressões como crise, decadência, declínio e oscilação são recorrentes
quando o assunto é economia maranhense. Nos últimos 60 anos, muitos historiadores que
se dedicaram a este tema, apresentaram a experiência maranhense na lavoura como uma
contínua oscilação entre bonança e crise, o que Alfredo Wagner (1983) convencionou
chamar de Ideologia da Decadência.
De fato, a economia maranhense no século XIX, pautada nos moldes coloniais 1
– grande propriedade monocultora escravista – viveu uma sucessão de tentativas de
inserção no mercado mundial, porém, sempre condicionadas às oscilações do mercado
externo devido às arcaicas formas de produção.
Beatriz de Andrade (1984, p. 5) aventa que
[...] O Maranhão saiu do período colonial em condições precárias, uma vez que
a exploração da terra se fazia por processos primitivos, a indústria não passava
de um paupérrimo artesanato, os transportes e comunicações eram os mais
rudimentares possíveis e a única forma de energia empregada era a força
humana e animal.
1
Conseqüência da atuação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Tem seu início ainda no
século XVIII com a atuação da política pombalina.
No entanto, dois períodos de repentina prosperidade para o Maranhão – 1780 a
1820 e 1850 a 1870 – favorecidos por anormalidades no mercado internacional, e a
utilização do trabalho escravo, possibilitaram o envio dos filhos das famílias ricas da
província para a Europa, e levou ao surgimento de dois grupos de literatos, a saber, o
Grupo Maranhense e os Atenienses – respectivamente – composto de romancistas, poetas e
jornalistas.
Porém aquela fase de crescimento foi efêmera, entre as causas apontadas para o
declínio da produção agrícola do Maranhão está a abolição da escravidão.
Ao longo de todo o século XIX a mão-de-obra escrava passou por uma
paulatina diminuição, sendo considerada como uma das principais causas da crise da
lavoura. Por volta da segunda década do século XIX, o número de negros no Maranhão
representava cerca de 55,3% da população, um número superior à média nacional que era
de aproximadamente 51%. Em 1861 esse número já havia caído para 27,1% da população
da província (FARIA 1998, passim).
Durante muito tempo, a abolição do trabalho escravo foi considerado o grande
responsável pela crise da economia maranhense verificada no final do século XIX.
Viveiros (1954, p. 1) escreveu:
[...] a liberdade dos escravos e o advento da República, uma desorganizando o
trabalho agrícola e outro criando novas obrigações para o Estado, determinaram
no Maranhão uma tremenda crise econômica que se prolongou por um lapso de
tempo de cerca de um quarto de século.
Para Andrade (1984, p. 7), a abolição deflagrou o processo que “viria causar
desastrosas conseqüências para a Província do Maranhão”. Meireles (1964, p. 344) usa a
expressão “ferida de morte”, referindo-se à condição da economia maranhense após a
abolição da escravidão.
Porém, nem todos concordavam que a crise da grande lavoura tenha sido a crise
da economia maranhense, mas, apenas a crise de um setor – grande fazenda monocultora
escravista – conforme já foi apresentado. O número de pequenos produtores livres atuando
em outros ramos tornou-se crescente a partir da segunda metade do século XIX e
principalmente no início do século XX, conforme observou Raimundo Lopes (1916, apud
MARTINS, 2004, p. 74): “o evoluir das terras, pela substituição efetiva, mas ainda
incompletamente estabilizada das fazendas senhoriais pelas famílias de lavradores [...] [era
uma] verdadeira renovação social, altamente benéfica em seu conjunto”. Para ele, a
abolição da escravidão determinou a derrocada de uma determinada classe social, e não de
todo o corpo social, ao contrário do que afirmava a maioria dos intelectuais de seu tempo.
O fim do cativeiro representou a derrocada do latifúndio produtor no Maranhão,
porque os fazendeiros insistiam em permanecer com uma agricultura rudimentar, carente
de um progresso tecnológico mínimo que permitisse a sobrevivência dessa forma de
produção. Ao contrário do que aconteceu no sul do país, aonde investimentos na produção
e a versatilidade dos fazendeiros quanto à mão-de-obra, fizeram com que a abolição do
trabalho escravo não tenha significado o colapso da economia.
Miguel Vieira Ferreira (1886, p. 44 apud Martins, 2002, p. 23), intelectual
maranhense que viveu na segunda metade do Século XIX, afirmou que “os lavradores são
a própria causa da sua ruína”. Ao analisar a obra de Ferreira, Martins (2002, p. 23) afirma
que ele via a lavoura como a grande responsável pelo atraso econômico do Maranhão, por
que
[...] se o fazendeiro maranhense fosse um empreendedor, antes de tudo,
utilizaria racionalmente os elementos a seu dispor: a escravaria e o capital
monetário. Entretanto, faltava-lhe o capital moral, isto é, conhecimentos
especializados suficientes para a organização de seus empreendimentos m bases
capitalistas”.
Desta forma, ficou atestada a incompetência e falta de iniciativa dos fazendeiros
maranhenses diante daquela nova realidade.
José do Nascimento Morais, autor de Vencidos e Degenerados, publicado em
1915, focaliza o interior de uma sociedade decadente situada entre o final do século XIX e
o início do XX – A sociedade Maranhense. O discurso da decadência moral e material
ganha destaque no trabalho. Através da obra, Morais (2000, pp. 81-83 apud MARTINS
2004) expressa suas idéias sobre a decadência material do Maranhão, e não credita essa
situação apenas à falta de braços após o 13 de maio de 1888, mas também “porque em
grande parte não entendiam de lavoura e criação os que acudiam aos honrosos qualitativos
de lavradores, agricultores e fazendeiros”. Atribuiu aquela situação à ausência de
emigração estrangeira, ao monopólio comercial dos portugueses, sírios e turcos, e ao
controle da administração pública nas mãos dos descendentes das antigas famílias da
província.
Quanto à mão-de-obra estrangeira, vista como uma alternativa de substituição
da mão de obra-escrava, a análise do estudo de Regina Faria (1998) nos fez concluir que
duas razões específicas impediram a introdução do trabalho de imigrantes no Maranhão: a
falta de interesse dos fazendeiros em adaptar-se a esta nova realidade – já conhecida em
outras regiões do país – e a morosidade do governo em aplicar ações efetivas na
concretização desse projeto.
Podemos afirmar que no Maranhão esta tentativa não obteve sucesso, sendo
praticamente nula no Estado, devido à ausência de uma política de atração deliberada, à
semelhança de outros Estados da federação. A diminuição gradativa das verbas destinadas
para imigração, revela o desinteresse dos produtores em pressionar o Governo a fim de
efetivar a imigração de estrangeiros para o trabalho na lavoura. Desta forma, os imigrantes
pouco contribuíram para modificar as relações sociais e de produção no meio maranhense.
O impacto causado pelo fim da escravidão e todas as suas conseqüências no
âmbito político não foi maior que as seqüelas deixadas pelo cativeiro naquela sociedade
marcada pelo preconceito racial e pela aguda bipolaridade social – dominadores e
dominados.
Apesar das altas e baixas que acompanharam a economia maranhense durante
todo o Império, o século XIX foi o período que a historiografia tradicional convencionou
chamar Idade de Ouro do Maranhão, pois, apesar de tudo, foi nesse período que se deu o
soerguimento do baixo nível material legado pela colônia.
Por volta da década 1890, uma nova alternativa de investimento despontou para
a economia maranhense. Apesar da crise na lavoura, ainda houve fôlego para o
investimento em um novo setor – um parque fabril têxtil2 – visto com uma espécie de
tábua de salvação para os latifundiários que após a abolição da escravatura, desiludidos
pela não indenização dos escravos libertos (1888) e o conseqüente declínio da produção,
viram suas propriedades perderam o valor em até 90%. Maria da Glória Correia (2006,
p.176) afirma que “corações e mentes, devaneios e esforços voltavam-se agora para a
montagem de fábricas, envolvendo-se neles até os menos aquinhoados”.
É, pois, nesse contexto em que, pelo menos formalmente, as condições estavam
dadas que o espírito instaurador de fábrica, provocando aquilo que Fran Paxeco
diagnosticou como uma ‘disenteria fabriqueira’ [...] E assim ‘como quem muda
de cenário em palco de teatro pretendeu-se transformar o Maranhão
escravocrata e agrícola em parque industrial de trabalho livre’. (CORREIA,
2006, pp. 174, 175).
Iniciava-se aí uma corrida, dos donos de fazendas, a fim de redirecionar o
capital da lavoura para a indústria. Beatriz de Andrade (1984, p. 12) nos informa que num
lapso temporal de dez anos (1885-1895) foi construído uma parque industrial que “ocupava
o segundo lugar do país, no setor, com 27 fábricas (sendo 17 pertencentes a sociedades
anônimas e 10 particulares), suplantado apenas por Minas Gerais, que tinha trinta e sete”.
São Luís pretendia ser a “Manchester Brasileira” (CORREIA, 2006, p. 180). Francivaldo
Melo (2005) em Uma Breve História do Maranhão destaca 10 (dez) unidades fabris que se
dedicavam à fiação e tecelagem de algodão, sendo cinco em São Luís, quatro em Caxias e
uma em Codó.
Uma parte do algodão que ainda era produzido na província passou a ser
utilizado na indústria que na década de 1890 chegou a contar com 11 fábricas de tecido e
fios de algodão.
Algumas razões são apresentadas para o redirecionamento repentino da
produção agrícola para a indústria no Maranhão. Entre elas estão:
•
2
A gradativa substituição do trabalho escravo pelo assalariado;
Ver fotografia em anexo. Imagem 1
•
O liberalismo nacional;
•
Falência das fazendas cotonicultoras e dos engenhos de açúcar.
Estas condições propiciaram a mudança repentina da economia maranhense
para a indústria, as fábricas proliferaram em São Luís para onde mudaram os grandes
senhores agrários.
A origem do capital empregado na construção do Parque Fabril é atribuída ao
amealhado na produção algodoeira, e também ao Capital Comercial e Bancário, que ao que
tudo indica, era a mesma coisa, apenas separados judicialmente. Afinal, era apropriação do
excedente gerado nas unidades produtivas que proporcionava essa concentração crescente
de capitais nos setores comercial e financeiro, ligados à exportação.
Em relação à mão-de-obra utilizada nas fábricas, “a força de trabalho utilizada,
no processo de trabalho, foi basicamente recrutada entre a população pobre urbana, sendo
mais da metade dos postos de trabalho, ocupado por mulheres e menores” (MEIRELES,
1970 apud MELO, 2005, p. 78) retirantes fugidos da seca no Ceará também compunham
esse quadro. Houve também experiência com mão-de-obra estrangeira, relatada por
Correia (2006, p. 190): “Engajados na cidade do Porto, zarparam os imigrantes
portugueses, embarcados no vapor Brunswick, que partiu do porto de Liverpool, na
Inglaterra, em 23/07/1894, rumo ao Maranhão”.
Sobre a jornada de trabalho, Maria da Glória Correia afirma que era controlada
por rígidos mecanismos de exploração, ressaltando-se, o chamado Barracão, como era
chamado o local de trabalho dos operários, que geralmente permanecia fechado durante
todo o horário de trabalho, contribuindo para a disseminação de muitas doenças. Além do
roubo nos pesos dos fios e na metragem dos panos, prolongamento exaustivo da jornada de
trabalho, multas, ameaças, violências físicas (2006, passim).
Correia (2006, p. 199) nos informa ainda:
Tendo em vista as longas jornadas de trabalho e o regime a que eram
submetidas nas fábricas, tornar-se operária era quase como viver em cativeiro
sendo pessoa livre, ainda que não passivamente, pois significava aprisionar
gestos e sentimentos, num estranho concerto de tempo e movimento, cuja
regência não dependia de quem os executava, mas do próprio instrumento. Isto
porque, para se tornar uma operária, assim como era exigido adestramento do
corpo – já que era necessário submetê-lo a uma rígida disciplina que o fizesse
repetir indefinidamente os mesmos movimentos, como se executasse rígida
sinfonia, sem possibilidades de variações sobre o tema -, também era
imprescindível que fosse domado o espírito, a fim de que pudesse privar esse
mesmo corpo do prazer do sol e do vento.
A implantação da República não alteraria substancialmente as relações de
dependência econômica que o Brasil mantinha com o Capitalismo Internacional.
Com a eclosão da I Guerra Mundial e a conseqüente valorização dos produtos
agrícolas nacionais, a utilização do babaçu e do algodão, entre outros produtos, fez com
que o Maranhão conseguisse, mesmo que temporariamente, reequilibrar as suas finanças e
expandir as exportações nos primeiros 20 anos no século XX.
Lacroix (2004, p. 18) afirma que no início do século XX as dificuldades
econômicas foram substituídas por uma “rápida reativação” da economia, devido ao
aproveitamento do babaçu e a elevação dos preços do algodão e dos tecidos da indústria
local, “o déficit, advindo do final do século XIX, foi ligeiramente superado pela balança
comercial positiva”. No entanto, o aproveitamento do babaçu no mercado não foi
suficiente para manter a estabilidade econômica diante da reorganização do mercado
mundial após o término da guerra, como aventou Meireles (1960, p. 343): “o babaçu não
foi, porém, como poderão crer os menos avisados um ‘milagre’ que tenha imediatamente
dado remédio à combalida economia maranhense; e teve mesmo seus efeitos prejudiciais”,
entre eles, o endividamento dos exportadores que investiram muito dinheiro no negócio,
sem garantias suficientes. Terminada a guerra, seguiu-se uma queda nos preços dos
produtos de exportação e a economia voltou a sofrer as conseqüências de não ser
competitiva. No comércio interestadual, os maiores compradores de algodão e babaçu
foram os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, o primeiro, utilizado na indústria têxtil; o
segundo, na fabricação de óleo comestível.
A indústria têxtil logo revelou sua fragilidade – na ausência de uma produção
algodoeira em larga escala, inexistência de indústria de base para desenvolver
tecnologicamente a produção, a flagrante dependência econômica do Estado às oscilações
do mercado internacional e pela incapacidade de concorrer com produtos de qualidade
equivalente aos produzidos em outros países – levando à falência progressiva desse modelo
que se arrastou até por volta da metade do século XX.
Entre as causas mais apontadas para a crise do parque fabril têxtil, temos:
•
Incapacidade gerencial, ou falta de experiência na indústria têxtil;
•
Falta de incentivo do governo central, voltado para a consolidação do café
no sul do país;
•
Baixo nível tecnológico;
•
Mão-de-obra de custo elevado (no caso dos operários especializados);
•
Baixo poder aquisitivo da população.
Carlos de Lima (1981, apud ANDRADE, 1984, p. 13) acrescenta que:
[...] por outro lado, o número excessivo de estabelecimentos fabris de tecidos,
gerou uma feroz concorrência entre eles, disputando os operários especializados
a peso de altos salários e, com a baixa dos preços dos produtos para a conquista
de mercados, a moda destruía-se a si mesma. As fábricas foram fechando as
portas e inaugurando uma nova moda: a venda dos maquinismos para o sul do
país.
Isto não deve ser entendido como o fim da indústria têxtil no Maranhão,
porém, com a crise, os proprietários em sua maioria desviaram seus investimentos para
outras atividades, como por exemplo, o mercado imobiliário, em meados dos anos 50.
Na zona rural, uma nova configuração passa a ser desenhada baseada na
pequena produção:
[...] Tudo leva a crer que a pequena produção já figurava com importância no
panorama rural maranhense desde meados do XIX [...] No despontar do século
XX, a preponderância da roça cultivada por moradores foreiros dos grandes
proprietários, por posseiros em terras devolutas e por imigrantes nordestinos
assentados em terras municipais em diversificadas plantações modificou o meio
rural maranhense. (LACROIX, 2004, p. 18).
A primeira metade do século XX também foi de alternância da economia
maranhense, ao sabor das duas grandes guerras mundiais.
1.2 Política
A proclamação da República trouxe à lume a discussão sobre identidade,
pertencimento e nação. Intelectuais influenciados pelos ideais iluministas travaram
verdadeiras batalhas de idéias junto àqueles que ainda defendiam o regime monárquico.
Para os intelectuais cientificistas, a República era a expressão da integração do país à
história do Ocidente, sendo resgatado dos séculos de atraso em que esteve envolvido com o
modelo monárquico-escravista. Acreditavam que através da cultura e da educação seria
possível “superar o atraso cultural e acelerar sua marcha evolutiva a fim de que o Brasil
pudesse alcançar a parcela mais avançada da humanidade” (OLIVEIRA, 1990, p.81). Para
isso foi necessária a veiculação de correntes que possibilitaram a integração ao moderno e
científico, o Estado Positivo. O Positivismo encontrou no Brasil boa acolhida,
principalmente nas Forças Armadas, que se tornaram responsáveis diretas dos
acontecimentos do 15 de novembro de 1889.
No século XIX, a influência do Romantismo destacava o caráter individual
marcado pela busca da singularidade nacional, a individualidade insubstituível de cada
homem. O Positivismo republicano destacava o aspecto universalista, as características
gerais da pátria, buscando a noção de unidade indispensável à formação da identidade
nacional.
O triste fim de Policárpio Quaresma de Lima Barreto, que é uma crítica à
sociedade daquele período, evidencia essa busca pela identidade nacional. O ufanismo
patriótico do personagem se fez presente em todos os aspectos da sua vida. Em um
fragmento do texto, o autor se expressa através do personagem que após muitas reflexões
chega à conclusão de que o Brasil “tinha todos os climas, todas as frutas, todos os minerais
e animais úteis, as melhores terras de cultura, a gente mais valente, mas hospitaleira, mais
inteligente e mais doce do mundo” (BARRETO, 2004, p. 29).
O desejo de abandonar os traços da velha ordem levou à lusofobia, ou seja,
desprezo a tudo que ligasse ao passado colonial dominado por Portugal, desde a
substituição violenta da arquitetura lusitana, destruindo sua presença (na capital federal,
Rio de Janeiro), até os usos e costumes. “O país europeizava-se, segundo os modelos
ingleses, subvertendo os hábitos lusitanos até então dominantes”. (ANDRADE, 1984, p.
10).
No Maranhão, o conjunto arquitetônico da praia grande só não foi demolido
porque as famílias, as firmas comerciais, e o próprio governo, experimentavam uma
pobreza que resultou na riqueza arquitetônica atual, ou seja, na preservação dos
imponentes sobradões. Algum dinheiro disponível representou a destruição, como por
exemplo, a substituição dos azulejos de alguns casarões pela tinta que além de não
preservar a construção, tem vida útil muito curta o que força à manutenção permanente. No
caso da não manutenção, que se observou na maioria dos casos, o resultado foi o abandono
e a destruição de grande quantidade de casarões, destruídos pela ausência de conservação.
Apesar das divergências entre os intelectuais republicanos a respeito do que
deveria ser a República e o modelo a ser adotado (francês X americano), as idéias de Silva
Jardim em A República no Brasil (1888) expressam o que esse novo regime simbolizava
naquele momento “sua pretensão era mostrar o atraso e a inutilidade do regime
monárquico em confronto com as vantagens do regime republicano. A República seria o
governo da opinião púbica, da ausência de privilégios, da liberdade nas relações morais e
civis, da igualdade perante a lei” (OLIVEIRA, 1990, p. 87). Todas as esperanças estavam
depositadas na República, no entanto, a imagem que a República Velha deixou como
herança na História oficial foi a de um regime controlado pelas oligarquias, tanto no
governo central (Minas Gerais e São Paulo) quanto nos Estados, com os coronéis, e
caracterizado como um regime moroso e ineficaz. Faoro (1979, p. 472) explica que
[...] a elite política sofre convulsão impotente, ao importar as idéias européias
para um país inapto a consumi-las. Ela se parte, na ideologia, entre o país real,
necessitado de modernização e o país oficial, mera cópia de modelos alheios.
Essa dicotomia, mal definida, difusa, será responsável pela sua esclerose interna
numa perplexidade que a falta de missão própria converterá em decadência.
O período que vai de 1889 a 1898, considerado como o de consolidação da
República, foi marcado por conflitos econômicos e políticos em todo o país, devido ao
ajustamento aos novos mecanismos econômicos e à nova ordem do poder, “daí os
descompassos econômicos, sociais e políticos que, mantidos em estado de latência no
sistema monárquico, vão irromper irrefreavelmente durante a República, tornando difícil a
sua estabilização” (ANDRADE, 1984, pp. 13 e 14).
Os historiadores costumam dizer que a passagem do Regime Monárquico para
o Republicano foi um passeio, dada à indiferença da população em relação ao que se
passava. Na capital do Império, autores relatam que diante do ato da proclamação da
república, muitos transeuntes acreditavam estar vendo uma Parada Militar. “Com efeito, na
República, como na Independência, o povo permaneceu à margem dos acontecimentos,
conduzido pela classe dominante, fracionada em partidos opostos e, agora, como foi dito,
em disputa permanente pela posse do poder de Estado” (ANDRADE, 1894, p. 16).
Em São Luís a única anormalidade registrada, aconteceu na noite de 17 de
novembro de 1889, e ficou conhecida com O Fuzilamento do dia 17. A manifestação foi
atribuída a ex-escravos que, segundo Meireles, temiam que o regime republicano voltasse
atrás quanto à questão da escravidão. A movimentação do dia 17, na visão desse
historiador, não passou de um “incidente sem maior gravidade”. Relata ainda que, “indo os
manifestantes contra a redação de O Globo, a polícia interferiu imediatamente,
dispersando-os; isto na véspera da adesão” (1960, p. 297).
O fato é que talvez a manifestação não tenha sido assim tão irrelevante, talvez o
termo fuzilamento, não tenha sido um exagero, como afirmou Meireles. A Pacotilha do dia
18 de novembro de 1889 informou que um grupo de pessoas fazia uma manifestação em
frente da redação do jornal O Globo dando vivas à monarquia, ao imperador e à família
imperial quando foram interrompidos pela polícia. Saldo: quatro mortos e diversas pessoas
feridas. Ao atribuir a manifestação a ex-escravos, informação que a notícia do jornal não
confirma, Meireles minimizou a amplitude do conflito, que como o próprio autor disse
“concorreu um ambiente de frieza, indiferença e desconfiança, se não de hostilidade,
contra a República” (MEIRELES, 1960, p. 297), de forma que somente no dia 22 de
novembro (1889) aconteceram as primeiras cerimônias cívicas saudando a República, uma
delas por parte dos alunos do Liceu Maranhense, e um desfile alegórico promovido no dia
30 pelo professor e poeta Sousândrade.
A tentativa de abafar a violência e a repercussão do dia 17 foi preocupação
também das autoridades da época, manifestada claramente nesta nota divulgada pela
Pacotilha no dia 18 e assinada pelo Chefe de Polícia interino.
A ordem que reinou durante a noite passada nesta cidade e que muito abona o
zelo de V. S a bem da tranqüilidade e socego publico, da-me motivos para
louval-o e testemulhar-lhe o conceito que merece de governo.
Sem que seja meu fim despertar a solicitude que há revelado nesta quadra pouco
normal, confio ainda que empregará os meios suasorios e aconselhados pela
prudência para evitar qualquer reunião de que tenha notícia, estando certo que
tudo conseguira, attenta a índole ordeira e pacifica do povo maranhense.
Tito Augusto Pereira de Mattos.
Sr. Dr. Chefe de Polícia interino (SÃO LUÍS. Pacotilha, 18/11/1889, nº. 274).
Porém um fragmento retirado de uma notícia que dava conta do ocorrido no dia
17 confirma que o conflito ultrapassou os limites de um incidente.
[...] Amigos da segurança publica, aconselhamos aos nossos concidadãos que
mantenham a paz e a ordem que se observam na cidade, evitando por essa
forma scenas deploráveis, como as que se deram na noite de ontem (SÃO LUÍS.
Pacotilha, 18/11/1889, nº. 274).
Aos poucos, todos os seguimentos da população se davam conta da instalação
do novo regime, dadas as confirmações oficiais que se avolumavam nos jornais, nos dias
que se seguiram àquele 15 de novembro de 1889.
A revolução está consumada: a República esta vencedora e é hoje o poder
constituido em toda a extensão do país [...]
A retirada de D. Pedro e sua família, para o continente europeu torna escusada
qualquer reacção que não pode deixar de ser prejudicial a paz e ordem publica
(SÃO LUÍS. Pacotilha, 18/11/1889, nº. 274).
Desmoronou-se o império com aplauso da nação brazileira, e a velha instituição
tão desmantellada se achou no momento critico do ajuste de contas, que nem
sequer fez uma tentativa de resistencia.
O que o patriotismo exige actualmente é abnegação, trabalho, organização, e
todo cidadão, por mais humilde que seja tem o dever de levar sua pedra para a
reconstrução da pátria (SÃO LUÍS. Aurora Maranhnse, 28/01/1890, nº. 1).
O entusiasmo que acompanhou a chegada da República foi gradualmente sendo
substituído pelo descontentamento diante das inovações impostas pela mudança política. A
República, influenciada por idéias positivistas, intrometeu-se em aspectos tradicionais da
vida social considerados íntimos e arraigados ao longo dos séculos. Entre esses aspectos,
destacamos a separação entre Estado e Igreja, ideal defendido pelo positivismo, e a
introdução do casamento civil.
A separação entre Igreja e Estado, prevista pelo regime republicano não foi
vista com bons olhos em uma sociedade que carregava em seu bojo séculos de catolicismo.
Apregoam certos jornalistas da actualidade que o dogma (?) republicano exige a
separação da Igreja e do Estado[...] Estas declamações, embora desprovidas de
provas, mil vezes repetidas, servem para desvairar a opinião pública, e crear
desharmonia funestas no seio da sociedade brazileira [...]
Todas as constituições republicanas da América, com excepção dos Estados
Unidos norte-americanos, reconhecem a Religião Catholica Apostólica Romana
como Religião do Estado, donde se vê que o regimen republicano não é
compatível com a Igreja Catholica. (SÃO LUÍS. Aurora Maranhense,
31/03/1890, nº. 2).
O decreto de 7 de janeiro que separou a Igreja do Estado [...] Não podendo ser o
governo, pondera a Pacotilha, uma cousa differente da nação, do povo, concluese necessariamente que não é justo o Decreto, que separou a Igreja do Estado,
tornando este inteiramente indifferente á assumptos religiosos (SÃO LUÍS.
Aurora Maranhense, 09/04/1890, nº. 12).
A reação da população logo se esboçou, comparecendo em massa às cerimônias
realizadas pela Igreja, expressando sua rejeição ao novo decreto, caracterizado como
perseguição à fé Católica.
Foi enorme a concorrência do povo às cerimônias da semana santa. A procissão
do enterro do Senhor foi verdadeiramente imponente. Se o governo separou-se
da Igreja, com certeza della não separou-se o povo deste Estado (SÃO LUÍS.
Aurora Maranhense, 09/04/1890, nº. 13).
As nossas procissões quaresmais fizeram-se com ordem e com um cortejo
enorme. A todos estes actos do culto divino tem assistido o zeloso prelado
maranhense. Nota-se no povo geral contentamento. O Maranhão provara que é
fiel ás suas tradições religiosas (SÃO LUÍS. Aurora Maranhense, 22/04/1890).
A questão do casamento civil foi vista como uma intromissão do Estado na
sagrada intimidade do seio familiar e também foi alvo da reprovação popular.
No campo político, a mudança administrativa de Província para Estado e a
criação de uma Intendência administrativa, foi aparentemente bem recebida tendo em vista
a má atuação da Câmara Municipal nesta província.
O acto dictatorial, que aboliu as Câmaras Municipais, tranformando-as em
intendências de nomeação do poder executivo, offende sem duvida o apregoado
principio moderno da soberania popular, mas explica-se senão justifica-se pelo
descrédito, em que cahiu essa instituição, convertida em instrumento de pequens
corrilhos políticos [...]
Saudamos a nossa intendência, e dando mil louvores á República por sua
prodijiosa produção, desejamos ardentemente que o Município tome outro
aspecto [...] (SÃO LUÍS. Aurora Maranhense, 31/01/1890 nº. 2)
A atuação da Câmara municipal não despertava muita confiança na população,
notas como esta transcrita abaixo, não eram incomuns.
Camara Municipal
Por falar de numero não funcionou hoje esta corporação (SÃO LUÍS. Pacotilha,
30/10/1889 nº. 259).
A primeira Constituição política do Maranhão foi promulgada em 04 de julho
de 1891, constituída de oito títulos com cento e cinqüenta e nove artigos. A Constituição
previa a separação dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. Definia que o
Poder Legislativo seria exercido por uma Câmara de Deputados (composta de 20 membros
leitos por 3 anos) e outra de Senadores, esta composta de 15 membros eleitos por nove
anos. O Poder Executivo seria exercido pelo Governador do Estado, eleito por quatro anos,
podendo ser substituído pelo Vice-Governador do Estado eleito juntamente com ele. “O
Poder Judiciário exercido pela magistratura do Estado era composta de um Superior
Tribunal de Justiça e por Juízes de direito e juízes distritais e seus suplentes, tribunais do
Júri e tribunais correcionais”, nas palavras de Meireles. Também se instituiu uma Polícia
do Estado, responsável pela “manutenção da ordem e segurança públicas”. (MEIRELES,
1960, p. 303)
Quanto à administração municipal, ficou responsável: uma Câmara, um
intendente e um subintendente, eleitos por 4 anos.
Estavam aptos para votar: os maiores de vinte e um anos, alfabetizados do sexo
masculino, exceto “mendigos, praças de pré e religiosos com votos de renúncia da
liberdade individual”. (MEIRELES, 1960, p. 304).
Quanto à educação, a Constituição previa que anualmente, o Estado aplicaria
cerca de vinte por cento das rendas resultantes dos impostos na manutenção e
desenvolvimento do ensino, criação de mais escolas secundárias e profissionalizantes, bem
como a obrigatoriedade do ensino primário.
Desta forma ficou organizado o Maranhão, “Estado federado da República dos
Estados Unidos do Brasil”. (MEIRELES, 1960, p. 305).
No início da República, o número de municípios no Estado do Maranhão era de
aproximadamente cinqüenta, excluída a capital (São Luís). Os principais eram: Caxias,
Codó, Pedreiras e Bacabal. No censo de 1960 o número de municípios havia aumentado
em mais de uma dezena.
No Maranhão a instabilidade política herdada da monarquia permaneceu
inalterada nos primeiros anos da República. Em menos de dois anos teve oito governadores
provisórios, tendendo a estabilizar-se somente a partir do terceiro mandato (1898-1902) até
a Revolução de 30.
Resumindo o que significou a Primeira República no Brasil utilizaremos as
palavras de Carlos de Lima (1981, apud ANDRADE, 1984, p. 17) que afirma:
Como era de esperar, a República chegou com os mesmos vícios, os mesmos
homens, as perseguições aos adversários e a farta distribuição de pingues,
empregos a parentes, amigos e correligionários [...] Um ano depois, os
senadores e deputados eram escolhidos em listas feitas e aprovadas no Rio de
Janeiro, num sistema eleitoral compulsivo, elegendo, por vezes, as províncias,
cidadãos completamente, cidadãos completamente desconhecidos nelas. Mais
uma farsa, só que, agora, republicana.
O Maranhão não fugiu à regra; foi próspero em chefes políticos dessa natureza,
onde o prestígio e a força dos deputados e senadores eram avaliados por suas relações com
esses coronéis, que além de aliciar votos para o Governo, ainda utilizava instrumentos
punitivos, vingativos e de repressão no âmbito municipal – Coronelismo. Nas palavras de
Correia (2006, p. 172): “Mudara-se tudo para não mudar”.
Os primeiros anos da República coincidem com o surgimento do grupo de
intelectuais maranhenses autodenominados Novos Atenienses (1894-1932) que inspirados
nos dois grupos anteriores – Grupo Maranhense e Atenienses – cantaram e decantaram as
glórias do passado no campo das produções literárias atribuído a este Estado.
Caracterizam-se pela forte atuação no jornalismo, não só na produção de artigos como
também na fundação de vários periódicos.
Distinguiram-se também, “por constituírem um patrimônio institucional jamais
visto no maranhão, voltado para dar sustentação à obra de resgata do passado
mitológico”. Entre essas instituições estava a Academia Maranhense de Letras, fundada
com o objetivo de promover uma renovação cultural e preservar a excelência das tradições
pretéritas do Maranhão intelectual (MARINS, 2006, p. 174).
1.3 Cotidiano e sociedade
Em 1900 a população ludovicense estava estimada em 499. 308 habitantes
espalhados entre a zona urbana e a zona rural (Cutim, Anil, Bacanga, Vinhais).
Os surtos de crescimento econômico no século XIX, permitiu à capital
maranhense ingressar nos moldes civilizatórios ditados pela Europa (mais precisamente a
França), considerada um paradigma a ser seguido pelas outras nações. Isto se deu em todos
os aspectos da vida da população que tentava imitar tais padrões. Numa cidade típica do
século XIX, São Luís aos poucos conquistava um belo conjunto de sobrados3, em sua
3
Ver fotografia em anexo. Imagem 3.
maioria pertencentes aos fazendeiros que de tempos em tempos vinham à capital tratar dos
seus negócios.
O Teatro São Luis4 era a evidência de que a sociedade ludovicense não se
preocupava apenas com o enriquecimento material, mas também com as criações do
espírito5. Os Saraus, reuniões alegres onde apreciavam música e Literatura, era o lugar
ideal para os jovens das classes mais abastadas demonstrarem estar atualizados com a
cultura européia. A utilização do idioma francês era comum nestas reuniões.
Entre os círculos sociais mais favorecidos economicamente, a produção literária
européia (portuguesa e francesa) proliferava, divulgando as novidades do pensamento
europeu. É neste contexto, que surge o destacado Grupo Maranhense, composto de jovens
intelectuais versados nas mais variadas áreas – poetas, jornalistas, romancistas, entre
outros. Desse grupo fizeram parte escritores como: Odorico Mendes, Sotero Reis. João
Francisco Lisboa, Trajano Galvão de Carvalho, Gonçalves Dias, Antônio Henriques Leal,
Joaquim Gomes de Sousa e Joaquim de Sousa Andrade (Sousândrade).
Segundo a historiografia oficial, foi este grupo de notáveis escritores que
rederam a São Luís o título de Atenas Brasileira.
Ainda no século XIX, um segundo grupo denominado Atenienses, também
alcançou destaque nas letras nacionais. Entre eles estão: Teófilo Dias, Graça Aranha,
Aluísio e Arthur Azevedo, Raimundo Correia, entre outros.
O desejo da classe rica de estar em sintonia com o modelo francês fazia com
que essas pessoas adotassem de vez o estilo gaulês, de forma que poderiam até confundir
um observador desatento.
Signaes para reconhecer o parisiense
[...] Não devemos nunca tomar por parisienses os que encontramos nos banhos
de mar e nos disem constantemente: Paris oli! Paris! – não há nada como Paris!
Meu Paris, etc.
4
5
Posteriormente, Teatro Arthur Azevedo.
Ver fotografia em anexo. Imagem 4.
Tão grande enthusiasmo temos pelas coisas que desejamos ou lamentamos, mas
nunca pelas que possuímos [...]
Em caso nenhum lamentarão acharem-se fora de Paris, pois tem certesa de que
em breve estarão de volta (SÃO LUÍS Pacotilha, 28/11/1880, nº. 5).
Nos jornais havia um grande espaço reservado somente para as notícias de Paris
e destaque para tudo que aqui poderia ser encontrado de origem francesa como os anúncios
de vinhos e deliciosos chocolates franceses de primeira qualidade”.
Sortimento Triumphal
A ultima palavra em Paris
A Notre Dame recebeu dos melhores armazens de Paris, o que havia de mais
chic e mais moderno, para assim satisfazer o gosto do mais exigente de seus
freguezes.
Crepe de seda em todas as cores chics
Setim charmerise em todas as cores da moda
Tafetá raduim para vestidos de senhoras
Seda Bojador para vestidos ou bluzas
Cambraias brancas
Bolsas para senhoras, leques em gazes de seda, cambraia e papel, plumas [...]
Espartilhos modelos elegantisimos, cofeccinados em tecido mercerise [...] (SÃO
LUÍS. A Tarde, 03/07/1915).
Mas nem tudo eram flores. Não havia muita preocupação por parte do poder
público no que se refere à questão do saneamento básico da cidade. Somente a partir de
meados do século XIX que a prestação de serviços básicos começou a ser oferecida,
mesmo que precariamente.
Na década de 1850, a Companhia do Anil recebeu o direito de explorar, durante
60 anos, o encanamento e a distribuição de água em São Luís, mas não durou muito tempo
devido a forte oposição de um grupo que já explorava esse serviço.
A água vendida por Dona Ana Jansen em sociedade com o comerciante José da
Cunha Santos, era proveniente de suas fontes situadas no Vinhais e no Apicum,
sendo transportadas para a cidade em canoas, onde eram vendidas em carros de
boi conduzidos por escravos. Esta célebre matriarca e seu sócio fizeram grande
resistência à Companhia do Anil, espalhando boatos sobre a qualidade do
produto fornecido pelo concorrente, e sabotando os canos que levavam a água
dos mananciais aos chafarizes instalados pela companhia. (FARIA, 1998, p.
85).
Em 1874 a concessão do serviço de distribuição de água foi dada à Companhia
de Águas de São Luís, no entanto, essa medida não solucionou o problema da distribuição
de água. A insatisfação com a prestação de serviço dessa empresa é a causa de repetitivos
artigos nos jornais da época. As reclamações não estavam circunscritas apenas à questão da
falta d’água como também o preço que era cobrado, que chegava a ser oito vezes mais caro
do que o da água distribuída no Rio de janeiro.
No tocante à inoperância do poder público, vale, todavia, ressaltar que a não
implementação de medidas concernentes ao abastecimento de água não se devia
ao desconhecimento do ponto em que chegava a sua insuficiência e dos
constrangimentos que essa falta impunha à população, ou mais precisamente
aos habitantes mais desfavorecidos da fortuna, os quais não tinham como suprir
suas necessidades comprando o líquido distribuído pelos aguadeiros.
(CORREIA, 2006, p. 133).
A constante falta d’água comprometia gravemente o funcionamento de setores
importantes para a economia, como as fábricas que vez ou outra eram forçadas a
interromper a produção devido a ausência do precioso líquido, isto sem falar na limpeza
pública para o qual somente as chuvas amenizavam a situação caótica.
Ha dois dias que por falta d’água não trabalha a fábrica de fiação e tecidos
(SÃO LUÍS. Pacotilha, 16/11/1889).
Incontestavelmente as chuvas prestam melhor serviço à limpeza publica do que
os fiscaes da edilidade (SÃO LUÍS. Pacotilha, 30/10/1889, nº. 10).
Dia a dia vai se tornando mais evidente a calamidade [...] ruas inteiras privadas
do precioso liquido e não consta que a Companhia das águas de São Luís tenha
tomado qualquer providencia no sentido d remediar o mal [...] A situação é
grave e como tal deve ser tratada (SÃO LUÍS. Pacotilha, 30/10/1889, nº. 10).
Em caso de incêndio, muito freqüentes devido ao grande número de palhoças
na cidade (o que facilitava o alastramento do fogo), e às constantes sabotagens em
armazéns, as pessoas só poderiam contar com a ajuda dos vizinhos, que eram orientados a
sempre ter baldes d’agua em casa à disposição para serem utilizados para conter o fogo,
inutilmente.
Nesta semana não houve roubo nem incêndios. Vamos melhorando (SÃO LUÍS
Pacotilha, São Luís, 19/12/1880, nº. 9)
.
Na transição do século XIX para o XX, São Luís, já batizada Atenas Brasileira,
vivia o dilema de uma cidade que pretendia ser moderna, civilizada, porém, convivendo
com hábitos retrógrados. No final dos anos 20, mais precisamente no ano de 1918, a
Diretoria do Serviço Sanitário informou que em São Luís constavam 560 casas de telha e
460 palhoças, somando um total de 6.060 habitações, contrastando com um dado
apresentado em 1921 que informava que de um total de 8. 417 casas, 5.410 eram cobertas
de telha, logo, 3.007 palhoças, um aumento considerável6. Ainda em 1921, o cenário da
cidade era composto de: 2 parques, 4 avenidas, 14 praças, 72 ruas, 26 travessas, 2 rampas,
2 becos e 4 praias. (PAXECO, 1923, pp. 602-636).
Em 1862, a Companhia de Iluminação à Gás do Maranhão assinou um contrato
que a responsabilizava ela iluminação pública. Em 1870, 9 prédios públicos e 442
residências particulares dispunham de iluminação a gás e também algumas vias públicas
como a rampa do Palácio, o largo do Carmo, a Praça da Alegria, entre outros.
A deficiência dos serviços de iluminação prestada por esta companhia tornou-se
alvo de constantes reclamações, devido o descaso com que era tratada esta questão.
Se o gerente da Companhia que nos ilumina tivesse necessidade de transitar
pela rua de S. João até o ponto em que cruza com a de Sant’Anna, sem dúvida
que providenciariam de modo que fosse substituído, ou consertado o candieiro
alli collocado cuja luz, alem de não ter intensidade de meia vela siquer, tremula
com tal insistência que encommoda a vista (SÃO LUÍS, Pacotilha, 02/01/1881,
nº. 10).
Hontem a noite chovia a cântaros e a cidade estava em trevas... por ser dia de
Lua (SÃO LUÍS Pacotilha,16/01/1881, nº. 12).
6
Seria interessante um estudo específico que verificasse a veracidade desses dados, porque o aumento
populacional verificado em três anos, a partir dessas informações, é impressionante.
A Profª. Maria da Glória Guimarães Correia (2006), fez uma excelente
descrição da realidade ludovicense no início do século XX, em seu trabalho, recentemente
publicado na coleção de teses lançada pela Universidade Federal do Maranhão. Ela
discorre em uma análise interessantíssima sobre o que chama de cidade ideal e a cidade
real. São Luís era a cidade do fausto e do fastio, ou seja, a opulência vivia lado a lado com
a miséria, contradição ilustrada pelos casarões, de um lado, e os cortiços e palhoças do
outro.
O fastio também se refere à ausência de salubridade, observado na imundície
com que se deparavam os transeuntes das vias públicas de São Luís, o desrespeito às leis
de saúde eram sintomáticas da (pseudo)civilização – resultado da falta de educação e
conseqüente ausência de noções básicas de higiene – que os orgulhosos atenienses diziam
viver.
Ruas e praças que se transformam em monturos, praias tomadas por focos de
infecção e viveiros de germes; enfim, torrentes de miasmas que infectam a sua
atmosfera. Diante desse quadro, nada mais coerente do que considerar porque a
mortalidade crescia e os organismos depauperavam, em detrimento das
campanhas higienistas por mudanças que, aliás, só poderiam ser viabilizadas se
as bases da sociedade fossem tocadas. (CORREIA, 2006, p. 59).
Os detritos fecais escoriam livremente pelas ruas da cidade devido a ausência
de uma rede de esgotos. Animais mortos eram jogados no meio das ruas, entravam em
estado de putrefação e lá ficavam vários dias, até quem sabe a próxima chuva. O
recolhimento do lixo feito por carroças que percorriam a cidade, era caótico. As pequenas
carroças não comportavam todo o lixo, que por sua vez ia caindo ao longo do caminho
traçando um rastro de podridão. Na época, dizia-se que São Luis era uma excelente
moradia de ratos.
A rampa Campos Mello está sendo obstruída por grande porção de lixo [...] que
alli são depositados todos os dias (SÃO LUÍS. Pacotilha, 21/11/1881, nº. 4).
Os surtos virulentos não eram incomuns, dizimando a vida de centenas de
pessoas, numa cidade em que a palavra prevenção era desconhecida. Para as famílias mais
pobres que não dispunham de um serviço médico domiciliar, uma vez doentes, só
poderiam esperar pela morte, tendo em vista que o isolamento era a ante-sala da morte.
[...] é evidente que uma alimentação má, como a que entre nós se observa,
enfraquece a população predispondo-a para as moléstias endemicas e epidemias
que infelizmente quase sempre nos perseguem.
Para nós é fora de dúvida que o mao estado sanitário da capital procede
directamente do pouco eu nenhum cuidado que o governo dispensa a sua causa
primordial (São Luís, Pacotilha, 19/04/1881).
O matadouro público foi personagem central de reclamações relacionadas não
só ao aspecto imundo em que se apresentava, mas também pela qualidade da carne que
oferecia.
[...] não há um só dia que a nossa população coma carne fresca.
A carne que todos os dias consumimos[...] é sem exageração – carne podre!
O melhoramento de nosso estado sanitário depende exclusivamente do da
alimentação pública – effectuando este será verificado aquelle (SÃO LUÍS.
Pacotilha, 21/11/2006, nº. 4).
Em 1871 chegou a São Luís uma inovação em questão de transporte público.
Aos cuidados da Companhia Ferro-Carris São Luís do Maranhão, o transporte passou a ser
feito por meio de bondes puxados à tração animal, cobrindo uma área de duas léguas
(aproximadamente 5. 310 metros de trilhos).
De acordo com o Código de Posturas Municipais (1866 apud Correia, 2006, p.
145), os condutores dos bondes animálicos deveriam andar vestidos decentemente, referirse discretamente aos fregueses, dirigir com cuidado, sempre com respeito e educação no
trato com os passageiros e não maltratar os animais. Contrastando com o que diz o Código,
a postura dos condutores estava longe de ser o que estava previsto.
Todas as carroças de condução [...] sobem pela rua do sol, fasendo um barulho
infernal de taboas soltas, tinir de correntes, tacadas, gritos, o diabo! (SÃO LUÍS
Pacotilha, 28/11/1880, nº. 5).
No jornal A Tarde de 21 de julho de 1915, um passageiro sentindo-se lesado
com o tipo de tratamento dispensado pelos condutores, escreveu um longo artigo de
repúdio a tal comportamento. Transcrevemos abaixo um pequeno trecho:
Os Bondes
[...] um tal procedimento, sr. Diretor é tanto mais injustificável e abuzivo,
quanto é certo que cocheiros e condutores, sob pretexto algum, não deverão
negar-se a executar os serviços que lhe cabem. (SÃO LUÍS. A Tarde,
21/07/1915).
Em relação ao trato com os animais “tais fatos aconteciam com a vivacidade
das cores com que era pintado, beiravam a selvageria, que certamente chocava a gente
dessa civilizada cidade.” (CORREIA, 2006, p. 146)
A
prestação
de
serviços
públicos,
em
geral
provocavam
muito
descontentamento. Entre eles estava a segurança pública, ou poderíamos dizer insegurança
pública. Os órgãos policiais já andavam desacreditados pela população.
Os que duvidam que a nossa cidade seja policiada á noite, queiram tomar o
trabalho de dar um pulo até a fonte do Ribeirão, das sete ás oito horas, que terão
o prazer de encontrar uma patrulha sentada sobre o parapeito da citada fonte, a
conversar largamente em assumptos de interesse geral (SÃO LUÍS. Pacotilha,
02/01/1881, nº. 10).
É o cazo das nossas autoridades policiais pedirem demissão dos seus cargos,
visto não inspirarem a menor confiança ao público.
E como poderá eficazmente operar uma policia de quem o publico desconfia, a
ponto de sujeitar-se a todos os prejuízos, de preferencia a servir-se dos seus
préstimos, mesmo oferecidos? Em que tristes tempos vivemos nós, santo Deus!
(SÃO LUIS. A Tarde, 02/07/1915).
Tais e tantos tem sido os assaltos á propriedade alheia, nestes últimos dias que a
população está verdadeiramente alarmada.
Não há absolutamente garantias; é completa a falta de insegurança [...].
Atravessamos uma quadra anormal de insegurança e ninguém pode estar
tranqüilo, porque a todos ameaçam os inimigos do alheio.
E o pavor domina a cidade, enquanto a policia dorme, só ela, tranquilamente e
feliz (SÃO LUIS. A Tarde, 18/07/1915).
O descaso com que a segurança pública era tratada abria margem para críticas
ferozes. Em tom de indignação a polícia era rebaixada o máximo possível. Muitas vezes os
policiais eram denunciados de andar sonolentos pelo fato de estarem se divertindo em
festas durante toda a noite até o amanhecer, mesmo estando em serviço. Também eram
acusados de estarem envolvidos em jogos proibidos dos quais participavam livremente em
plena luz do dia, ou seja, participavam de jogos e festas que deveriam reprimir, perdendo,
desta forma, o respeito da população.
A opção dos soldados pelo fazer o que deviam renunciar em cumprimento de
seu dever, permanecerá como uma marca de sua atuação, ou da falta dela,
mesmo quando já andava avançado o novo século, pois, a crer no que veiculam
jornais sobre os muitos conflitos que aconteciam durante os festejos juninos,
parece até que o policiamento deixava de existir no dito período. (CORREIA,
2006, p. 112)
Em meio a toda essa situação, e às vezes sem entender o porquê de nada dar
certo na capital do Maranhense – resultando numa situação caótica – muitos recorriam até
mesmo a crendices populares para justificar tal estado de coisas. Entre essas crendices
estava a caveira de burro, símbolo de mau agouro. A tal caveira de burro supostamente
enterrada em algum local da cidade era a única explicação que muitos encontravam para
que a capital do Maranhão andasse tão lentamente em direção ao progresso.
Caveira de burro
[...] Diante de tudo isso, sou forçado a acreditar na tão falada caveira de burro,
espécie de determinismo na vida econômico-social maranhense que nos
embaraça a marcha evolutiva (São Luís. A Tarde, 30/06/1915).
Talvez a explicação para esse estado de coisas fosse uma compreensão
deformada da noção de civilização, ou talvez, de liberdade, como expressa esta crônica de
jornal que resume aspectos do cotidiano da sociedade ludovicense, e traz até nós um perfil
das práticas da orgulhosa Atenas Brasileira no início do século XX.
Estamos no melhor dos mundos, vivemos na melhor das cidades.
O ar que respiramos é livre, livre é a nossa locomoção, livre é a nossa língua;
livres são os nossos hábitos, os nossos costumes, os nossos gestos.
Quando ouço reclamações, digo logo que o reclamante não tem segura a função
do cérebro.
Que mais dezejamos nós? Que maior liberdade do que essa que todos gozamos?
Não me consta que haja cidade em que seja mais compreendido o regimen da
liberdade do que a nossa.
As leis que servem de muralhas a umas tantas couzas sociais, e que os
legisladores fizeram na supozição de que trabalhavam em beneficio da
coletividade, nós as saltamos com a mesma facilidade com que nos circos os
acrobatas saltam barras que lhes opõem à marcha.
Vivemos em plena liberdade.
Sabemos que há leis que regulam construções urbanas, pondo-as de acordo com
a higiene e com a estética, porém, não nos incomodamos com elas, e fazemos as
nossas casas e muros dos nossos jardins á nossa vontade. Os alinhamentos são
como nós entendemos e não como diz a lei que deve ser.
Daí a continuação desse pezado e ridículo aspecto colonial que tem a cidade em
que vivemos [...]
O código de posturas proíbe em um dos seus artigos a criação de animais nas
ruas; nós entendemos que isso é uma peia a nossa sonhada liberdade, e não nos
conformamos com essa exquizita restrição.
E então, transformamos as nossas ruas e praças em campos de criação de
animais: cavalos, bois, carneiros, porcos, patos perus, galinhas, cachorros,
enfim, um verdadeiro jardim zoológico.
Para que serve a nossa liberdade sinão para della gozarmos como entendermos?
[...]
Para as sargetas das ruas enviamos detritos culinários; as imundicieis liquidas
das nossas habitações; os reziduos dos nossos aparelhos gazogenicos; as viceras
dos galináceos que sacrificamos para o nosso consumo.
Haverá maior liberdade?
No mundo inteiro não há.
O capim créce audaciozamente nos telhados e perto da bordadura dos passeios,
onde pequenos pântanos aninham bacteries diversas e hematozoarios de
Larveran, e ainda reclamamos de liberdade! [...]
No mercado, os talhadores modificam ao seu belo prazer o sistema métrico
decimal aplicado aos pezos, os marchantes fazem o preço, que querem, à carne.
Estão todos no seu direito; praticam e gozam a liberdade que Deus fez para o
nosso uso e prazer [...]
As sociedades mutuas creceram, minguaram, feneceram e morreram; os seus
diretores e encorporadores também cresceram os olhos nas reservas monetárias
dos associados, e delas não deram conta a ninguém.
Si isso não é a compreensão mais lata da liberdade, é que perdi por completto a
noção das couzas simples.
Não! não tem razão os que bradam que não temos liberdade [...]
Concordemos: vivemos no melhor dos mundos, e não sejamos tão exijentes!
(SÃO LUÍS. A Tarde, 03/08/1915).
Mas a capital do Maranhão também era uma cidade de festas. Essas festas
tinham sua origem nos mais variados seguimentos sociais, de forma que havia diversão
para todos os gostos, desde aquelas promovidas pelas elites imitando costumes europeus,
passando pelos festejos religiosos, chegando até as manifestações das classes mais pobres.
Dentre as festas mais comuns estavam: Natal, Janeiras (Ano Bom), Reis e o Bumba-boi.
Entre as brincadeiras mais populares da época figurava o Boi. Amado por uns,
odiado por outros, no início do século, era a marca cultural das classes menos abastadas
“não só porque lhes oportunizava a alegria e o prazer no desafogo de suas cotidianas
tensões, mas igualmente porque o verso e a rima, o canto e dança podiam ser veículos por
meio dos quais davam vasão a seus protestos”. Por isso mesmo que era uma brincadeira
rejeitada pelas classes mais altas, vista como um escândalo e expressão de uma cultura
degenerada, de incivilizados. (CORREIA, 2006, p. 118).
Parece incrivel que numa capital como a nossa, a policia consinta que o celebre
bumba-meu-boi campeie livremente pelas ruas principais desde as nove horas
da noite, até as dez da manhã do dia seguinte, com está sendo.
Que essa brincadeira (se tal nome se pode dá a isso) fosse permitida, somente
nos lugares ermos, vá, mas não é justo, não é licito, nem é decente que se
verifique o fato triste e deprimente, que estamos vendo e, que, certamente, não
tem qualitativo algum. Que belos tempos ! (SÃO LUÍS. A Tarde, 02/07/1915).
Nem mesmo as ameaças de repressão dos aparelhos policiais intimidaram esses
brincantes que encontraram nessa manifestação popular uma saída para esquecer por
alguns momentos as suas mazelas.
Isto pode parecer estranho nos dias de hoje, uma vez que o Bumba-Meu-Boi
tornou-se uma das maiores expressões da cultura popular do Estado do Maranhão, servindo
de propaganda turística para atrair visitantes durante todo o ano principalmente durante as
festas juninas. Mas o fato é que
[...] pelo menos entre 1876 e 1913, os donos dos bois depositavam
requerimentos pedindo autorização para ensaiar a brincadeira e sair nos dias dos
festejos juninos. A Secretaria de polícia, no entanto, somente concedia tais
licenças para os lugares situados fora do centro da cidade. A memória oral
também atesta que os bois continuaram confinados para além da estação de
bondes do bairro do João Paulo, na primeira metade do século XX. Como no
caso dos batuques, existi então uma lógica espacial que refletia as relações de
poder entre autoridades e classes subalternas, opondo um centro civilizado, onde
não se tolerava tais barbaridades, à periferia, onde era difícil impedi-los.
(ASSUNÇÃO, 2003, p. 47).
A noção de poder elaborada por Michel Foucaut talvez nos ajude a elucidar este
mistério em relação ao Bumba-boi no Maranhão, onde passou de expressão incivilizada
das camadas pobres, para símbolo cultural do Estado preconizado pelo Governo.
Foucault (FOUCAUT [19--?] apud O’BRIAN, 2001, p. 46) afirma que o poder
não só reprime como também cria, introduzindo novas tecnologias de poder. O que
Foucault chama tecnologias de poder, são métodos (meios) que levam à legitimação de
uma verdade.
A partir da década de 1960, assume o Governo do Estado, uma elite que viria
ser mais tarde o maior domínio oligárquico vivido no Maranhão. É neste cenário que
ressurge o Bumba-Boi, recriado por este grupo político, desejoso de criar uma identidade
cooptadora das massas, agora como expressão genuína da cultura maranhense, amado
pelo povo e legitimado pelo governo.
2 QUESTIONANDO O “DECADENTISMO”.
2.1 A evolução educacional do Maranhão: da colônia à República
O objetivo de estudar a evolução do sistema educacional maranhense,
remontando ao período colonial, é tentar descobrir se houve um progresso significativo do
sistema educacional a ponto de fundamentar o mito da Atenas Brasileira, atribuído a São
Luís. Entendemos que o grau intelectual de uma população nunca está desvinculado da
atenção que esta sociedade dá à educação. O estudo das condições educacionais oferecidas
no Maranhão nos dará subsídios para afirmar se aqui existiu, de fato, um ambiente propício
para a criação de uma República das Letras, cantada e decantada pela intelectualidade
maranhense no século XIX e ecoada pelos intitulados decadentistas no início do século
XX.
Durante todo o período colonial, em que o Brasil esteve subordinado a Portugal
através do sistema de dominação conhecido como Pacto Colonial, toda a estrutura
economia brasileira esteve articulada a uma complexa rede de práticas comerciais
convencionalmente denominadas de Sistema Mercantilista.
Assim como a infra-estrutura econômica do país, a tessitura social era
caracterizada por uma simplicidade reduzida à bipolaridade social, reunindo de um lado os
dominantes – proprietários rurais – e do outro, os dominados – um enorme contingente de
trabalhadores despossuídos, livres ou escravos.
No Maranhão, assim como em todo o país, se produzia parar exportar e não se
exportava porque produzia. Nesse período, a característica essencial da província era a vida
circunscrita ao meio rural e predominantemente escravista.
O progresso material do período colonial foi assinalado pelas ações do Marquês
de Pombal, principalmente no âmbito econômico. No campo da educação, sua principal
intervenção foi a instituição das aulas régias. Até então, Meireles (1960, p. 220) nos
informa que a esse respeito, no Maranhão, o que se tem notícia, era a existência de
seminários de padres capuchos (franceses) para meninos colonos e nativos.7
Durante todo o século XVII, a educação do Maranhão tinha como fundamentos
as aulas de filosofia, teologia, retórica, gramática e primeiras letras. Há também o registro
de duas instituições situadas em Alcântara: o Colégio de Nossa Senhora do Pilar, que
oferecia leitura, latim e catecismo, e a escola gratuita de ler, escrever e solfa, dos
mercedários do Convento de Nossa Senhora dos Remédios. (MEIRELES, 1960, p.220).
Sobre as aulas régias instituídas por Pombal, se tem notícia delas no Maranhão,
somente a partir da segunda metade do século XVIII. Em 1753, Gabriel Malagrida, da
Companhia de Jesus, fundou o Recolhimento de Nossa Senhora da Anunciação e
Remédios para moças órfãs e senhoras desvalidas, sendo a primeira escola feminina
(MEIRELES, 1960, p.220).
O desafogo econômico do Maranhão no século XVIII, propiciado pela atuação
da Companhia Geral do Comércio, possibilitou o envio dos primeiros estudantes para
Europa com o objetivo de estudar e atuar nas seguintes profissões: hidráulico, tipógrafo,
médico, cirurgião e contador. O governador da província naquele período, D. Fernando de
Noronha, demonstrou seu desagrado quanto a esta medida, que segundo Meireles (1960, p.
221), fora obrigado a tomar, dizendo que “não era conveniente que aqui no Maranhão
houvesse mais cadeiras além de gramática latina, ler e escrever”.
Durante todo o período colonial, a ação jesuítica foi marcante, imprimindo os
valores da fé católica à educação, de tal forma que, o curso de Teologia no Maranhão, era
tido como referência no país e até no exterior. A Igreja Católica foi por muito tempo
responsável pela transmissão da cultura nesta província.
Alguns autores aventam que o caráter intelectual e o cultivo da educação
literária do tipo clássica, que posteriormente deram a São Luís o título de Atenas, se devem
à ação jesuítica e o modelo educacional adotado. Porém, Viveiros (19-- apud MEIRELES,
7
A primeira escola aberta em São Luís (1626), foi de iniciativa do jesuíta Luís Figueira, com o objetivo de
“ensinar as letras aos filhos dos portugueses” (MEIRELES, 1960, p. 220).
1960) discorda, e atribui essa característica literária do Maranhão ao costume cada vez
mais freqüente, a partir do fim do século XIX, de enviar jovens maranhenses, de famílias
ricas, para serem educados
na Europa. Para Meireles (1960, p. 222) que também
compactua com esta idéia, a “Atenas do Brasil seria um fruto, além-mar, do humanismo
coimbrão”. Como veremos adiante, o envio de moços e moças para estudar nos centros
humanísticos do Império e da Europa tornou-se uma prática freqüente da elite Brasileira
Até aproximadamente mais da metade do século XVIII, o ensino no Maranhão
esteve monopolizado pelos jesuítas, observa-se este fato, pela quantidade de
estabelecimentos dirigidos por cléricos ligados à Companhia de Jesus.
Quando, em 1759, el rei Dom José I de Portugal decreta a expulsão dos Jesuítas,
que se efetiva no Maranhão em setembro de 1760, deixam São Luís cerca de 86
inacianos entre sacerdotes, aspirantes e irmãos coadjudores. Pode-se imaginar
os efeitos dessa medida no que tange à educação, uma vez que provoca a parada
completa da atividade docente no Maranhão. (BEATRIZ. 1984, p. 25).
As aulas régias, instituídas para ocupar o vago deixado pelos jesuítas, buscavam
valorizar a carreira do magistério pelo cultivo de homenagens e privilégios aos professores
régios. Consta que no último decênio do século XVIII já existiam, em São Luís, cerca de
três escolas régias (VIVEIROS, 1953, p. 5).
As reformas pedagógicas instituídas na colônia pelo Marquês de Pombal na
segunda metade do XVIII, não lograram êxito devido à falta de escolas públicas onde o
ensino fosse ministrado regularmente.
Em 1799 D. Joaquim Ferreira de Carvalho, 12º bispo do Maranhão, recémchegado a São Luís, expressa sua impressão sobre a Diocese que encontrara, dizendo da
sua decepção de “não achar nesse bispado, nem letras, nem religião, nem costumes, e não
havendo as primeiras, a falta da segunda e da terceira é conseqüência, sendo entre todos os
mais escandalosos os eclesiásticos [...]” (PACHECO, 1969, p. 92 apud ANDRADE, 1984,
p. 26).
O Seminário do Maranhão, fundado em 1805, trouxe novo impulso à educação
humanística da província, apesar de ter sido registrado como carente de métodos eficazes e
deixando a desejar quanto ao quadro de disciplinas. Concomitante a isso, foram criadas as
disciplinas isoladas de Primeiras Letras, Gramática Latina, Retórica, Filosofia e Geometria.
No que refere à educação, apesar da reforma pombalina não ter tido muito êxito
no Maranhão, progrediu ao transferir para o Estado a responsabilidade pela educação como
parte integrante da ação governamental.
Na fase imperial, a educação no país avançou um pouco mais. A lei de 15 de
outubro de 1827, determinava a criação de escolas de primeiras letras em todo o país.
Sobre esse período, Andrade (1984, p. 27) nos informa que, a despeito das deficiências, o
Maranhão passou de 14 para 24 escolas. Apesar de ser um número pequeno, representou
um avanço na educação do Estado. Por essa época, foi criado o Liceu Maranhense (1838),
estabelecimento de ensino secundário que lecionava somente dez disciplinas: Matemática
elementar, Geografia, Gramática Filosófica (portuguesa), Latim, Retórica, Francês, Inglês,
História Universal, Comércio, Filosofia Racional e Moral.
Nos último quartel do século XVIII a condição financeira dessas famílias
permitiu enviar seus filhos, “os futuros condes, viscondes, barões, moços fidalgos e
comendadores, a estudar na Europa, principalmente em Coimbra, mas não raro na França,
Alemanha, de onde voltavam bacharéis e doutores em leis, Filosofia, Medicina,
Matemática”. No entanto, a formação superior desses jovens não significava que as
condições educacionais da província seriam alteradas, porque “feitos doutôres, voltavam
sempre, não só à província mais à cidade natal e preferiram, geralmente, fazer-se herdeiros
das fazendas de algodão e dos engenhos de açúcar, a se deixarem pelos grandes centros
onde as haviam educado, entregues à vida ociosa e inútil” (MEIRELES, 1960, p. 289).
Até a proclamação da República, o ensino secundário no Maranhão resumia-se
ao Liceu, considerado deficiente em comparação com os de outras províncias; e a educação
primária a 90 vagas para o sexo masculino, e 59 para o sexo feminino.
Analisando o nível educacional na província do Maranhão e a situação
financeira das elites, o descaso que havia nesse período em relação à educação fica
evidente. As famílias abastadas não se incomodaram com esse quadro porque tinham a
possibilidade de enviar seus filhos para os grandes centros culturais do país ou do exterior.
Entre os jovens que alcançaram a formação superior (no período imperial)
poucos se decidiram pela carreira literária, porém, foi propício à formação de um grupo de
intelectuais, posteriormente denominado Grupo Maranhense (1832-168). Desse grupo
enumeramos alguns dos mais destacados pela historiografia oficial:
•
Odorico Mendes: publicista, poeta, humanista, parlamentar, tradutor
clássico de Homero e Virgílio;
•
Sotero dos Reis: professor, publicista, poeta, filósofo (autodidata),
parlamentar, filólogo e parlamentar;
•
Gonçalves Dias: bacharel em Direito, poeta, etnógrafo, dramaturgo e
historiador;
•
João Lisboa: historiador e publicista (autodidata);
•
Joaquim Gomes de Sousa: matemático, poliglota e astrônomo.
Posteriormente uma segunda geração de intelectuais se destacou na literatura
nacional, os denominados Atenienses (1868 – 1894). Entre eles figuraram:
•
Teófilo Dias: orador, jornalista e professor;
•
Raimundo Corrêa: promotor, juiz, professor e poeta;
•
Teixeira de Sousa: Médico, jornalista e poeta;
•
Aluízio Azevedo: jornalista, panfletário, romancista, contista, caricaturista,
poeta e diplomata;
•
Artur Azevedo: dramaturgo, prosador , teatrólogo e escritor;
•
Coelho Neto: jornalista, professor, romancista, orador, poeta, teatrólogo e
lexicógrafo;
•
Celso Magalhães: poeta, novelista, crítico e magistrado.
Sobre a formação desse grupo de intelectuais, Martins (2002, p. 68) aventa que:
Essa elite maranhense foi cultivada na estufada da escravidão. Tal como o mito
ateniense, instituído pelos seus intelectuais, ainda hoje atesta sua pujança o
patrimônio edificado portentoso observável nas cidades mais antigas [...].
Patrimônio em preto e branco fundado imageticamente sob o império dos três as
dominantes da economia local, respectivamente: o algodão, o arroz e o açúcar.
Três produtos brancos, como as camadas sociais dominantes, obtidas a partir da
exploração compulsória da mão-de-obra negra.
É evidente que não podemos tomar como paradigma para análise da condição
educacional do Estado, expressões intelectuais como o primeiro ou o segundo grupo de
intelectuais do século XIX, uma vez que esses literatos representavam uma ínfima parcela
da sociedade, portanto não constituíam uma realidade abrangente.
Com o advento da República e as conturbações políticas que agitaram aquele
período a questão educacional ficou esquecida, de forma que “o Maranhão apresenta,
relativamente à instrução pública, o mesmo aspecto desolador que as demais províncias do
Brasil” (ANDRADE, 1894, p. 29). O estado da educação pública era tão precário que as
escolas privadas ganhavam cada vez mais espaço, quase monopolizando o ensino. O
descaso do poder público era sintomático em vários aspectos mais especialmente na má
remuneração dos professores. Como declarou o inspetor geral da Educação, da época,
Corrêa Leal (1896 apud ANDRADE, 1894, p. 31):
Não conheceis a gravidade da crise que nos flagela a ponto que cada vez mais
se torna precária a luta pela existência. Tudo quanto é necessário ao homem tem
triplicado ou quadruplicado de preço; e, portanto, não pode o cidadão investido
do magistério público, manter-se com os vencimentos que recebe, sendo esse
um constante motivo de escuza ao cumprimento de seus deveres.
A Constituição do Maranhão republicano, inspirada nos ideais positivistas, que
vinham se acentuando cada vez mais, previu, entre outras coisas, os seguintes aspectos
referentes à educação:
DA EDUCAÇÃO
Art. 108. O Estado criará o Conselho de Educação que a lei regulará,
obedecendo às diretrizes do plano nacional de educação.
Parágrafo único. Para garantir a obrigatoriedade do ensino primário o Estado
manterá fiscalização sistemática sobre os menores em idade escolar,
diligenciando para que os pais, tutores ou responsáveis, se desobriguem do
dever que lhes impõe a lei.
Art. 109. O Estado e os Municípios reservarão uma parte do seu patrimônio
territorial para a formação de fundos de educação.
Parágrafo único. Parte desses fundos será aplicado em auxílios a alunos
necessitados, mediante fornecimento gratuito de material escolar, bolsas de
estudo, assistência alimentar, dentária e médica, devendo também custear as
vilegiaturas que forem promovidas no interesse no ensino. [...]
Art. 111. Cada município terá, pelo menos uma escola noturna para adultos
[....].
Art. 112. Anualmente, o estado aplicará nunca menos de vinte por cento das
rendas resultantes dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Art. 113. O Estado fiscalizará a instrução primária particular.
Art. 114. De acordo com os Municípios o Estado providenciará para que haja,
em todas as cidades, bibliotecas de fácil acesso ao povo. [...]
Art. 118. Para mais prontamente atender ao problema educacional, Estado
poderá criar, nas cidades mais importantes, escolas secundárias e profissionais.
Parágrafo único. As escolas profissionais de que trata o presente artigo, são de
curso restrito às matérias básicas secundárias, especialmente destinadas a
preparar professores rurais.
Art. 119. Os professores das escolas muito afastadas dos centros de progresso e
conforto social deverão receber, além dos vencimentos normais, uma
gratificação adicional, que será determinada em lei. [...]
Art. 122. O Estado criará e difundirá escolas de artes, ofícios e trabalhos
domésticos, para ministrar o ensino gratuito aos trabalhadores (MEIRELES,
1960, pp. 382, 383).
Analisemos a prática escolar baseados em dados da época, para verificarmos se
de fato a constituição foi respeitada ou se realidade estava distante do idealizado pelo
governo.
O Artigo 108 prevê tanto a obrigatoriedade do ensino primário, quanto a sua
fiscalização. Em estudo sobra a educação desse período, Andrade (1984, p. 30) afirma que
[...] apesar de constar em decreto, a obrigatoriedade do ensino primário jamais
se concretizou integralmente na prática, seja pela ausência de sanção na lei para
os infratores, seja pela carência de estabelecimentos de ensino para todos, seja
pela quase total falta de recursos da grande população.
O grande número de crianças que trabalhavam em fábricas na capital,
comprovavam essa triste realidade. Casos como os de Acácia e Pingo-de-ouro, relatados
por Correia (2006) em sua pesquisa sobre o trabalho feminino nas fábricas, em São Luís,
nos revela que era grande o número de crianças que viviam aquela exaustiva jornada de
trabalho. A autora nos informa que a primeira tinha onze e a segunda dez anos de idade.
Outros casos de crianças com até oito anos até idade também são relatados.
Apesar de sua pouca idade e de serem bem pequeninas devido à baixa estatura,
Acácia e Pingo-de-Ouro, começaram a trabalhar para arcar com o seu sustento,
pois, como sendo ela operária, sua tia era mulher muito pobre. (CORREIA,
2006, p. 197).
Uma personagem da obra de Correia relata em cores bem vivas a realidade de
quem precisou abandonar a escola para trabalhar nas fábricas desde cedo, e oferece
informações sobre a instrução pública oferecida para a população pobre.
Mas como a gente ia aprender alguma coisa, se a gente ia novinha para lá?’ Em
outros termos, devido ao fato de se engajarem cedo nas fábricas, sendo aquela
sociedade marcada pela exclusão, não tinham a instrução mínima exigida para o
desempenho daquele tipo de trabalho [...]
Com relação à instrução formal que lhes poderia oportunizar trabalho menos
difícil e mais reconhecido que o fabril, suas possibilidades de recebê-la eram de
fato bem poucas [...] porque mesmo quando chegavam a freqüentar a escola, a
formação que aí recebiam não contribuía para mudar a sua situação de classe.
(CORREIA, 2006, p. 205).
Se na capital, grande quantidade de crianças pobres estavam fora da escola para
garantir o sustento da família, o que se pode dizer da zona rural, onde a mão-de-obra
infantil foi historicamente utilizada na lavoura?
Pelas condições em que o ensino público era oferecido, observa-se a inépcia da
aludida fiscalização prevista pela Constituição, sobretudo nas escolas do interior. Nas
palavras do governador Luís Domingues:
[...] Infelizmente, porém, o meio porque, entre nós, se effectua essa
fiscalização, é deficientíssimo.
Confiada aos promotores públicos e seus adjuntos, não deixarão de certo estes
os seus afazeres, para fiscalisarem aquilo que, em geral, não podem fiscalizar,
por lhes faltar especialidade, ou, muitas vezes, competência nesse ramo de
serviço.
As mais das vezes, o fiscal limita-se a um mero fornecedor de attestados e
visador, permitido o neologismo, de mappas de freqüência. (1908, apud
ANDRADE, 1984, p. 34).
Conforme Andrade (1984), o fundo escolar do Maranhão, recolhido através das
caixas escolares, tinha como objetivo preparar os alunos para aceitarem outras regras da
sociedade passivamente, sem risco de desestruturação do status quo. Nas caixas escolares,
recolhia-se pequenos valores depositados pelos estudantes, sob incentivo de prêmios para
os alunos que se destacassem no comportamento, ou seja, na manutenção da ordem. Entre
as propostas para o destino do dinheiro, estava a distribuição de vestuário, calçados e
merendas às crianças indigentes. Andrade (1894, p. 35) afirma que essa proposta
contribuiu “para difundir e incentivar valores tipicamente capitalistas como a poupança e a
competição”.
O Artigo 119 que garantia uma remuneração maior para os professores que
trabalhavam na zona rural, nada mais era do que um incentivo para resolver um antigo
problema: o da falta de professores nas regiões mais afastadas da capital. Os normalistas
geralmente se recusavam a trabalhar no interior devido as precárias condições de vida, e os
que chegavam a ir, ficavam por pouco tempo. “Apesar das propostas apresentadas para
resolver esses problemas, presentes desde os primórdios da República e agravados na
segunda década do século, eles permanecem até hoje sem solução”. (ANDRADE, 1894, p.
36)
A criação de escolas profissionais previstas nos Artigo 118 e 122 revela sem
nenhum disfarce a intenção do poder público, formado pela elite esclarecida, de reproduzir
a divisão social do trabalho, destinando os cursos de aprendizagem de ofícios à população
pobre, restringindo os cursos de Humanidades para as classes mais altas, negando aos
segmentos mais carentes da população uma possibilidade de ascensão social por meio de
uma instrução menos alienante. A elite supunha que estudos filosóficos estavam acima do
nível intelectual dos desafortunados. “Com o Aprendizado Agrícola, o Governo estabelecia
uma segunda rede de escolarização, proletarizante, que realizava a divisão de classes às
claras, sem mesmo os subterfúgios da escola primária única”. (ANDRADE, 1894, p. 35).
O atraso educacional do Maranhão, que no início do século XX possuía o triste
título de campeão do analfabetismo, pode ser observado também pela demora na instalação
de uma instituição de nível superior, que só ocorreu em 1918, com a criação da Faculdade
de Direito, seguida pela Faculdade de Farmácia (1920) e pela de Odontologia (1925). Esse
retardamento do Maranhão em relação à maioria dos Estados brasileiros, que já possuíam
faculdades há certo tempo, pode ser explicado pelo desinteresse da elite, que tinha o hábito
de enviar seus filhos para os centros culturais do país ou do exterior, e pela falta de pressão
das classes médias. O interesse por esse empreendimento ficou, por muito tempo, restrito a
um pequeno grupo de intelectuais.
Na primeira República, as ações do Governador Godofredo Viana, marcaram
um momento que ficou conhecido como entusiasmo pela educação, que tomou conta do
país na segunda década do século XX, investindo na expansão do ensino para as massas.
Nessa administração, foi colocada em prática a reforma da instrução pública, que
estabelecia três cursos para o ensino primário: o elementar (dos 5 aos 7 anos); o médio (dos
7 aos 12 anos), e o complementar (dos 12 aos 13 anos), e criou escolas na zona rural para
decrescer o número de matriculas na cidade.
Segundo Andrade (1984, p. 37), o sucessor ao Governo do Estado, o
governador Magalhães de Almeida, partilhava do mesmo entusiasmo. Em Mensagem ao
Congresso Legislativo, disse orgulhosamente que o Estado do Maranhão liberava, no seu
governo, 15% das rendas para a instrução pública, em 1925. A Constituição do Estado
previa no Artigo 112, que o Estado investiria “nunca menos de vinte por cento das suas
rendas” para a instrução pública. Se os governos que se destacaram pelo investimento na
educação nunca alcançaram nem o previsto pela Constituição, o que se pode dizer dos
governos anteriores?
Andrade (1984, p. 38) chama a atenção para o fato de que, naquele momento,
todos os movimentos de cunho nacionalista levantavam a educação como bandeira de luta.
Em análise sobre esse fenômeno, a autora concluiu que
[...] na realidade, a ênfase colocada na educação como responsável por todos os
problemas nacionais, embora tivesse o mérito de ressaltar a necessidade do
estado de expandir a sua instrução primária, cumpria também o objetivo,
embora nem sempre consciente, de mascarar a realidade, desviando do aspecto
sócio-econômico a origem dos problemas mais relevantes [...] a contradição
entre interesses agrários e interesses industriais, mais evidentes na Primeira
República, reflete-se na educação, na medida em que elementos favoráveis ao
desenvolvimento industrial começam a perceber a educação do povo como um
instrumento para ampliação das suas bases eleitorais, até então
predominantemente agrárias.
Às vésperas da Revolução de Trinta, o Maranhão vivia em pleno estado de
subdesenvolvimento cultural, com uma escola primária, que mesmo precária, atendia mais
as crianças das classes média e alta, afastando as crianças das famílias de baixa renda.
Nas palavras de Andrade:
[...] até a Revolução de 1930, a instrução pública no Maranhão não formava um
todo homogêneo, não passando, principalmente no interior do Estado, de uma
reunião de escolas isoladas em todos os sentidos, em que os professores, em sua
grande maioria, buscavam mais um emprego para sobreviver do que a difusão
do ensino ou o interesse coletivo, e em que fica claro, também o desinteresse do
Governo pela real cultura e conscientização das massas. (ANDRADE, 1984, p.
40).
Através dessa breve análise sobre a educação do Maranhão na Primeira
República, podemos perceber que, além de a realidade estar bem distante do que
estabelecia a lei, o percurso da educação no Maranhão, desde o período colonial, não
oferecia condições reais ao estabelecimento de uma República das Letras, como por tão
longos anos São Luís foi denominada, devido a um suposto ambiente intelectual, onde
supunham que os maranhenses respiravam intelectualidade.
Concluímos que não foi por meio do viés educacional que se constituiu o
ideário de uma sociedade letrada na capital do Maranhão. Na realidade, o que vimos, é que
o mito da Atenas Brasileira não se refere a uma sociedade como um todo, e sim a um
reduzido número de intelectuais, que pelos mais variados motivos, conseguiram subsistir a
despeito da ignorância educacional em que estava imerso o Estado no Maranhão. O próprio
termo instrução pública reflete a visão diminuta que as autoridades tinham em relação à
educação, sugerindo com esta expressão que os educandos eram, na verdade, tábulas rasas,
necessitando apenas do indispensável, negando, dessa forma, uma educação mais ampla
que oferecesse uma possibilidade de mudança àquela realidade sofrida pelas famílias que
não podiam enviar seus filhos para outras localidades.
2.2 “Atenas Brasileira” X “Babilônia de Exílio”.
O Maranhão saúda o século XX enfrentando graves problemas de ordem
econômica relacionados à agricultura e à indústria. Com uma política local que não
procurava dinamizar a economia através da modernização desses setores, caminhava-se
para a estagnação, revelada pela fragilidade de um mercado que não resistia à concorrência
externa, portanto, dependente das oscilações do mercado externo, como foi visto no
primeiro capítulo.
Ainda no século XIX, dois períodos de crescimento econômico – 1780 a 1820
e 1850 a 1870 favoreceram uma mudança de comportamento revelado pelo consumo,
gosto pelo luxo e interesse pela educação erudita. Filhos de grandes comerciantes e
fazendeiros da região saíam do Estado para estudar em outras capitais e até fora do país.
Muitos desses ao completarem seus estudos, tornaram-se literatos de reconhecimento
nacional. Notabilizando-se pelo surgimento de dois grupos intelectuais como os de
Gonçalves Dias e Luís Antônio Vieira da Silva; Arthur e Aluízio Azevedo,
respectivamente, correspondendo à terceira e quarta fase da literatura maranhense.
Após a intensa atividade intelectual – que repercutiu muito mais no âmbito
nacional do que de fato na capital maranhense – mobilizada pela primeira e segunda
geração de intelectuais, seguiu-se um período de letargia e marasmo intelectual.
Especificada por Mário Meireles (1955) como a quinta fase da literatura Maranhense,
tornou-se mais conhecida como Decadentismo, descrito por Antônio Lobo (1909 apud
MEIRELES, 1955, p. 172) como uma “tristíssima e caliginosa noite em que por tão longo
tempo viveram imersas suas letras”.
A fase decadentista (1894-1932) é explicada pelos literatos, do início do século
XX, como o abandono dos intelectuais que deixaram a capital maranhense arrastados por
várias razões, inclusive de ordem econômica, e tornam-se essencialmente literatos
nacionais, como: Teófilo Dias, Raimundo Corrêa, Aluízio e Arthur Azevedo, Coelho Neto
e Graça Aranha, entre outros.
Ao longo do século XX, todos os estudiosos que se dedicaram a escrever sobre
a literatura maranhense, concordam em um ponto: o período que vai de 1894 a 1932, foi
um momento de negror para as letras maranhenses. Segundo os 8clássicos que tratam do
assunto, esse é o período literário conhecido como Decadentismo – após o abandono dos
literatos que foram tentar a vida em outros lugares do país ou até mesmo no exterior –. O
Maranhão, mais especificamente São Luís se vê ensombrecida pela ausência daqueles que
lhe deram o título de Atenas Brasileira.
Sobre o período em questão, chamado decadentista, Meireles (1955, p. 163)
afirma que
O Maranhão não era mais aquele centro humanístico onde haviam pontificado
um Timon e um Sotero, e tão pouco os seus grandes poetas do momento
revelavam, como Odorico Mendes e Gonçalves Dias... Todos se haviam ido de
uma vez para sempre... eram essencialmente literatos nacionais.
O Decadentismo 9 é geralmente apresentado em contraposição a dois períodos
literários que o antecedem, que são respectivamente o Grupo Maranhense (1832-1868) –
Gonçalves Dias, Odorico Mendes, Sotero dos Reis, João Lisboa, entre outros – e os
Atenienses (1868-1894) – Aluísio e Arthur Azevedo, Coelho Neto, Graça Aranha,
Raimundo Corrêa, entre outros. Nos clássicos, os representantes desses períodos são
apresentados como símbolos de um período de glórias da literatura local.
No entanto, uma voz dissonante vem de Reis Carvalho (19-- apud MEIRELES,
1955, p. 120)10 em Literatura Maranhense, onde afirma: “[...] inferior à fase precedente
por lhe faltarem individualidades que lhe sejam o que para aquela foram Gonçalves Dias e
João Lisboa, o segundo momento literário conta com maior número de escritores de valor
e mais variadas manifestações”.
8
Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e
também se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-as com inconsciente coletivo ou individual.
(CALVINO. 1993. p. 11apud BORRALHO, José Henrique de Paula. Tradições Historiográficas do
Maranhão. Outros Tempos. São Luís, 2002)
9
Decadentismo expressão comumente utilizada para se referir ao período que vai de 1899 a 1932 (referente
aos Neoatenienses), considerado inferior em termos de produção literária devido ao abandono dos
intelectuais da capital maranhense, aos dois ciclos anteriores, respectivamente:Grupo Maranhense (18321865), Atenienses”(1868-1894).
10
Antônio Reis Carvalho, nascido em São Luís a 10/04/1874 e falecido no Rio de janeiro no ano de
1946...Funcionário público, jornalista, ensaista, poeta e teatrólogo. Sócio correspondente da Academia
Maranhense de Letras.(MEIRELES, 1955, p. 178). Autor de Literatura Maranhense, entre outras obras.
Nesta passagem, apesar de não desmerecer completamente; o que Reis
Carvalho classifica como inferior, é o período pertencente aos Atenienses, composto de
figuras
de
reconhecimento
literário
nacional,
e
que
para
Mário
Meireles seriam a reafirmação do título de Atenas conquistado pelo Grupo Maranhense.
Porque Reis Carvalho considerou os Atenienses inferiores ao Grupo
Maranhense? Porque Mário Meireles considerou os Novos Atenienses (1899-1932)
decadentes em relação aos Atenienses? A história parece repetir, o que nos levou a
formular a seguinte hipótese: O Decadentismo (1894 – 1932) não existiu, pelo menos não
da forma exagerada, romântica e saudosista como é apresentado. Esse período, na
realidade, foi assim rotulado pelos clássicos da Literatura para dar luz, foco, ao período
que o antecedeu (Atenienses), que por sinal sofreu muitas críticas, da mesma forma que
Reis Carvalho inferiorizou os Atenienses em detrimento do Grupo Maranhense.
Para lançar luz sobre este ponto, recorremos ao artigo Tradições
Historiográficas no Maranhão de autoria do Profº. Henrique Borralho lançado na revista
Outros Tempos V. 1. No artigo, Henrique Borralho, citando os historiadores Eric
Hobsbawn e Terence Ranger em As invenções das tradições, fala sobre a capacidade da
História de inculcar valores que “de tão repetidos passam a ser encarados como
irretorquíveis, irreparáveis, fundando de fato tradições, olhares que qualquer possibilidade
de contraposição, pareça inverossímel” (HOBSBAWN, Eric & RANGER, Terence,1997,
p. 9. apud BORRALHO. Outros Tempos, 2002, p. 1).
Neste contexto, entra um termo muito familiar aos historiadores e também
responsável pela formação de tradições: a Historiografia. Mas a historiografia não deve ser
entendida apenas como arrolação e análise de fatos.
A Historiografia precisa ser compreendida como metalinguagem quer dizer,
não só trilhar o percurso do historiador, como trilhou, como também as
artimanhas que utilizou, estratégias discursivas e argumentativas, enredos,
arquétipos, tropos de linguagem, concepções teóricas e filosofias, entre outros.
(BORRALHO, Outros Tempos, 2002, p. 2)
Ou seja, precisamos compreender que análises históricas não estão insentas de
heranças culturais de quem as escreve, dos interesses subjetivos que por mais que se tente
esconder, acabam revelados na escrita, até mesmo daqueles que buscam total
imparcialidade.
No artigo do prof. Henrique, Mário Meireles e seu Panorama da Literatura
Maranhense, são apresentados como exemplo de clássicos da historiografia maranhense
formadores de tradições inventadas, entre elas a idéia de Atenas brasileira atribuída a São
Luís, que aos poucos vem sendo desmistificada por trabalhos como o da Profª. Maria de
Lourdes Lauande Lacroix (2002) em A Fundação Francesa de São Luís e seus Mitos,
assunto para o qual também queremos deixar nossa contribuição.
Mas voltando ao centro da discussão, rebatendo ao argumento de Reis
Carvalho que classifica os ateniense de inferiores, Mário Meireles (1955, p. 121) diz que
“a fase não foi inferior; não, e, muito pelo contrário, essa nova plêiade veio apenas
confirmar, para a terra natal, o título honroso de Atenas herdado daqueles outros”.
Meireles (1955), além de rebater a afirmação de Reis Carvalho, em outras
citações11 transfere a inferioridade para o grupo subseqüente, os novos atenienses,
fomentando a idéia de decadentismo.
Mas, existiu o Decadentismo?
Para responder esta pergunta, precisamos primeiramente perceber se de fato
houve esse período de glórias, precedente na literatura maranhense. Precisamos penetrar
nas tradições literárias da capital maranhense, precisamos questionar e saber se esta
tradição é consistente. Entendemos por consistência aquilo que não rui, que é compacto,
resistente. Daí concluiremos que se realmente houve um tempo em que São Luís foi a
Atenas brasileira, mais do que apenas em palavras, qualquer período posterior que não
tenha se comparado culturalmente a este momento, deve ser considerado decadente.
11
Este primeiro ciclo do século XX, o quarto da literatura própria do Maranhão, e que será o penúltimo do
nosso estudo, caracteriza-se essencialmente, pela reação local que se esboça, e mesmo se efetiva, embora
efêmera, para restabelecer em São Luís um clima intelectual, à sombra das glórias de um século antes, que
permitia aos novos, conservar para a terra,e na terra, a fama de Atenas Brasileira que aqueles maiores para
ela haviam conquistado e que, com a emigração em massa dos literatos do terceiro ciclo, havia
ensombrecido. Este, sim, o característico essencial, porque no mais é simples prolongamento do ciclo
anterior, apenas inclinação simbolista predominando sobre as vocações poéticas. (MEIRELES, 1955, p. 163)
Ao fazer esta análise devemos ter o cuidado de não incorrer em dois erros
graves: o dogmatismo, que admite conceitos indiscutíveis; do outro lado, o relativismo,
que subjetivisa tudo. Entendemos que a História é um processo, portanto, sempre volúvel,
mutável, nunca acabada, um constante recomeço.
O primeiro período da literatura maranhense simbolizado pelo Grupo
Maranhense (1832-1868), é considerado como o nosso aparecimento no palco das letras
nacionais quando Odorico Mendes publicou Hino à tarde – símbolo do Romantismo.
Gonçalves Dias é reconhecido internacionalmente, e João Lisboa é destaque na prosa e no
jornalismo.
Um fato que nos chamou a atenção é que esses intelectuais, em sua maioria,
alcançaram sua fama fora de sua terra natal (Maranhão), ou seja, foi apenas quando
publicaram suas obras em outras regiões do país, até mesmo no exterior, é que
conquistaram para São Luís o título de Atenas Brasileira. A exemplo disso temos a obra
marco inicial do Romantismo aqui no Maranhão Hino à tarde de Odorico Mendes,
publicada no Rio de Janeiro. O que dizer de Gonçalves Dias? Quando proferia os versos
sobre terra das palmeiras, que lhe trariam o título de produto genuíno das três raças, a
personificação da nacionalidade, estava bem distante de onde canta o sabiá, em terras
d’além mar. Podemos considerá-los essencialmente literatos nacionais.
Em pesquisa sobre esse fenômeno, Dorian Azevedo (2005, p. 26) nos fornece
alguns dados, sintomáticos desse abandono da capital maranhense por parte dos
intelectuais da primeira geração. Ela afirma que
[...] dos 78 intelectuais maranhenses de maior evidência no âmbito de
consagração literária, 61 formaram-se fora da Província, grande parte na
Europa, e, posteriormente, com o surgimento das primeiras faculdades do
Brasil, estudaram em Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Os dados
revelaram também que do total pesquisado, 37 estudaram e radicaram-se fora
do Maranhão, 22 estudaram fora e retornaram para morar na Província. E por
último, a informação de que 16 intelectuais estudaram no Maranhão e
adquiriram conhecimento através das leituras de publicações importadas e do
incentivo dos primeiros mestres.
Entre eles estão:
• Ernesto Adolfo de Freitas: nasceu em São Luís e faleceu em Lisboa.
Formado em Direito, morou e trabalhou em Lisboa;
• José Joaquim Lopes: foi Barão de Matoso em Portugal, nasceu no
Maranhão e faleceu no Rio de Janeiro;
• Frederico Magno de Abranches: nascido em São Luís e falecido em
Basse Freire (Guadalupe), formou-se em Direito em Coimbra, trabalhou como diplomata,
na Guiana, no Peru, foi orador e jornalista;
• Joaquim Gomes de Sousa: nascido no Sítio da Conceição, às margens do
tio Itapicurú, em 1829 e falecido em Londres em 1863. Estudou em Pernambuco e no Rio
de Janeiro, onde bacharelou-se em Matemática e em Paris estudou Medicina. Morou e
trabalhou na cidade do Rio de Janeiro, onde foi professor.
• Augusto de Frederico Collin: nascido em São Luís em 1823, foi poeta,
jornalista e Secretário de Governo no Paraná. Fundou com Henriques leal, o jornal de
instrução e recreio;
• João Duarte Lisboa Serra: nascido no Itapecurú Mirim e falecido no Rio
de Janeiro e, 1855. Formou-se em direito na Universidade de Coimbra. Foi parlamentar do
Império, primeiro presidente do Banco do Brasil e presidente da Província da Bahia;
• Cândido Mendes de Almeida: nascido em Brejo dos Anapurús, e falecido
no Rio de Janeiro, foi professor, jurista e parlamentar. Bacharelou-se em direito na
Universidade de Coimbra e foi chefe de secretaria do Império no Rio de Janeiro;
• José Joaquim Ferreira Vale (Visconde do Desterro): nasceu em São Luís
onde faleceu. Foi diplomata, jornalista, poeta, cônsul brasileiro na Suíça e na Alemanha.
• Trajano Galvão de Carvalho: nascido em Vitória do Mearim em 1830,
faleceu na capital ludovicense em 1864. Foi bacharel em Direito, expoente consagrado
como precursor das letras pátrias de poesia social sobre a escravidão;
• Gentil Homem de Almeida Braga: nasceu em São Luís no ano de 1835 e
faleceu em 1876, formou-se em direito na Cidade de Olinda. Foi advogado, jornalista,
professor e secretário de governo no rio Grande do Norte;
• Augusto Olímpio Gomes de Castro: nasceu em Alcântara e faleceu no
Rio de Janeiro. Foi publicista, bacharel em Direito formado pela faculdade de Recife,
presidente das Províncias do Piauí e Maranhão.
• Joaquim Maria Serra Sobrinho: nasceu em São Luís em 1838 e faleceu
na cidade do Rio de Janeiro. Foi lente do Liceu maranhense, secretário de governo da
Paraíba, diretor do diário oficial do Rio de janeiro, teatrólogo e poeta.
• Joaquim José de Campos Medeiros e Albuquerque: nascido em Caxias
em 1825, faleceu no rio de Janeiro em 1892. Formado em direito pela Faculdade do
Recife, foi deputado geral e secretário da Província de Pernambuco, Diretor Geral do
Recenseamento no Estado do Rio de Janeiro, Diretor da Secretaria do Império e Secretário
do Ministério da Saúde Pública, orador e publicista.
Como pôde ser percebido pelos exemplos citados, os intelectuais alcançavam
sua formação acadêmica fora da Província, para onde alguns desses nomes jamais
retornaram.
No caso do poeta indianista Gonçalves Dias, o poema Terra das Palmeiras,
contrastava com o sentimento do intelectual sobre sua terra natal expressado algumas
vezes aos amigos mais íntimos como Teófilo Leal. Antes de partir da capital maranhense,
revelou “sua insatisfação com a terra natal, cuja adaptação tornava-se difícil. O literato
também criticou o poder das facções políticas nas decisões educacionais da cidade”. A
postura do poeta era considerada escandalosa “o poeta queixava-se de ter cerceada sua
liberdade de agir e opinar com franqueza”. Foi quando resolveu partir para a capital do
Império a fim de conquistar sua consagração (AZEVEDO, 2005, pp. 27,28).
Manoel Odorico Mendes também é outro exemplo de um intelectual que sentiu
necessidade de abandonar a República das Letras. “O poeta foi um itinerante literato pela
Europa, percorreu berços de tradicionais culturas, visitou a Grécia, Roma, Pisa, França e
finalmente Londres, cidade aonde veio a falecer” (AZEVEDO, 2005, pp. 29, 30). Antonio
H. leal nos informa que Odorico, “desgostoso das discórdias que lavravam entre seus
amigos, e, por outro lado, ressentido da ingratidão dos conterrâneos, retirou-se em 1834
com a mãe e irmãos para o Rio de janeiro, não tornando jamais a ver a terra de seus
amores, e por que sempre suspirou”. No tempo que permaneceu em São Luís, denunciou
através da imprensa local e de obras publicadas, as práticas políticas que limitavam a
liberdade de expressão: o mandonismo e o autoritarismo, característicos da São Luís
oitocentistas. (LEAL, 1987, p. 24).
Dos poucos que permaneceram no Maranhão, destacamos Francisco Sotero
Reis e João Francisco Lisboa. Estes intelectuais tiveram que vencer as limitações da
educação provincial, já citadas, para exercerem suas atividades intelectuais. Destes dois
nomes citados, Lisboa era o que tinha um olhar mais crítico sobre aquela sociedade
“descrevendo um cotidiano rude e desprovido da educação refinada que era considerada
inerente ao ateniense de São Luís”. Em sua obra A Festa de Nossa Senhora dos Remédios,
o autor “buscou evidenciar a falta de realismo, a desconexão entre as palavras e a
realidade”. (AZEVEDO, 2005, p. 33).
Essa crítica pode ser entendida quando nos deparamos com dados que nos
informam que a sociedade maranhense àquele período contava com cerca de 80% de
analfabetos, e sustentando um título de Atenas Brasileira. (MERIAN, 1988, p. 16, apud
AZEVEDO, 2006, p. 34.).
Diante do quadro apresentado, a idéia de uma República das Letras começa a
perder o brilho. O contraste do mito com a realidade torna a Atenas Brasileira cada vez
mais irreal e ilusória.
Mencionando este período, Lacroix (2002, p. 77) em A Fundação Francesa de
São Luís e seus Mitos afirma que
[...] aquela efervescência intelectual do Maranhão no século XIX, tão cantada
pelas gerações subseqüentes restringiu-se a uma pequena fatia da população
branca. A retumbante descrição desse passado talvez semelhando ao de outras
províncias, resultou no começo de uma fantasia de singularidade, sempre
presente com o passar do tempo. (LACROIX, 2002, p. 77).
O segundo ciclo da literatura maranhense, de acordo com a cronologia de
Mário Meireles, são aqueles que, segundo ele, confirmaram o título de Atenas à capital
maranhense, conhecidos como Atenienses.
Se pudéssemos representar a atuação ou influência no palco das letras nacionais
dos nossos vultos maranhenses dêsses dois ciclos, de maneira concreta para
somarmos os respectivos algarismos, não sabemos se o total do primeiro seria
superior à soma do segundo. (MEIRELES, 1955, p.p. 120, 121).
Para Mário Meireles (1955), os dois ciclos anteriores ao Decadentismo são, em
qualidade, idênticos. O contraste de idéias fica claro: para Reis Carvalho os Atenienses são
inferiores ao Grupo Maranhense. Para Meireles são dois períodos de glórias; decadentes
foram os Neoatenienses (1894-1932).
Referindo-se aos Atenienses, intelectuais do segundo ciclo, Mário Meireles
(1955 p. 121) diz que
[...] o que aconteceu, e não se pode esconder, é que aquela emigração em massa
de valores, dos mais cultos que temos tido, marcou o início, não queremos
chegar ao exagero de dizer – de nossa decadência intelectual, mas de nossa
estagnação, da diminuição de nossa atividade intelectual, mas de nossa
atividade intelectiva, como se a capacidade geradora ou produtora da gleba
tivesse atingido seu ponto de saturação.
Talvez Reis Carvalho tenha considerado os atenienses como inferiores devido a
fragmentação não só literária deste grupo, descrita por ele como mais variadas
manifestações, mas também pelo abandono dos intelectuais que deixaram a capital
maranhense em busca de reconhecimento e prestígio.
Azevedo (2005, p. 47) nos fornece alguns dados relativos a esse período que
confirmam a necessidade do intelectuais de abandonarem a capital maranhense para
prosseguirem os seus estudos. De cinqüenta e oito nomes pesquisados, trinta e oito
estudaram fora da Província; destes, apenas 15 retornaram para fixar residência no
Maranhão. Dois nasceram fora e vieram morar na província. Três que estudaram na capital
Maranhense emigraram para outros Estados. Eis o roteiro de alguns nomes que
exemplificam esse quadro de formação e consagração fora do Estado:
• Euclides Faria: nasceu em São Luís e faleceu em Belém do Pará em 1911.
Foi poeta, e humorista;
• Antonio Enes de Sousa: nasceu em São Luís em 1848 4 faleceu no Rio de
Janeiro em 1920. Foi engenheiro de Minas pela Real Academia de Freiberg, Suíça;
• José Antonio de Freitas: nascido no Maranhão em 1849, foi professor e
literato, membro da Real Academia de ciências em Lisboa;
• Celso da Cunha Magalhães: nasceu em 1849 em Viana e faleceu em São
Luís em1879. Foi bacharel em Direito pela Faculdade de Recife, também atuou como
poeta, novelista, crítico e magistrado. Precursor dos estudos folclóricos no Brasil, e
membro da Academia Maranhense de Letras;
• Juvêncio Pereira: nasceu no Maranhão e 1852 e faleceu no Ceará em
1882. Funcionário aduaneiro e poeta;
• José Eduardo Teixeira de Sousa: nasceu em São Luís em 1852 e faleceu
em São Luís em 1922. Formou-se e Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, foi poeta,
republicano e abolicionista;
• Manoel de Bethencourt: nascido em Portugal em 1854, faleceu em 1916.
Radicado no Maranhão, naturalizou-se brasileiro; foi chefe animador e orientador do
movimento Renascença literária em São Luís no início do século XX;
• João Henrique Vieira da Silva: nasceu em São Luís em 1854 e faleceu em
1890. Bacharel em Direito pela Faculdade de Recife, atuou como professor e promotor em
São Luís;
• Teófilo Dias Mesquita: nasceu em Caxias em 1854. Formou-se em Direito
em São Paulo onde viveu e faleceu em 1889;
• Raimundo Teixeira Mendes: nasceu em Caxias em1855 e faleceu no Rio
de Janeiro em 1927. Foi apóstolo do positivismo republicano e filósofo;
• Adelino Fontoura Chaves: nasceu em Axixá em 1855 e faleceu em Lisboa
em 1884. Foi poeta, jornalista e militante na imprensa no Rio de Janeiro;
• Artur Nabantino Belo Gonçalves de Azevedo: nascido em são Luís em
1855, faleceu no Rio de Janeiro, onde viveu. Foi dramaturgo, poeta, cronista, crítico
teatral; fundou a Revista dos Teatros;
• Raimundo Sá Vale: nasceu em São Luís em 1856 e faleceu em Gênova na
Itália em 1914. Foi bacharel em Direito por Genebra onde foi professor, e atuou como
cônsul do Brasil em Barcelona, Espanha;
• Fernando Mendes de Almeida: nasceu no Maranhão em 1857 e faleceu
em 1921; foi bacharel em direito por São Paulo;
• José de Augusto Vinhais: nasceu em São Luís em 1857; foi professor de
História e trabalhou como jornalista no Rio de Janeiro;
• Aluízio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo: nasceu em São Luís em
1857 faleceu em Buenos Aires em 1913. Foi jornalista panfletário, romancista,
caricaturista, poeta e diplomata. Morou em São Luís, no Rio de Janeiro e fora do país.
• Raimundo Mota de Azevedo Correia: maranhense, nasceu em 1860 e
faleceu em 1911. Bacharel em Direito por São Paulo, foi promotor no Rio de Janeiro,
Maranhão e Minas Gerais.
• João de Melo Viana: maranhense, concluiu os primeiros estudos, o curso
secundário e o superior em Portugal em 1886. Formado em Medicina fundou a Revista de
Medicina de Lisboa e ainda em Portugal, colaborou em vários jornais médicos e literários.
Foi sócio correspondente da Academia Maranhense de Letras.
Uma vez mais os literatos maranhenses necessitaram abandonar a Atenas
Brasileira para obter reconhecimento profissional. A prova da falta desse reconhecimento
local foi a reação de um jornal maranhense à publicação de O Mulato em 1881. O texto
está reproduzido em Panorama da Literatura Maranhense de Mário Meireles. No artigo
do jornal (que não tem o nome citado) Aluízio Azevedo é aconselhado a “trocar a pena por
um sacho e fosse capinar nas roças do interior”... “À lavoura meu bruto, que de braços
para a lavoura é que andamos carecendo” (MEIRELES, 1955, p. 173). Enquanto o jovem
escritor recebia palmas e flores da imprensa nacional, aqui sofria agressões. Que Atenas é
essa que execra um intelectual?
O exagero com que o Decadentismo é freqüentemente apresentado fica
evidente quando percebemos que as dificuldades enfrentadas pelos intelectuais
maranhenses, eram as mesmas com que literatos de outras regiões do país lutavam
diariamente. Adolfo Caminha, autor de obras como A normalista (1893) e Bom-crioulo
(1895) relatou a realidade bem conhecida dos escritores brasileiros ao tentar publicar uma
obra, traçou de forma geral, os limites do trabalho literário no país.
[...] orgulhoso da obra que fez, quer publicá-la e bate à porta do editor. Este,
quando não é um sujeito grosseiro, sem tino comercial, ricaço, a quem tanto faz
obter mais uma edição como não obtê-la, recebe-o amavelmente, com um
arzinho de bondosa superioridade, manda-o sentar e passa logo ao assunto.
O discurso é o mesmo sempre: não há leitores, além disso, o romance não é do
gênero que o nosso povo gosta, e tal, e coisa...
[...] Acontece, finalmente, que o escritor vê-se na dura obrigação de tomar
partido, e, neste caso, ou deixa ficar o livro porque a miséria o ameaça, ou,
intransigente e altivo, prefere guardá-lo consigo e recolher-se à obscuridade.
Em qualquer hipótese, é claro que ele só tem a perder, ele que trabalhou um
ano inteiro, e às vezes muito mais, ele o artista honesto e incansável.
(CAMINHA, 19-- apud El, FAR, 2000, p. 13).
Celso Magalhães, tido como expoente da literatura maranhense, é um dos
muitos exemplos de escritores que conheceram essa realidade de perto. Artur Azevedo
conta que em 1873, Celso Magalhães entregou-lhe o manuscrito de um romance intitulado
Um estudo de temperamento para ser entregue a um editor.
‘cumpri a incumbência. Mas o velho editor não quis publicar o livro, que só em
1881, depois da morte do autor, apareceu nas páginas da Revista Brazileira’.
Encontram-se muitos trabalhos de Celso Magalhães nas revistas acadêmicas,
publicadas no Recife.12
El Far (2000) aventa que a partir da década de 1880, a expansão da imprensa
jornalística – graças ao aperfeiçoamento tecnológico - possibilitou aos escritores a chance
de viver das letras, sem a obrigação de uma formação superior a que recorriam por falta de
opção muitas vezes, e que garantia certa estabilidade financeira. Agora muitos intelectuais
dedicavam-se exclusivamente à literatura, possibilitando a eles um papel mais atuante.
Embora alguns literatos ainda continuassem presos a outras atividades, outros optaram por
viver exclusivamente da própria pena, contando com uma pequena renda mensal.
Assim grande parte dos literatos tornaram-se jornalistas, fazendo de tudo nos
jornais. Desta forma passaram a preencher as colunas jornalísticas com poemas, críticas
literárias e folhetins, entre outras atividades, até conquistar alguma fama. Afirma ainda,
que
[...] para compensar os baixos rendimentos, os escritores arriscavam algumas
outras atividades literárias paralelas. Com o crescimento da grande imprensa,
12
Estudo lido na Academia Maranhense de Letras em 11 de novembro de 1917 (Revista da Academia
Maranhense de Letras, 1917, p. 75).
desenvolveu-se o anúncio publicitário [...] Para vender bem esses produtos, era
necessário criar slogans que atraíssem os consumidores. Era então que se
recorria ao talento dos homens de letras. (EL FAR, 2000, p. 36)
A imprensa ampliou a possibilidade desses intelectuais publicarem suas obras.
Muitos autores que nunca publicaram nenhum trabalho, na verdade os possuíam às
dezenas, porém espalhados em revistas e jornais que possibilitavam o contato com o
público, espaço para divulgar suas idéias, além de ter o nome divulgado entre a
intelectualidade.
Em São Luís, o Semanário Maranhense, revista literária que durou apenas um
ano (1867 – 1868) editou cerca de 55 números e foi um veículo de publicação para
inúmeros autores que não dispunham de outros meios para editar seus trabalhos, como
atesta este fragmento de um estudo lido na Academia Maranhense de Letras, publicado no
primeiro volume da revista da Academia:
[...] Qual era o ambiente intelètual, enquanto circulou esse folheto, editado por
Belarmino de Matttos? [...] Odorico Mendes enviou um magistral sonêto A
Rossini. Souzândrade estampou nelas fragmentos dos cantos inaugurais do
soberbo Guêsa errante. Gentil Braga (Flávio Reimar), que seria um dos
diretores do Semanário, encheu muitíssimas colunas, com prozas e poezias.
Heráclito Graça fez ali as suas primicias de bardo e conteur, sob o pseudônimo
de Gamaliel. Colaboraram nele também, cultivando as belas-letras, a história, a
lingüística, a critica, a economia, a política, Sotero dos Reis, Cezar Marques, A.
Henriques Lial, Francisco Dias Carneiro, A. Marques Rodrigues, Nuno Álvares
Pereira e Souza, o engenheiro Ricardo E. Ferreira de Carvalho, o
desembargador José Ascenso da Costa Ferreira, Domingos de Almeida Martins
Costa [...] Antonio Cezar de Berredo, Sabas da Costa, João Rodrigues de
Oliveira Santos, Augusto Frederico Colin, Antonio Pereira Labre [...] M.
Benício Fontenele, Raimundo de Carvalho Filgueiras, Rocha Borba, Túlio
Beleza, Daniel Rodrigues de Souza, Sérgio Vieira, Antônio da Cunha Rebelo,
Maria Firmina dos Reis, Celso Magalhães, Teófilo Dias [...]. (MAGALHÃES,
1917, p. 81).
Retornando ao nome de Celso Magalhães, este escritor só conseguiu publicar
uma obra, na tipografia B. de Matos, intitulada Versos que reunia seis traduções e vinte e
uma poesias de sua autoria somando duzentas e quinze páginas.
Intelectuais da Academia Maranhense de Letras justificavam, no início do
século XX, que a ausência dos intelectuais se dava pelas péssimas condições econômicas
do Estado que impediam esses literatos de permanecer no Maranhão, necessitando dessa
forma, rumar para outras regiões a fim de exercer sua atividade literária.
Daí a decadência da sua literatura local, quiçá passageira, porque vemos entre
os moços gratas esperanças. E se esses novos, após as escursões escolásticas, se
domiciliarem no torrão natalício, - é bem provável que S. Luiz recupere a sua
hegemonia [...] (MAGALHÃES, 1917 p. 71).
Entendemos que a ausência dos literatos não se deveu simplesmente à razões
econômicas, tanto que nos anos de prosperidade da capital, dos intelectuais que saíram,
poucos retornaram, como mostramos anteriormente. Na verdade não havia um ambiente
literário propício para que esses escritores desejassem permanecer no Maranhão exercendo
suas atividades literárias, porque como já foi visto, não havia uma educação voltada para a
formação de um mercado consumidor capaz de absorver satisfatoriamente as obras desses
literatos, nem havia uma sociedade educada a ponto de valorizar seus intelectuais, que em
sua maioria alcançaram o reconhecimento depois de sua morte, ou em outras regiões
depois de abandonarem a capital maranhense.
As contradições e fragilidades das glórias intelectivas atribuídas a São Luís
nesse período são reveladas nesta citação de Mário Meireles:
O característico essencial deste ciclo literário do Maranhão é o fato de nossos
literatos, então, terem sido antes brasileiros que maranhenses. Com efeito,
todos eles, os maiores daqui se foram mal se ensaiaram na república das letras e
foi lá fora, no sul do país que se revelaram ou impuseram, escrevendo como
poetas e prosadores nacionais, completamente desligados do meio regional.
(MEIRELES, 1955, p. 124).
Queremos destacar alguns fragmentos desta citação: terem sido antes
brasileiros que maranhenses[...], daqui se foram mal se ensaiaram na República das
Letras[...] no sul do país se revelaram[...] completamente desligados do meio regional.
Não há dúvidas de que São Luís não oferecia condições necessárias para o devido
reconhecimento desses intelectuais, portanto fica claro porque eles precisaram abandoná-
la para alcançarem o reconhecimento. Ora, porque atribuir a São Luís os louros da vitória
desses sobreviventes intelectuais, como se aqui tivessem conquistado o prestígio nacional?
Azevedo (2005, p. 50) aventa em sua pesquisa, que cerca de 80% dos literatos
maranhenses alcançaram a formação superior fora do Estado, e desse número, 58%
radicaram-se em outras localidades.
Através de uma rápida e simples explanação, percebemos que os intelectuais
nascidos na República das Letras precisaram abandoná-la para obter o tão desejado
reconhecimento. Lacroix (2002, p. 132) afirma que “o ilusório da origem e a presunção da
superioridade intelectual preponderam nos discursos das autoridades, embora a incerteza
paire alicerçada na inconsistência”.
Ao longo de todo o século XX foi forjada uma ideologia de superioridade da
capital maranhense, imagem idealizada pela elite esclarecida, por pessoas que foram
beneficiadas pelo sistema, até mesmo porque conseguiram alcançar a formação superior.
A ideologia inversamente ao senso comum, pode ser muito sofisticada, porque é produzida
por pessoas versadas intelectualmente. Por isso a ideologia é tão sagaz, porque se esconde
atrás de uma linguagem erudita, o que em nossa sociedade toma forma de uma verdade
indiscutível, servindo aos interesses dominantes, muito mais preocupados em fazer a
máquina funcionar do que em questioná-la.
Diante do que foi apresentado, nos parece que a República das letras, o mito da
Atenas não se mostrou consistente, não resistiu ao questionamento simples. “Era, pois,
uma característica visível da Atenas Brasileira, a incapacidade de proporcionar meios de
manter em solo maranhense esses privilegiado filhos”. (AZEVEDO, 2005, p. 45).
Tomando por base os aspectos educacionais e o ambiente citadino, entendemos
que São Luís não oferecia condições favoráveis para o cultivo do título que recebera. A
Atenas Brasileira era, na verdade, o que se queria ver, não o que realmente era.
Chegamos à conclusão de que esse período de glórias perpetuado na tradição
ludovicense, nunca existiu de fato, pelo menos não da forma como é apresentado pelos
clássicos. Existiu apenas para um pequeno grupo de intelectuais (1894 – 1932) que
arraigados a tradições inconsistentes, forjadas, passaram a reproduzir a idéia criada num
período de decadência econômica do Estado, onde as elites buscavam firmar sua
superioridade numa suposta singularidade intelectual em comparação com o resto do país.
Se não houve República das letras, se não houve Atenas Brasileira, então não
pode ser legitima a idéia de decadência intelectiva no período subseqüente –
Neoatenienses (1894-1932) – o que houve, na verdade, foi a utilização de uma estratégia
anteriormente utilizada por Reis Carvalho de inferiorizar um período para dar luz a outro,
partindo de interpretações próprias baseadas em ideologias cristalizadas ao longo do
tempo.
Utilizamos Mário Meireles como exemplo, porém ele não é o único a usar o
termo e a defender a idéia do Decadentismo.
Vamos finalizar este capítulo conhecendo opinião de Antônio Lobo sobre o
assunto:
[...] Basta-nos, pois, deixar assinalado que vida literária local absolutamente a
não tínhamos e que, se continuávamos condignamente representados, na cultura
geral brazileira, não era absolutamente pelo que aqui fazíamos, e sim pelo que
na capital do paiz operavam escritores maranhenses, muito cedo emigrados da
terra natal, em busca de campos mais propício às múltiplas expansões da sua
atividade espritual [...] Não fossem os seus trabalhos, na imprensa e no livro,
não fossem as continuadas e brilhantes exteriorizações do seu vigor cerebral, e
Atenas para nós se teria transformado de vez numa triste Babilônia de exílio
[...]. (LOBO, 1909 apud MEIRELES, 1955, p. 172).
Na historiografia maranhense ainda permanecem muitos termos explicativos,
muitas tradições que precisam ser questionados. Não pretendemos aqui lançar por terra
todas as tradições formadas ao longo do tempo, instalando um sentimento de incertezas e
desilusões em relação à herança cultural maranhense, no entanto, não podemos deixar de
avançar nas pesquisas, e avançar significa superar algumas tradições infundadas e
inconsistentes.
A perpetuação do Decadentismo na historiografia maranhense pode ser
compreendida à luz de argumentos como os de Alfredo Wagner em A Ideologia da
Decadência aonde o autor faz uma explanação clara de como esses conceitos são criados e
cristalizados ao longo do tempo. Um conceito ou um termo, depois de criado por um autor
que alcança prestígio e reconhecimento intelectual, se torna uma referência que dispensa
qualquer comprovação porque uma primeira utilização erudita as confirmou, passando a
ser repetida através do tempo. Assim, os autores que posteriormente tratam do assunto
mostram estar em dia com a tradição letrada, como aconteceu no caso do mito da Atenas
Brasileira. Nas palavras de Borralho (2000, p. 80).
A presença mítica da Atenas cristalizou no pensamento um ideário de
significações das mais variadas possíveis que serviu para os mais diferentes
propósitos. Serviu até mesmo para justificar perante o resto do Império
Brasileiro no século XIX e para o país no século XX que a província do
Maranhão, e depois Estado, ainda tinha sua importância, apesar das ausências
de perspectivas econômicas. Portanto, independentemente da qualidade da
produção cultural do período, o mito da Atenas foi (e ainda é) usado para
configurar espaço de legitimidade e legibilidade urbana, tanto por parte da
elite política quanto intelectual. O mito também serviu para centrar a literatura
maranhense dentro do quadro das letras nacionais [...].
Esse processo de criação mental pode ser observado quando tratamos do
Decadentismo. Não temos informação segura de quando este termo foi utilizado pela
primeira vez para referir-se aos Neoatenienses (1894-1832), porém, os autores que se
dedicaram ao assunto, apesar das divergências que possam haver em um ou outro aspecto,
não discordam nem questionam a existência desse período que mostramos não ter existido
efetivamente, pelo menos, não da forma exagerada como é apresentado, em contraposição
a um suporto período de glórias.
A seguir veremos como a construção e cristalização desse termo –
Decadentismo – foi fundamental para a afirmação de um grupo de intelectuais que
buscavam prestígio no universo intelectual do Estado do Maranhão no início do século
XX. Os autointitulados Neoatenienses buscavam através da constante afirmação do
Decadentismo, situado por eles mesmos nos últimos anos do século XIX e início do XX,
promover na opinião pública um interesse pela atuação de intelectuais que brilharam no
Grupo Maranhense e dos Atenienses, e assim, considerando-se herdeiros dessa herança
literária e responsáveis por ressuscitar a fama da literatura maranhense, construíram uma
nova realidade baseada no fundo falso da Atenas Brasileira, através da criação de uma
Academia de Letras e de rituais que legitimassem a sua existência e conferissem à
atividade literária um novo status que os beneficiasse, sob o pretexto de recuperar o foros
da literatura local.
3 ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS: DISCURSO SALVACIONISTA
E FOMENTAÇÃO DO DECADENTISMO.
A nossa história literária, pessimamente sabida, e feita, em geral, num espírito
de cuja excelência me atrevo a duvidar, está cheia de lendas, que a nossa
preguiça de investigar vai aceitando, sem reflexão, sem crítica.
José Veríssimo
No capítulo anterior mostramos como era difícil para um literato viver, no final
do século XIX, apenas da sua produção intelectual, dadas as condições educacionais e
sociais do Estado, e não apenas do Maranhão, como da maioria dos Estados brasileiros,
inclusive da capital do país, Rio de Janeiro.
Manoel de Jesus Martins (2002, p. 122), referindo-se aos intelectuais
maranhenses do início do século XX, afirma que a tentativa de renascimento cultural
(1899) – que veremos adiante – encetada àquele período, visava “remontar um ambiente
capaz de dar publicidade a suas produções intelectuais [...] Afinal, atuando na imprensa, o
intelectual tinha amplas possibilidades de alcançar sucesso e reconhecimento e de ampliar
suas idéias para um público mais diversificado [...]”.
Nascidos muito mais do voluntarismo da intelectualidade do que de uma
demanda expressiva de um mercado consumidor exigente, no início do século XX
podemos observar o surgimento de inúmeros periódicos e revistas, em sua maioria, de
curta duração, reflexo do desejo dos literatos de vulgarizarem suas obras, num ambiente
que não favorecia o viver da pena. São registradas cerca de 210 publicações periódicas,
algumas de curtíssima duração, entre os vinte últimos anos do século XIX e os vinte
primeiros anos do século XX.
Entre os jornais que alcançaram maior destaque na capital, temos:
•
Diário do Maranhão
•
A Pacotilha
•
Federalista
•
O Imparcial
•
O combate
•
A Hora
•
A Tarde
As revistas também foram importantes veículos de contato entre os escritores e
seus leitores. Entre as que mais se destacaram temos:
•
Revista Elegante (moda)
•
Revista Maranhense (artes, ciências e letras)
•
Revista do Norte (conhecimentos gerais)
Estas iniciativas foram importantes no sentido de
[...] dar vazão à produção intelectual da elite letrada maranhense, que
publicando os trabalhos para a vulgarização jornalística quer editando obras de
maior densidade. De qualquer modo, serviram para projetar no cenário local
uma boa parcela dos novos atenienses, a seguir integrados aos corpos
redacionais e diretivos dos órgãos de maior longevidade (MARTINS, 2002, pp.
122, 123).
O surgimento da Imprensa Oficial, em 1905, não contribuiu para amenizar a
situação dos literatos de forma geral, uma vez que favoreceu a publicação das obras
“daqueles intelectuais ligados de alguma forma aos jogos de poder vigentes”. Quanto aos
que não dispunham de recursos para financiar seus projetos, ficavam “à espera de uma
indicação de seus trabalhos para publicação por alguns integrante das camadas diretivas da
situação política vigorante” (MARTINS, 2002, p. 125).
Apesar de existir em São Luís um parque tipográfico moderno, os entraves
enfrentados pelos escritores (desvinculados do poder público) para publicação de uma obra
fazia com que os jornais ainda fossem os intermediadores entre esses autores e o público
leitor.
Apesar de escreverem em jornais e revistas de grande circulação e desfrutarem
de um reconhecimento desconhecido em outras profissões, nossos literatos do início do
século XX ainda viviam sob o espectro da instabilidade financeira e falta de prestígio, fato
visível na hora de negociar seus escritos em jornais e editoras. Apesar de mediar o contato
entre os escritores e seus leitores, os textos impressos nos jornais tinham suas
desvantagens, pois eram diariamente substituídos por outros e logo descartados. Somente
na publicação de livros os intelectuais viam a possibilidade de não caírem no
esquecimento.
Publicar um livro em fins do século XIX não era tarefa tão simples. As editoras
preferiam a publicação de romances franceses, muito populares entre as classes abastadas,
pelo fato de ainda não existir o pagamento de direitos autorais, no caso dos livros europeus
traduzidos, garantindo assim a venda desse tipo de literatura, em detrimento dos autores
brasileiros. O analfabetismo era outro fator que limitava o trabalho de quem queria viver
das letras.
Em muitos casos, o próprio escritor financiava as primeiras edições. Vejamos o
caso de Aluísio Azevedo, sob o pseudônimo de Vítor Leal em O Combate de 1892, onde
conta sua experiência ao tentar publicar uma obra na capital do país.
Aluísio Azevedo tem quase ano e meio um volume de contos a publicar-se na
casa Mont’ Alverne, hoje Companhia Editora; e, apesar de haver pago
adiantado a primeira folha da composição, ainda não teve o prazer de ver uma
página impressa do seu livro; outro e outros homens de letras queixam-se de
iguais contrariedades, e não é natural que alguém se disponha a escrever com
boa vontade, tendo uma obra encalhada no prelo. [...] hoje, no Rio de Janeiro,
dar um livro à publicidade é quase tão difícil como viver, ou talvez mais ainda,
se atendermos ao que por aí vai pelas tipografias e casas editoriais (O Combate,
1892 apud EL FAR, 2000, pp. 39, 40).
Enfrentando baixas remunerações e diminutas oportunidades no mercado
editorial, que ainda privilegiava os autores consagrados e romances vindos da Europa, os
homens de letras, dividiam-se entre a carreira literária e outras atividades que
complementassem a renda mensal. Entre as principais atividades, encontramos:
professores, funcionários públicos e jornalistas. Em outros casos, encontramos nomes que
ocuparam cargos relevantes na política, mas que se dedicavam ao cultivo das letras nas
horas vagas, escrevendo poemas, contos, romances, entre outros gêneros.
Essas considerações nos levam a compreender o porquê da adesão de literatos à
idéia de fundar uma academia de letras num Estado de tão poucos leitores. A inauguração
de uma academia – numa época em que, sob influência do Positivismo, as instituições
científicas eram vistas como uma porta de acesso ao mundo dos homens ilustres e
respeitados pela sua produção intelectual – poderia proporcionar, através da afirmação da
importância das letras nos debates nacionais, além do status, a possibilidade de ascensão
social.
Aqui, trataremos de mostrar como um grupo heterogêneo de literatos que forjou
e usufruiu de mitos, ritos e ideologias, para justificar e legitimar, através do viés
institucional, a sua existência que, na realidade, tinha como prioridade conferir aos seu
integrantes o reconhecimento social. Isto nos faz compreender porque foi primordial para
os fundadores da Academia Maranhense de Letras cristalizar a idéia de um período de
decadência intelectual do Estado do Maranhão, pois, foi através dessa ideologia e
transferindo para si a responsabilidade de “reinstaurar a altas e indiscutíveis” qualidades
literárias desta terra, que os fundadores da AML13 legitimaram a necessidade dessa
agremiação literária.
3.1 “A regeneração intelectual”
13
A fim de que não se torne cansativa a constante repetição, a partir daqui utilizaremos esta sigla para nos
referirmos à Academia Maranhense de Letras.
O ano de 1899 é considerado o marco inicial da reação neoateniense contra o
decadentismo, o início de uma reunião de esforços no sentido de reinstaurar as “altas e
indiscutíveis tradições de inteligência e cultura intelectual” destas plagas. (MEIRELES,
1955, p. 164).
Foi neste ano que a passagem de Coelho Neto pelo Maranhão – num período
em que a repercussão do abalizado escritor correspondia ao apogeu do seu prestígio social
– marcou o movimento que ficou conhecido como Regeneração intelectual.
A reação iniciada em 1899 provocou a formação de um grupo de intelectuais
que se intitulou Novos Atenienses, identificados no tempo como aqueles nascidos entre as
décadas de 1870 e 1890, contando com alguns nomes expressivos pertencentes à geração
anterior, como Sousândrade e César Marques.
Nas palavras de Martins (2002, p. 85) os Novos Atenienses eram
[...] promessas intelectuais em busca de afirmação situadas no centro da tensão
e do desconforto de descortinar e construir o futuro, sem, contudo, esquecer-se
do passado mitológico, onipresente, herdado dos ‘gigantes’ da velha Atenas, a
partir daquela realidade movediça, em que o ideário decorrente de ‘civilização’
e ‘progresso’ fazia prosélitos e instigava esses jovens intelectuais à reação ante
semelhante estado de coisas denotador das glórias amealhadas nos tempos
áureos do dinamismo provincial. Para eles a situação reinante era a convocação
incisiva para que interviessem concretamente naquela realidade decadente,
visando apontar soluções para o presente, capazes de projetar um futuro
glorioso, tendo como artefato fundamental o passado mitológico da Atenas
Brasileira [...].
Manoel de Béthencourt14 é o nome apontado como figura exponencial desse
reavivamento, e considerado grande agitador da “reação”. Além de liderar as cavatinas,
como eram chamadas as reuniões para palestras noturnas que colocavam os jovens em
contato com obras de renome do Brasil e do Exterior, Béthencourt também orientou o
14
Manoel de Béthencourt, português de origem, brasileiro naturalizado, foi professor de Filosofia do Liceu
Maranhense, atividade que o aproximou da juventude secundarista de sua época [...] suas idéias ficaram
expressas nas colunas dos vários jornais em que atuou, inclusive sua obra mais importante: o romance
crônica A Crise (1902), em que problematiza a sociedade do Maranhão, especialmente a de São Luís [...]”
(MARTINS, 2002, p. 109).
surgimento de dois periódicos importantes, porém de efêmera duração na época: O
Estudante e Philomatia.
O Centro Caixeiral15, em São Luís, foi um importante endereço para reuniões e
acaloradas discussões entre jovens intelectuais que, motivados pelo ideal de restabelecer
na terra os foros de cultura ateniense, começam a fundar uma série de sociedades culturais
efêmeras, com vôos curtos e repetidos sem direção certa. Entre elas:
•
Oficina dos Novos
•
Renascença Literária
•
Grêmio Literário Maranhense
•
Cooperação Sotero Reis
•
Clube Nina Rodrigues
•
Grêmio Odorico Mendes
•
Sociedade Literária Barão do Rio Branco
•
Távola do Bom Humor
De todas estas iniciativas, a Oficina dos Novos é considerada a que mais
expressou o ânimo da elite maranhense reacendido pela passagem de Coelho Neto em
junho de 1899. Fundada em 28 de julho de 1900, a Oficina dos Novos “visava cultuar os
vultos do passado maranhense, dar publicidade à produção intelectual dos autores da Terra
timbira, promover eventos cívicos, literários e similares [...]” (MARTINS, 2002, p. 128).
Em 5 de agosto já fazia circular a primeira edição do seu periódico intitulado
Os Novos , declarado evolucionista. No entanto, com apenas um ano de existência a
Oficina já sofria os abalos que levariam à total ruína. Divergências ideológicas levaram à
dissidência do movimento, afastando do seu quadro nomes que acabaram por fundar
outras instituições literárias, como as Oficinas da Renascença e posteriormente a
Academia Maranhense de Letras.
Sobre o fim da Oficina dos Novos Jomar Morais (1981, p. 60) afirma que
15
Fundado em 1890 sob os auspícios do segmento de caixeiros empregados no comércio de São Luís,
desejosos de constituir uma sociedade promotora de instrução para seus membros (MARTINS, 2002, p. 127).
A Oficina dos Novos terminou morrendo de inanição, assim como, anterior e
posteriormente a ela, dezenas de entidades do gênero sucumbiram extenuadas
pelo muito que fizeram, ou frustradas pelo que pretenderam e não conseguiram,
ou ainda pelo claro convencimento de sua absoluta inutilidade.
Apesar da movimentação realizada naquele período, no sentido de desfazer o
suposto clima decadentista, todas as iniciativas malogravam invariavelmente.
Não é esta a primeira vez que me encontro entre camaradas na maioria filhos da
terra de tão alto renome, concorrendo com meu pequeno esfôrço, para a
organização de um núcleo predisposto á cultura desse vasto campo de frutos
proveitozos, que é o domínio das letras.
E, porque assim falei, não é esta a primeira vez que se congregam, nesta cidade
rapazes cheios de entusiasmo, num vivo desejo de lhe acrescer o movimento
mental.
Tantas e tão malogradas têm sido as instituições literárias que aqui surgiram,
dês que entrei para as vigorozas filuras do batalhão estudantal, que enumerá-las
seria uma dolorosa tarefa, numa ocasião como esta, em que aqui estamos
reunidos, para assistir ao alvorecer de mais uma agremiação desse gênero [...].
Ainda não houve, nesta terra, uma associação literária que pudesse gosar, por
muito tempo, os proventos cobiçados e contidos nas linhas dos seus programas.
O desânimo, filho da desorganização, é uma praga que se alastra
assustadoramente, cerceando os alicerces de tais instituições [...] (São Luís, O
Ateniense, Março/Abril de1920. Nº. 18).
3.2 Academia Maranhense de Letras
3.2.1 A réplica nas letras do art nouveau
Academo, herói ateniense da guerra de Tróia (século XII a. C.), ajudou a Castor
e Pollux encontrarem sua irmã Helena, raptada por Theseu. Por isso, quando os
lacedemônios devastaram a Àtica, em respeito à sua memória, pouparam a terra
a noroeste de Atenas, que lhe havia pertencido.
Foi, então, transformada em "Jardim de Academo", do qual se originou o
vocábulo Academia, dado à escola dedicada às musas, criada no apogeu da
civilização grega, 387 a.C., por Platão, célebre filósofo grego (429-347 a.C.),
discípulo e amigo de Sócrates (468-400 a.C.). Consistia em uma residência,
uma biblioteca e um jardim. Nesse local, à sombra das árvores, durante
quarenta anos, Platão reunia seus discípulos, com vistas a contribuições da
filosofia, da matemática, da astronomia, da legislação e da música. Abrigou
intensa atividade filosófica, professando um ensino informal por meio de lições
e de diálogos entre mestres (ACADEMIA DE LETRAS DE VIÇOSA.Portal
ALV-História da ALV.htm).
As academias da antiguidade grega serviram de modelo para quase todas as
instituições de nível superior do Ocidente, inclusive a academia francesa, que tinha como
principal objetivo de fundação estabelecer normas para a língua francesa.
Importando o modelo francês, a Academia Maranhense de Letras torna-se um
exemplo vivo da “imitação servil”, descrita por Antônio Cândido (1989) em Literatura e
subdesenvolvimento. Nas palavras de El Far (2000, p. 18):
[...] os padrões europeus adotados por esses escritores, formando ao seu redor
um agrupamento aristocrático em relação ao homem inculto, não passavam de
um exercício de mera alienação cultural. Dissociando-se de sua terra e tendo
como foco de atenção os aspectos estrangeiros, esses literatos demonstravam
sua dependência literária, típica de um subdesenvolvimento cultural.
Provavelmente, entre as razões para a criação da academia francesa, não estava
a preocupação de valorizar o mercado das letras, nem o de inserir os intelectuais na elite
francesa, uma vez que dela já faziam parte. Portanto, para a AML, os traços franceses
foram copiados ou modificados para conferir sentido dentro da cultura do Estado tomando
significado diferente tanto do modelo francês, quanto da Academia Brasileira.
A idéia de uma academia de letras não era novidade no início do século XX,
diversos grupos de literatos pelo país afora desejavam estabelecer um novo padrão de
sociabilidade literária, queriam destaque dos outros setores da sociedade intelectual16. A
exemplo disso temos a fundação da Academia Brasileira de Letras, fundada em 20 de
julho de 1899 com o objetivo de preservar a pureza e o prestígio da língua portuguesa, e
também, defender os artistas da palavra escrita, objetivos semelhantes (em partes) ao da
fundação da Academia Francesa fundada em 1635, que tinha por intenção ser um órgão
regulador da língua e propunha a organização de um dicionário que tornasse a língua
francesa mais pura e eloqüente (EL FAR, 2000, p. 31).
16
Em 1724, nasceu em Salvador, então sede do governo geral, a Academia Brasílica dos Esquecidos,
primeira sociedade brasileira destinada ao cultivo das letras e das ciências naturais. Após produzir três
volumes de trabalhos literários e históricos, essa associação desapareceu antes de completar um ano. A
Academia do Felizes, fundada em 1736 no Rio de Janeiro, funcionou durante quatro anos com 30 sócios.
Mas suas reuniões que tratavam de assuntos vários, assim heróicos, com líricos, costumavam ficar suspensas
por longos períodos. A Academia dos Renascidos, criada em 1759 na Bahia, tinha por objetivo fazer
renascer a Academia dos Esquecidos (EL FAR, 2000, pp. 55, 56).
No Maranhão, a criação de uma academia de letras destinava-se ao cultivo das
letras pela ação coletiva ou individual dos seus membros, onde buscavam resgatar as
glórias intelectuais perdidas durante o suposto Decadentismo.
Para os literatos maranhenses do início do século XX, urgia salvaguardar esse
passado de glórias que, segundo eles, suplantava o de todas as outras províncias.
Domingos Barbosa afirmava:
Somos uma terra de gramáticos...pelo menos, é assim que todos, a uma voz,
nos apelidam [...] Não sei, assim de terra que tenha origem mais fidalga, nem
seja mais nobre pela velha e pura linhagem da inteligência e do saber. E, desde
os seus princípios até hoje – haveis de perdoar ao maranhense a imodéstia da
afirmação – não sei qual possa arrolar maior número de nomes famozos do que
os daquêles que entre nós têm cintilado, assim nas ciências como nas letras
(BARBOSA, 1917, p. 53).
Godofredo Viana confirmava a necessidade de fazer deste grêmio uma
sementeira de glórias legítimas. Para ele, a iniciativa de criar uma academia de letras os
tornaria os edificadores, os obreiros, os guardas do augusto edifício.
Ribeiro do Amaral endossava o discurso, reforçando a idéia de que era um
dever dos intelectuais daquela geração fazer reviver as glórias do passado, interrompidas
pelo Decadentismo das gerações anemiadas do final do século XIX que se arrastava até
aquele início de século.
Como acabais de ver, srs., somos nós, os do Maranhão, depozitários duma
grande e precioza herança; temos um brilhante passado a defender.
Pois então, quando por toda a parte se manifesta um incontido dezejo de
acompanhar de perto o desenvolvimento intelectual dos povos cultos; quando
todos os estados, como que à porfia, manteem já as suas agremiações literárias,
algumas delas muito bem organizadas, que se entregam ao estudo e
aprofundado exame das doutrinas e questões literárias e científicas; quando,
finalmente, assistimos, no nosso paiz, à reunião de congressos de toda sorte,
não seria na verdade de lamentar-se que nos deixassemos ficar quêdos, ou que
por vãs razões, contribuíssemos para que se quebrantasse o zelo dos que ainda
desejam e querem trabalhar?
Por certo que não.
Foi esta a cauza que prezidiu à criação desta coletividade” (AMARAL, 1916, p.
6).
Seguindo a orientação intelectual do momento, numa época de fundação de
instituições que “objetivavam afirmar e perpetuar suas visões de mundo” foi fundada em
São Luís a Academia Maranhense de Letras em 10 de Agosto de 1908, com o propósito de
desenvolver a cultura intelectual e defender as tradições literárias do Maranhão e ainda,
manter um intercâmbio de idéias com os centros de atividades culturais do Brasil e do
exterior (MARTINS, 2002, p. 125).
O jornal A Pacotilha de 11 de Agosto de 1908 noticiava o acontecimento:
A Academia Maranhense de Letras
Na reunião convocada para a Biblioteca Pública, ficou fundada a Academia
Maranhense, de quem fazem parte, como fundadores os drs. José Ribeiro do
Amaral, Clodoaldo de Freitas, I. Xavier Carvalho, Barbosa de Godóis e
Godofredo Viana, e Antonio Lobo, Fran Paxeco, Alfredo de Assis, Vieira da
Silva, Astolfo Marques, Domingos Barbosa e Corrêa Araújo.
Para alguns autores, como Mário Meireles (1955), a Academia Maranhense de
Letras foi uma transformação da Oficina dos Novos, pelo fato de alguns operários17 terem
participado como membros fundadores da Academia, entre eles: Godofredo Viana, Vieira
da Silva e Astolfo Marques, no entanto, Jomar Morais, ex-presidente da AML, discorda e
observa que a relação destes intelectuais com a Oficina dos Novos já não ia além do apoio
e da simpatia. Jomar Morais faz esta afirmação baseado no registro de atividades
concomitantes das entidades nos jornais da época. Um jantar de confraternização foi
registrado entre as duas confrarias no Hotel Central em 15 de novembro de 1908, ou seja,
as duas instituições existiram ao mesmo tempo, mesmo que por um curto período em
razão do término da Oficina.
O imóvel localizado na Rua da Paz, nº. 84 Centro, construído para sediar a
Escola de Primeiras Letras da Freguesia de N. Senhora da Vitória, sediava a Biblioteca
Pública do Estado quando no salão de leitura deste prédio às 19 horas do dia 10 de agosto
17
Assim eram denominados os membros da Oficina dos Novos.
de 1908, fundou-se a Academia Maranhense de Letras tendo como nome tutelar a figura
de Gonçalves Dias, e solenemente instalada no dia sete de setembro do mesmo ano.
O Profº. José Ribeiro do Amaral, por força de disposição estatutária18, foi o
primeiro presidente da Academia, Astolfo Marques foi escolhido secretário geral e
Alfredo Assis como bibliotecário-tesoureiro.
Durante muitos anos, a AML não dispôs de sede própria, por isso as reuniões
eram realizadas nas casas dos próprios acadêmicos, ou em outros salões cedidos pela
Assembléia Legislativa do Estado, pelo Grêmio Lítero Recreativo Português e pela
Associação Comercial, entre outros.
Através do decreto nº. 92 de 19 de novembro de 1918, o Governador Urbano
Santos considerou a AML de utilidade pública, determinando que fosse instalada no
edifício a ser construído para a Biblioteca Pública e que a imprensa oficial editasse sua
revista. Porém, somente no governo de Sebastião Archer (1947-1951), depois de
construída a nova sede para a Biblioteca Pública, a AML recebeu como doação do Estado
– Lei nº. 320 de 03.02.1949 – o prédio que abrigou por duas vezes a Biblioteca Pública do
Estado e que quarenta e dois anos antes sediou a primeira reunião dos membros
fundadores da Academia Maranhense de Letras.
3.2.2 Do Quadro e das obras
No seu tempo e no seu meio a maior glória que possa conquistar um homem é
ser literato. Mas como ser um literato? Há duas maneiras: ou nascer literato ou
entrar para a Academia. O desembargador resolveu o seu problema pela
segunda fórmula, isto é, entrando para a Academia. A Academia é uma sina de
glórias literárias com capital ilimitado. O desembargador fez-se seu acionista e
ficou sendo literato, apesar do seu discurso de entrada [...]!
Antônio Torres
18
Por ser o mais velho entre os confrades, de acordo com o artigo 15º, parágrafo 2º, do Estatuto: ‘Não se
obtendo maioria absoluta, far-se-á segundo escrutínio entre os dois mais votados, considerando-se eleito o
que alcançar maioria relativa, ou o mais antigo no quadro dos Acadêmicos, se ocorrer empate’. (ESTATUTO
E REGIMENTO INTERNO. Academia Maranhense de Letras. Tipografia: São José, São Luís, 1962).
A seguir, apresentamos o quadro dos membros oficialmente considerados
fundadores da AML.
José Ribeiro do Amaral (03.05.1853 – 30. 04. 1927)
Nascido em São Luís, estudou no colégio de N. S. da Glória do qual ele depois
foi educador. Fundou o Colégio de S. Paulo, e como funcionário público dirigiu o Liceu
Maranhense e a Biblioteca Pública. Catedrático de Geografia e História do Liceu
Maranhense, e membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão . Na
Academia Maranhense de letras ocupou a cadeira nº. 11, patrocinada por João Francisco
Lisboa.
Antônio Lobo (04. 07. 1870 – 24. 06. 1916)
Autodidata versado em Sociologia e Biologia. Colaborador em diversos
periódicos, falou sobre política, ficção, crítica literária e ciência. Na AML, como membro
fundador, ocupou a cadeira nº. 14 patrocinada por Nina Rodrigues. Foi professor da Escola
Normal e do Seminário das Mercês. Dirigiu o Liceu Maranhense, a Instrução Pública e a
Biblioteca Pública.
Inácio Xavier de Carvalho (26. 08. 1871 – 17. 05. 1944)
Bacharel em direito pela Faculdade de Recife, foi Juiz Substituto Federal no
Maranhão; magistrado, jornalista e poeta. Na AML, ocupou a cadeira nº. 09, patrocinada
por Gonçalves Dias. Com a ampliação do quadro de membros, tornou-se patrono da
cadeira nº. 37.
Domingos Barbosa (28. 11. 1880 – 26 12. 1946)
Nascido em São Luís foi jornalista, contista, dirigiu a Imprensa Oficial, foi
Secretário de Estado no Maranhão e deputado estadual. Foi membro fundador da AML e
secretário; inaugurou a poltrona nº. 2 sob patrocínio de Aluísio Azevedo.
Fran Paxeco (09. 03. 1874 – 17. 09. 1952)
Português de origem chegou ao Maranhão em 1900. Jornalista, professor,
historiógrafo, geógrafo, orador e diplomata. Foi lente do Liceu Maranhense, professor
“Honoris Causa” da antiga Faculdade de direito do Maranhão.
A serviço do seu país foi cônsul no Maranhão e Pará, no Brasil, e Cardiff e
Liverpool, na Inglaterra, e Secretário da Presidência da República e da Comissão de
Fomento da Exploração Portuguesa. No Brasil, além de sócio correspondente e membro
de várias instituições culturais. Fez parte do grupo fundador da AML ocupando a cadeira
nº. 05, sob patrocínio de Celso Magalhães.
Barbosa Godóis (10. 11. 1860 - 04. 09. 1923)
Graduado em direito pela Faculdade de Recife, foi Procurador da Justiça
Federal no Maranhão e também se dedicou ao magistério. Foi professor na Escola Modelo
e na Escola Normal do estado. Na AML escolheu a cadeira nº. 01, patrocinada por
Almeida Oliveira.
Raul Astolfo Marques (11. 04. 1876 – 20. 05. 1918).
Nascido em São Luís, foi jornalista e tradutor, contista e ensaísta. De origem
humilde, iniciou sua carreira trabalhando na Biblioteca Pública como servente. Diz-se
dele, que “lutou bravamente nos começos para galgar uma posição de destaque na vida
social e literária de sua terra”. Juntamente com Antônio Lobo fundou a “Oficina dos
Novos” e posteriormente a AML, onde ocupou a cadeira nº. 10, sob o patrocínio de
Henriques Leal.
Alfredo de Assis (14.01. 1881 – 29. 12. 1977).
Bacharel em Direito, foi desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão,
filólogo, crítico, poeta, jornalista e professor. No magistério foi Catedrático de Português e
Literatura na Escola Nacional do Maranhão e diretor do Liceu Maranhense. Na
administração pública, foi diretor da Biblioteca Pública do Estado e secretário geral do
Estado. Membro fundador da AML inaugurou a Cadeira nº. 07, patrocinada por Gentil
Braga.
Correia de Araújo (29. 05. 1885 – 24. 08. 1951)
Nascido na cidade de Pedreiras, formou-se em Direito pela Faculdade do
Maranhão e foi lente de Sociologia e História Universal no Liceu Maranhense. Dirigiu a
Biblioteca Pública do Estado; foi jornalista e poeta. Na AML preferiu a cadeira nº. 16,
patrocinada por Raimundo Correia.
Clodoaldo Freitas (07. 08. 1855 – 29. 06. 1924)
Natural do Piauí foi poeta, historiógrafo e ensaísta. Era sócio do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Membro
efetivo das Academias de Letras do Piauí e do Maranhão, aqui, ocupou a cadeira nº. 18,
sob o patrocínio de Sousândrade.
Em 1916 Clodoaldo Freitas passou de membro efetivo para sócio
correspondente da AML.
Godofredo Viana (14. 07. 1878 – 12. 08. 1944)
Nascido em São Luís, formou-se em Direito pela Faculdade da Bahia e exerceu
o Ministério Público no Maranhão. Professor de Direito do Maranhão, foi Deputado
Estadual e Federal. Eleito governador (1922 – 1926) dedicou-se, nos últimos anos da sua
vida à ficção. Na AML fundou a cadeira nº. 05 patrocinada por Odorico Mendes.
Vieira da Silva (30. 08. 1887 – 09. 10. 1940)
Bacharel em Direito, foi Procurador Regional da República no Maranhão; foi
oficial do gabinete de Governo do Maranhão e diretor da Imprensa Oficial. Escritor e
poeta. Sócio efetivo da AML, nela inaugurou a cadeira nº. 08, patrocinada por Gomes de
Sousa.
Antônio Costa Gomes (09. 05. 1880 – 16. 12. 1915).
Maranhense, militou na imprensa e escreveu poesias. Segundo Antônio Lobo,
era “um emotivo e um simples, tipo genuíno do nortista, de alma singela e bondosa”. Na
AML ocupou a cadeira nº. 03, sob patrocínio de Arthur Azevedo.
Justo Jansen (16. 03. 1864 – 18. 08. 1930)
Natural de São Luís foi doutor em medicina e professor catedrático de
Geografia Geral e Corografia do Brasil do Liceu Maranhense. Na Escola Normal lecionou
Física, Química e Mineralogia. Sócio correspondente de várias associações estrangeiras
como a Societé de Astronomie, de Paris e a Sociedade de Geografia, de Lisboa. Membro
do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia de Geografia de Lisboa.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia Maranhense de
Letras escolheu a cadeira nº. 04, patrocinada por Cândido Mendes.
José Luso Torres (10. 11. 1879 - ?)
Nascido no município de São Bento, interior do Estado, cursou a Escola
Militar, sendo posteriormente, reformado ao posto de General. Na carreira política foi
prefeito de São Luís e Interventor Federal no Estado. Fundou a Instituto Histórico e
Geográfico do Maranhão e foi membro da Sociedade de Cultura Artística do Maranhão.
Foi conselheiro técnico do Diretório Regional de Geografia e colaborou como cronista na
“Pacotilha”. Na AML ocupou a cadeira nº. 06, escolhendo como patrono Frederico José
Corrêa.
Clodomir Serra Serrão Cardoso (27. 12. 1879 – 30. 07. 1953)
Nasceu em São Luís e faleceu no Rio de Janeiro como Senador da República.
Alternou o exercício da advocacia com a política, tendo sido Deputado Estadual e Federal
e Senador duas vezes pelo Maranhão. Foi prefeito de São Luís e Interventor Federal.
Durante o regime do Estado Novo fez parte do Conselho dos Estados. Na AML inaugurou
a cadeira nº. 12 sob patrocínio de Joaquim Serra.
José de Almeida Nunes (20. 02. 1882 – 27. 08. 1940)
Nasceu em São Luís e formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro. Foi secretário particular durante o governo de Luís Domingues(?), quando
este governou o Estado.
Na AML inaugurou a cadeira nº. 13 patrocinada por José
Cândido de Morais e Silva.
José Augusto Correia (03. 08. 1854 – 16. 02. 1919)
Filho da capital maranhense lecionou no Seminário das Mercês, entre outras
instituições em São Luís. Como funcionário público, desempenhou os cargos de Delegado
Fiscal e Inspetor da Alfândega. Também colaborou na imprensa local. Como membro
fundador da AML preferiu a cadeira nº. 13 patrocinada por José Cândido Morais e Silva.
José Américo dos Albuquerques Maranhão Sobrinho (25. 12. 1879 – 25.
12. 1916)
Natural de Barra do Corda. Levou vida boêmia. Dele, Mário Meireles disse:
“De uma fecundidade quase assombrosa, Maranhão Sobrinho, que morreu aos Trinta e
seis anos, deixou poesias que se contam às centenas, algumas desperdiçadas na pedra das
mesas de botequins. Só os seus maravilhosos sonetos são mais de trezentos”. Na AML,
escolheu a cadeira nº. 19, patrocinada por Teófilo Dias.
Benedito de Barros Vasconcelos (31. 07. 1879 – 10. 05. 1955)
Nascido em São Luís, formou-se em Direito pela Faculdade do Rio de Janeiro;
foi jornalista, magistrado e escritor. No Maranhão foi Secretário da Fazenda, Consultor
Jurídico do Estado e Presidente do Conselho do Estado. Membro fundador do Instituto
Histórico e Geográfico do Maranhão e da AML, ocupando a cadeira nº. 20, sob o
patrocínio de Trajano Galvão.
Destes nomes, alguns foram acrescentados somente a partir de 1916 com
honras de membros fundadores, elevando o quadro membros, ocupando também vagas
deixadas por membros falecidos. Até 1918, já haviam falecido: Antonio Costa Gomes,
Maranhão Sobrinho, Antonio Lobo e Raul Astolfo Marques. Foram recebidos como
membros: Justo Jansen, Augusto Corrêa, Raimundo Lopes, Almeida Nunes, J. da Costa
Gomes, Clodoaldo Cardoso e Benedito de Vasconcelos.
O Artigo 4º do Estatuto da Academia previa que só poderiam ser aceitos como
membros efetivos escritores que fossem nascidos no Maranhão e aqui residissem, exceção
apenas para Fran Paxeco e Clodoaldo Freitas, o primeiro português e o segundo piauiense,
porém, atuaram decisivamente na fundação da agremiação. Portanto, com exceção destes
dois nomes, todos os outros membros eram maranhenses, sendo que pelo menos onze
eram ludovicenses e os outros nascidos no interior do Estado como Luso Torres, natural de
São Bento, Antônio Lopes, natural de Viana e Maranhão Sobrinho, natural de Barra do
Corda, entre outros.
Em relação ao grau de instrução pelo menos dez membros haviam feito curso
superior que variava entre Medicina e Direito, um havia cursado a Escola Militar e o
restante havia concluído o ensino secundário. Os que alcançaram instrução superior
geralmente estavam ligados a alguma esfera de poder, ocupando cargos federais, ou outros
cargos públicos nas instituições do governo, como escolas e a Biblioteca Pública do
Estado, entre outras instituições, outros ainda, atuavam nos veículos de comunicação
escrevendo em jornais e revistas.
A média de idade entre os acadêmicos variava. Encontramos entre os membros
fundadores em 1908, desde moços como Correia de Araújo e Vieira da Silva que tinham
21 e 23 anos respectivamente, até Ribeiro do Amaral, um dos mais experientes com 55
anos de idade. Dos que ingressaram a partir de 1916 para compor o quadro de membros,
se dá o mesmo, como por exemplo, temos Raimundo Lopes que ingressou na Academia
aos 23 anos e Augusto Correia que já contava com 62 anos.
Analisando essa questão da idade, percebemos que é considerável o número de
acadêmicos com idade entre 20 e 30 anos (cerca de sete acadêmicos) em relação aos mais
experientes, acima de 50 anos, que eram apenas cinco – entre 30 e 40 anos eram
aproximadamente seis – o que reforça a idéia de que acima de qualquer discurso proferido
pelos acadêmicos, o que eles realmente buscavam era a estabilidade econômica e o
prestígio social.
Tampouco era homogênea a situação econômica desses literatos, bem como o
posicionamento social dos membros da AML, que em sua maioria, pertenciam às famílias
da elite e obtiveram a possibilidade de estudar fora do Estado, como o costume da época
entre as famílias mais ricas. Este era o caso de nomes como: Inácio Xavier de Carvalho,
Barros Vasconcelos, Almeida Nunes, Clodomir Cardoso, Godofredo Viana, Antônio
Lopes da Cunha, Barbosa Godóis, Alfredo de Assis, Justo Jansen e Correia de Araújo.
Maranhão Sobrinho geralmente é citado como filho de uma das melhores famílias do
Estado.
Sobre Justo Jansen, José Ribeiro do Amaral em seu discurso de recepção ao
novo confrade, disse:
[...] Oriundo de uma das mais notáveis e tradicionais famílias desta terra, cujos
membros, em todos os tempos, se teem ilustrado nas lutas do forum, da
imprensa e da política, é o sr. Dr. Justo Jansen um nome feito, no estado e fora
dele, quer como clínico, quer como professor, dos mais competentes[...]”
(AMARAL, 1916, p. 6)
Em contrapartida, Raul Astolfo Marques é registrado como tendo origem
humilde, tendo trabalhado na biblioteca Pública como servente. Outros membros eram, em
sua maioria, funcionário públicos, como por exemplo, José Ribeiro do Amaral,
reconhecido professor do Liceu, funcionário público e proprietário do colégio São Paulo.
Antônio Lobo, também funcionário público, jornalista e professor, entre outras atividades,
amplamente conhecido entre a juventude estudiosa.
Fran Paxeco atuava como cônsul português no Maranhão, entre outras
atividades de cunho intelectual.
Essas diferenciação financeira determinou relações as mais diversas com o
mundo literário, aqueles que se dedicavam exclusivamente à produções intelectuais,
geralmente reclamavam de dificuldades financeiras. Outros que se dedicaram
preferencialmente a outras atividades deixando a função de escritor para as horas vagas,
conseguiram manter seu alto padrão de vida. Outros ainda, como Astolfo Marques
venceram a pobreza graças ao trabalho literário.
Embora fossem nomes conhecidos àquele período, ainda não desfrutavam do
status almejado pelos homens de letras que buscavam através da institucionalização o
reconhecimento, não só entre a elite, mas uma forma de divulgar as suas obras com maior
amplitude.
El Far (2000. p. 65) aventa que “os literatos ambicionavam uma autoridade em
relação ao discurso literário, e a criação de uma academia de letras poderia propiciar-lhes
uma projeção intelectual jamais alcançada[...]”.
Ainda no art. 4º do Estatuto de 24 de julho de 1916, está previsto que para o
ingresso no quando de membros da AML era necessário ter publicado pelo menos um
livro de valor, ou seja, que obtivesse reconhecimento na impressa e entre o público leitor.
Justificava-se esta exigência “tão só da necessidade de termos ante os olhos um trabalho
em bloco, que, numa rápida vista de conjunto, para logo dê notícia bastante dos requizitos
de quem nos bata as portas [...]”(BARBOSA, 1916, p. 39). No entanto, esse critério dentro
da Academia nem sempre foi respeitado, denotando que para o ingresso na AML outras
questões falavam mais alto.
Em 29 de agosto de 1918 foi proposto na AML o ingresso, como membro
efetivo da Academia, o nome de Clodomir Cardozo, porém, o pequeno detalhe dele não ter
nenhuma obra de valor publicada, logo foi remediado com a seguinte explicação:
Propomos, para membro efetivo desta associação de letras, o dr, Clodomir
Cardozo.
Disposmos os nossos estatutos que somente podem pertencer a esta Academia
escritores que tenham publicado pelo menos um livro de valor, nós ao
interpretarmos, há tempos, aquele dispozitivo, assentamos em que a espressão
livro, ali empregada, não quer dizer livro volumozo, mas sim e tão só bom
livro. E esta companhia literária bem o entendeu, resolvendo assim, porque o
contrário seria preferir estensão á qualidade.
Um estudo, por mais rápido que fosse, dos trabalhos entre nós vindos a lume,
nos tempos mais chegados, para logo colocaria em lugar de alto e merecido
destaque os discursos pronunciados pelo dr. Codomir Cardozo, ao inaugurar-se
a estátua de João Lisboa e ao celebrar-se o jubileu de Rui Barboza, aquêle por
nós editado e este já no prelo, em adiantado serviço de impressão[...]
(BARBOSA, 1916, p. 173).
Não custa lembrar a ampla participação de Clodomir Cardozo na esfera
política, como aventamos anteriormente na sua biografia.
No caso de Raimundo Lopes o critério previsto no art. 4º do estatuto também
não parece ter sido o principal apoio ao seu ingresso na Academia. A publicação do
Torrão Maranhense apenas confirmou o que parece ter sido uma indicação anterior à
publicação da obra, como expressa Domingos Barboza em seu discurso de recepção a
Raimundo Lopes:
[...] Ha, alem dessa exigência, a circustáncia de que pouco faz que retiraste o
vosso livro dos prelos. Ainda se lhe não evolou de todo o acre cheiro
embriagador das tintas que o imprimiram. Nem ainda se escoou por inteiro a
oportunidade de sobre ele dizerem críticos que dêle ainda não disseram [...]
(BARBOSA, 1916,p. 39).
Em 1917 foi lançada por Godofredo Viana, a proposta de inserção de Almeida
Nunes no quadro de membros efetivos, porém, Almeida Nunes havia se dedicado à
carreira médica, e não possuía nenhuma obra de cunho literário nos moldes que eram
exigidos por este tipo de agremiação. Nunes adentrou ao rol de sócios da Academia por
meio de uma trabalhado intitulado Cezariana Conservadora, que só pelo título já causa
estranheza, ainda mais quando utilizado como cartão de entrada em uma agremiação
literária que visava restaurar as características literárias do Maranhão. Mas a despeito de
qualquer crítica que essa indicação pudesse despertar, Godofredo Viana correu a defendêlo:
Não se trata, como o seu título o está desde logo indicando, de uma obra
puramente literária.
No modo, porém, porque foi desenvolvida a matéria sobre que versa (nada mais
seco e árido do que discorrer acerca da Cezariana Conservadora), estão a meu
ver as provas do seu grande merecimento. Porque, devendo ser, como de praxe,
apenas uma enfiada de termos técnicos, ouriçados e campanudos, que uma
linguajem quaze sempre descuidada liga, entre si, áspera e desarmoniozamente,
escapa por milagre a essa regra, tem ritmo, tem fórma, sem nenhum prejuízo do
rigor científico, deixando transparecer o artista da palavra escrita, em toda a
nobreza do seu elegante mister [...]
Não quero, por desnecessário, ir ao encontro de duas objeções que podem
acazo ocorrer [...]
A primeira, já ele de antemão a rebatia com afirmar que lhe não parece que ‘um
trabalho valha menos por ter sido concebido em pequeno modelo, calcado em
restritas fórmas; mas valha pela sua grandeza, pelo seu tamanho, que pela idéa
conteúda’ [...].
Quanto á outra, diga-se apenas que é evidente não dar toda e qualquer téze de
doutoramento á entrada nesta caza. Mas fora absurdo sustentar que com uma
téze de doutoramento, escrita em puro vernáculo, com estilo e com arte, não se
lhe possa transpor dignamente a umbreira (VIANA, 1917. pp. 57, 58)
A rigidez do art. 4º que exigia um livro de valor parece ter sido abandonada
gradualmente. Alguns intelectuais passaram a defender uma noção mais abrangente de
literatura. Para esses literatos o valor exigido pelo estatuto acadêmico poderia ser
encontrado em outros trabalhos que não fossem necessariamente romances e poesias.
Apesar dos argumentos apresentados, o que importava aos acadêmicos era a
introdução de nomes importantes que pudessem fazer da Academia um lugar respeitável e
de grande influência, já que apenas o discurso não bastava. Para chamar a atenção da elite,
era preciso alargar as fronteiras da literatura e buscar uma comunicação maior com as
outras áreas do saber.
Desta forma, entre o grupo de sócios eleitos a partir de 1916, também
considerados membros fundadores, temos geógrafos, historiadores, juristas, médicos e
políticos. O caráter literário das obras variava tanto quanto o caráter intelectual dos
membros. Temos discursos variados, trabalhos sobre geografia, medicina, contos infantis,
poesias, romances, trabalhos jurídicos, entre outros.
3.3 O poder/saber: uma faceta do poder/cultura
Foucault criou o termo Tecnologias de Poder. Para ele o poder nem sempre age
apenas por meio da violência, o poder também cria verdades que funcionam como
legitimação do poder. Foucault acreditava que por meio do estudo do discurso o
historiador poderia descobrir o momento em que novas tecnologias de poder são
introduzidas. Patrícia O’Brian (2001) afirma que para cada discurso, texto ou evento, ele
colocava a mesma pergunta: Onde está o poder nesse conhecimento?
Partindo desse pressuposto apontado por Foucault, analisaremos de forma geral
o discurso decadentista dos neoatenienses investigando não apenas as tecnologias de poder
introduzidas na linguagem desses intelectuais, como também o efeito produzido.
Através do estudo do discurso desses intelectuais tentaremos identificar as
estratégias através das quais os homens de letras da AML impuseram uma ortodoxia, uma
espécie de leitura autorizada daquela época impedindo novas abordagens ou interpretações
diferentes daquele período.
Em História e Teoria Social Peter Burke (2002), destaca a necessidade de, no
estudo do discurso, levar em conta não apenas as mensagens e os emissores, mas também
os canais, códigos e cenários.
Chartier (2001, p. 154) aventa que “o significado da mensagem depende não
(ou não somente) das intenções do indivíduo que a transmite, mas das regras que
constituem o código, ou em outras palavras, sua estrutura”.
Os neoatenienses sócios da AML encontravam nas reuniões da academia a
situação mais favorável para a exposição dos canais – linguagem (discursos); códigos –
forma de linguagem: falsa modéstia e linguagem erudita, estrangeirismos, invenção da
tradição literária; e do cenário – solenidades e Decadentismo.
3.3.1 Canais / Discursos
Discursos falados nas solenidades públicas ou escritos no órgão impresso da
Academia foram os principais meios de comunicação entre os intelectuais da AML e a
sociedade. Chartier (2001, p. 214) afirma que o discurso é uma das principais estratégias
utilizadas quando se quer legitimar uma verdade, de forma explícita ou implícita,
“Transformado o texto num mecanismo que deve, necessariamente, impor uma
compreensão considerada legítima”.
Este autor aventa que a maioria dos textos tentam, abertamente, omitir sua
própria condição de discurso buscando, desta forma, produzir no nível prático,
comportamentos ou práticas que sejam considerados legítimos ou úteis. Porém, ele afirma
que
[...] as apropriações culturais também nos permite ver que os textos ou as
palavras destinadas a configurar pensamentos e ações nunca são inteiramente
eficazes e radicalmente aculturados. As práticas de apropriação sempre criam
usos ou representações redutíveis aos desejos ou às intenções daqueles que
produzem os discursos e as normas. (CHARTIER, 2001, pp. 133, 134).
A seguir, faremos uma breve análise de algumas estratégias utilizadas pelos
intelectuais da AML em seus discursos proferidos em solenidades públicas na presença da
alta sociedade e de autoridades, onde buscavam alcançar o prestígio e a legitimação da
Academia.
a) Falsa modéstia / Vernáculo
O estudo dos discursos desses intelectuais registrados na revista da Academia
nos permitiu perceber que a estrutura dos discursos segue, quase invariavelmente, o
mesmo modelo: introdução exprimindo uma modéstia exagerada, cooptando assim a
simpatia do público, linguagem extremamente rebuscada denotando a erudição dos sócios
e diferenciando-os do restante da população, utilização de uma segunda língua que
geralmente era o latim ou o francês, tudo isso somado à louvação do passado em
detrimento do presente decadente que os conclamava (os acadêmicos) ao soerguimento
cultural, justificando a existência daquela instituição.
Vejamos alguns exemplos da “modéstia” com que sempre iniciavam suas falas
públicas:
Minhas senhoras
Meus senhores
A’ nímia bondade dos srs. Membros da Academia Maranhense, elegendo-me
para tão elevado posto, devo a subida honra de vos dirigir a palavra neste
momento.
E, já que assim o quiseram, começarei confessando toda a nossa maior gratidão
– deles e minha, - a vós que, atendendo ao convite, vos dignastes de concorrer a
tão modesta festa literária, emprestando-lhe, com a vossa prezença, um
desuzado brilho. Penhora-nos tamanha gentileza. (AMARAL, 1916, p. 5)
Referindo-se a Cândido Mendes, a quem escolhera como patrono, Justo Jansen
disse:
[...] Para descrever todas as feições com que ele se manifestou, a mim me falta
competência.
Para não deixar no olvído tantas jóias com que dotou as nossas letras,
escasseia-me o fulgor do talento, o primor do estilo e a grandeza da erudição.
Animando-me a tratar de algumas modalidades de tão alto engenho, ampara-me
a convicção de que a superioridade dos seus lavrores suprirá, eficientemente, a
carência do meu saber e a deficiência da minha linguagem [...]
(FERREIRA,1916, p. 7).
Em outros fragmentos encontramos:
Meus senhores
Mulheres da minha terra
Minhas crianças
O império dos estatutos da Academia é que responde pela minha prezença aqui.
De outra forma, não de esplicaria tanta falta de luz, nesta sessão, luz que só a
palavra de Domingos Barboza, nas suas rutiláncias mágicas, ou a erudição de
qualquer outro dos meus pares, poderia trazer”. (CARVALHO, 1917p. 60).
[...] meus senhores, não quero ocupar a vossa atenção por mais tempo. Seria
fatigar-vos.
Sinto que as minhas poucas luzes e os meus sofrimentos façam de pouco valor
o auxílio que posso prestar a esta corporação, que contém em si tão grande
espoente intelètual.
Só me resta agradecer-vos a minha ecolha. E crede que, no que depender de
mim, farei para me não distanciar muito de vós. (CORREA. 1916, p. 26)
É interessante notar como a modéstia dos discursos contrastava com os rasgos
de elogios proferidos de uns para os outros, numa lógica que funcionava assim: o sócio
que assumia o posto se desmerecia e exaltava os companheiros, em contrapartida recebia
louvores dos confrades que o recebia, o que resultava numa intensa troca de simpatias que
elevava o status intelectual de cada um.
Celebra a Academia Maranhense, neste instante, a sua primeira sessão solene
[...] para receber no seu seio o sr. Dr. Justo Janen Ferreira.
[...] Oriundo de uma das mais notáveis e tradicionais famílias desta terra(...)
Ninguem, portanto, mais digno da honroza investidura que vai receber agora, e,
em compensação, também nada de mais auspiciozo para esta Academia do que
a aquizição que acaba de fazer de um homem do valor intelectual e moral do
novo acadêmico”. (AMARAL, 1916, p. 6)
Não sei que mais vos agradeça; se a honra que me conferis, elegendo-me para
esta escelsa missão, se o ensejo que dadivozamente me proporcionais de prestar
desta tribuna [...] a homenagem ao mestre ilustre, que transpõe hoje os mubrais
desta Academia, inundando-a com o brilho do seu talento e enobrecendo-a com
o prestígio do seu nome e da sua fama. Prestígio escoimado dos rumores da
inveja; fama já serena pela superioridade do seu quilate [...]. (VIANA, 1916 p.
12).
Meus senhores
Subida é a honra de me sentar entre vós.
Aqui encontro José Ribeiro do Amaral, esse educador emérito, paciente
bibliógrafo e profundo historiador das coizas da pátria; o dr. Godofredo Viana,
juiz que honraria a própria Inglaterra, quer pelo seu saber jurírdico e literário,
quer pela inteireza do seu caráter de magistrado; o dr. Justo jansen Ferreira,
grande clínico e geógrafo de provada erudição; o dr. Alfredo de Assis,
jornalista, poeta, orador e burilador da formoza língua de João Lisboa, que ele
cultiva com competência tal que ninguém o poderá esceder; Fran Paxeco, essa
inteligência de ecol, esse erudito, esse grande vulto literário; Luzo Torres, essa
fôrça altiva, esse estilista, esse homem superior, que nunca se curvou senão á
virtude e à justiça; Domingos Barboza, que, como jornalista, é o nosso segundo
Timon, como orador, um émulo de Antonio Lobo; Inácio Carvalho, Corrêa de
Araújo e Vieira da Silva, esses poetas que sabem honrar a terra de Gonçalves
Dias; Astolfo Marques, que tem ilustrado as letras pátrias e moureja, com pena
diamantina, no nosso jornalismo; o dr. Barboza de Godóis, cujos serviços á
instrução pública são de alto valor [...]. (CORRÊA, 1916, p. 22)
b) Estrangeirismos
Agora veremos exemplos de utilização da linguagem estrangeira em discursos
públicos como mecanismo de diferenciação e como uma faceta do poder.
[...] Não nos desonra a sombra que se espéssa em torno de nós. Notabilita-nos o
esforço que fazemos para vencê-la.
Car sais-tu qui vaut de vivre uniquement?
L’effort! Qui rend sacré l’être lê plus infime”. (VIANA, 1916, p. 15)
[...] Ela era, enfim, o contemplativo da Vizão de Brama, um romântico,
susbstituindo a todas as paixões a paixão absoluta do Ideal, que lhe inspirava
estas palavras como vidas:
Dors! Ó Blanche victime, em notre ame profonde
Dans ton linceul de vierge et ceint de lotos...
Dors! L’impure laideur est la reine du monde
Et nous avons pordu le chemin de Paros...
(LOPES, 1917,p. 29)
Burke afirma (2002, p. 135) que “a linguagem é, como o consumo, um meio
utilizado por alguns grupos socais para se distinguirem dos outros”.
A estratégia de utilizar uma segunda língua nos discursos, era muito comum
entre os intelectuais, e tornava-se importante no sentido de diferenciá-los das outras
camadas sociais, causando grande impressão no público. Com o passar do tempo, essas
cerimônias tornaram-se cada vez mais solenes, salientando sua importância social. Isto
pode ser observado nesta notícia do jornal O Postal de 23 de janeiro de 1919
Academia Maranhense
Em sessão solene, effetuada em II do corrente, no salão de honra do congresso
Estadoal, foi recebido pelo brilhante litterato Domingos Barboza, o acadêmico
snr. Dr. Almeida Nunes.
A essa bella reunião compareceu todo o mundo official exmas. senhoras,
graciosas senhorinhas e cavalheiros da nossa fina flor social [...].
c) Construção da memória: Invenção da tradição literária
Talvez a maior particularidade dessa instituição que buscava afirmação social,
foi a oficialização de uma história da literatura maranhense, e com ela a construção de um
passado para as nossas letras, elaborando uma história oficial das obras e dos autores mais
importantes do Estado.
[...] No próprio culto que rendemos aos nomes dos que nos engrandeceram e
nobilitaram os dias idos, não vizâmos somente a homenagem que o dever nos
reclama de cada um de nos, e a todos nos ordena. Evocâmo-los tanto para maior
glória sua como para exemplo aos de hoje, de modo que possamos bem preparar
os dias de amanhã. (BARBOSA, 1917, p. 37).
Para tanto, além de reunir dados biográficos e literários, passaram a adotar
patronos para cada uma das cadeiras da Academia. Esses patronos deviam ser intelectuais
maranhenses, já falecidos e que marcaram a história literária do Estado, ou seja, na
ausência de um passado literário estruturado, organizar-se-ia uma genealogia elevando
alguns nomes para que formassem, de repente, o capital simbólico da instituição.
[...] Sem história, não pode haver tradição, nem nacionalidade, assim como sem
memória não pode haver individualidade. [...] esse movimento, porém, limitarse-á a um surto de imperialismo ou de militaria, se não for inspirado, idealizado
pelo culto das glórias [...]. ( Revista da Academia Maranhense de Letras, 19161919, p. 101).
Ao organizar o passado, até então espalhado, os literatos forjariam uma
história oficial, uma memória literária que vinha corroborar aquela instituição que nascia
cheia de tradição.
Esta prática estava prevista nos art. 10 e 11 do estatuto que diziam:
Art. 10. – Cada uma das vinte cadeiras de membros efectivos terá um patrono,
escolhido, pelo membro efectivo que primeiro a ocupar, entre os literatos
maranhenses já estintos, sujeita essa escolha á aprovação da Academia.
Art. 11. – Todo o membro efectivo é obrigado a fazer o estudo crítico da obra
do patrono da sua cadeira, devendo os empossados fazê-lo em sessão magna,
previamente marcada pela Academia, e, na ocazião da solenidade da sua posse,
os que daqui por diante forem eleitos.
Os escolhidos para as vagas que se forem abrindo, depois de completo o quadro
dos efectivos, estudarão, por sua vez, a obra literária do seu antecessor”.
(Revista da Academia Maranhense de Letras, 1916-1918, p. 4).
Ao conferir a determinados literatos o status de patrono da Academia, os
fundadores estavam, instituindo um passado de glórias da literatura local, que era
reafirmado de tempos em tempos através de rituais.
O acadêmico que tomava posse, obrigatoriamente teria que fazer um discurso
de homenagem ao patrono e aos antecessores da cadeira para qual fora eleito, por fim um
membro designado anteriormente ficava responsável de dar as boas-vindas ao novo sócio.
Assim ficou composto o quadro de membros e respectivos patronos:
Cadeira
Patrono
Membro
Nº. 1
Almeida Oliveira
Barbosa Godóis
Nº. 2
Aluízio Azevedo
Domingos Barbosa
Nº. 3
Arthur Azevedo
Antônio Costa Gomes
Nº. 4
Cândido Mendes
Justo Jansen
Nº. 5
Celso Magalhães
Fran Paxeco
Nº. 6
Frederico Correia
Luso Tôrres
Nº. 7
Gentil Homem de A.
Alfredo de Assis
Braga
Nº. 8
Joaquim Gomes de
Vieira da Silva
Sousa
Nº. 9
Gonçalves Dias
Inácio Xavier de
Carvalho
Nº. 10
Antônio Henriques
Raul Astolfo Marques
Leal
Nº. 11
João Francisco Lisboa
José Ribeiro do
Amaral
Nº. 12
Joaquim Serra
Clodomir Cardoso
Nº. 13
José Cândido de
Almeida Nunes
Morais
Nº. 14
Nina Rodrigues
Antonio Lobo
Nº. 15
Odorico Mendes
Godofredo Viana
Nº. 16
Raimundo Correia
Correia de Araújo
Nº. 17
Sotero dos Reis
José Augusto Correia
Nº. 18
Joaquim Sousândrade
Clodoaldo Freitas
Nº. 19
Teófilo Dias
Maranhão Sobrinho
Nº.20
Trajano Galvão
Barros e Vasconcelos
Tabela 1: Quadro de membros efetivos da Academia Maranhense de Letras em 1920.
Somente os ocupantes das cadeiras 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 18,
participaram da fundação da AML em 1908, os outros nomes foram incorporados a partir
de 1916.
É interessante notar que com esta prática de eleger patronos, os intelectuais
determinavam quais literatos era dignos de eternização, podendo desta forma, eleger os
próprios pares já falecidos, tornando-os imortais e elevando ao posto dos grandes nomes
da terra. Assim, os acadêmicos da AML, entravam para o rol dos grandes intelectuais.
O caso mais sintomático é o de Maranhão Sobrinho. Apesar de ser filho de uma
rica família do interior do Estado, Maranhão Sobrinho levou uma vida boêmia e morreu
ainda muito jovem aos trinta e seis anos e sem nenhum reconhecimento, a não ser pelo
fato de ter sido membro fundador da AML. Mário Meireles (1955) ao escrever o
Panorama da Literatura Maranhense, afirma não haver a inclusão do nome de Maranhão
Sobrinho em nenhum dos compêndios de Literatura nacional. Por meio da AML,
Maranhão Sobrinho teve seu nome imortalizado, quando após a sua morte foi escolhido
patrono da cadeira nº. 21 fundada por Raimundo Lopes e veementemente defendido por
Domingos Barbosa.
[..] Como que a compensar, porém, incide, ao mesmo tempo m raio consolador
de bondade, a espalhar benéfica luz reparadora, melhor aclarando a memória de
tão alto poeta e artista tão fidalgo, e que o grosso das turbas queria quaze que
apenas ver o boémio descuidozo que por ele passava, indiferente e
incompreendido, a tanger a sua lira de oiro, sem atentar nos ranídeos que
coaxavam na vaza, nem nos ninhos que meigamente se calavam para o ouvir...
A’queles talvez pareça algo estranho que, num lugar de estudo e de
recolhimento, como deve ser este nosso, se inscreva o nome de um vate
notámbulo, de um revoltado contra um sem-número de para ele prementes
convenções sociais, no alto de um muro que ele aliás ajudou eficazmente a
erguer.
Estes, porém, os que integralmente o compreenderam e deleitozamente o
escutaram, olharão sempre para ali com a vaga unção, quaze religioza [...]
(Revista da Academia Maranhense de Letras, 1917, ?)
Em 1921, cinco anos após a sua morte, o nome de Maranhão Sobrinho já fazia
parte de uma lista de homens ilustres do Maranhão, organizada pela entidade Legião
Ateniense. A lista foi divulgada no jornal pertencente a este clube literário. E não só
Maranhão Sobrinho ocupava um lugar na lista como também José Augusto Correia,
Antônio Lobo, Astolfo Marques e Antonio Costa Gomes.
Posteriormente, com o aumento do número de cadeiras, nomes como Antonio
Lobo, Raimundo Lopes e I. Xavier de Carvalho também tornaram-se patronos.
Os outros que não se tornaram patronos passaram a ter suas obras relembradas
por seus sucessores.
No intuito de construir esse passado literário, outro método utilizado pelos
acadêmicos através de textos escritos, cultivo da memória visual por meio de fotografias,
pertences, monumentos e, especialmente, sessões comemorativas abertas ao público. A
AML procurou formar ao longo dos anos uma galeria de retratos de todos os membros e
patronos.
Entre 1916 e 1918 houve intensa movimentação no sentido de traçar uma
memória literária para o Estado. As principais medidas tomas foram:
•
Inauguração da estátua de João Lisboa e confecção de uma obra literária
sobre a vida do jornalista;
•
Reimpressão de inéditos de Sotero dos Reis e de trabalhos de Nina
•
Comemoração do primeiro centenário do nascimento de Cândido Mendes;
Rodrigues;
•
Estudos realizados em sessões públicas sobre Celso Magalhães e Gonçalves
•
Discursos homenageando Sotero dos Reis, Maranhão Sobrinho, Almeida
•
Autorização do Congresso Estadual para publicação da Seleta Maranhense
Dias;
Oliveira;
de Astolfo Marques;
Na visão de Martins (2002, p. 98),
[...] o problema fundamental para esses novos atenienses era dar conta da
montagem dessa trajetória intelectual. Com efeito, remontar uma continuidade
das teias evolutivas da produção intelectual maranhense não indicava
constituir-se uma tarefa cuja consecução fosse produzida pelo voluntarismo
evidente na postura de muitos desses intelectuais. Ao contrário, definir as
linhas mestras da formação cultural do Maranhão significava identificar com
clareza meridiana a ausência de vida cultural orgânica (ARANTES, 1997, p.
17), a falta de seriação de idéias, a ausência de uma genética (ANDRADE
Apud SODRE, 1984, p. 65).
3.4 Decadentismo: um mal necessário
A partir deste ponto, veremos como a Academia Maranhense de Letras
conseguiu sobreviver apoiando-se no discurso decadentista; ou seja, ao mesmo tempo em
que responsabilizava-se por mudar tal estado de coisas, reafirmava através do seu discurso
o mito (Decadentismo) que legitimava a sua existência, baseando-se na eterna evocação do
passado glorioso.
Malinowisk (1926 apud BURKE, 2002, p. 1420) afirmou que os mitos são
histórias com funções sociais, ou seja, “é uma história sobre o passado que em suas
palavras, faz por vezes de um alvará para o presente”.
Entendemos que a fomentação do Decadentismo pela AML, tornou-se uma
prática necessária para a legitimação dessa instituição que aparentemente não teria
utilidade social real. Desta forma, se fez mister construção de uma linha evolutiva que
resultasse na fundação da AML, passando pela edificação da idéia de um presente
decadente em relação ao passado glorioso, de duas gerações que respiravam
intelectualidade, como se fossem dois grupos coesos – que além de não terem sido grupos
no real sentido da palavra, mostramos que na realidade não alcançaram sua consagração
no torrão natalício – no caso o Grupo Maranhense e os Atenienses. Ao preconizar esse
passado de grandes feitos evidenciando o presente decadente, responsabilizavam-se como
herdeiros e guardiões desse patrimônio, e a AML seria o instrumento utilizado por eles no
cumprimento da nobre missão. Na realidade, o que a árdua tarefa camuflava era o desejo
de auto-promoção e destaque no mundo dos homens de letras protegidos pelo viés
institucional.
Vejamos um fragmento do discurso proferido por José Ribeiro do Amaral, na
ocasião presidente da instituição, em sessão realizada pela AML em 30 de dezembro de
1916.
[...] Não me posso esquivar também nessa ocazião, ao dever de dar ao público e
solene testemunho de boa vontade, constáncia e decidido empenho de que, na
hora prezente, na hora de incertezas e desfalecimentos, se acham possuídos os
poucos, mas fevorozos cultores das letras que aqui vedes, e que, com o mais
nobre esforço, procuram zelar, para transmitir intactas aos vindoiros, as
tradições gloriozas desta terra querida, tradições que se afirmam de modo
inequívoco, imperecedoiro, nesta trindade augusta que foi – em João Lisboa, o
insigne politico doutrinário do Jornal de Timon, o lúcido crítico da vida do
padre António Vieira, o grande historiador das duas invazões; em Gonçalves
Dias – o poeta soberano ao mesmo tempo majestozo e doce cantor dos
Timbiras; em Odorico Mendes, enfim – o helenista e latinista exímio, o familiar
de Homero e Virgilio [...] (AMARAL, 1916, p. 5)
Ribeiro do Amaral destaca a boa vontade dos fervorozos cultores das letras,
referindo-se aos acadêmicos da AML; rotula o presente como hora de incertezas e
desfalecimentos reforçando a idéia do Decadentismo e finaliza evocando o passado
glorioso nas figuras de João Lisboa, Odorico Mendes e Gonçalves Dias, todos
pertencentes ao Grupo Maranhense: o modelo de intelectualidade. Adiante, Amaral
justifica a importância da agremiação uma vez que “somos nós, os do Maranhão,
depozitários duma grande e precioza herança: temos um brilhante passado a defender”
(AMARAL, 1916, p. 6).
Nesta sentença fica evidente que os decadentistas viviam muito mais com os
olhos no passado do que no presente. Isto se tornará evidente na ausência de medidas
efetivas de reavivamento intelectual por parte da AML, como veremos adiante.
Nesta mesma sessão do Dia 30 de dezembro de 1916, Godofredo Mendes
Viana ao tomar a palavra proferiu um discurso de recepção a Justo Jansen como sócio da
academia, e desdobrando-se em elogios ao confrade, como era de costume nos discursos
entre os acadêmicos diz:
[...] Vida invejável, vida fecunda, que bem poderia servir de incentivo a estas
gerações anemiadas, que não conhecem a tenacidade que faz milagres, a santa
obstinação que mais avança quanto mais lhe estorvam os passos, a confiança
que não esmorece, o dever que nunca entibia. Gerações, que o apêlo supremo
de Bilac tenta galvanizar na sua indolência profunda, no seu enervamento
indescritível, e sobre as quais caiu a palavra esbrazeada de Miguel Pereira,
Palre di dolore, accenti d’ira
Senão grito de alarma na noite de nosso descazo, da nossa imprevidência, do
nosso marasmo, da nossa ignorância, no nosso criminozo desamor á terra que
tão querida nos devera ser (VIANA, 1916, p. 16)
Mas uma vez, a tônica do discurso perpassa pelo Decadentismo, o elemento
imprescindível. Nas palavras de Viana, o presente é uma geração anemiada, doentia,
indolente, imprevidente, ignorante e desprovida de amor à terra. A seqüência de adjetivos
pejorativos que reforçam o mito é seguida pela exaltação da instituição a que pertenciam,
o discurso salvacionista é imediatamente contrastado à decadência, pintando em cores bem
vivas a missão da AML.
[...] Vós pertenceis, sr. Dr., a essa plêiade brilhante que é a esceção a confirmar
a regra, para nós dolorozissima. Sois um digno continuador da obra e do
esforço daquele cujos trabalhos admiráveis vindes desdobrar aos nossos olhos.
Sois da raça dos fortes, dos que não conhecem os desânimos, nem se
embriagam com os primeiros triunfos [...] (VIANA 1916, pp. 16, 17)
Viana confirma a idéia de que a decadência intelectual era a regra do presente
vivido naquela sociedade, a intervenção daquela realidade era a missão da AML, a
exceção. A dualidade de conceitos fica evidente na utilização de termos que passam a
cristalizar-se com o tempo: Decadência X Reação; Regra X Exceção; Doentes x Forte,
Passado glorioso X Presente incerto.
José Augusto Corrêa em sessão solene realizada em 30 de dezembro de 1916,
dá sua contribuição reforçando a idéia preconizada por seus colegas:
[...] Esta é a verdade. A reacção impõe-se. Possa esta Academia com a sua
influência moral, catequizando como Spencer, trazer uma pedra para a
regeneração de um tal estado de coizas, que é deplorável (CORRÊA, 1916, p.
26).
A 12 de maio de 1917, Domingos Barboza em discurso de recepção a
Raimundo Lopes, criou o cenário de uma verdadeira batalha, os acadêmicos são
comparados à figura romântica de um cavaleiro medieval destemido.
[...] E’ pois, com justificado júbilo que vos vemos receber, nesta hora, a
pranchada que vos arma cavaleiro na hoste em que pelejamos, e envergar brial
e elmo de cruzado, para a reconquista de uma Jeruzalem talvez ainda distante,
mas por todos nós muito amada, qual a do reerguimento mental desta terra, que
é nossa e que foi a mais literária do Brazil, no seu passado [...]. (BARBOZA,
1917, p. 37).
Adiante, Domingos Barboza exclama cheio de ufanismo:
[...] Vede, assim quanto é grato ao Maranhão, que se ufana de ser a mais
literária das terras brasileiras [...] eu vos saúdo, em nome dos homens de letras
do Maranhão [...]. (BARBOZA, 1917, p. 54).
Fica evidente que o discurso heróico que os transforma quase em mártires pela
cultura, também proporciona a posição de destaque e o prestígio social tão almejado pelos
literatos: serem intitulados Homens de Letras. Ser um homem de letras em um país de
analfabetos conferia ao portador do título certo status social. Nas palavras de Barboza, ser
um membro da AML “não deixa de ser um prêmio[...] porque, com ele, vos dizemos o
nosso aplauzo ao que já tendes feito [...]”(BARBOZA, 1917,p 37). Ou seja, o tão esperado
reconhecimento.
Antonio Lobo (apud MEIRELES, 1955, p. 172), considerado um dos grandes
nomes da reação neoateniense, afirma que, passadas as glórias deixadas pelo Grupo
Maranhense e com a morte do Semanário (1968) “começou então para o Maranhão essa
tristíssima e calijinosa noite, em que por tão longos tempo viveram imersas suas letras,
noite cortada, por vezes, pelo clarão fujidio de algum astro errante, que para logo ia
eclipsar na morte, ou perder-se na distância a que era impelido pelas inelutáveis
fatalidades da sua trajetória”.
Martins ao analisar a noção de decadência, esse conceito tão recorrente na
história do Maranhão, afirma que
[...] Para os novos atenienses, o problema da decadência da lavoura havia
assumido a dimensão de algo auto-evidente na estrutura discursiva dos
intelectuais regionais envolvidos com esse tema, passando também a informar
os discursos a respeito de outros níveis da realidade maranhense [...] Isto é, o
período de vigência dos neo-atenienses foi por eles afirmado e reafirmado
ulteriormente como um período de decadência cultural à toda prova”.
(MARTINS, 2002, p. 101)
O Decadentismo nas letras maranhenses era para os neoatenienses uma verdade
incontestável, e sempre reafirmada em seus discursos. De fato, o Maranhão vivia em pleno
estado de decadência social e educacional, como mostramos nos capítulos anteriores,
porém para os intelectuais da AML, o motivo da decadência literária estava na “fuga dos
espíritos”, no abandono das “grandes mentes”, que se foram do Estado. Pregavam que
pelo cultivo das letras o Maranhão poderia voltar a desfrutar as glórias já experimentadas
no passado e para isso, apresentavam a instituição como o instrumento necessário para
esta realização.
3.5 AML e o combate ao Decadentismo
Fundam-se Academias; todo maranhense, hoje, é acadêmico. Iniciam-se
grêmios; todo maranhense, hoje, pertence a uma agremiação – seja de lettras,
seja de football intelectual. Realizam-se commemorações cívicas e civilistas
[...] mas o pensamento, entretanto, é vasio, todo o craneo é oco [...].
O Postal, 23 de julho de 1918
Durante todo o período analisado, aproximadamente os dez primeiros anos
após a fundação da AML, a realidade vivida pela Academia ficou muito distante do
discurso dos seus integrantes.
A intenção inicial de fazer da Academia um grande instrumento reavivador das
glórias passadas não foi suficiente para fazer alavancar um projeto que promovesse
alguma mudança efetiva. Talvez porque o interesse em obter afirmação social tenha sido
mais intenso do que, de fato, trabalhar em prol do soerguimento mental do Estado. Isto
pode ser verificado na movimentação registrada na primeira revista publicada pela
Academia, que compreende os anos de 1916 a 1918, e assinala as ações efetuadas por este
grupo de intelectuais.
A vida da Academia nesses primeiros doze anos de existência foi marcada pela
apatia e inexistência de intervenção naquilo que justificava a existência dessa instituição –
o Decadentismo.
Basta observarmos que após a sua fundação em agosto de 1908, acontece um
esmorecimento tal, que só haverá registro de alguma atividade a partir de julho de 1916. A
existência da Academia até esse período será, nas palavras de Domingos Barbosa,
“meramente virtual” e só a partir dali (1916) passou “realmente a viver”. (Revista da
Academia Maranhense de Letras, 1918, p. 168).
Porém, as atividades da AML a partir de 1916 são caracterizadas não pela ação
dos intelectuais em prol do reerguimento mental desta terra, mas pelo empenho daqueles
literatos em estabelecer o vínculo da Academia com os círculos da elite política e social
maranhense.
Mesmo não conseguindo, de início o incentivo político almejado, a AML foi
fundada na esperança de angariar algumas regalias, através de futuras leis aprovadas pelo
Governo, já que alguns acadêmicos desfrutavam de boas relações com muitos políticos da
época. Sem a proteção do Estado para legitimá-la perante a sociedade, as chances da
Academia sobreviver seriam mínimas. Não muito diferente do período imperial, o êxito de
uma instituição como a Academia ainda estava associado ao mecenato do Estado. Assim
nossos literatos continuaram buscando proteção oficial dos que estavam no poder, com o
argumento sedutor de que ao ajudar uma instituição do porte da AML estavam
perpetuando seus nomes na história política do Estado.
Foi o que aconteceu na ocasião da inauguração da Estátua de João Lisboa, que
em resposta ao consentimento do governador de que a Academia se responsabilizasse pela
cerimônia, a diretoria respondeu ao governador:
Respondendo, cabe-lhes dizer a v. exc. que a Academia Maranhense aceita
desvanecida a incubéncia, que lhe comete o govêrno do estado, de levar a efeito
a inauguração da estátua de João Lisboa, e agradece penhorada a alta honra
dessa escolha , endereçando a vexa. , ao mesmo tempo, os seus mais calorozos
aplauzos por tão nobre gesto, que assinalará, com um traço indelével, a
passagem de v. exc. pela pública administração[...] (Revista da Academia
Maranhense de Letras, 1916-1917, p. 56).
O art. 13. do estatuto da AML dizia: “A Academia publicará, assim que o
possa, uma revista, que será o seu órgão na imprensa”(Revista da Academia Maranhense
de Letras, 1916, p. 4). O que só viria a acontecer no governo de Urbano Santos, em
reposta aos apelos constantes dos acadêmicos:
Devido á espotânea e valioza intervenção pessoal de v. ex.ª, junto ao congresso
do estado, autorizou o orçamento em vigor que a revista desta associação de
letras fosse gratuitamente composta nas oficinas da Imprensa Oficial [...] A
Academia Maranhense que de sóbra e de perto conhece o interesse que v. ex.ª
vota a tudo quanto diz respeito ao progresso desta terra, em particular no que se
relaciona ao seu desenvolvimento mental, vem confiante pedir a v ex.ª as
ordens necessárias á realização daquele serviço, por cuja autorização, aliás, já
se acha, para com v. ex.ª, obrigada a Academia (Revista da Academia
Maranhense de Letras, 1916-1918, p. 195).
Em resposta ao constante assédio dos intelectuais, o governador Urbano
Santos, por intermédio do decreto nº. 92, de 19 de novembro de 1918, considerou de
utilidade pública a Academia Maranhense de Letras, ordenou que lhe fosse dada instalação
em um edifício do Estado e que a sua revista fosse publicada. Parece que finalmente a
AML havia reunido as condições necessárias para um bom funcionamento.
Apesar de conceder apoio oficial, o governo demonstrava não encarar aquela
instituição com muita seriedade, pois somente em 1949 a AML obteve do governo um
prédio público para a sua sede. Essa questão foi, por longos anos, uma dura realidade para
os acadêmicos, onde a influência política de alguns sócios não foi suficiente para garantirlhes a sede em edifício próprio. Outra hipótese seria a ausência de comprometimento dos
sócios com a questão, haja vista, a quase total ausência de vida dessa instituição durante
esses vinte anos. Um artigo de jornal datado em 20 de junho de 1915 abordava o tema em
tom bastante crítico e acusava o desaparecimento da AML no cenário literário local. Num
texto de sentido ambíguo, o autor do artigo ao tentar descobrir o local de funcionamento
do sodalício, questiona a existência real da Academia.
Não sei como satisfazer o que me pediram e que gostozamente aceitei. há
ocaziões em que a gente se mete em cada entatelada dos diabos! Eis o cazo:
Alguém cujo nome não devo declinar, remeteu-me um lindo ramalhete de
flores artificiais para que eu enviasse á Academia dos imortaes desta boa terra.
Até ahi tudo bem, mas, onde funciona esse ninho de águias?
Como desempenhar a incubéncia? Hoc opus labor est!
Li que a Academia nasceu em uma bela manhã de estio sob o influxo da doce
palavra de um dos mais ilustres hitoriografos da nova geração maranhense. Em
torno do velho mestre e grande educador colocaram-se os condôres que no
terreno da poezia, da jurisprudência, das belas letras enfim.
Cada qual tomara pouzo, gravebundo como um côro de baixos profundos em
templos católicos. As cadeiras tiveram o seu batismo literário, e os imortaes as
ocuparam solenemente.
Pela cidade afora sentia-se uma vaga satisfação pelo nascimento de tão
importante centro literário, e todos que fazião um versinho ou redijião uma
noticia querião pertencer a tão conspícua associação. A noticia correu mundo, e
pelo interior do Estado todos acreditão ainda na ezistencia da Academia.
Agora recebo um grande ramalhete, para corporação dos letrados; mas, onde
funciona ele?
‘Em que mundo ou estrela ela se esconde que não a vê ninguém?’
[...] Se não encontrar a Academia, mandarei o ramalhete para o arquivo público
(São Luís, A Tarde, 20/06/1915)
A decepção em relação ao compromisso do poder público com a AML fica
patente nesta declaração de Jomar Morais (1999), ex-presidente da instituição.
[...] Houve período adverso da Academia, deserções, esmorecimentos e
descasos, principalmente dos poderes públicos, apesar de se contarem, entre os
acadêmicos de todos os tempos, deputados estaduais, deputados federais,
senadores, governadores, prefeitos e outros titulares de cargos e funções
relevantes” (MORAIS, 1999)
Quanto à publicação da revista, até 1948, só haviam sido editados três
números, provavelmente pela ausência de atividades promovidas pela Academia.
Apesar de ser verificado um reavivamento – ou nascimento, uma vez que não
houve registro de atividades até esta data – no ano de 1916, esse movimento foi efêmero.
Meireles (1955, p. 164) afirma que com a morte de Antonio Lobo, neste mesmo ano, e a
ida de Fran Paxeco em 1923 para a Europa, “a reação foi se enfraquecendo
gradativamente, insensivelmente, até desaparecer”. Mas, e a reação ao Decadentismo?
Não existiu. Os primeiros doze anos da AML foram marcados pela mesma
letargia e marasmo dos quais a Academia prometia salvar o Maranhão. Quando não, havia
esporadicamente sessões solenes que se tornaram bons encontros entre os membros da alta
sociedade.
As palestras tratavam de temas leves, sem qualquer relevância política ou
mesmo social. Os oradores privilegiavam a cadência das palavras e o rebuscamento de
frases, “tudo tinha a sua aplicação, visando não provar alguma coisa ou chegar a qualquer
espécie de conclusão, mas servir apenas de pretexto ao floreio literário” (EL FAR, 2000,
p. 74).
Nos discursos acadêmicos não havia lugar para mulheres, pobres e negros. A
questão indígena também não foi uma preocupação desses literatos, a menos que o tema
fosse Gonçalves Dias e o Indianismo romântico. “Muitos desses literatos preocupavam-se
unicamente em fazer da literatura um frívolo passatempo, deixando de lado sua verdadeira
função de ‘atuar como fermento de inquietação” (EL FAR, 2000, p. 74).
As ações da AML ficaram restritas a atos de civismo e sessões que aconteciam
com um largo espaço de tempo. Em relação ao civismo, a Academia fez questão de manter
a data de fundação no dia 8 de agosto de 1908, que coincidia com o aniversário de
Gonçalves Dias, apesar de não ter sido verificada nenhuma atividade promovida pela
AML a partir desta data, além da instalação solene que ocorreu no dia 7 de setembro, data
da independência do Brasil. Apesar dessa estratégia, isso não foi suficiente, diante da falta
de direção desta instituição.
O Decadentismo existiu de fato, no definhamento moral das instituições, no
atraso do ensino público, no empobrecimento da maior parte da população, porém, esta era
uma realidade que estes intelectuais não estavam dispostos a ver. Achavam que no culto
aos vultos do passado o Maranhão voltaria ser aquilo que na realidade nunca foi, a Atenas
Brasileira, a República das Letras. Como atestou um jornal da época:
[...] O Maranhão foi e continua a ser o fóco inteletual do Norte, senão do Brazil
inteiro. Entretanto, a não ser o número, aliás, restrito, dos que se dedicam ás
letras ou a outras profissões liberais, o restante formam um continjente
numerozo de ignorantes ou analfabetos [...] Inteligências muitas vezes fecundas
ficam condenadas a um estagnamento deconsolador, e virtude da falta total de
estabelecimentos de ensino, onde possam dirigir-se e educar-se [....] A
instrução pública é ou deveria ser o principal cuidado de todo o governo sem
ella não pode existir, porque ella é o gérmen fecundante de todas as
manifestações intelletuais, morais e práticas [...] (São Luís, A Palavra,
18/07/1909).
A relação das instituições com o passado, o culto aos grandes nomes, era a
saída mais favorável para instituições como a AML que não elaboraram em seus
programas medidas efetivas de combate às questões relevantes que impediam o progresso
mental do Estado. Um artigo escrito no jornal A Palavra de 25 de setembro de 1909
denuncia essa realidade
[...] A nossa pobreza intellectual é presentemente tão extrema, que todas essas
manifestações penosas da nossa decadência, tão leves e nullas, têm merecido
alto conceito e elogios, como jamais obtiveram produções de Gonçalves Dias,
de João Lisboa, de Gentil Braga e de Celso Magalhães dos seus conterrâneos,
que acostumados no meio luxuriante de uma riqueza litteraria, que ainda hoje é
a nossa gloria e o nosso orgulho, não viam motivo para apotheosarem aquillo
que era commum ou quase vulgar [...]
Entretanto, como estamos na época das sepulturas caiadas de que fala o
Evangelho, não falta quem apregoe urbe et que a nossa litteratura actual é
pujante e viridente, rica e variada e hoje mais do que nunca o Maranhão merece
o nome de Athenas.
Triste Sarcasmo! [...].
A AML não foi uma exceção à regra. Apesar do nosso estudo estar
concentrado nesta instituição, não podemos deixar de observar que o período republicano
em sua primeira fase, conhecida como República Velha, foi fecundo no surgimento de
instituições que abrigavam intelectuais e homens atrelados a alguma forma de poder.
Sobre os novos atenienses, Martins, (2002, p. 126) afirma que
[...] Em comparação aos intelectuais maranhenses da metade do século XIX, os
novos atenienses distinguiram-se deles justamente por constituírem um
patrimônio institucional jamais visto no Maranhão, voltado para dar
sustentação à obra de resgatar o passado mitológico. Um monumento devotado
a esse passado identificado como glorioso e imperecível, era essa a função que
devia cumprir o acervo institucional criado entre 1890 e 1930, além de atender
a interesses hodiernos orientados para o atendimento de demandas
supervenientes.
O modernismo dos anos 20 talvez tenha sido o golpe fatal na difícil
sobrevivência das academias. As novidades do movimento traziam consigo a contestação
de tudo aquilo que se impunha como tradição. A Academia de Letras tornou-se um alvo
fácil para onde Graça Aranha, abandonando a defesa da instituição que ajudara a erguer,
desferiu os primeiros golpes, em tom de desabafo.
A fundação da Academia foi um equívoco e foi um erro. No sentido em que
comumente se entende ser uma academia, é esta um corpo de homens ilustres
nas ciências, nas letras, nas artes, consagrados pelo talento e trabalhos,
sumidades espirituais de uma cultura coletiva. As academias são destinadas a
zelar tradições e supõem um povo culto, de que são os expoentes. Diante deste
conceito, a Academia Brasileira foi um equívoco. Somos um povo inculto, sem
tradições literárias ou artísticas, ou pelo menos de tradições medíocres, que
seria melhor se apagassem. O fato de haver raros escritores ou artistas de
primeira ordem não forma uma tradição. E é ridículo supor que as tradições são
criadas pelas academias. A tradição não é um artifício. Vem do inconsciente
coletivo e se tem força para impor-se no curso do tempo, viverá a despeito das
academias. O equívoco permaneceu, porque geralmente se imagina que um país
de academias literárias alimenta-se de um vasto manancial de produção, que é
preciso reger e disciplinar. No Brasil não existe tal produção. A Academia está
no vácuo. Não tem função a exercer, segundo a tradição acadêmica. E se tem a
função de regulamentar a inteligência e criar o academicismo, ela é funesta. Foi
o seu erro inicial”. (ARANHA, 1909, pp. 751-55 apud El FAR, 2000, p. 127).
Graça Aranha aponta para o fato de que as Academias de Letras no Brasil não
têm função. Peter Burke (2002, p. 146) aventa que o termo função “pode muito bem
passar por um conceito inofensivo, implicando apenas que as instituições têm os seus usos
e aplicações”.
Os funcionalistas defendem a existência das instituições baseados no
argumento de que elas contribuem para o equilíbrio social, porém Burke afirma que, ao
acreditarmos que todas as instituições de uma determinada sociedade possuem uma função
positiva, incorremos em custos, que ele chama de disfunções. Afirma ainda que “não há
necessidade de se agarrar ao pressuposto de que determinada instituição é imprescindível
ao desempenho desta ou daquela função” (BURKE, 2002, pp. 146-153).
A AML surgiu com um discurso salvacionista, trazendo para si a função de
resgatar o Maranhão do Decadentismo. O fato é que a visão que os literatos dessa
instituição tinham sobre essa questão era distorcida da realidade e, na realidade, mesmo
que não fosse, essa nunca foi a prioridade dessa agremiação literária, como se pode
observar até os dias de hoje. Preocupados em assegurar seu espaço no disputado mercado
intelectual, e garantir seu status perante a elite local, esses intelectuais estiveram muito
mais ocupados em garantir regalias e aproximar-se do poder local, do que em trabalhar em
prol do que haviam se proposto e que justificava a existência daquela instituição.
Jomar Morais (1981, pp. 60, 61), ex-presidente da Academia, confirma que
essa realidade perdura até hoje, ao afirmar que “alguns de seus integrantes que aqui
poucas vezes compareceram depois da sessão da posse, em que se armaram de colar e
diploma”. Ele completa dizendo que esse entre outros fatores, como a morte de alguns
membros, seriam motivos suficientes para interromper o curso da história dessa
instituição, “fossem elas o resultado ou a expressão da vontade de um grupo, e não o
símbolo da inteligência e da cultura de um povo”.
Diante de tudo o que foi exposto somos obrigados a discordar, e afirmar
exatamente o contrário. Se a Academia representasse a cultura e a inteligência do
Maranhão, há muito ela teria deixado de existir, uma vez que este Estado comanda as
tristes estatísticas de pobreza e analfabetismo de todo o país. A Academia sobrevive,
justamente por estar alheia a tudo isso e por ser a expressão de um pequeno grupo que
ainda utiliza a imagem da instituição para garantir seu status perante a sociedade.
CONCLUSÃO
A partir da leitura do capítulo inicial, pôde ser percebido que o Maranhão
sofreu, na passagem do século XIX para o século XX, sucessivas transformações nos
aspectos político social e econômico, entre as quais a mudança do regime imperial para o
republicano, a transferência do trabalho escravo para o assalariado, a substituição da
grande lavoura pela indústria e o comércio incipientes.
Na esfera social, todas essas transformações, aliadas ao aumento demográfico,
resultante do intenso êxodo rural, favoreceram o surgimento de novas classes sociais, com
níveis distintos de atuação nessa sociedade complexa que se configurava no início do
século XX.
A São Luís novecentista orgulhava-se do seu passado glorioso e pretendia-se
sofisticada, no entanto, configurava-se a partir de um emaranhado social que fazia conviver
o luxo e a miséria, trazendo em seu bojo, as seqüelas de séculos de escravidão.
Nesse contexto surgem os neoatenienses, intelectuais que pretendiam resgatar o
Maranhão do Decadentismo (1889-1930), caracterizado por eles, como sendo um período
de degenerescência para as letras maranhenses, causado principalmente pela saída em
massa dos intelectuais em busca de oportunidades em outras regiões do país.
No entanto, para nossa surpresa, verificamos que o suposto Decadentismo não
possuía argumentos lógicos para fundamentar a sua existência naquele período, uma vez
que, através da análise da situação econômica e educacional do Estado, percebemos que
nunca houve condições reais para a gestação de um período de glórias em contraposição
àquele presente decadente. Logo, se não houve um passado glorioso representado por uma
Atenas Brasileira, não poderia haver uma decadência tão profunda como a que foi pregada
pelos literatos do início do século XX.
Esta questão despertou nosso interesse em buscar os motivos que levaram
aqueles intelectuais a cantar e decantar algo que aparentemente desejavam extinguir.
A Academia Maranhense de Letras, assim como muitas outras agremiações que
surgiram naquele contexto, nasceu com um objetivo muito definido: resgatar o Maranhão
daquele estado de marasmo intelectual, através da louvação do passado e por meio de
ações que modificassem aquela realidade.
Ao analisarmos as características daqueles que almejavam destaque no cenário
literário, encontramos dois grupos distintos. Para os intelectuais das classes menos
abastadas, percebemos que a criação de uma instituição como a Academia de Letras,
favorecia o aparecimento desses escritores entre as classes mais altas da sociedade e
consequentemente lhes conferia maior estabilidade financeira. Para os escritores nas horas
vagas que se dedicavam a outros carreiras profissionais e que já eram membros da elite
local, ser sócio da Academia conferia-lhes o status de Homens de Letras.
Com base nessas considerações, percebemos como a fomentação do
Decadentismo pelos sócios da Academia foi importante para justificar não só a sua
existência, como também a permanência daquela instituição que não possuía nenhuma
utilidade efetiva para a sociedade, além de promover socialmente os seus membros.
Isto foi verificado pela ausência de medidas efetivas que marcassem a atuação
dessa instituição, tanto na esfera educacional, quanto cultural. A Academia deixou sua
marca na história cultural do Maranhão pelo completo distanciamento das questões mais
relevantes, ficando presa a um passado de glória. Marcou também pela quase completa
ausência de vida, dando sinais de sua existência apenas através das reuniões dos sócios –
dos poucos que freqüentavam – e de sessões solenes esporádicas que serviam muito mais
para demonstrações explosivas de ufanismo do que, de fato, para contribuir com a cultura
local.
Em suma, não podemos negar que o Maranhão viveu sim àquele período um
declínio geral, resultante de uma sociedade onde poucos tinham muito e muitos tinham
quase nada. No entanto, a intenção dos nossos intelectuais da AML não era desmascarar
essa realidade, mas tão somente escondê-la, através de um discurso que apresentava um
Decadentismo distorcido, irreal, onde não havia espaço para projetos que interferissem de
forma ativa naquela realidade, mas que visavam unicamente a autopromoção e o
reconhecimento social.
REFERÊNCIAS
FONTES
PERIÓDICOS
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A Palavra (1909)
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VIVEIROS, Jerônimo. História do comércio do Maranhão. São Luís: Associação
Comercial do Maranhão, vol. II, 1954.
ANEXO
IMAGEM 1
Salão de Alvejamento
Fonte: Revista do Norte, dezembro de 1905. Ano V. Nº 4.
IMAGEM 2
Salão de Tecelagem
Fonte: Revista do Norte, dezembro de 1905. Ano V. Nº 4.
IMAGEM 3
Rua do Sol
Fonte: Revista do Norte, 16 de abril de 1902.
IMAGEM 4
Teatro São Luis – Sala de Espetáculo
Fonte: Revista do Norte, 1° De outubro de 1903.
IMAGEM 5
Arredores da cidade
Fonte: Revista do Norte, janeiro de 1905.
IMAGEM 6
Praça João Lisboa
Fonte: Revista do Norte, 16 de julho de 1903.
IMAGEM 7
José Ribeiro do Amaral
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 8
Clodoaldo Freitas
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 9
Inácio Xavier de Carvalho
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 10
Barbosa de Godóis
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 11
Godofredo Viana
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 12
Antonio Lobo
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 13
Fran Paxeco
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 14
Alfredo de Assis
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 15
Vieira da Silva
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 16
Astolfo Marques
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 17
Domingos Barbosa
(Imagem exposta no auditório da AML)
IMAGEM 18
Corrêa de Araújo
(Imagem exposta no auditório da AML)
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(a): Ana Caroline Neres Castro - Outros Tempos