A DESCONSTRUÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO DO PRÍNCIPE E DA PRINCESA DOS CONTOS MARAVILHOSOS Ana Carolina Lourenço de Assis (UFRN) [email protected] Prof(a). Doutr.(a) Maria da Penha Casado Alves (UFRN) O referente trabalho tem como objetivo apresentar uma análise da desconstrução de aspectos que caracterizam os tradicionais contos infantis, tais como o herói, a princesa, a relação amorosa e a visão tradicional do grotesco, nesse gênero discursivo representado como horror. Para tanto, enfocaremos essa desconstrução sob a perspectiva discursiva nos reportando às concepções de ethos discursivo e estilo, como também, da cosmovisão carnavalesca. Baseamos para tal análise nos pressupostos teóricos de Bakhtin (1987) sobre a cosmovisão carnavalesca e a filosofia do riso como princípios de subversão e de corrosão e na concepção de ethos discursivo abordado em Mangueneau (2008) e Charaudeau (2006). Como corpus desse trabalho tem o filme Shrek (2001), da Dreams works, cuja desconstrução das imagens idealizadas dos contos infantis se apresenta de forma carnavalizada corroendo características e (re) construindo outras que compõem uma nova forma de contar a história de uma princesa e do seu príncipe encantado. Este trabalho se insere na área de linguística aplicada e se orienta por procedimentos metodológicos oriundos da perspectiva qualitativa para analisar o corpus em foco, estabelecendo uma relação de aspectos comparativos e (des) construtores entre os contos que caracterizam-se como tradicionais e os “contemporâneos”,esses por sua vez em suportes audiovisuais. . Palavras-chave: gênero discursivo- cosmovisão carnavalesca – ethos discursivo OS CONTOS DE FADAS E SEU CONTEXTO HISTÓRICO Acredita-se que os contos de fadas são de origem celta e inicialmente eram contados como poemas, as ao decorrer do tempo essas histórias da antiguidade após serem contadas e recontadas foram quase sempre que modificadas, mas se espalharam e permanecem até hoje em memórias infantis e adultas, cobrindo todo o mundo, mas que apesar de terem origens comuns assumem em cada nação diferentes perspectivas, grau de importância e novas formas de serem contadas. “... Nada é tão enriquecedor e satisfatório,seja para criança,seja para o adulto, do que o conto de fadas popular.” (BETTELHEIM,B. pag 11) A partir do século XVIII, chamado o século das luzes(o iluminismo começa a criar força com suas doutrinas, cuja fé já não é o bastante) que a ciência passa a ser levada a reconsiderar o sobrenatural,a aceitar o mistério, a buscar um novo sentido para a transcendência e a remodelar a face do próprio Deus, afirma Nelly Coelho. Foi ainda, no século XVIII que os contos da Mamãe Ganso, que narram por exemplo a história de uma menina de capuz vermelho que ao visitar sua avó é “comida” por um lobomau(vale salientar que nesse mesmo século as histórias francesas eram marcadas pela brutalidade nua e crua)que foram passadas de gerações e gerações oralmente, e só depois de muito tempo com contistas mais representativos como; Perrault,Grimm e Andersen temos esses textos trazidos para escrita e passamos perceber a magnitude que envolve essas narrativas. Porém, as histórias tradicionais e populares que passaram a ser chamadas de contos de fadas constituem um tipo de narrativa com características muito específicas. A presença de fadas entre seus personagens não é uma delas. No entanto, há certas qualidades que cercam os contos de fadas, seus argumentos desenvolvem-se dentro de uma magia suntuosa (reis, rainhas, bruxas, príncipes e princesas,gênios, ogros, metamorfoses, tempo e espaço fora da realidade conhecida),e tem como eixo gerador uma problemática existencial. Bruno Bettelhein informa que o poeta alemão Schillar escreveu: “Há um significado mais profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina”(The Picciolomini, III, 4). E ainda: “Ao longo dos séculos(quando não de milênios) durante os quais os contos de fadas, ao serem recontados, foram se tornando cada vez mais refinados, eles passaram a transmitir ao mesmo tempo significados manifestos e latentes -passaram a falar simultaneamente a todos os níveis da personalidade humana, comunicando de uma maneira que atinge a mente inadequada das crianças tanto quanto a do adulto sofisticado. Aplicando o modelo psicanalítico da personalidade humana, os contos de fadas transmitem importantes mensagens à mente consciente, à pré-consciente e a inconsciente, seja em que nível for cada uma esteja funcionando no momento”( Bettelhein,1903,p13) É, portanto a mensagem que os contos de fadas transmitem ao público em geral, mas principalmente à criança: que uma luta contra as dificuldades da vida é inevitável é parte intrínseca da existência humana – mas que, se a pessoa enfrentar ao fim emergirá vitoriosa. É nessa visão que os contos de fadas se distinguem de outros gêneros literários. Mas acima de tudo falar de contos de fadas é evocar a filiação ao “maravilhoso” que tudo é possível, que tudo pode acontecer. É nessa nova perspectiva aberta pela ciência que a visão modificada do maravilhoso, passa a ressurgir sendo essa visão refletida entre os interlocutores de hoje de maneira expressiva, prova disso está no sucesso de ficções científicas, de máquinas mágicas e de releituras dos contos de fadas que fogem ao modelo pré-determinado pelos contos orais. “O maravilhoso, o imaginário, o onírico, o fantástico...deixaram de ser vistos como pura fantasia ou mentira, para ser tratado como portas que se abrem para determinadas verdades humanas.”(Coelho, 1991,p. 9) Ao contrário do que se acredita e vê atualmente os contos tradicionais não foram escritos para adultos, porém é a partir de Perrault que percebemos essas histórias voltando-se para uma visão do infante no qual trabalha o bem e o mal como onipresentes, para cada característica dessa passa a ser assumida forma e corpo. O FILME Para melhor compreensão do trabalho, das retomadas de algumas situações as quais irão ser tratadas no decorrer deste artigo, e suas relações com os conceitos de ethos, estilo e a cosmovisão carnavalesca, se faz necessário, então, situar a respeito do personagem principal do filme, e também, de alguns outros que ajudam a compor a imagem do “Era uma vez”, imagem essa que foge aos critérios padronizados por histórias de contos infantis. Shrek é a personagem principal (nome que é dado ao próprio filme.) da animação feita pela Dreams Works. Ele é um ogro, verde, gordo, feio que vive em um pântano às margens do reino Duloc, pântano este que está ameaçado ser habitado por outros habitantes, fugitivos da floresta, além de Shrek. A problemática da narrativa inicia-se justamente quando ogro é “convidado” por Lord Farquaad a salvar a princesa Fiona que se encontra no alto de uma torre, aprisionada por um dragão-fêmea, a espera do “beijo do amor verdadeiro”, o qual teria que ser dado pelo príncipe encantado, em troca Shrek teria o seu pântano novamente.Porém, o objetivo inicial é modificado pela “quebra” do esperado, pois, o ogro ao salvar,junto com seu amigo Burro a princesa, apaixona-se por ela(essa, também, sendo uma ogra) e vice-versa, ao final, após muitos conflitos e desmistificar crenças, quebrar estereótipos do tradicional, acabam casando-se. SHREK, RUPTURA DO PRÍNCIPE ENCANTADO Apesar dos contos de fadas serem multifacetado, e uma mesma história poder ter sido recontada várias, e várias vezes nos interessa aqui a de três contistas que influenciaram significativamente nos contos de fadas que conhecemos hoje, são eles: Perrault, Grimm e Andersen, seus auge ocorreram respectivamente dessa forma anteriormente citada. As histórias construídas pelos três contistas iniciam e desenvolve-se quase que da mesma maneira: “Era uma vez...,Há muito,muito tempo atrás...”, e trazem princesas e príncipes encantados ao longo de suas histórias.Uma mocinha que nunca exalta a voz, mesmo em situação de sofrimento,que perdoa uma madrasta cruel e irmãs que debocham de suas vestimentas,mas ainda sim permanece bela e com o coração bom,no caso Cinderela, são exemplos do comportamento distinto que deveriam ser tomado pelas princesas As irmãs de Cinderela em preparação para ir ao baile do príncipe: “Chamaram Cinderela para pedir sua opinião, pois sabiam que ela tinha bom gosto.Cinderela deu os melhores conselhos possíveis e até se ofereceu para penteá-las.Elas aceitaram na hora, e enquanto eram penteadas perguntaram a Gata Borralheira: “Cinderela, você gostaria de ir ao baile?” - pobre de mim! As senhoritas estão zombando, isso não é coisa que convenha. -Você tem razão todos ririam um bocado se visse uma Gata Borralheira indo ao baile. Qualquer outra pessoa teria estragado o penteado, mas Cinderela era boa e a penteou-as com perfeição.” (Perrault,1697,p.21) É nessa perspectiva de bondade, perfeição, pureza e beleza que os contos de fadas eram produzidos, e essa visão tem se mantido até hoje, até mesmo com recursos audiovisuais, a exemplo as versões Disney a respeito dos contos de Perrault, Grimm e Andersen. Porém, o filme Shrek mostra justamente a quebra dessas perspectivas, que hoje já não corresponde a uma realidade. Shrek é uma das primeiras animações que trabalha com corrosão do belo, traz o profano para o centro da história e ao final declara em sua trajetória que beleza, não garante felicidade. Por este motivo ele passa a ser corpus, deste artigo e é fundamental na ruptura da visão tradicionalista do príncipe encantado. Mas antes, fazem-se necessário, como dito anteriormente ao início desse artigo esclarecer alguns conceitos, como o de ethos, estilo e cosmovisão carnavalesca, estes que por sua vez ajudarão no esclarecimento dos novos conceitos encontrados nas releituras observadas no filme Shrek. Partindo dessa premissa, será tratado sobre os primeiro conceitos é a respeito de ethos discursivos, que segundo Dominique Maingueneau, está associada à prática da enunciação feita locutor ativando em seu destinatário certa representação de si mesmo, procurando controlá-la. E com freqüência somos obrigados a fazer a recorrência a essa definição visto que ela constitui uma dimensão de todo ato de enunciação. Os contos de fadas tradicionais trazem esse ethos do príncipe encantado já demarcado, pois eles parecem querer moldar o espírito infantil para o sacrifício e a busca de valores pré-estabelecidos. Seus heróis perdem partes do corpo, renunciam a prazeres, trabalham arduamente, conquistam princesas, animais encantados, ou objetos de ouro enclausurados em torres ou palácios, sob a guarda de ferozes dragões, bruxas ou encantamentos. Além de permanecerem lindos e jovens, sim, pois não há heróis feios ou velhos nas estórias “encantadas”.E, todas essas “marcas” fazem parte do encanto fazem parte do que se espera para um caráter do maravilhoso “É evidente que existem, para um dado grupo social, ethé fixados, que são relativamente estáveis, convencionais.” (Maingueneau 2008) O ethos dos contos de fadas trabalha justamente nessa definição dada por Maingueneau, não há variação o feio, o profano fazem parte do horror, do mal (Ogros, bruxas, lobos-maus.) Shrek quebra com essa visão tradicionalista iniciada no filme, quando ele rasga a folha do livro de contos e ele declara que história de contos de fadas, de princesas que sofrem encantos, aprisionadas em castelos não acontecem e que são um “monte de besteiras”,e ao decorrer da narrativa o ogro, representação do horror,esquece desse ethos,também já pré determinado e apaixona-se pela princesa a qual ele salvou. É nessa “moldura” do horror que Shrek tenta, a princípio, persuadir o seu interlocutor de que é um ser insociável, impossível de ter amigos e de ter que viver em seu pântano sozinho, descrições essas tão importantes para a construção do conceito de estilo. Por meio desse conceito de estilo recaímos, também, no conceito da cosmovisão carnavalesca, para Bakthin a cosmovisão carnavalesca está associada a inversão da imagem estabelecida, o que era grotesco é transformado em algo engraçado alegre e divertido. O que era profano, passa a ser visto de forma invertida, ou melhor não existe mais o impuro ou puro, todos passam a ser iguais no plano terrestre “...como imagem do fim e do acabamento das vidas e do julgamento definitivo sobre elas, é transformado em alegre espetáculo, bom para ser montado em praça pública e no qual o medo é vencido pelo riso, graças a ambivalência de todas as imagens” (Discini p.55) Se observarmos essa desconstrução é fator crucial em Shrek o grotesco tão temido ao início do filme, apaixona-se passa a ter atitudes de um “príncipe”, ao salvar a princesa, seu amor verdadeiro de um Lord malfeitor, e casa-se dando início a construção familiar,é justamente a essa ambivalência do cômico ao espanto que é respaldada pelo riso, essa inversão de fatores e atos a qual Bakthin refere-se ao tratar da cosmovisão carnavalesca e em REBELAIS E A HISTÓRIA DO RISO.E ele só passará a ser visto como grotesco, monstruoso, se se perder essa ambivalência regeneradora, se se perder o tom alegre comandado pelo riso,fator este que parece ao decorrer da narrativa não ocorrer. “O rebaixamento é enfim o princípio artístico essencial do realismo grotesco: todas as coisas sagradas e elevadas aí são reinterpretadas no plano material e corporal. Já falamos da gangorra grotesca que funde o céu e a terra no seu vertiginoso movimento; a ênfase contudo se coloca menos na subida do que na queda, é o céu que desce à terra e não o inverso.”(Bakthin, 1987,p.25) ) Para facilitar a compreensão das análises que se seguem, há um breve diálogo retirado do filme (da forma como foi falada pelas personagens), falas da princesa Fiona, ainda humana ao encontrar Shrek e ser salva por ele. (versão em português) Cena: A princesa está deitada na cama, segurando um pequeno buquê, parecido com a cena da Bela Adormecida e é acordada, brutalmente, por Shrek, que está com armaduras. (O outro momento é quando eles estão fugindo do castelo, onde está o dragãofêmeo) S- Shrek F- Fiona S:- Você é a princesa Fiona? F:-Sou sim, a espera de um cavalheiro corajoso que venha me salvar. S:-Legal!(ele tenta tirá-la da cama) F:-Esperai cavalheiro!Encontramo-nos, finalmente, não deveria este ser o momento maravilhoso, romântico? (ele a puxa de vez até a porta) F:- Vos deverias me tomar em vossos braços,pular pela janela e descer por uma corda até vossa bela montaria. (Após eles serem salvos, ela descobre que ele é um ogro.) F:- Mas nós deveríamos viver este momento!Você poderia recitar um poema épico pra mim, um cancioneiro, um soneto, qualquer coisa! (Ela se irrita por ele não ter matado o dragão primeiro) F:- Mas não está certo! Você deveria ter entrado com a espada em uma mão e na outra um estandarte, foi o que todos os outros fizeram! (ele ainda se recusa a matar o dragão, então ela indaga) F:- Mas que tipo de cavalheiro é você? S:- Do tipo único! F:- Você conseguiu você me salvou!Você é incrível, você é maravilhoso, você é um pouco diferente admito, mas vossos atos são grandes e vosso coração é puro. Lhe sou eternamente grata, e onde estaria o bravo cavalheiro sem o seu alazão? (ela pede para que ele tire o capacete, e ele nega, mas ela insiste pois deseja beijá-lo) F:- É o destino!(o beijo).Ah(suspiro)!Você deve conhecer a história; A princesa presa na torre com um dragão é salva por um bravo cavalheiro e aí eles dão o primeiro beijo do amor verdadeiro. O Burro e Shrek riem de Fiona, e ele, o ogro responde; S: (motivo das risadas) Digamos que não sou o seu “tipo”! (ele acaba tirando o capacete para satisfazer a vontade da princesa) S:- Que foi estava esperando o príncipe encantado? F:- Na verdade sim, eu estava!Oh não, isso está errado, você não devia ser um ogro. F:- Mas eu tenho que ser salva pelo meu verdadeiro amor e não por um ogro e seu burro. Nas falas exemplificadas nos quadros acima temos claramente a marca dessa visão tradicionalista do que vem a ser o “maravilhoso” e sua quebra. A quebra de um ethos a respeito de um “tipo” de herói construído, e do estilo modificado, que abandona esta simbologia. Em primeira instância observemos alguns verbos; Uns encontram-se no futuro do pretérito, outros acompanham diferentes modos e tempos verbais, mais o que chama a atenção é o uso do verbo; Dever, no sentido de ter obrigação de algo, o qual constantemente é dito pela princesa para indicar como as coisas devem ser feitas arrisca, pois algo já era esperado, marcado. Ou seja, de uma “linha” de situações sucessivas que devem ocorrer frequentes em contos de fadas. Percebamos também que há marcas na enunciação da princesa característico da posição que ela assume de realeza. O uso dos pronomes oblíquos que compõe o ethos e estilo que ela produz referente ao que se deseja passar ao público em questão (no caso Shrek e o Burro) sobre a situação, uma boa impressão pela forma como construiu sua fala, para dá uma imagem de si capaz de convencer e ganhar a sua confiança, outra característica é como se ela dirige ao ogro, como; ”Senhor (Sr) ou Cavalheiro”. O que vai de encontro a termos utilizados pelo Shrek, que em alguns dados instantes usa gírias; ”Legal, seu tipo”, porém o discurso da princesa vai se modificado ao longo do filme, que ajuda na desconstrução da imagem da princesa perfeita, e as atitudes do ogro ajudam a desconstruir justamente o inverso, a visão do ogro como símbolo do horror e do mal . Nesses dados momentos que o ethos do herói começa a ser desconstruído e isso se choca na situação que é demonstrada na fala da princesa quando esta cita; “Mas isso não está certo, isso está errado!”. Indagando sempre o motivo pelo qual os fatos não ocorreram como nas outras histórias infantis, mantendo assim uma “certa” comparação entre as demais estórias, tanto que ela afirma que está sim a espera do príncipe encantado. Para tal exemplificação temos a seguintes imagens das princesas dos contos infantis: Nos contos modernos a figura feminina antes tão pura, bondosa e frágil toma consciência de sua potencialidade no que diz respeito a sua força, vencendo seus medos suas inseguranças e ocupando um espaço que antes não tinha acesso; O de uma heroína que possui vontades, anseios. Ela passa a não assumir o caráter e estilo de uma figura decorativa, que eram “marcas” das princesas como a “Borralheira” e Rapunzel entre tantas outras, ela tem a opção de escolher seu destino. É corajosa, luta karatê,questiona seus pretendentes e pôde decidir entre ser princesa ou ser ogro,assumindo seu caráter individual. Outro caráter também bastante incomum e que serve para compreendermos por que Shrek tornou-se corpus de estudo para este artigo é a figura do mentor símbolo da força interior do herói que desaparece ao invés de santos disfarçados, gênios de lâmpadas com poderes mágicos para solucionar o problema e fadas madrinhas com rostos angelicais, o companheiro do protagonista é igual, imperfeito, no caso de Shrek o Burro, um asno tagarela e solitário. Papel esse que sugere a respeito dessa visão do baixo corporal e da cosmovisão carnavalesca que não possui essa troca de papeis, mas uma nova visão sobre um real companheiro, amiga. “O baixo material e corporal concebido na sua função regeneradora amparase na reversibilidade dos movimentos, o que é de fundante do grotesco. A função regeneradora do rebaixamento grotesco compõe a cosmovisão carnavalesca”. (Discini ,p 57) Luta e conquista ignonímia e honra coragem e medo apresenta-se cada elemento todos conjuntamente, relativizados pela função de degradar, destronar e regenerar, constante da imagem grotesca princípios estes que ajudam a constituir a visão da cosmovisão carnavalesca e esse olhar ambivalente de múltiplos significados. “Bakhtin alerta que diante dos tais cânones, nada resta à imagem grotesca senão ser interpretada como monstruosa.” (Discini, p.63) Shrek representa essa quebra do ethos; da bondade, do perfeito, do certo. A atitude do ogro não segue padrões, é o anti-herói que acidentalmente vira o herói que não se encaixa nas expectativas, não é o certinho; é rude, sacode a princesa, recusa o beijo de amor, demonstra sua boa índole através de atitudes bem estranhas, como fazer um churrasco de ratos, brincar de empurrar ou presentear com sapos a sua amada. O ogro é criticado, desengonçado, feio, socialmente inadequado, sem controle do próprio corpo: arrota – peida e suja-se todo com lama características essas jamais associadas aos príncipes da Bela adormecida, Branca de Neve, A pequena sereia e da bela e a fera, esse que por sua vez se regenera para ser feliz com a princesa Bela, diferente em Shrek que a própria princesa arrota como o seu par romântico. Bakhtin afirma que para ressaltar a imagem grotesca em confronto com a estética clássica, esta para qual se apagam protuberâncias, tapam-se orifícios, retiram-se excrescências, abstraem-se imperfeições e para qual concepção, gravidez parte e agonia passavam despercebidos. Percebe-se assim que há uma dúbia desconstrução de papeis, imagens estas construídas através do próprio texto: para a imagem do enunciador que seria esse ethos e para firmar a imagem para o público; o phatos. E esse sistema de estratégia construída que acarreta da provocação da expectativa e paixões para com o público. É o que ajuda nesses pontos duplos de visão; A desconstrução do Ogro e do Príncipe. E através desse discurso produzido pelo Shrek que permite a depressão da imagem ou do efeito da imagem. O conto de fadas trazia alívio ao sofrimento infantil em face de fortes emoções, por meio de resgate, escape e consolo. O alívio advinha do evoluir da psique para um estágio mais maduro, porque o conto de fadas elabora de forma simbólica os conflitos entre a criança e o mundo. Tratava-se de evoluir para ser feliz. Shrek faz uma diferente abordagem da psique e do estar no mundo e trazem alívio psicológico sobre um diferente enfoque: aceitar-se e acreditar em si para ser feliz, afirmou Bruno Breittelheim Outra característica bastante relevante é em relação à estética. Assim como o comportamento do personagem é algo importante para notar a ruptura das ações do herói e influencia essa, a imagem que se tem em relação ao belo também se faz presente. CONCLUSÃO: Bem, ao construir esse artigo foi possível observar primeiramente como é fato que um filme ao qual não possuía qualquer pretensão em servir de copus de estudo para qualquer projeto científico foi primordial para “ajudar” a comprovar como as histórias infantis estão modificando-se assim como o seu público alvo através de sua narrativa. Que envolve um pouco de fábulas, efeitos musicas e uma bagagem de informações transformadora. SRHEK pode ser sim, denominado de inovador, como um filme que modificou a visão dos ”Contos de Fadas”, servindo para a formulação de uma nova produção dos contos infantis, seja por gênero e meio de vinculação, por seu vocabulário e maus modos. Mas que tenta, da sua melhor forma manter certo caráter tradicional, através de um elemento; passar uma mensagem para quem o assiste. Porém uma mensagem que distorce em vários pontos o que conhecemos,o filme tem a intenção de convencer o seu interlocutor que na vida real há um verdadeiro amor destinado a cada um, independente de ser belo ou feio, mas sim de encontrar a felicidade. Que não há “felizes para sempre” predestinado como um “beijo”, mas sim que isso faz parte de algo a ser construído. Que o príncipe encantado não existe, ele é no fundo um “ogro” que arrota e peida, que possui características humanas e não encantadas, que o “horror” na verdade está na forma como cada ser percebe o outro. E a visão do grotesco passa a ser cômica em muitos casos. Resumindo, o conto de fadas tradicional nos diz: siga as regras para ser feliz. O conto infantil moderno aconselha, de maneira muito simpática: seja você sem medo de ser feliz. Que na verdade seja você um príncipe ou princesa responsável por suas escolhas e assuma sua individualidade independente qual seja o seu objetivo. REFERÊNCIAS Apresentação de MACHADO, Ana Maria/ Contos de fadas: de Perrault, Grimm,Andersen &Outros ; Trad.Maria Luiza X. de A. Borges- Rio de Janeiro:Zahar, 2010. BAKHTIN, Mikhail, A Cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais,Trad.Yara Franteschi Vieira,São Paulo /Brasília: HUCITEC/UnB, 1987. BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: Conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980 DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos, e outros episódios da história da cultura francesa. Trad. Sonia Coutinho. –Rio de Janeiro, 1986. MOTTA, A. R.; SALGADO, L. (Org.). Ethos dicursivo. São Paulo: Contexto, 2008. COELHO, Nelly Novaes. O Conto de fadas. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991. SHREK, 1 DVD produzido pela Dream Works, EUA, 2001.