A Contrução da Avenida Ipiranga como Lugar Fernando Rigotti (1) Gabriela Brito (2) Letícia Arruda (3) Nathália Saldívia (4) Samara Fonseca (5) (1) Dep. de Urbanismo da FAU, PUCRS, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Dep. de Urbanismo da FAU, PUCRS, Brasil. E-mail: [email protected] (3) Dep. de Urbanismo da FAU, PUCRS, Brasil. E-mail: [email protected] (4) Dep. de Urbanismo da FAU, PUCRS, Brasil. E-mail: [email protected] (5) Dep. de Urbanismo da FAU, PUCRS, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: O presente trabalho vem apresentar a pesquisa que está sendo desenvolvida na cidade de Porto Alegre, adotando a Avenida Ipiranga como eixo inicial de estudo. Identificada como uma importante via estruturadora urbana que manifesta diversidade de usos e expressiva presença de imóveis públicos. Sendo assim, foi necessário efetuar levantamentos que nos permitiram avaliar que as propriedades públicas urbanas não estão atendendo às legislações vigentes, como as ferramentas previstas no Estatuto da Cidade. Verificamos a necessidade de um planejamento mais específico que o Plano Diretor vigente, que considere as diferentes demandas presentes em uma mesma a região e que proponha locais com maior qualidade e integração. A melhor utilização desses imóveis aliada a participação popular e a políticas públicas poderiam colaborar para qualificação da construção da nossa cidade a partir do enfrentamento crítico dos processos urbanos. Palavras-chave: Avenida Ipiranga; propriedades públicas urbanas; Estatuto da Cidade. Abstract: The work introduce the search that has been developed in Porto Alegre, adapting Avenida Ipiranga as the initial study axis. Identified as major thoroughfare urban structuring manifesting diversity of uses and significant presence of public buildings. Therefore, it was necessary to carry out surveys which enables us to assess that urban public properties are not meeting current legislation, such as the tools provided for in the City Statute. We need more specific planning that the current Strategic Plan, which consider the different demands present in the same region and to propose sites with higher quality and integration. The best use of these properties coupled with popular participation and public policies could contribute to qualifying the construction of our city from the critical confrontation of urban processes. Key-words: Avenida Ipiranga; urban public properties, City Statute. 1. INTRODUÇÃO A cidade como vem sendo produzida apresenta a desigualdade como uma das suas principais consideráveis. Este ambiente de segregação sócio-espacial e de degradação sócio-ambiental impossibilita o acesso universal ao solo urbano e produz espaços ociosos sem qualidade, gerando não lugares. Esses aspectos contradizem o princípio da arquitetura da cidade, que é, fundamentalmente, a 1 | 10 garantia do uso do espaço público para todos. Essas questões, por sí só, revelam a importância de intervenções que visem reverter esse quadro. No caso de Porto Alegre, a Avenida Ipiranga, é uma síntese dos problemas acima elencados e, ao mesmo tempo, reúne grandes potencialidades. Sendo assim, a Avenida Ipiranga foi escolhida como objeto inicial de estudo do grupo de Iniciação Científica da área de urbanismo da PUCRS, que busca reconhecer e analisar os principais eixos de desenvolvimento da cidade. A Avenida Ipiranga é uma importante via de conexão leste-oeste/oeste-leste, permitindo fluidez no trânsito, e, ao mesmo tempo, possui uma enorme fragilidade na interação do homem com o meio, pois se mostra uma via de passagem de veículos e os pedestres são apenas usuários passivos, decorrente da falta de qualidade dos espaços urbanos. A variação de usos ao longo da avenida e a presença expressiva de propriedades públicas urbanas poderiam colaborar para a melhor construção do espaço, mas não é isso que acontece. Segundo as legislações vigentes, os usos das propriedades públicas e privada devem ocorrer conforme o que determina o Estatuto da Cidade e, no caso de Porto Alegre, o seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental. Entretanto, as propriedades públicas urbanas localizadas nesta avenida, não atendem ao prescrito na legislação. É possível constatar que, salvo melhor juízo, o poder público, nos três níveis, não tem agido de molde a promover a correta e desejável utilização dos imóveis urbanos de sua propriedade, gerando, portanto, todas as consequências negativas daí decorrentes. Mas as medidas para a melhoria desses espaços não devem se ater às questões explicitamente nomeadas na lei; e mesmo em relação a essas, deve-se delas realizar uma leitura associada ao olhar que vê a cidade como uma grande arquitetura da qual se requer a melhor qualidade. Tudo isso associado com a participação da população que possui necessidades e desejos em relação ao espaço que ocupa. 2. OBJETIVOS O presente trabalho visa contribuir para uma mudança de atitude no que tange a utilização de parte significativa das propriedades públicas de Porto Alegre, mais precisamente, da Avenida Ipiranga. E nesse sentido, identificar e conhecer a existência de casos que não apenas estão em desacordo com o que prescrevem as leis, mas também, em desarmonia com uma ideia de cidade antropologicamente desejável. A melhor utilização da propriedades públicas aliada a participação popular na construção do lugar e a políticas públicas para melhoria dos espaços privados e dos públicos, poderiam colaborar para a formação de um caráter de avenida como todo. Entretanto, para que isso aconteça é preciso que haja uma percepção da importância da Avenida Ipiranga e da necessidade de que os olhos do poder público se voltem para ela pensando em medidas mais específicas do que o Plano Diretor para a melhoria da mesma. Esse trabalho visa identificar e compreender como esse problema pode ser equacionado e enfrentado para colaborar com a construção do lugar. 2 | 10 3. JUSTIFICATIVA A Avenida Ipiranga possui uma expressiva inserção urbana, com 9,3 km de extensão, liga a orla com vários bairros de Porto Alegre. Além disso, faz parte da herança histórica da cidade, pois compreende uma área que foi urbanizada com o intuito de trazer melhores condições de saneamento para os seus habitantes, pois a sua construção se deu acompanhada da retificação do Arroio Dilúvio. Esquemas localizando a Avenida Ipiranga Entretanto, o que observamos hoje, é uma avenida que não possui o caráter que reflete a importância física e histórica que ela possui, e nem mesmo, propõe um espaço agradável para as pessoas vivenciarem. Wolf Von Eckardt identifica como grande problema do nosso tempo, no que tange o tema cidade, a dificuldade de moldar os ambientes urbanos que sejam significativos, que favoreçam o relacionamento oferecendo a cada individuo o sentido de lugar, sublinhando que nossos prédios, bairros e cidades anseiam por um ambiente mais humano e que subentenda a ideia de comunidade. A Avenida Ipiranga é um reflexo disso, pois possui uma enorme dificuldade em moldar ambientes urbanos de fato significativos. O que ocorre na verdade é que a cidade que constitui a avenida acontece de forma espontânea, tendo como resultado a não formação de lugares e uma 3 | 10 variação de características no que se refere ao uso. Porém, apesar da diversidade, é possível perceber que há a negação para com a avenida em quase todas as situações de ocupação, isso se reflete através das grades, muros, posição dos prédios e em outras diversas situações.. O seu percurso inicia em uma região nobre da cidade, o Lago Guaíba, onde temos a presença do Parque Marinha do Brasil, local muito valorizado. Na frente do Arroio Dilúvio está presente uma nova área de torres com o novo Foro da capital, duas torres comerciais e uma torre residencial. Entretanto é possível perceber que apesar de se tratar de um novo empreendimento, o novo Foro que é prédio público e poderia se constituir de modo a valorizar a avenida, vira as costas para a mesma e interage com a rua local, e, os estacionamentos das outras torres se voltam para a face da avenida, Sem contar que a composição formal como um todo nega a escala do pedestre e a relaçao com a rua. Isso mostra que, se o mais novo empreendimento que comporta também prédio público reage dessa forma frente a avenida, não está sendo percebido o seu o valor e não há nenhuma intenção de mudar a relação prédio-avenida para melhor colaborar com a formação de espaços de maior qualidade. No decorrer da avenida percebemos diversas outras situações que demonstram essa comum característica de negação. É possível perceber áreas com predominância de imóveis públicos subutilizados, alguns inclusive de usos culturais como o Teatro Renascença e o Planetário, que poderiam estimular o lazer; áreas com predominância residencial, que em sua maior parte estão atrás de grades; áreas mistas que poderiam colaborar para uma fachada ativa mas que barram a entrada das pessoas no comércio através do recorrente uso de barreiras físicas; ocupações irregulares, que refletem a falta de atuação do poder público na eficiência de produção de espaços de qualidade em suas próprias propriedades; áreas condominiais, com grandes muros e entrada com intenso controle; etc. O que se percebe, é que não há uma atividade única ao decorrer de toda a avenida, mas há uma atitude predominante de negar a presença da mesma. Além disso, hoje, apesar de as propriedades públicas urbanas terem uma importante presença na paisagem e na estrutura urbana, elas não contribuem para suas qualificações. As propriedades públicas urbanas, ainda mais do que as privadas, devem ser consideradas como pertencentes à cidade, no caso à cidade nas suas indissociáveis dimensões físico e social. Devem ser consideradas como inestimáveis e insubistituíveis patrimônios dos cidadãos, e como tal devem ser tratados, visando sua melhor utilização do ponto de vista social e ambiental. 4. MÉTODO EMPREGADO Observando a variação de características presentes na Avenida Ipiranga, o eixo de estudo foi zoneado de modo a identificá-las, podendo essas predominâncias aparentes serem confirmadas ou não no aprofundamento do estudo. Segue abaixo a Avenida Ipiranga com suas divisões iniciais 4 | 10 Mapa mostrando a variação de predominâncias de características Em cada área com característica de ocupação foi realizado um levantamento padrão com dados alcançados com o apoio do DEMHAB, DEMAE E Secretaria da Fazenda. Como é possível observar no exemplo abaixo. 5 | 10 6 | 10 Esquemas ilustrando como estão sendo realizados os levantamentos 5. RESULTADOS OBTIDOS Os levantamentos obtidos nos permitiram elaborar uma análise com pontos interessantes para crítica e aprofundamento, sejam eles pela suas diferenças de características ou pelas oportunidades que representam para melhorar a avenida. Prancha utilizada em concurso FENEA demonstrando pontos estratégicos Os locais que escolhemos se comportam como vazios urbanos, desajustados da avenida, o arquiteto espanhol Ignasi de Solá-Morales definiu esses terrerritórios: “Uma área sem limites claros, sem uso atual, vaga, de difícil compreensão na percepção coletiva dos cidadãos, constituindo normalmente um rompimento no tecido urbano, mas é também uma área disponível, cheia de expectativas, de forte memória urbana, com potencial original: o espaço possível do futuro.” 7 | 10 Entre muitas áreas que podem ser designadas como “vazios urbanos”, três nos chamaram a atenção em relação a este aspecto, sendo elas: a área que compreende o Teatro Renascença, a área do Planetário e a área do Ginásio da Brigada Militar. Escolhemos aprofundar a análise, em um primeiro momento, na área onde está localizado o Teatro Renascença - região apresentada como estudo de caso neste artigo. Localizada no trecho entre as Avenidas Érico Veríssimo e Azenha, frente com a Avenida Ipiranga. Nos quarteirões adjacentes a esta constata-se a presença de imóveis públicos e privados, que atendem, teoricamente, um modelo qualificado no que diz respeito a diversidade de usos que construiriam uma cidade viva, segura e agradável. Entre estes imóveis podemos citar o Teatro Renascença, o Colégio Protásio Alves, terrenos com instalações da EPTC, a Praça Augusto César Sandino, edificios de ocupação mista com base comercial e apartamentos residenciais e uma área de ocupação irregular delimitada pelo Plano Diretor como AEIS. As premissas quanto a mobilidade e diversidade de usos estão atendidas nesta região. No entanto, averiguamos que o local apresenta deficiências nas questões sócio-ambientais e sócioespaciais. Consta no Estatuto da Cidade que os espaços que à constituem devem cumprir uma função social e que cabe as propriedades públicas e privadas a manutenção do bem-estar do cidadão nas suas imediações. Acreditamos que uma parcela considerável da responsabilidade, no que diz respeito a estas deficiências, está relacionada ao fato da não observância do que prescreve o Estatuto da Cidade quanto aos imóveis públicos e privados subutilizados. E o PDDUA, que deveria contemplar o EC de forma mais objetiva e específica para a cidade, vem sendo insuficiente para atender as demandas singulares das diferentes situações urbanas. A propriedade pública, ainda mais do que a privada, deveria ser de acesso universal, porém, encontramos barreiras para que este ambiente cumpra com sua função social, e assim, a população se envolva e se aproprie do espaço, participando de fato da cidade em que vive. Pois as “propriedades” estão enclausuradas por cercas e muros que negam os passeios públicos e geram certa insegurança para as pessoas que nelas transitam. Um bom exemplo disso, é a Praça Augusto Cesar Sandino, que tem relação direta com o Teatro Renascença, mas que, ao invés se relacionar de fato com ele, nega a existência do equipamento cultural e da avenida através dessas barreiras, não proporcionando uma interação agradável com a população. Existe também no objeto de estudo, uma Área Especial de Interesse Social que não é contemplada, reforçando ainda mais a segregação econômica que é visível no decorrer da avenida. Além disso, o tratamento ambiental que não ocorre no arroio de suma importância para a cidade, afasta o transeunte não agregando o valor que deveria para a área, pois se torna um espaço poluído e insalubre. É possível perceber quantas melhorias se dariam, se, neste local, fossem aplicadas políticas públicas que colaborassem para qualificação do espaço. Como interpretação das análises realizadas, foi produzido um esquema que demonstra como o poder público poderia utilizar instrumentos assegurados pelo Estatuto da Cidade que se aplicam a esse território. 8 | 10 Esquema mostrando possíveis Políticas Públicas para o estudo de caso 6. CONCLUSÃO É possível constatar que ao longo da Avenida Ipiranga, e de forma mais aprofundada no estudo de caso, é recorrente o fato de existir uma série de espaços públicos e privados que não possuem qualidade urbana e não se relacionam entre sí ou com a cidade. Nesse sentido, os autores Vinicius de Moraes Netto e Renato Saboya descrevem a limitação do Plano Diretor: “Os parâmetros 9 | 10 urbanísticos tradicionalmente definidos por regras atuais de ocupação urbana são limitadas no que diz respeito a composição dos espaços urbanos, às relações de interação entre forma construída e espaços abertos, à noção de conjunto formal, à leitura do espaço e uma série de outros aspectos importantes sob o ponto de vista do desenho urbano.” Por isso, é necessário que o poder público atue de forma mais específica nessas áreas e contemple as necessidades da população nos locais de atuação. Além disso, é importante a co-criação dos lugares relacionando as interfaces sociais de modo a garantir a apropriação pública dos espaços. Acreditamos que o setor acadêmico pode assumir um papel importante, gerando ações propositivas multidisciplinares que poderão servir como base para futuras conversas, entre a comunidade e o poder público, a cerca de medidas legais que contribuam para a construção do ambiente urbano. E para tanto, que a arquitetura deve adotar uma postura responsável que impossibilite decisões projetuiais problemáticas e irreversíveis para a cidade. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENTLEY, lan. et al. Entornos vitales hacia un diseño urbano y arquitectónico más humano manual pratico. Barcelona:GG,1999. BRANDÃO, Zeca. O papel do desenho urbano no planejamento estratégico: a nova postura do arquiteto no plano urbano contemporâneo. Arquitextos 025,04. São Paulo: Vitruvius, 2002. <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.025/773> BRASIL. Lei Federal 10.257 de 10.07.2001 - Estatuto da Cidade, 2001. CASTELLO, Lineu. A percepção de lugar: repensando o conceito de lugar em arquiteturaurbanismo. 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