reportagem
Estrangeiros no Porto
Estórias da cidade
São muitas as pessoas
que escolheram o Porto
para viver. Umas em
busca de melhores
condições de vida, outras
porque se deixaram
encantar pela cidade e
ainda outras porque nela
encontraram um porto de
abrigo. Esta busca de
afectos e desafectos dão
vida à cidade e são factor
de união entre gentes de
muitas origens. A VIVA foi
conhecer alguns destes
“imigrantes”, registando
as suas estórias e
vivências.
Texto: Carla Nogueira
Fotos: Virgínia Ferreira
Três amigos latinos
O Javier Dias e os italianos Cláudio Capone e
Salvatore Pirisi, italianos, conhecem-se há
quase uma década. No meio de muita risada,
pois a boa disposição é característica comum,
mencionam que só são oficialmente amigos há
sete anos, pois foi a partir daí que começaram a
sair juntos. Trabalham em áreas diferentes mas
todos partilham o gosto pela arte e pelo
convívio. Gostam de conversar, estar com os
amigos e namoradas, de preferência à mesa,
com boa comida a acompanhar e um delicioso
vinho. Javier é artista plástico mas também
professor de fotografia criativa, Salvatore é
arquitecto e Cláudio fotografo na área
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Estrangeiros no Porto
Salvatore Pirisi
publicitária. As razões que os levaram a
escolherem o Porto como morada definitiva são
várias, mas para Javier e Salvatore tem uma
boa dose de fascínio pela ideia de viagem e
aventura. Se para o espanhol tudo começou com
umas férias em Portugal, já para Salvatore o
primeiro contacto com a cidade foi motivada
pela sua tese que estava a fazer e cujo
orientador era um arquitecto portuense, José
Paulo dos Santos. Aos poucos o Porto encantouos e acabaram por ficar, apaixonaram-se pela
cidade e por portuguesas. Depois do dinheiro
das férias ter terminado, Javier decidiu trabalhar
em fotografia acabando por ficar até hoje. Viveu
em várias zonas da cidade, morando
actualmente em Lavadores, Gaia, mesmo junto
ao mar. Já Salvatore rendeu-se aos encantos da
Ribeira, uma das suas zonas favoritas.
Cláudio Capone teve um percurso diferente.
Viveu toda a sua infância e parte da juventude
na Venezuela, depois foi para Inglaterra, onde
acabou por conhecer a sua ex-mulher, uma
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portuguesa de quem teve dois filhos. Numa das
suas visitas ao país acabaram por ficar, já lá
vão 16 anos. Separam-se, entretanto, e por
causa dos filhos, hoje com 15 e 13 anos,
Cláudio não faz intenções de sair do país.
Todos eles sentem um certo fascínio pela cidade
que descrevem como “muito bonita, intimista,
monumental”. Javier fala de alguma energia
metafísica e refere Mouzinho da Silveira como
uma rua “descomunal, grandiosa”. Todos eles
citam a baixa portuense como a mais bela zona
do Porto. Salvatore faz alusão aos cafés e
alguns dos rituais de socialização que lhes está
inerente. “Gosto da ideia de ter um rio e o
Atlântico tão próximos, para além de me agradar
igualmente essa dimensão de infinito”,
acrescenta. Claudio partilha da mesma opinião
e fala de Miragaia como sendo um local único e
onde gosta imenso de passear.
E do mesmo modo que o Porto os encanta
também os decepciona. Mencionam um certo
desequilíbrio urbanístico, nomeadamente
algumas opções que não foram bem conseguidas
e que, na opinião deles, descaracterizaram a
baixa. A degradação de alguns “edifícios sem
que nada seja feito para alterar a situação” é
também apontado.
Acham os portuenses pessoas “muito humanas e
simpáticas”, o que em parte contribuiu para que
fossem muito bem acolhidos e que a adaptação
fosse rápida e fácil. Javier diz na brincadeira
“fui muito bem recebido, as mulheres ajudam e
eu sempre tive muita sorte”. Cláudio descreve
também os habitantes como sendo conformados,
uma ideia aliás corroborada por Javier e
Salvatore.
Hoje têm muitos amigos portuenses, mas também
muitos outros “estrangeiros” como eles.
Apreciam a gastronomia portuguesa, mas
queixam-se que são poucos os restaurantes que
confeccionam bem os pratos. Sardinhas assadas
acompanhadas por um vinho verde é o prato de
eleição, relativamente à outras iguarias, as
opiniões divergem. Surge a pergunta, pretendem
regressar ao pais de origem ou fazer novamente
as malas em busca de aventura para outra
cidade ou país? Dizem não pensar no assunto
embora seja sempre uma hipótese que está
presente, mas para já muito longínqua.
Javier Dias
Cláudio Capone
Uma alemã quase portuense
A estória de vida de Tanja Muller é repleta de
viagens e de um percurso profissional
multifacetado. Fala fluentemente quatro línguas
– português, alemão, inglês e francês - e foi
graças a essa ferramenta de trabalho que
conseguiu viajar um pouco por toda a Europa,
mas também conhecer outras culturas como a
da Tunísia, e trabalhar em diversas áreas, desde
publicidade, relações públicas, produção de
conteúdos, organização de eventos, tradução e
aprovisionamento de mercadorias. Hoje em dia
está mais ligada às áreas da publicidade e de
eventos, pois exerce a função de criativa. É
também responsável pela programação cultural
do Goethe Institut. O curioso é que tem
formação superior em Filosofia e Dança. Sempre
que pode apresenta alguns trabalhos em
escultura e fotocolagem, uma paixão. A título de
exemplo, refira-se que em 2004 expôs em Braga
fotos de poemas seus escritos no corpo.
Filha de mãe portuguesa e pai alemão, durante a
infância viveu um ano na Foz do Douro, na casa
de uns tios, mas mudou-se definitivamente para
o Porto em Setembro de 2000. A sua família
sempre teve uma ligação muito próxima com
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Estrangeiros no Porto
esta cidade, por exemplo, o avô (também
alemão) veio para Portugal em 1928, deu aulas
no Colégio Alemão e no Goethe Institut. Como
tal Tanja viu sempre Portugal como uma segunda
casa, em parte pela família e por uma boa
retaguarda de amigos. E o que a atrai a esta
cidade? Refere sem hesitar que são os laços
afectivos. Fala também da proximidade ao mar
que simplesmente adora, mas queixa-se da
sujidade das praias. Costuma fazer longos
passeios pela marginal completamente absorta
nos seus pensamentos e confessa que às vezes
nem cumprimenta as pessoas, pois está
genuinamente distraída.
Ao contrário de outros “estrangeiros”, Tanja nunca
teve problemas com a língua portuguesa, pois
desde muito nova que tem um contacto regular
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com o português. Foi igualmente devido à poesia,
que tanto ama, que encontrou uma excelente
ferramenta para aprofundar os seus conhecimentos
linguísticos. O próximo desafio é aprender italiano.
Um escritor norte-americano com
“sotaque” português
Richard Zimler vive no Porto há quase 17 anos,
é autor de vários livros de sucesso entre os
quais “O último cabalista de Lisboa” e mais
recente “À procura de Sana”. Tem dupla
nacionalidade, pois como vive em Portugal há
quase duas décadas, gosta de participar
civicamente na sociedade.
Zimler mudou-se para esta cidade após a morte
do irmão que tinha apenas 35 anos. Sentia-se
deprimido, cansado e precisava de recomeçar
uma nova vida e distanciar-se um pouco da dor.
O facto de ter casa desde 1987 no Porto, mais
precisamente, na Foz do Douro, foi a principal
razão para optar por Portugal.
Sentiu imensas dificuldades por causa da
língua, mas esforçou-se para aprender o mais
rapidamente possível. As aulas na Escola
Superior de Jornalismo, onde era professor,
ajudaram muito, assim como o contacto com as
pessoas nas mais diversas situações. Vendo
televisão, nomeadamente programas em inglês,
também foi muito útil porque lia as legendas e
memorizava as palavras. No início detestava
falar ao telefone pois tinha imensa dificuldade
em compreender e fazer-se entender. Diz que a
observação dos gestos e posturas foram uma
importante ferramenta para aprender a língua.
Mas recordando a sua adaptação salienta que o
mais complicado foi mesmo o choque de
mentalidades. “O português pensa sobre os
assuntos mais importantes da vida de uma
maneira diferente de um norte-americano.
Quando se fala de solidariedade, amizade,
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Richard Zimler
intolerância, crueldade utilizam-se as mesmas
palavras mas quer dizer-se coisas diferentes”,
refere. E para isso dá um exemplo prático,
menciona a falta de pontualidade. Acontecia-lhe
sempre que precisava de fazer obras em casa, o
picheleiro ou o carpinteiro combinar uma hora e
depois chegar muito atrasado ou não aparecer e
nem sequer avisar antecipadamente.
A amizade é vista igualmente de forma diferente
e Zimler utiliza uma metáfora para melhor
descrever como os EUA e Portugal diferem tanto.
“A diferença entre o exterior e o interior de uma
parede para Portugal é muito maior do que nos
Estados Unidos”. Considera os portugueses de
uma forma geral bastante amigáveis, porém é da
opinião que os americanos criam amizades
facilmente, se calhar até demais. Hoje tem
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amigos de muitas nacionalidades, mas a
maioria são portugueses.
Sempre foi aos EUA com regularidade, em parte
devido à mãe. Às vezes ia cinco vezes por ano,
mas agora tendo ela falecido em Setembro não
sabe com que periodicidade irá. E o que acha da
cidade do Porto e do país em geral? Richard
Zimler é bastante crítico. Sustenta as suas
afirmações fruto da sua experiência, mas em
parte da análise da sociedade e das pesquisas
que fez para os seus livros que, por vezes, têm
personagens portuguesas ou como cenário o
nosso país. “Acho que por causa de 240 anos de
inquisição de muitos anos de ditadura, a
sociedade portuguesa está muito fechada e
menos dinâmica que a sociedade norteamericana. Em Portugal aceita-se muito mais
facilmente mediocridade em tudo, por exemplo a
passividade dos alunos aqui é muito mais
dramática do que nos EUA”.
Faz alusão às mudanças verificadas no Porto em
geral e o balanço é positivo. Tem memória de
uma cidade e de um país com muito mais
pobreza, analfabetismo e falta de civismo.
Considera que o facto de viver aqui influenciou
a sua escrita, na medida em que é recorrente a
temática do choque de culturas. No livro “Meianoite princípio do Mundo” o narrador é portuense
e tem de fazer uma viagem para o sul dos EUA
para tentar salvar a vida de um grande amigo
dele e vai-se ver confortado com diferentes
formas de pensar que não compreende. O tema a
adaptação e do choque de culturas é recorrente.
“É resultado da minha própria experiência”,
afirma.
Javier Dias, Cláudio Capone, Salvatore Pirisi,
Tanja Muller e Richard Zimler são alguns dos
muitos “estrangeiros” que fizeram do Porto a
sua morada. Com o passar do tempo, estão cada
vez mais portuenses e “familiares” desta cidade
e das suas vivências. Q
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