Participação na esfera pública interconectada: uma análise do site Novas Ideias POA1 Gabriela Assmann2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo O presente artigo se propõe a explanar acerca da proposição de Benkler (2006) sobre a esfera pública interconectada e aproximar esta perspectiva da ideia de participação política que ocorre por meio da internet, encontrando nesta esfera pública interconectada um cenário propício para esta participação. Para tanto, nos propomos a fazer algumas observações sobre o site Novas Ideias POA que foi parte da campanha da candidata Manuela D’Ávila à prefeitura de Porto Alegre em 2012 e compreendê-lo enquanto estratégia de comunicação que buscava fomentar a participação. Palavras-chave Participação; Esfera Pública Interconectada; Comunicação e Política; Campanhas Eleitorais. Considerações iniciais O presente artigo se propõe a entender a participação na esfera pública interconectada (BENKLER, 2006). Para isso ele se estrutura em três partes. Na primeira discorreremos acerca da esfera pública, fazendo uma breve passagem pela ideia da esfera pública habermasiana antes de chegar na proposição de Benkler (2006). Relacionando este conceito com o de participação, chegamos a um segundo momento, onde discorremos acerca da participação política que ocorre por meio da internet e buscamos compreender de que maneira a esfera pública interconectada é um cenário propício para fomentar este tipo de participação. No terceiro momento nos propomos a fazer uma observação do site Novas Ideias POA que foi parte da campanha da candidata à prefeitura de Porto Alegre, Manuela D’ávila, no ano de 2012. É neste momento que buscaremos elencar as principais 1 Artigo apresentado no V SIPECOM no GT Estudos em Comunicação Institucional e Organizacional Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Maria, linha Mídia e Estratégias Comunicacionais. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]. 2 1 características da esfera pública interconectada e ver como elas aparecem – ou não – no site. Permitiremos-nos aqui fazer algumas inferências acerca das observações. 1. Da esfera pública habermasiana a esfera pública interconectada Habermas, em sua célebre obra Mudança Estrutural da Esfera Pública, publicada em 1962, fala da esfera pública em dois momentos distintos – na pólis grega e na sociedade burguesa do séc XVIII e XIV- e das transformações que ocorreram entre essas épocas. A maior parte das conceituações do primeiro momento se baseava nas assembleias realizadas na Grécia Antiga. Como explica Habermas (1984), elas ocorriam em praça pública e eram, em tese, um espaço democrático. Partia-se de uma situação de paridade, pois os cidadãos deveriam necessariamente circular como iguais, deixando de lado as diferenças entre eles para que o debate fosse vencido nas disputas argumentativas. Essas discussões deviam ser conduzidas por uma troca pública de razões. Porém, é necessário ressaltar que nesta sociedade eram incluídos apenas os cidadãos, ou seja, homens, nascidos na Grécia, com nível socioeconômico que garantisse acesso à educação e filhos de pais que tivessem o mesmo status de cidadãos. Assim, fica claro que as assembleias não eram tão democráticas e nem a sociedade tão paritária. Nesse contexto, a esfera pública era um espaço necessariamente presencial, possibilitando assim interação e visibilidade limitadas à presença física. Tratava-se de uma esfera pública de acesso restrito. Era o âmbito da vida social que se materializava numa discussão constante entre pessoas privadas em público, ou seja, em várias arenas e por vários instrumentos, preferencialmente com razoabilidade e orientada para a produção de opiniões consensuais acerca das questões debatidas. Em um segundo momento da obra Habermas teoriza acerca da esfera pública burguesa e explica que o modelo grego foi transmitido à Europa da Idade Média, que assim como a pólis grega reunia apenas os cidadãos da época, que neste momento eram os burgueses e os proprietários de bens. Esta esfera se constituía então em um espaço 2 de livre acesso e de mediação entre o Estado e a sociedade civil e previa, também, um espaço físico onde os cidadãos pudessem interagir e debater, desde que sempre pautados por argumentos racionais e opiniões esclarecidas buscando o bem comum. No entanto, o autor enfatiza as transformações pelas quais essa esfera passou, principalmente com o advento dos meios de comunicação de massa. Para Habermas, a opinião pública, que antes era formada nos espaços públicos, foi contaminada pelos interesses do mercado através dos meios de comunicação de massa e dos formadores de opinião que ocupam estes espaços. Em suma, os mass media, bem como a superação das divisões entre público e privado, seriam um dos principais responsáveis por uma espécie de declínio da esfera pública ideal. Reconhecendo as mudanças na sociedade, Habermas repensou o conceito de esfera pública quase trinta anos depois da primeira publicação da obra Mudança Estrutural da Esfera Pública. Em 1990, quando publicou a 17ª edição alemã da obra, Habermas reviu parte de suas considerações e propôs a existência de múltiplas esferas públicas, que não necessariamente ficam restritas a espaços institucionalizados de debate, como o parlamento ou as assembleias. Ele abandona então o pensamento que colocava a sociedade civil em contraposição ao Estado, e considera a existência de diversos públicos e arenas de debate espalhadas pela sociedade. Essas múltiplas esferas públicas seriam porosas e sem fronteiras rígidas, o que possibilitaria a ligação entre elas. Embora ele ainda acredite que os meios de comunicação de massa detém grande poder, reconhece que o público possui capacidade de julgar e resistir ao pensamento massificado emanado pelos mass media. Reconhece, nesse momento, que o receptor não é passivo e argumenta que a esfera pública é uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posições e de opiniões. Os fluxos comunicacionais são filtrados e se condensam em opiniões públicas concentradas em temas específicos. A esfera pública é, então, o local onde as pessoas discutem questões de interesse comum. Na definição contemporânea de Habermas, a esfera pública como lócus da discussão associa-se às interações que ocorrem em arenas conversacionais de nossa vida cotidiana, mas também aos fóruns e espaços de discussão organizados pela sociedade civil, que podem ser desde associações de bairro até fóruns online. É a esfera constituída pelo debate e conduzida por argumentos racionais. 3 Porém, sabemos que a sociedade não é estanque e que é necessário continuar repensando a esfera pública em um cenário de constantes transformações. As sociedades contemporâneas agora integram cidadãos de extensos territórios, não só de uma mesma cidade, por meio da internet. As conversações se desenvolvem em livros, jornais, rádio, televisão e também nas redes digitais. Então, dizemos que uma das múltiplas esferas públicas habermasianas pode ser a proposta por Benkler (2006), pois para ele vivemos em uma “esfera pública interconectada”. Essa esfera seria um espaço deliberativo da sociedade civil e que se constituiria em rede, a partir das novas tecnologias de comunicação e informação. Neste sentido, as principais diferenças entre uma economia dominada pelos mass media e uma economia informacional em rede são: a arquitetura da rede, que é multidirecional e a diminuição nos custos de emissão capacitando qualquer sujeito de tornar-se um emissor. Segundo o autor, juntas, essas características alteram fundamentalmente a capacidade dos indivíduos que podem ser participantes ativos na esfera pública, atuando em conjunto com outros. A esfera pública interconectada se configura como um conjunto de práticas informais utilizadas pelas pessoas para debater questões de interesse público, as quais só podem ser resolvidas se contarem com a ação coletiva. A esfera pública interconectada não é feita de ferramentas, mas das práticas de produção social que as ferramentas possibilitam. O efeito primário da internet na esfera pública em sociedades liberais recai na produção informacional e cultural de atores de fora do mercado: o trabalho de indivíduos sozinhos e em cooperação com outros, ou de associações mais formais como ONGs, bem como o retorno do seu efeito sobre a mídia tradicional. (BENKLER, 2006, p. 219).3 Em suma, a esfera pública interconectada é um espaço mais democrático, já que permite o acesso de um número cada vez maior de pessoas - que antes eram excluídas sem que estas precisem estar presentes fisicamente. Neste sentido, cabe ressaltar que como o próprio autor diz, as ferramentas são importantes, mas não elas que constituem essa esfera. 3 Em tradução livre da autora. 4 Sabemos que é papel do Relações Públicas gerir os relacionamentos entre uma organização e seus públicos, buscando harmonizar interesses de forma que todos os envolvidos fiquem o mais satisfeitos possível. Sobre isso Oliveira (2011) afirma que o próprio termo público não é o mais adequado para a sociedade atual, visto que as formas de relações se modificaram com o avanço da tecnologia. Segundo a autora, públicos soam como destinatários e hoje não é mais possível falar em emissor e receptor, mas sim em interlocutor, o que caracterizaria um cenário de comunicação de ação e reação, de troca, de compartilhamento e não de uma comunicação em sentido unilateral. Neste sentido a autora diz que “espera-se que os profissionais de comunicação e marketing tenham capacidade de mapear os atores sociais com os quais uma organização mantenha relacionamentos estratégicos, bem como os líderes ou protagonistas desses grupos” (p. 86). Assim, podemos compreender a necessidade de o profissional de Relações Públicas não mais estar atento a classificações estanques, mas sim a dinamicidade da sociedade, adequando a comunicação da organização aos mais diversos desafios que possam surgir. Para Benkler, o fato de vivermos nessa sociedade em rede nos torna menos suscetíveis à publicidade manipuladora e aos mass media sobre os quais Habermas falava em Mudança Estrutural da Esfera Pública. O motivo, segundo ele, é que agora podemos ter acesso a diferentes fontes de informação, além, é claro, de produzir informação para pôr em circulação. É neste cenário que a atuação do profissional de Relações Públicas precisa ter um caráter ainda mais estratégico do que anteriormente. Assim, o autor compreende que as forças humanas não são mais meros meios de produzir a riqueza. Elas são a riqueza. As condições tecnológicas hoje favorecem a produção colaborativa fazendo com que a riqueza esteja no desejo de comunicar e de agir conjuntamente. Para chegar a esse estágio duas mudanças foram fundamentais: a produção simbólica da humanidade foi digitalizada; e o ambiente de comunicação foi construído sobre processadores baratos, de alta capacidade e que estão interconectados por uma rede de computadores. Assim, a primeira faz com que o conhecimento se torne a principal força de uma economia baseada no imaterial, ou seja, de uma economia das 5 comunicações. Já a segunda, por possibilitar a comunicação a baixo custo cria condições para colaboração e compartilhamento de recursos, agora não mais baseados na propriedade institucional, mas sim nos commons4. É por isso tudo que “eles permitem uma mudança radical na produção e distribuição de informação e encontram nas tecnologias digitais o espaço ideal para comunicar, sociabilizar e organizar muitos dos valores já estabelecidos em nossa sociedade” (CASTELO BRANCO, 2009, p. 2). Sobre isso, Benkler diz que a diversidade de meios de produção possibilita uma busca de valores políticos que segundo ele são centrais em sociedades liberais, como a liberdade individual e um sistema político mais participativo. Para o autor a facilidade de comunicar-se efetivamente na esfera pública interconectada permite que indivíduos que antes eram leitores e ouvintes passivos agora sejam potenciais falantes e participantes numa conversa. É entender esta posição em particular que nos interessa neste artigo. É neste sentido que o efeito da internet sobre a esfera pública reside na possibilidade da existência de novas práticas de produção de informação através das quais indivíduos deixam de atuar como consumidores que interagem com um produto fabricado por grandes empresas de comunicação e passam a atuar como produtores e transmissores de um produto que circula nas redes. É por conta desta perspectiva que segundo o autor, vemos começar a emergir fontes alternativas e fora do sistema de mercado, produzida e compartilhada entre os usuários. Isso significa que agora filtrar tanto por relevância quanto por credibilidade se tornou o objeto de muitas práticas dos usuários e não mais dos mass media. Neste sentido, Lemos e Lèvy (2010) ao teorizarem acerca dessas transformações deixam claro que não significa dizer que agora não exista mais mediação. Porém, a mediação que existe hoje é diferente das mediações de um editor ou veículo massivo. Segundo os autores, a mediação agora é feita pelos usuários que só repercutirão e reproduzirão conteúdos que considerem interessantes. Pode-se dizer, então, que a mediação agora é coletiva e se dá por meio da rede, perspectiva que vai ao encontro do que Benkler (2006) propõe. 4 Conforme Benkler (2006, p. 12) commons “são um tipo particular de arranjo institucional no qual ninguém tem o controle exclusivo do uso e da disposição de qualquer recurso particular”. 6 Ainda entendemos que para o propósito deste trabalho é interessante observar o que o autor entende que são três observações fundamentais para entender a lógica da informação em rede. Consideramos que é importante mencionar e analisar a segunda e a terceira: 2°) O fato dessas possibilidades estarem disponíveis a todos que estejam ligados à rede levou ao surgimento de efeitos coordenados, no qual o efeito agregado da ação individual produz o efeito coordenado de um novo e rico ambiente informacional, ou como bem o autor diz “a esfera pública interconectada não é feita de ferramentas, mas das práticas de produção social que as ferramentas possibilitam” (BENKLER, 2006, p. 219). 3°) Em terceiro é necessário apontar que estão surgindo esforços entre pares, e que por meio da rede acabam acontecendo em grande escala, na produção de informação, conhecimento e cultura e porque não na política. A expansão desse modelo pode ser percebida nas mais diversas instâncias, como na produção de softwares colaborativos livres, de enciclopédias, de notícias, entre outros... Procuraremos então observar, dentre outras coisas, estes dois aspectos fundamentais no site Novas Ideias POA. 2. A participação neste cenário Primeiramente vamos nos ater a conceituar participação. Segundo Gomes (2011), participação deve sempre estar atrelada a ideia da materialização da soberania popular, que é seu propósito mais tradicional e democraticamente sustentado. Ele ainda destaca que este sentido vem da palavra “participar”, que significa tomar parte em alguma coisa. Para ele, “participação para valer seria apenas aquela em que todos os membros da comunidade política pudessem participar, ou, pelo menos, em que haveria uma participação de massa” (GOMES, 2011, p. 24). Esta perspectiva inclui dois aspectos distintos: uma vertente antirrepresentação, ou seja, contra o modelo de democracia representativa; e uma vertente que propõe a participação total, ou seja, a participação de todos. 7 O autor destaca ainda que a participação não é um fim em si mesma. O fim estaria depois da participação, já que muitas vezes ela só é valorizada por quem participa quando este recebe um benefício privado a partir da participação inicial. Antigamente, o fim era considerado a materialização da autonomia do povo. No entanto, ele esclarece que a participação só é um valor democrático na medida em que pode produzir algum benefício para a comunidade atingida. A impossibilidade de uma participação direta de todos os afetados fez com que surgisse a democracia representativa. No entanto, este modelo acabou por afastar os cidadãos dos processos de decisão sobre as coisas públicas, o que acaba comprometendo a soberania popular. Neste sentido nos aproximamos da corrente da vertente que propõe a participação total, mas que não é antirrepresentação e entendemos que o que se busca hoje não é necessariamente o fim da representação, mas a produção de garantias para que ocorra uma participação total e constante, que se materializa por meio de alguns instrumentos como o orçamento participativo. Propomos-nos, então, a analisar o site Novas Ideias POA para entender em que medida ele poderia ser um destes instrumentos. Por meio do referencial teórico utilizado no primeiro item deste artigo podemos afirmar que os modelos de democracia representativa se assemelham mais as primeiras conceituações de esfera pública, quando só alguns, bem vividos e com status tinham acesso ao debate público. Poderíamos dizer que os que tinham acesso ao debate naquela época, seriam os que hoje têm acesso à instância política e que são escolhidos para representar os demais. Para evitar esta exclusão é necessário repensar o modelo de democracia e também o modelo de esfera pública e, assim, a discussão que aqui se apresenta se propõe a aproximar a esfera pública interconectada da democracia participativa. Neste sentido, Aggio (2011) aponta que existem quatro questões-chave a saber quando estudamos campanhas online. Estas seriam: a) o fornecimento de informações não mediadas pelos media noticiosos; b) a paridade na disputa entre campanhas de pequeno e grande porte; c) a interatividade e d) o ativismo. Neste artigo nos interessa observar somente a questão da interatividade, portanto nos ateremos a ela na sequência. 8 Por interatividade em campanhas o autor entende: “a possibilidade de construção de ambientes digitais que possibilitem a interação entre eleitores e, eventualmente, entre estes e candidatos” (AGGIO, 2011, p. 179). Observaremos então o Novas Ideias POA para perceber se o site possibilita isto e se ocorre essa interação nele. Ainda segundo o autor, a interatividade proporciona uma maior aproximação dos eleitores com a campanha ao possibilitar esta troca e compartilhamento de mensagens e de conteúdo, produzindo um sentimento de pertença e gerando uma fidelização do eleitor com este candidato. Segundo Stromer-Galley apud Aggio (2011) a interatividade seria o diferencial nas campanhas online, pois possibilitaria a construção de uma campanha em moldes colaborativos e levando em conta as sugestões dos eleitores. Seria algo como construir uma campanha contando com a participação de todos que tivessem interesse. Esta perspectiva vai ao encontro da ideia de Benkler (2006) sobre a esfera pública interconectada. É importante compreender também que não é só a ambiência digital que fará com que as pessoas participem. Existem razões para a participação. Segundo Gomes (2011) uma destas razões é que os indivíduos identifiquem uma oportunidade adequada para atingir fins desejáveis, entendendo oportunidade como uma circunstância onde os custos sejam recompensados pelos benefícios, de preferência em larga escala. Podemos interpretar aqui que uma iniciativa como o Novas Ideias POA, por exemplo, só será uma oportunidade vantajosa quando assegurar que as ideias postadas entrem no plano de governo do candidato. Melhor ainda se o candidato for eleito e o plano de governo se concretizar. Sobre isso, Maia (2011) diz que as pessoas se mostram mais propensas a participar quando sabem que suas opiniões serão levadas em conta, fazendo com que suas ações tenham consequência direta. Desta maneira, participar faria a diferença. Por isso, a instância política precisa entender que mais do que disponibilizar um espaço para participação é necessário acolhê-la e, após esta se consolidar, dar um destino efetivo para ela. Assim transformará essa participação em uma oportunidade vantajosa, pois, como vimos anteriormente, se não for considerada vantajosa não haverá tanta participação. O que é necessário entender aqui é que não basta haver meios, 9 motivos e oportunidades para participação, mas acima de tudo, que o indivíduo deseje participar. Nesse sentido, Maia (2011) aponta a necessidade de institucionalizar a participação de diferentes formas, para que ela se torne mais ampla e mais eficaz. Destacamos também que a institucionalização garante que a participação não fique atrelada somente a iniciativas esporádicas, mas que ocorra sempre, que seja um processo natural. O desafio que se coloca, então, é o de desenvolver uma aparelhagem político-institucional que possa institucionalizar a discussão e a participação dos cidadãos. Ainda nesse sentido Marques (2009) aponta que quando se pensa em soluções para corrigir o problema depara-se, quase sempre, com um quadro institucional que não está suficientemente apto para estimular atividades participativas e nem para receber e processar de modo adequado as participações da instância cidadã. É inegável que a internet e as TIC’s transformaram esta relação. No entanto, embora a internet ofereça algumas facilidades é necessário também levar em conta outros aspectos que são importantes para que a participação se efetive. Após estas considerações acerca do processo de participação na ambiência digital, buscaremos, no próximo item, entender como ela se dá no site Novas Ideias POA. Ressaltamos também que as transformações ocorridas na esfera pública fizeram com que as características da participação mudassem, estando agora mais ligadas, também, a aspectos tecnológicos. Neste sentido, entendemos que é importante observar a participação nesta esfera pública interconectada. Algumas características propiciadas pela internet como o acesso universal, a liberdade de expressão e a participação fora das tradicionais instituições políticas fazem a internet ser, segundo Buchstein apud Gomes (s/d) uma situação mais próxima do ideal de comunicação que são apresentados pela teoria normativa de Habermas. Na internet a comunicação se dá horizontalizada e de mão dupla, propiciando debate e não somente exposição de ideias. Por conta disto, também, é que consideramos que é possível aproximar estas noções da ideia de esfera pública interconectada. Por meio destas breves reflexões da esfera pública interconectada e das possibilidades de participação nesta nova ambiência, pudemos perceber que este cenário 10 ainda é desafiador e controverso. Para buscar compreender este cenário nos deteremos a seguir a analisar o site Novas Ideias POA observando alguns aspectos que consideramos essenciais para atingir o objetivo deste artigo que é entender se o site pode ser considerado uma ambiência que está de acordo com as práticas da esfera pública interconectada. Os aspectos que observaremos são: a) arquitetura multidirecional; b) debate acerca de questões de interesse público; c) ação coletiva; d) possibilidade de participação a todos que quiserem; e) esforços entre pares; f) interatividade. 3. O site Novas Ideias POA O site da candidata foi feito especialmente para a campanha à Prefeitura de Porto Alegre e tinha a proposta de ser um espaço onde as pessoas pudessem postar suas sugestões e ajudar a candidata a construir o seu plano de governo. A plataforma é bastante simples e intuitiva e para participar bastava se cadastrar no site respondendo a poucas perguntas. Os três temas principais acerca dos quais os participantes podiam opinar eram: cidade sustentável; cidade das pessoas; e cidade inovadora. Podemos perceber que eram temas bem amplos que abrangiam uma série de possibilidades de participação. 11 Imagem 1. Print Screen de um fragmento do site Novas Ideias POA. Como é possível ver pela imagem havia a possibilidade de clicar em ‘Saiba mais’ para compreender o que eles entendiam por ‘Cidade Sustentável’, ‘Cidade das Pessoas’ e ‘Cidade Inovadora’. Em ‘Cidade das Pessoas’ a introdução era: “IPTU Verde e Tecnologias Alternativas vão diminuir os nossos prejuízos ambientais. E tu, como pensa numa Porto Alegre mais verde?” Já em ‘Cidade das Pessoas’ dizia: “Construção de novas creches e erradicação da pobreza vão mudar os rumos de Porto Alegre. Como tu pensa numa cidade mais social?” E por fim, em ‘Cidade Inovadora’, “Fomento da Indústria Criativa e a Modernização da Gestão vão trazer excelência para os nossos serviços. Como é a tua Porto Alegre inovadora?” Ainda, em cada uma das sessões havia três ícones: uma câmera, uma claquete e um lápis, que evidenciavam a possibilidade de postar fotos, vídeos ou textos. A medida que os participantes iam postando suas sugestões um novo quadrado – contendo a postagem - surgia abaixo da sessão escolhida. Cabe ressaltar que não havia a possibilidade de comentar as postagens já feitas, apenas fazer novas postagens. A seguir uma imagem de como ficavam as postagens no site. 12 Imagem 2. Print Screen de uma postagem no site Novas Ideias POA. Quanto aos aspectos que nos propomos a observar: a) arquitetura multidirecional: podemos afirmar que o site possui uma arquitetura que pode ser considerada mista. Dizemos isso porque qualquer pessoa pode postar conteúdo, sem nenhuma diferença hierárquica, o que seria uma característica de uma arquitetura multidirecional, no entanto, não há espaço para réplica das postagens o que acaba inviabilizando um debate e fazendo com que o site tenha uma arquitetura mais fixa. b) debate acerca de questões de interesse público: o objetivo do site é construir colaborativamente o plano de governo da candidata. Considerando isto podemos dizer que em as sugestões postadas deverão ser, em tese, de interesse público. E observando o site pudemos dizer que isto realmente ocorre, porém, como já afirmamos anteriormente não ocorre debate, pois a arquitetura do site limita este tipo de interação. c) ação coletiva: mais uma vez destaca-se o fato de que não é possível replicar nenhuma postagem, no entanto, há possibilidade de ação coletiva. O site permite o compartilhamento do conteúdo em sites de rede social como o twitter e o facebook. Uma postagem muito curtida ou compartilhada poderia evidenciar, por exemplo, que determinada causa é mais importante para os participantes. No entanto há que se ressaltar que isso não ocorreu. d) possibilidade de participação à todos que quiserem: este elemento está presente no site visto que para participar o único requisito é estar cadastrado. O cadastro pode ser feito gratuitamente e não requer nenhuma informação especial que não possa ser fornecida por qualquer pessoa. Ainda cabe ressaltar que não são somente apoiadores da candidata que podem se cadastrar e participar sendo a possibilidade estendida a qualquer um, inclusive os indecisos – público de interesse – e os apoiadores das outras candidaturas. e) esforços entre pares: quanto aos esforços entre pares podemos salientar basicamente o mesmo que foi salientado no item c) ação coletiva. Poderia haver esforços entre pares por meio do compartilhamento de conteúdo através da rede. 13 f) interatividade: seguindo o referencial teórico trabalhado podemos dizer que a interatividade não existe, pois o site não permite que os comentários sejam respondidos nem mesmo pela candidata ou pela equipe de campanha. Assim, podemos dizer que não há interatividade nem entre os participantes e nem dos participantes com a candidata, embora saibamos - por meio de entrevistas realizadas para a pesquisa da dissertação em andamento - que alguns participantes foram contatados pela equipe da campanha para que fornecessem mais informações sobre suas ideias, possibilitando assim que elas fossem agregadas ao plano de governo da candidata. Considerações finais Através das reflexões feitas neste artigo podemos fazer algumas inferências acerca da participação na esfera pública interconectada. Podemos dizer que as potencialidades da internet de fato aumentam as possibilidades de participação e a forma de os indivíduos se relacionarem, como bem propõe Benkler (2006) em seu estudo. No entanto, cabe ressaltar que só isto, por si só, não garante nada. Como apontamos no artigo também é necessário haver motivos para esta participação. É preciso que os agentes da instância política criem instrumentos de participação que se institucionalizem e acabem por ajudar a criar uma cultura política, além, é claro, de buscar minimizar desigualdades geradas pela exclusão digital. Quanto ao site podemos dizer que sua arquitetura deveria ter sido pensada de outra maneira para cumprir todos os requisitos e se enquadrar na proposta da esfera pública interconectada. Porém, é importante frisar que esta é uma iniciativa interessante já que é um primeiro exercício de possibilitar a participação das pessoas em questões de interesse público e que em caso de vitória da candidata podem interferir diretamente na vida dos afetados. Além disto, tem importância também devido ao caráter educativo da participação, já que as pessoas vão acostumando-se a participar mais a medida em que vão participando. Cabe ainda dizer que sabemos que na ambiência digital nada é estanque e, portanto, este artigo não pretende finalizar uma discussão acerca destes aspectos. Sabemos que seria necessária uma análise mais completa para podermos afirmar algo 14 com mais profundidade, entretanto, consideramos que é importante este exercício de observação para que possamos nos familiarizar com plataformas como essa e posteriormente auxiliar na criação de uma cultura política. Referências Bibliográficas AGGIO, Camilo de Oliveira. 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