OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.J, Jan/Jun, 2002 'as Bibliogrdficas RELIGIOSIDADES EM MACHADO DE ASSIS mentafao oral e tematica da seca: estu Valdeci Rezende Borges 1 o Federal, 1984. ae de Deus: urn estudo do movimento '0 de Janeiro: Francisco Alves, 1988. dre Cicero. Organizado por Eduardo Resumo: Abstract: Este artigo focaliza algumas formas e experiencias religiosas presentes na obra de .\Iachado de A.ssis. 111is articlhe focuses on some forms and religious experiences in ;\Iachado de _\S51S 'works. cultura e memoria. Sao Paulo: Annablume, profetismo tupi-guarani. Trad. Sao Paulo: iada para despertar as descuidados, con uctas das missoes. Porto: Typographia de ede Juazeiro. Juazeiro do Norte: Instituto eiro e do Cariri. Boletim do Instituto Cul . 32-37, 1976. seira. Trad. Rio de Janeiro: Paz e Terra, idade: uma Historia do paraiso. Trad. Sao no: a essencia das religioes. Trad. Sao Pau os, monges e guerreiros: feudo-clericalismo aI. Sao Paulo: Hucitec, 1990. ao Paulo: Brasiliense, 1993. o no Brasil e no Mundo. Sao Paulo: Alfa- Moyen Age Occidental. Paris: PO F, 1975. tao: Historia das secas no Nordeste nos .tora Atica, 2000. dre Cicero. Boletim do Instituto Cultural ,1979. ia oral. Trad. Sao Paulo: Hucitec;Educ, Recorrendo as reflexoes de Ginzburg(1989:143-180), segundo as (1uais os historiadores sao descendentes dos feiticeiros por atingirem 0 conheci mento a partir da intuis;ao, da conjectura e do olhar atcnto aos pCllucnos detalhes, aos pormenores e coisas miudas, bus co acessar as forma;; de religi osidade na cidade do Rio de Janeiro, com base na obra de ;\fachado de "\SS15, recolhendo, aqui e acohl, mens;oes, pegadas residuais, ligadas as expcriencias cotidianas dos individuos com 0 sobrenatural eo divino. Tats detalhes aproxi mados compoem e revelam aspectos diversos do campo rcligioso carioca, que e multiplo e hibrido, pois constituido pela presens;a do cristiamsmo, cato lico e protestante, pelo catolicismo oficial e popular, assim como peIo espiristismo kardecista e pelas praticas afro-amerindio-brasileiras. Esse campo da cultura e trespassado por transformas;oes, emergen cias de novas ofertas de doutrinas e convivencia de formas religiosas de ori gem e sentidos diversos, sendo oportuno falar de religiosidades, no plural, e pensa-los mediante a premissa de Bourdieu(197 7 :56-7), de que a esfera religi osa e um campo de batalhas, que opera com base em rela<;:oes de for<;:as compreendidas como em.bate entre as pr6prias concep<;:oes de religiao, as praticas discursivas e comportamentais dos individuos de segmentos sociais diYersos atreladas a essas diferentes perspecti,-as religiosas e, ainda, a disputa entre essas formas e outras visoes de mundo. atura medieval". Trad. Sao Paulo: Cia. das I Professor do curso de Hist6ria da UFG- Campus de Catalao, membro do NIESC, doutorando em Hist6ria pela PUC/SP. 16 17 OPSIS - Revista do Combates e Batalhas nos Reinos dos Cristaos As manifestac;:oes de crenc;:a e descrenc;:a ao redor do catolicismo sao predominantes de\"ido a suas forc;:as como 0 regime oficial desfrutado como religiao do Estado brasileiro ate 1889, quando se separam Igreja e governo temporal, estabelecendo a liberdade dos cultos. Desse ato, para Machado, erri 1895, a questao substancial e a liberdade, pois a Constituic;:ao republicana, no artigo 72, "acaban com a religiao do Estado, e nao the importa que cada urn tenha a que quiser". Anteriormente, em 1893,0 cronista ja dizia que "Apesar da separac;:ao da igreja e do Estado, viviam ambos em tal concordia, que antes pareciam casados de ontern, que divorciados des sa manha. 0 esposo dava uma pensao a esposa; a esposa orava por ele. (00') A razao do esposo e urn principio, a da esposa e outro principio". Para aqueles clerigos que afinavam com esse enunciado, ansiando pela libertac;:ao da Igreja dos poderes tempo rais, por uma com"ivencia tranquila e diferente entre essas duas esferas, quan do apareceu 0 decreto que aboliu 0 padroado, muitos conflitos e tensoes que abalaram a sociedade nas ultimas decadas pareciam fin dar e 0 folhetinista chegou a encontrar urn velho padre que era a figura da "felicidade pura", trazendo "urn grande riso nos olhos".(Machado de Assis, 1957b:25 ; 1959a:307) Porem, antes da extinc;:ao da oficialidade da religiao do Estado, 0 cronista mostra urn crescente a\'anc;:o das doutrinas protestantes e, logo, urn rebolic;:o no campo de forc;:as, marcado por polemicas e tensoes. Nao sendo a liberdade religiosa completa, em 1864, 0 jornal catolico Cruz reclamava que 0 gm'erno e 0 parlamento faziam e executavam "algumas leis de toleran cia religiosa", lamentando, ainda, pela existencia de "templos de seitas dissi dentes nesta capital". Segundo l\fachado, isso nos atirava "para 0 tempo das perseguic;:oes religiosas", sobretudo, pelo "tom de odio, de colera, de rancor", como se exprimia naquele periodico. Meio ao clima de conflito, de concitac;:ao das "turbas a guerra religiosa", De Assis repele ainda tais atitudes ao tratar de outra folha catolica, Cruzeiro do Brasil, que animava 0 povo contra outras religioes, praticando excessos como a urn vendedor de biblias protestantes e por responsabilizar 0 governo pela "propagac;:ao das doutrinas condenadas pela 19reJa", intimando-o "a fazer cessar a propagac;:ao dos metodistas".(Machado de Assis, 1955c:146,243-4) Frente a posic;:ao do Cruzeiro do Brasil, 0 cronista julgou "ser la mentavel que se imprimiam coisas tais em urn pais onde a liberdade religiosa, se nao [era] completa, [estava] ja adiantada", pois a constituic;:ao garantia a liberdade de cuI to. Para ele, a folha "em vez de apelar para a forc;:a do gover no" deveria "apelar para a palavra do clero", a quem incumbia "combater as doutrinas" em propagac;:ao. Posteriormente, acrescenta que "ha muito tempo que a palavra sagrada serve de instrumento aos incapazes e aos mediocres", embora houvesse "excec;:oes, mas raras". No seu dizer, "0 clero e mediocre", 18 ao entender que "para falar do alto do pulpi pedodos fofos" com "urn tom lamentoso, dl "comover os fieis", modulando "a voz, com e eloquente quando e verdadeira." Assim, c gens do diabo e do inferno, nao atraiam os fil ciam, mas aturdiam, nao infundiam a contric;:ac de Assis, 1955c:243-4, 326-8) Nessa arena de disputas, em 1876,:tv a "Constituic;:ao, ha uma religiao do Estado, cultos sao tolerados", como 0 protestantis forma externa de templo, por ser inconstituc urn projeto pendente de reforma de lei da tempo em que via escrito numa fachada 0 I infringia a lei, levando-o a acreditar que a transgressao era muito melhor.(Machado de. Na sua ficc;:ao, 0 protestantismo ap mentos. Em A Mao e a Luva, de1874, qu Mrs Oswald, uma inglesa dama de companl do 0 narrador, "como boa protestante que e dos dedos", dando conselhos moralizantes : sagens e personagens biblicos em nome da f "a ambic;:ao da [sua] alma".]a, em Quincas 1 anos entre 1867 e 1871, Rubiao, que proteg mente socio de uma Congregac;:ao Cat6lica nao se lembrando, certa ocasiao, "de urn qu: "0 que fazia era pagar regularmente as me de Assis, 1957a:84-6; 1957f:283) Mas, se a igreja catolica debatia-se c< chado combateu ainda mais as praticas dos c na juventude, com a pena em punho e de fle contra 0 clero e mesmo os Papas, clamandc "influencia do espirito moderno", por acred achava-se "como no tempo de Galileu" e lanc;:ava "contra 0 esplrlto modf condenac;:ao".(Machado de Assis, 1955e:42 Sao varias as cronicas em que Mach e os desvios das praticas sacerdotais advin embora ressaltasse que tais posic;:oes nao sigr rito cat6lico. Para ele, em 1863, num pais n se divide em dois campos, a indiferens:a e a do altar era outra, era missao apost6lica, tol cer os -incredulos, e trazer os fanaticos ao cor 19 OPSIS - Revlsta do Niese, V,2, N.J. Jan/Jun. 2002 Batalhas nos Reinos dos Cristaos :renc;a e descrenc;a ao redor do catolicismo sao corc;as como 0 regime oficlal desfrutado como 1889, quando se separam Igreja e governo rdade dos cultos. Desse ato, para Machado, em ,liberdade, pois a Constitui<;ao republicana, no pao do Estado, e nao the importa que cada um ~ente, em 1893, 0 cronista ja dizia que '~\pesar lido, viviam ambos em tal concordia, que antes divorciados dessa manha. 0 esposo dava orava por ele. (...) A razao do esposo e um Dl:llnCIlPH)', Para aqueles clerigos que afinavam pda liberta<;ao da Igreja dos poderes tempo e diferente entre essas duas esferas, quan o padroado, muitos conflitos e tensoes que decadas pareciam fin dar e 0 folhetinista que era a figura da "felicidade pura", ,(Machado de Assis, 1957b:25 ; 1959a:3(7) da oficialidade da religiao do Estado, 0 das doutrinas protestantes e, logo, um ~~lrC2,do por polemicas e tens()es. Nao sendo em 1864, 0 iornal cat6lico Cruz reclamava e executa\'am "algumas leis de toler;l11 pela existencia de "templos de seitas dissi isso nos atirava "para 0 tempo das pdo "tom de odio, de colera, de rancor", Meio ao clima de conflito, de concita<;il.O Assis repele ainda tais atitudes ao tratar de Brasil, que animava 0 povo contra outras a urn vendedor de biblias protestantes e "propagat;iio das doutrinas condenadas "a fazer cessar a propagao;:ao dos 955c:146,243-4) do Brasil, 0 cronista julgou "ser la tais em urn pais onde a liberdade religiosa, adiantada", pois a constitui<;ao garantia a "em ,'ez de apehr para a for<;:a do go\'er do clero", a quem incumbia "combater as Ilorm<ente, acrescenta que "ha muito tempo lSu'un1erlto aos incapazes e aos mediocres", raras". No seu dizer, "0 clero e mediocre", ,te 18 ao entender que "para falar do alto do pulp ito basta alinhavar meia duzia de periodos fofos" com "um tom lamentoso, de efeito puramente teatral", para "comover os fieis", modulando "a voz, com 0 fim de fingir uma dor, que 56 e eloquente quando e verdadeira." Assim, os sacerdotes, recorrendo a ima gens do diabo e do inferno, nao atraiam os fieis, mas assustavam, nao conven ciam, mas aturdiam, nao infundiam a contric;:ao, provocavam a atric;:ao.(1vlachado de Assis, 1955c:243-4, 326-8) Nessa arena de disputas, em 1876, Machado esclarece que, con forme a "Constitui<;ao, ha uma religiao do Estado, a cat6lica", mas que "os outros cultos sao tolerados", como 0 protestantismo, embora nao pudessem ter forma externa de templo, por ser inconstitucionaL Ja em 1888, diz que existia urn projero pendente de reforma de lei da camara do senado, ao mesmo tempo em que via escrito numa fachada 0 letreiro: Igreja evangelica, 0 que infringia a lei, levando-o a acreclitar que a reforma podia esperar e que a transgressao era muito melhor.(Machado de Assis, 1959c: 159-60 ; 1956c: 17 4). Na sua ficc;:iia, a protestantismo aparece em pelo menos dois mo mentos. Em A Mao e a Luva, de1874, que remete a 1853, a personagem Mrs Oswald, uma inglesa dama de companhia de uma baronesa, age, segun do 0 narrador, "como boa protestante que era", tendo "a Escritura na ponta dos dedos", dando conselhos moralizantes it jovem Guiomar e citando pas sagens e personagens biblieos em nome da felicidade da familia, que era toda "a amhi<;ao da [sua] alma", Ja, em Quincas Borba, de1886, que remonta aos anos entre 1867 e 1871, Rubiao, que protegia as sociedades pias, era "junta mente sacio de uma Congrega<;ao Cat6lica e de um Gremio Protestante", nao se lembrando, certa ocasiao, "de urn quando Ihe falaram do outro", pois "0 que fazia era pagar regularmente as mensalidades de ambos",(1vfachado de Assis, 1957a:84-6 ; 1957£:283) Mas, se a igreja cat6liea debatia-se contra as igrejas protestantes, Ma chado combateu ainda mats as praticas dos cat6licos que julgava equivocas. Ja na juventude, com a pena em punho e de flerte com as ideias liberais, investia contra 0 dew e mesmo os Papas, damando por modifica<;oes na Igreja pela "influencia do espirito moderno", por acreclitar que 0 "espirito do Vaticano" achava-se "como no tempo de Galileu" e 0 santo padre, "0 debil velha", lan<;ava "contra 0 espirito moderno a malS perempt6ria condenac;ao".(I:vfachado de Assis, 1955e:42 ; 1958a:89 ; 1955c:298-9) Sao varias as cronicas em que Machado criticou severamente a Igreja e os desvios das praticas sacerdotais advindos das forc;as de seculariza<;ao, embora ressaltasse que tais posi<;oes nao significavam uma tibieza do seu espi rito cat6lico, Para ele, em 1863, num pais novo como 0 Brasil, "cuja maioria se divide em dois campos, a indiferen~a e a carolice, a missao dos ministros do altar era outra, era missiio apost6lica, tolerante, elevada, a flm de conven eer os~ncredulos, e trazer os fanaticos ao conhecimento dos verdadeiros prin 19 OPSIS - Revista do cipios da Igreja." No entanto, "em vez disto, os padres divertem-se em lan<;ar as urnas eleitorais a interdic;ao religiosa ou a escrever gazetas sem tom nem som..." expondo uma intolerancia considerada "ridicula" e "funesta" aos :'ver dadeiros interesses da igreja", advinda de "urn clero pela maior parte ignoran te, sem prescigio (...) mas tambern sem escrupulos". Considerava "grosseiras" as pniticas da igreja e do clero, "tacanho e mesquinho", que "nada enxerga para fora das paredes da sacristia". Pedia por "uma reforma completa", de modo a fazer, "do culto uma coisa seria, tirando-Ihe 0 aparato e as empoeiradas usam;:as", proprios "para produzir 0 materialismo e tibieza da fe'. Julgava que a educa<;ao religiosa do nosso povo, "a maneira por que se Ihe incute a fe" e a palavra crista, era feita por meio do "espetaculo" e do "fausto profano", o que levava "para 0 materialismo, para a indiferenc;a e para a morte da fe". (l'vfachado de Assis, 1955b:350-2,388-9. Grifos meus) Ja, em 1864, ao posicionar-se contrariamente frente a condena<;ao do livro de Renan, Vida de Jesus, por urn monsenhor, dizia que a "pior prosa deste mundo" e a clerical, contrapondo-se aos argumentos do clerigo, que aconselhou 0 exilio do livro e insinuou que todos os bons cat6licos deveriam queima-Io, por ser tmpio. Para 0 cronista, tal conselho, em tempos de liberda de e de civiliza<;ao, era "simplesmente ridiculo", deixando-o pasmo, pois embora achasse 0 livro absurdo, nem por isso foi lan<;:i-Io a fogueira depois da leitura e nem perdeu suas cren<;as. Entretanto, se Machado assim afirma, quais seriam os motivos de sua descren<;a para com a Igreja? Seria apenas oriunda de suas observa<;oes da realidade que 0 circundava e dos horrores que ,"ia? Quem eram os responsiveis por seu afastamento daquela? (Machado de Assis, 1955c:219-28) De Assis condenava outros desvios da vida sacerdotal como a atitu de pecuniaria do clero avarento mats preocupado em arraniar "alguns contos de reis para as gravissimas necessidades do poncifice" do que em converter pessoas. No seu dizer, "0 triunfo maximo e 0 triunfo pecuniario" e, sendo assim, combatia "as demasias clericais", a "Santa Pecunia", pela qual 0 clero orava. Nesse contexto, de clerigos "avarentos", "perfumados, que ricas aljubas vestiam", expressava contra "a baixela de OUtO dos papas", a "Roma sempre em prazeres" e as casas de Ota<;ao onde "reina muita hipocrisia", como a venda de "bentinhos para ter perdao dos pecados". Considerava essa pratica "assaz comoda e lucrativa", uma "politica" que prende urn pecador e 0 ab solve, cometendo urn "atentado" ao sagrado ao reduzir tudo "a somas de dinheiro", apontando varios casos, como a venda de medalhas de chumbo com a caricatura da que 0 padre "benze, e fica-se livre dos crimes cometidos"; a troca da imagem de N. S. da Concei<;:ao da Aparecida por urn mil-reis para livrar-se de catastrofes ; a benze<;ao e venda de velas por dois mil reis pelos padres, e a associa<;:ao dos sacerdotes e sacristaes para vender caro as missas. Diante dis so, dizia: "Viva Deus e a nossa algibeira" ou ainda, se 20 "Deus escreve direito por linhas tortas: as A los, inclusive impressos] sao as linhas tortas Assis, 1958a:187-9,197,205-6,245,249; 1959 Machado fustigava ainda os padres ~ Desta forma sua descren<;:a para com a 19rej: percep<;ao dessas praticas desviantes, viciada da a compreender seu afastamento das ativic da morte, negando-se a receber os ultimos que nao era "absolutamente" materialista. I mos apontar ll1umeraveis recorrencias a do varias as referencias a Biblia, porem, quasI sobretudo, ao Eclesiastes. Desse modo, a p citada de modo deformado pela ironia, b, expressando uma leitura critica, criou diver com aquela rcla<;ao intertextual direta. Del tematica religiosa ou tecidos ao redor de su: Galo, Na area, A Igreja do Diabo, Manus( mo, urn sacristao perspicaz trata do amor p prima Eulalia e, jii nos hilari05 A Igreja do 1 critic a bern humorada as praticas em'iesad~ cristaos e seguidores dcssa doutrina, com oposto as Escrituras c as prega<;oes. Em A Igreja do Diabo, 0 demonio apesar de, mesmo a scm e5ta, "os seus luc: des", mas sentia-se humilhado par nao ter 0 ais. Estabelecendo-os, seria "Escritura cc breviario" e teria sua "missa, com vinho e t novenas e todo a demais aparelho eclesii outras religioes, de Maome, de Lutero... a ideia a Deus para desafia-lo c, ao voltar a prometendo delicias e glarias. Clamava qu~ substituidas por outras, "naturais e legitim ayareza, a ira, a gula e a invcja, esta ultima, a no<;oes "fazendo amar as perversas e detesl o preconceito, a hipocrisia, a calunia, 0 ad valorizados e seus opostos negados. Funda "0 Diabo ah;:ou brados de triunfo".( ivfach Porem, urn dia, "longos anos depoi das, praticavam as antigas yirtudes", 0 q' fraudes. Pasmado, nilO refletiu, nem compa 10 presente alguma coisa analoga ao passad Deus, que ouviu com complacencia e falc 21 OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.1, Jan/Jun, 2002 em vez disto, os padres divettem-se em lanc;ar religiosa ou a escrever gazetas sem tom nem 'a considerada "riclicula" e "funesta" aos :'ver dvinda de "urn clero pela maior parte ignoran , sem escnipulos". Considerava "grosseiras" "tacanho e mesquinho", que "nada enxerga ria". Pedia por "uma reforma completa", de . a seria, tirando-lhe 0 aparato e as empoeiradas uzir 0 materialismo e tibieza da fe". Julgaya so povo, "a maneira por que se the incute a fe' meio do "espenlculo" e do "fausto profano", mo, para a indiferenc;a e para a morte da fi~". -2,388-9. Grifos meus) nar-se contrariamente frente a condenac;ao do , por um monsenhor, d.izia que a "pior prosa trapondo-se aos argumentos do clerigo, que sinuou que todos os bons catolicos deveriam cronista, tal conselho, em tempos de liberda lesmente ridiculo", deixando-o pasmo, pois , nem por 1SS0 foi lanC;a-lo a fogueira depois em;as. Entretanto, se Machado assim afirma, a descrenc;a para com a Igreja? Seria apenas a realidade que 0 circundava e dos horrares aveis por seu afastamento daquela? (Machado tros desvios da vida sacerdotal como a atitu mais preocupado em arranjar "alguns contos ~ssidades do pontifice" do que em converter fo maximo e 0 triunfo pecuniario" e, sendo encais", a "Santa Pecunia", pela qual 0 clero s "avarentos", "perfumados, que ricas aljubas baixela de Duro dos papas", a "Roma sempre ~ao onde "reina muita hipocrisia", como a dao dos pecados". Considerava essa pratica a "politica" que prende um pecador e 0 ab " ao sagrado ao reduzir tudo "a somas de os, como a venda de medalhas de chumbo eo padre "benze, e fica-se livre dos crimes de N. S. da Conceic;ao da Aparecida por urn ofes ; a benzec;ao e venda de velas por dois . 'faO dos sacerdotes e sacristaes para vender . : "Viva Deus e a nossa algibeira" ou ainda, se 20 "Deus escre,-e direito por linhas tortas: os Ap6stolos [os padres e seus veicu los, inclusive impressos] sao as linhas tortas da sua escritura". (1Iachado de Assis, 1958a:187-9,197,205-6,245,249 ; 1959a:22) Machado fustigan ainda os padres glutoes e os padres em mancebia. Desta forma sua descrenc;:a para com a Igreja advem de modo mais direto da percepc;iio dessas praticas desviantes, viciadas e contraditorias, 0 que nos aju da a compreender seu afastamento das atlyidades catolicas, inclusive, na hora da morte, negando-se a receber os Ultimos sacramentos, embora afirmasse que nao era "absolutamente" materialista. Para alem desses aspectos, pode mos apontar inumedxeis recorrencias a doutrina crista em sua obra, sen do varias as referencias a Biblia, porem, quase sempre, em forma de parodia, sobretudo, ao Eclesiastes. Desse modo, a partir da obra sagrada utilizada e citada de modo deformado pela ironia, bus cando atingir efeito comIco e expressando uma leitura critica, criou diYersas ctonicas e contos, mantendo com aquela relac;:ao intertextual direta. Dcntre os contos perpassado~ pela tematica religiosa ou tecidos ao redor de suas pracicas, destacam-se Missa do Gala, Na arca, A Igreja do Diabo, Manuscrito de urn sacristao. Neste ulti mo, um sacristao perspicaz trata do amor progtessiyo do padre Teofilo pela prima EuHilia e, ja nos hilarios A Igreja do Diabo e 0 Serrnao do Diabo, faz critica bem humorada as ptaticas em-iesadas dos catolicos, que, dizendo-se cristaos e seguidores dessa doutrina, comportam-se de modo totalmente oposto as Escrituras e as pregac;oes. Em A Igreja do Diabo, 0 demonio te,-e a ideia de fundat sua igreja, apesar de, mesmo a sem esta, "os seus lucros" )a serem "continuos e gran des", mas senria-se humilhado por nao ter organizac;:ao, regras, canones e ritu ais. Estabelecendo-os, seria "Escritura contra Escritura, breviario contra breviino" e teria sua "missa, com vinho e pao a farta", suas "predicas, bulas, novenas e todo 0 demais aparelho eclesiastico" para negar tudo 0 que as outras religioes, de Maome, de Lutero... afirmam. Decidido, comunicou a ideia a Deus para desafia-lo e, ao ,'oitar a terra, espalhou a doutrina nova prometendo delicias e glorias. Clamava que as virtudes aceitas deveriam ser substituidas por outras, "naturais e legitimas", como a soberba, a luxuria, a avareza, a ira, a gula e a inveja, esta ultima, a virtude principal. Trocou tadas as noc;oes "fazendo amar as perversas e detestar as sas". A frau de, a venalidade, o preconceito, a hipocrisia, a calunia, 0 odio, 0 desprezo, 0 adultcno foram valorizados e seus opostos negados. Fundada a igreja, a doutrina propagou e "0 Diabo alc;ou brados de triunfo".( Machado de Assis, 1957d:7-20) Porem, um dia, "longos an05 depois, notou que seus fieis, as escondi das, praticavam as antigas virtudes", 0 que 0 deixou assombrado "com as fraudes. Pasmado, nao nem comparou e nem concluiu "do espetacu 10 presente alguma coisa analoga ao passado" e, voando ao ceu, disse tudo a Deus, que ouviu com complacencia e falou: "_ Que queres tu, meu pobre 21 r OPSIS - Revista de i Diabo? As capas de algodao tern agora franjas de seda, como as de vdudo tiveram franjas de algodao. Que queres tu? E a eterna contradi<;:ao humana".(l\1achado de .:\8S1S, 1957 d:20-2) Ou seja, os catolicos e a igreja cato lica com suas capas de veludo, ocultavam por bai.'{o atitudes vis, paninhos de algodao, acabando por deitar as urtigas a Escritura divina, praticando seu oposto e escondendo-se awl.s de mascaras. Assim, revelava seu ponto de vista sobre essa institui<;:ao da qual expunha mazelas profundas, convic<;:ao frouxa, desyios e encena<;ao. Como urn desdobramento desse conto e ainda no sentido de apon tar que as atitudes dos cristaos estavam mats para levar ao inferno do que para ao ceu, Machado produziu a cronica 0 Sermao do Diabo, dizendo ser urn peda<;:o do evangelho do Diabo, "urn sermao da montanha, a maneira de S. Mateus", que imita aquele da igreja de Deus. Nesse, a semelhan<;:a entre os dois evangelhos e destacada, e a adimata<;:ao ao ambiente carioca e julgamento de sua gente e direta ao dizer: ''1''. E vendo 0 Diabo a grande multidao de pOYO, subiu a urn monte, pOl' nome Corcovado, e, depois de se ter sentado, vieram a ele as seus discipulos". Em seguida, expos seus mandamentos, que sao a nega<;:ao dos diyinos e glorificam as comportamentos tortos dos fluminenses oitocentistas, ao atrehi-los diretamente a suas a<;:oes e modo moderno de vi,Ter. (Machado de l\ssis, 1959a: 110-5) Catolicismos: habitos, costumes, rituais e valores No en tanto, procurando conhecer melhor as praticas catolicas, en contramos muitas igrejas e deparamos com os sons de seus sinos permeando, regendo e encantando a vida urbana. Sao templos diversos, ricos e humildes, como as matrizes do Sacramento, da Gloria, da Se e as igrejas de Sao Francis co de Paula, da Candelaria, de Sao Jose, do Carmo, da Lapa, do Espirito, de Santo Antonio dos Pobres, de Sao Domingos, da Lampadosa, alem de ou tros dispersos par bairros distantes, acrescidos de capelas particulares em re sidencias antigas, onde "muita gente da vizinhan<;:a ouvia missa aos domingos".(Machado de Assis, 1956b:165 ; 1955e:42 ; 1955i:94) Para adentrar tais templos, seguimos a sugestao de I\Iachado de ob servar se existia alguma janela aberta que indicasse a presen<;:a de pessoas la dentro e encontramos urn grande numero de c6negos, padres e sacristaes, como 0 padre Melchior de Helena e infindos outros. Dentre tal categoria social, esse sacerdote recebe de I\1achado grande simpatia, sendo descrito como "verdadeiro varao apostolico, homem de sua Igreja e de seu Deus, integro na fe, constante na esperan<;:a, ardente 11a caridade". Mas, como ja visto, essa benevolencia do cronista nao se estende a muitos do clero; sendo restrita a algumas figuras, como "urn velho padre", geralmente, ligadas a in fllncia do escritor, quando fora coroinha.(Machado de Assis, 1955e:42; 22 1957b:25) Se encontramos muitos clerigos n( afazeres e praticas que expressam e estao : sacristias, altares, imagens de santos, miSSl sermoes, orquestras, confessionarios, confis _, campainhas, rosarios, livros de Horas.". altar, sen-i<,-:os da llltima hora _ sacramento: procissoes, opas, varas de patio, fieis ajoeU esm01as para rea1izar missas aquelas e agr~ Virgem San tis sima, mas retirando, para si, a tar a sacristia .(Machado de Assis, 1957e:: 1957f:257 ; 1959d:16-21,301) Para a1em desses habitos, costume conhecimento dessas experiencias, atentarr. contramos fieis em momentos especiais e em praticas ordinarias, como missas do di: prias dos rituais de inicia<;:ao, como 0 ba como aniversarios, casamentos ou de sep Por meio das celebra<,-:oes rituais do batism rativa, a crian<;a era iniciada no catolicisffi< sendo ainda apresentada formalmente aOt essa ocasiao, gera1mente acontecia comerr. baile.(1hchado de Assis, 1957c:344 ; 195 considerados pais e maes esplrituais da cri em urn momento difkil, como a morte parentes queridos e proximos ou pessoaE sociedade, as quais pudessem proporcion aos pais e afilhados, como par serem influ da crianca , , ou a decidiam em caso de d1 1955e:152; 1955f:12; 1957c:343; 1959d:4 44-5) No entanto a escolha do nome n:i. inserida no sistema simb6lico imediato de do qual, inclusive, as yezes, buscava· personalidade e do futuro do indiv1c deslocamento importante, pois, embora escolhido os nomes dos "santos ap6sto afuhados, sua atitude adequava-se a prim as crian<;:as so se punham nomes de sa tradi<;:ao cat6lica daquele tempo, mas a~ Marias, Catarinas nem Joanas, (...) entran o aspecto pessoas...." (Machado de A as 23 OP5I5 - Revista do Niese, V.2, N.J, Jan/Jun, 2002 'm agora franjas de seda, como as de veludo Que queres tu? E a eterna contradi<,;:ao 57d:20-2) Ou seja, os catolicos e a igreja cato paninhos de cultavam por baixo atitudes urtigas a Escritura divina, praticando seu mascaras. Assim, revelava seu ponto de vista unha mazelas profundas, convic<,;:ao frouxa, as to desse conto e ainda no sentido de apon stavam mats para levar ao inferno do que para onica 0 Sermao do Diabo, dizendo ser um , "urn sermao da montanha, :t maneira de S. ja de Deus. Nesse, a semelhan<,;:a entre os dois . ata<,;:ao ao ambiente carioca e julgamento de E venda 0 Diabo a grande multidao de povo, orcovado, e, depois de se ter sentado, vier am eguida, expos seus mandamentos, que sao a os comportamentos tortos dos fluminenses as:oes e modo moderno de 1957b:25) Se encontramos muitos derigos nos templos, deparamos com seus afazeres e pr;iticas que expressam e estao atreladas a fe dos cariocas, como sacristias, altares, imagens de santos, missas, algumas cantadas, agua benta, sermoes, orquestras, confessionarios, confissoes _ajustes de contas com Deus -, campainhas , rosarios , livros de Horas ... , circunflexoes, fieis saudando ao altar, sen"i<;os da ultima hora _ sacramentos aos moribundos, santos oleos _, procissoes, opas, varas de palio, fieis ajoelhados, irmaos das almas pedindo esmolas para realizar missas aquelas e agradecendo em nome de Deus e da Virgem Santissima, mas retirando, para si, as esp6rtulas maiores antes de vol tar a sacristia .(Machado de Assis, 1957e:50 ; 1957c:60,97-9, 100-2,234-5 ; 1957f:257 ; 1959d:16-21,301) Para alem desses habitos, costumes e rituais, buscando aprofundar 0 conhecimento dessas experiencias, atentamos para as formas de vive-las. En contramos fieis em momentos especiais e marcantes de suas vidas e, ainda, em praticas ordinarias, como missas do dia-a-dia e aquelas celebratiyas, pr6 prias dos rituais de inicia<,;:ao, como 0 batismo, e dos rituais de passagem, como aniversarios, casamentos ou de separa<,;:ao como as missas de morto. Por meio das celebra<;oes rituais do batismo e, em seguida, da festa comemo rativa , a crianca era iniciada no catolicismo e inserida na comunidade crista, sendo ainda apresentada formaImente aos parentes, amigos e vizinhos. Por essa ocasiao, geraImente acontecia comemora<,;:ao em casa, como almo<,;:o ou baile.(Machado de Assis, 1957c:344 ; 1955a:392) Os padrinhos escolhidos, considerados pais e maes espirituais da crian<,;:a, tinham 0 dever de nao faltar em um momento dificil, como a morte dos pais, e eram amigos intimos, parentes queridos e pr6ximos ou pessoas importantes para a familia ou na sociedade, as quais pudessem proporcionar sentimento de honra e orgulho aos pais e afilhados, como por serem influentes. N ao raro, escolhiam 0 nome da crian<,;:a, ou 0 decidiam em caso de duvida dos pais.(Machado de Assis, 1955e:152; 1955f:12; 1957c:343; 1959d:41-2; 1957g:34-5; 1957a:61 ; 1957e: 44-5) No entanto a escolha do nome nao se dava de forma aleatoria, estando inserida no sistema simb6lico imediato de referencia da sociedade, por meio do qual, inclusive, as vezes, buscava-se determinar alguns tra<;os da personalidade e do futuro do individuo. Nesse sentido, ocorria um deslocamento importante, pois, embora Perpetua, por yolta de 1871, tenha escolhido os nomes dos "santos ap6stolos S. Pedro e S. Paulo" para seus afilhados, sua atitude adequava-se aprimeira metade do secuio, "quando (...) as crian<;as s6 se punham nomes de santos ou santas", de acordo com a tradi<,;:ao cat6lica daquele tempo, mas agora ja nao se queriam """,-nas nem !l;farias, Catarinas nem Joanas, (...) entrando em outra onomastica, para variar o aspecto as pessoas...." (Machado de Assis, 1957g:34-5 ; 1955i:51) ~ abitos, costumes, rituais e valores conhecer melhor as praticas catolicas, en amos com os sons de seus 8in05 permeando, ana. Sao templos diversos, rlCOS e humildes, , cia Gloria, da Se e as igrejas de Sao Francis 300 Jose, do Carmo, da Lapa, do Espirito, de 300 Domingos, da Lampadosa, alem de ou tes, acrescidos de capelas particulares em re 'ta gente da vizinhans:a ouvia missa aos 1956b:165; 1955e:.J2; 1955i:94) os, seguimos a sugestao de .ivlachado de ob erta que indicasse a presen<,;:a de pessoas hi e numero de conegos, padres e sacristaes, e infindos outros. Dentre tal categoria Machado grande sunpatia, sendo descrito lico, homem de sua IgreJa e de seu Deus, <;a, ardente na caridade". t.las, como jii . ta nao se estende a muitos do clero; sendo "urn velho padre", geralmente, ligadas a in coroinha.(Machado de L\ssis, 1955eA2; 22 23 OPSIS - Revista do Para alguns homens, a primeira confissao ocorria por epoca da quare sma, 0 que levava a que muitos rapazes se escondessem debaixo da cama do padre confessor ou pelos desvaos da casa; ji a segunda era "pOt ocasiao de casar". A cerimonia de casamento era vista como momenta de "santidade" e de "muita como<;:ao", povoando sempre os 50nh05 das mulheres com festas brilhantes, muitos carras, vesrido branco, flores de latanjeira, grinalda, padrinhos ilustres ... Porem, em 1,fachado, sao poucas as cenas de casamento e, geralmente, so em fantasia, talvez por ptivilegiar, sobretudo nos romances, a vida das classes altas au daquelas em ascensao, em que 0 casamento era urn "negocio" politico ou economico e a devo<;:ao, assim como 0 sentimento relig1oso, fragil, entrando em declinio ainda maior frente a outras atividades da vida mundana.(Machado de Assis, 1955i:95) Por meados dos oltocentos, novas formas de sociabilidade foram implementadas desassociando-se cada vez mais daquelas da religiosidade ca tolica. Ate entao, nos momentos de cumprir as "obrigar;oes" religiosas, relaci onava-se com 0 mundo exterior, rompendo 0 enclausuramento usual, princi palmente da mulher. No entanto a nova sociabilidade configurava-se ao re dor de inusitados espa<;:os, tempos e formas de recreio. 0 gosto pela "vida externa" creSCla, enquanto os antigos hibitos e costumes marcados pela religi osidade, foram sendo desprezados e, em muitos casos, abandonados(Borges, 2001: 49-69). )Jessa transforma<;:ao da sensibilidade coletiva, ocorre uma inflexao dos sentimentos e valores relativos ao sagrado e urn avan<;:o das for <;:as seculares. Essa altera<;:ao, apontada por Machado pode sel' percebida por meio de urn conjunto de inrucios. como a retirada dos quadros de santos da decora<;:ao das casas mais abastadas, sendo substituidos, quase sempre, por "pequenas gravuras inglesas", ao passo que, "nas casas mais pobres", a Vir gem era muita cultuada, possuindo "lugar excelso" na "devo<;:ao dos cora <;:oes maviosos". Nessas, podia "nao haver urn Cristo, mas sempre [havia] uma imagem de Nossa Senhora".(Machado de Assis, 1955f:93 ; 1955j:91 ; 1957b:l08) A tibieza da fe e a escassez de padres ordenados indicam ainda a diminui<;:ao da inspira<;:iio religiosa e a expansao da seculariza<;:ao, ao lado da mudan<;:a referida nos novos nomes atribuidos aos nascidos nao mais ligados ao imagmano catolico.(Machado de Assis, 1955j:91 ; 1955i:51 ; 1959b:80 ; 1057c:263,308; 1957d:280; 1955e:13) Assim, muita coisa mudava nas familias como 0 "uso antigo que urn dos rapazes fosse padre", 0 que alterava a dire <;:ao dada it educa<;:ao, 0 sentido e 0 rumo a seguir pelas novas gera<;:oes, que, geralmente, aprendiam as "primeiras letras, latim e doutrina", em casa, com urn desses clerigos. Eles incuriam no<;:oes, sentimentos e orienravam as esco Iha5, forjavam voca<;:oes religiosas em seus disdpulos ao falarem de supostas manifestat;oes daquelas, como ocorreu com Bentinho, que tinha seus brinque dos "sempre de igreja" e "adorava os oEicios divinos", brincando, mesmo 24 b com Capitu, de dizer missas e tomando doc estudos secundarios fossem feitos ainda corr. filhos, ja mais autonomos, escolhiam profi economico, que oscilayam entre a medicina c busca da vida religiosa, que foi acusada, em 1 falar da "escassez de padres orden ados no sem capehies.(Machado de Assis, 1959b:80) Nesse contexto e sentido, ate prot: Por mais que "0 vinculo moral da promessa D. Gloria, mac de Bentinho, descrita como por volta de 1847, dar a Deus 0 filho como infancia, 0 compromisso foi rompido postel "saida" de substitui-Io por urn "mocinho 61 da oferta, para "compensar a batina" que aqt tando, segundo 0 narrador, "urn cochilo da mento religioso era marcado por a<;:oes e ' interiormente, a incredulidade era assaz dift distraida". Para dc, nesse "tempo operou u fez "do paganismo e do catolicismo urn 1957c:263, 308 ; 1957d:280 ; 1955e:13; 19: 1\1as, nao era so a familia de Bentin mundo e suas praticas socio-economicas, ne Entre Santos expoe situa<;:ocs interessantes ' passo que urn padre conta certo ocorrido pc de S. Francisco de Paula. Ao vcr luz sob a p do que se tratava e, ouvindo conyersa, fez il me antigo de enterrar os mortos nas igrejas, mortos ali enterrados. No entanto viu que; igreja, que sairam dos seus nichos e que senl altares, comentavam as ora<;:oes e pedidos d Francisco de Sales contou 0 caso de Sales, trazia seu nome e tinha a mulher doente "desesperan<;ado cia terra, voltou-se para I salva-la". Pediu que a salvasse operando o' cera, mas, ao passo que estabelecia 0 comp moeda que 0 ex-yoto hayia de custar e ac: nossos emil ave-marias.(Machado de Assi: Nesse momento, sobretudo entre censao, a de'\'o<;:ao fica\'a, Iwbretudo, releg Carmo, que costumaYa ir a missa aos don por fadiga, por doen<;:a ou por estar chov "0 seu livro, com as suas rczas marcadas (. 25 OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.J, Jan/Jun, 2002 a primeira confissao ocorria por epoca da muitos rapazes se escondessem debaixo da desvaos da casa; ja a segunda era "por de casamento era vista como momento de povoando sempre os sonh05 das mulheres vestido branco, flores de laranjeira, grinalda, Machado, sao poucas as cenas de casamento e, par privilegiar, sobretudo nos romances, a em ascensao, em que 0 casalnento era urn e a devo<;:ao, assim como 0 sentimento .....'....LUu·v ainda maior frente a outras atividades Assis, 1955i:95) novas formas de sociabilidade foram cada vez mais daquelas da religiosidade ca de cumprir as "obrigar;oes" religiosas, relaci rompendo a enclausuramento usual, princi a nova sociabilidade configurava-se ao re e formas de recrelO. 0 gosto pela "vida habitos e costumes marcados pela religi e, em muitos casos, abandonados(Borges, da sensibilidade cole tin, ocorre uma relacivos ao sagrado e um avan<;:o das for ___"n.iua par Machado pode ser percebida por como a recirada dos quadros de santos da sendo subscituidos, quase sempre, por passo que, "nas casas mais pobres", a Vir "lugar excelso" na "de\TO<;:aO dos cora "nao haver urn Cristo, mas sempre [havia] ".(Machado de ':\55is, 1955£:93 ; 1955j:91 ; de padres ordenados indicam ainda a e a expansao da seculariza<;:ao, ao lado da atribuidos aos nascidos nao mais ligados de Assis, 1955j:91 ; 1955i:51 ; 1959b:80 ; A881m, muita coisa mudava na8 familias rapazes Fosse padre", 0 que alterava a dire o rumo a seguir pelas novas gera<;:aes, que, letras, latim e doutrina", em cas a, com no<;:oes, sencimentos e orientavam as esco em seus discipulos ao falarem de supostas com Bencinho, que tinha seus brinque os ofici08 divinos", brincando, mesmo 24 com Capitu, de dizer missas e tamando doce por hoscia. Porem, embora os estudos secundarios fossem feitos ainda com base religiosa em seminarios, os filhos, ja mais autonomos, escolhiam profissoes de maior prestigio socio economico, que oscilavam entre a medicina e 0 direito, influindo na queda da busca da vida religiosa, que foi acusada, em 1894, pelo ex-bispo da cidade, ao falar da "escassez de padres ordenados no (...) seminario" e das paroquias sem capelaes.(1hchado de Assis, 1959b:80) Nesse contexto e sentido, ate promessas celebres eram quebradas. Por mais que "0 vinculo moral da promessa" prendesse "indissoluvelmente" D. Gloria, mae de Bentinho, descrita como devota e que havia prometido, la par volta de 1847, dar a Deus 0 61ho como sacerdote, casu nao morresse na infancia, 0 compromisso foi rompido posteriormente guando se encontrou a "saida" de subscitui-lo por urn "mocinho orfao" qualquer, como pagamento da oferta, para "compensar a batina" que aquele deitou "as urtigas", represen tan do, segundo 0 narrador, "urn cochilo da fe". Segundo l\1achado, 0 senti mento religioso era marcado por <1.<;:aes e expressaes exteriores, vis to que, interiormente, a incredulidade era assaz difusa e a de\To<;:ao "magra", "tibia e distraida". Para ele, nesse "tempo operou uma grande fusao religio;;a", que fez "do paganismo e do catolicismo urn so credo".(i\lachado de Assis, 1957c:263, 308 ; 1957d:280 ; 1955e:13; 1958b:328) Mas, nao era so a familia de Bentinho que, em conformidacle com 0 mundo e suas praticas socio-economicas, negociava com 0 sagrado. () conto Entre Santos expae situa<;:oes interessantes em torno da devo<;:ao humana, ao passo que urn padre conta certo ocorrido por epoca que era capelao da igreja de S. Francisco de Paula. Ao ver luz sob a porta do templo, buscou descobrir do que se tratava e, ouvindo conversa, fez inferencias que nos revel a 0 costu me antigo de enterrar os mortos nas igrejas, ao perguntar se seriam vozes dos mortos ali enterrados. No entanto viu que era urn dialogo entre os santos da igreja, que sairam dos seus nichos e que semados, em forma humana, em seus altares, comentavam as ora<;oes e pedidos dos fieis no dia. Dentre outros, Sao Francisco de Sales contou 0 caso de Sales, urn velho "usuario e avaro", que trazia seu nome e tinha a mulher doente com um erisipela na perna, que "desesperan<;:ado da terra, voltou-se para Deus", pois "so um milagre podia salva-la". Pediu que a salvasse operando 0 milagre, oferecendo uma perna de cera, mas, ao passo que estabelecia 0 compromisso, s6 via diante dos 0lh05 a moeda que 0 ex-voto havia de custar e acabou prometendo rezar mil padre nossos emil ave-marias.(l\1achado de Assis, 1957h:27-44) Nesse momento, sobretudo entre as camadas sociais altas e em as censao, a devo<;ao fica\'a, sobretudo, relegada aos antigos e velhos como D. Carmo, que costumava ir a missa aos domingos e que, como outras damas, por fadiga, por doen<;:a ou por estar chovendo, quando nao 0 fazia, pegaya "0 seu livro, com as suas rezas marcadas (...) a mesma hora...", acompanha\-a 25 OPSIS - Revista do Mas, se as individuos substituiam : que, com suas festas, "eram todo 0 recreio F tempos antigos, ate mesmo a igreja nao e mundanizou-se. Adotou os carrilhoes, urn c~ tocavam pe<;:as profanas chamando as fieis : sinos" das igrejas e produzindo "uma or, enfadonhas, austeras, graves, religiosas", ma~ "peda<;os do Barbe Bleue, da Bela Helen, contrafa<;:ao de Offenbach ..." ou Amor te cassinos e no Alcazar, teatro de opereta e ' Machado a missa da manhii e 0 "fand, se.(Machado de .'-\ssi5, 1957d:61 ; 1959c:16! Outl'o costume do tempo dos vice· processo de modemiza<;:ao, expressando p( mundo terreno, era a de ingressar em confr< tempos antigos, ocorria por "amor as cois pda busca de "recompensas" imediatas ac tomar materia publica a importimcia do 51 mediante a retribui<;:oes, como a instala;;:iio d da noticias para publicar em jornais sabre H( da divulga<;ao realizada pelo proprio "bem do beneficio e da publicidade do nome e fi~ "nas cogita<;oes publicas", tornando~se se: mandades de "damas" cram igualmente usa~ principalmente, quando os jornais davam "1 os names das organizadoras. 0 anuncio, gI6ria".(Machado de "\ssis, 1957d:26,205~6 o mesmo ocorria em relac;:ao as at de cunha religioso e assistencial erguidas fr da mendicidade. As associa<;oes de caridadt do muitas organizadas por senhoras que ~ nos aos famintos, amoldavam-se ao mund cido religioso. Por um lado, adequada ao se as pedintes de esmola, em portas das igre mais pobres com seus miseros vintenzinho prias almas, pois, por meio da caridade, I almejando salvar, especialmente a 5i mestn< tado. Por outro, 0 beneficio alcan<;ado cor mundo material e nao espiritual, como oc comissao de caridade de senhoras para pc com pessoas de destaque na sociedade q cima, na sua busca de ascensao social. AI~ a missa toda frente 0 seu altarzinho e seu Cnsto, instalados no gabinete e, ao acabar, beijava a imagem." Essa senhora, de acordo com sua cren<;:a, nao saia de casa sem a beijar primeiro, "como urn pedido de prote<;:ao", nem voltava scm faze-Io, "como a dar gra<;:as", como 0 fazia "ao deitar e ao levantar".(l\Iachado de Assis, 1955i:197) A igreja era lugar de exposi<;iio, seja em missas ordinarias, festas de santos, "missas de mono", de seUmo dia de morte e "por alma do finado". ~\i se ostentava opulencia e distim;:ao social, sendo "objeto de curiosidade" publica, chamando a aten<;:ao sabre si com carruagens, lacaios, roupas e esportulas vultosas, como a fizera 0 casal Santos, emergentes na sociedade na "missa de defunto, na igreja de S. Domingos...". Essa paroquia era "adequada a missa recondita e anonima", urn ato sem releyo, "sem pesames nem lagri mas", como gueria a casal ao mandar dizer missa par alma de urn parente pobre, falecido em l\Iarica, scm que aquela repercutisse em seu meio social.(Machado de Assis, 1959d:23) Mas, se esse templo era das camadas pobres, os ricos au nO\'05 ricos, como a senhora Santos, que se queixou que ali sujara 0 \'estido e enchera-se de pulgas, preferiam a de S. Francisco de Paula au a da Gloria, localizadas em bairros ricos como Flamengo, e que eram, consideradas "lirnpas" ..\li os endinheirados tinham como "uso velho" mandal' dizer missas anivel'sarias de datas obituarias e natalicias.(Machado de Assis, 1955i:94-5) l\Iuitos fl'equentavam a igreja mais por imposi<;:ao social dos mais Yelhos, por ser lugar de se mostl'ar e estabelecer rela<;:oes socialS, do que por de\'o<;:ao sentida. A jovem Maria Olirnpia "tinha a voca<;iio da vida exterior" e sentia "urn singular feici<;:o" nas procissoes e nas missas pelo rumor e pela pompa. Ia a igrcja conduzida pela cia, que "era religiosa" e tinha gosto parti cular em mostrar-se e em namorar os rapazes. Sua "devo<;iio magra" escas seou "ainda mais" com a chegada do "primeiro espetaculo e 0 primeiro baile". Os saloes torna,~am-se os novos lugares, do encontro e do di,'ertimen to e muitos "ja entao confundiam as praticas l'eligiosas com as canseiras da vida, e fUgiam delas".(Machado de Assis, 1959d:23-4, 28; 1957d:280; 1955i:95) Virgilia tambem representa a comportamento da nova mulher presa nas for <;:as seculares, ao ser uma jovem senhora casada que possuia urn amante e mostraYa-se "pouco religiosa", "nao ouvindo missa aos domingos" ou so indo "as igrejas em dia de festa, e quando havia lugar vago em alguma tribu na". Alcm disso, "tachava de beatas" aquelas "que cram so religiosas", a que aponta, par outro lado, a existencia de mulheres que se dedicayam em exces so as praticas religiosas. Porem, "rezava todas as noites, com fervor, ou pelo menos, com sono", em sua alcova, junto a seu "oratoriozinho de jacaranda". Ja as homens eram considerados, "em geral, uns impios", nao plsavam "na Igl'eja, a nao sel' para batizar as filhos".(tvlachado de Assis, 1957e:185 ; 1957f:257) 26 ° i 1 l 27 2 OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.J, Jan/Jun, 2002 . ho e seu Cristo, instalados no gabinete e, ao senhora, de acordo com sua crenc;a, nao saia "como urn pedido de protec;ao", nem voltava grac;as", como 0 fazia "ao deitar e ao 955i:197) posi;;:ao, seja em missas ordinarias, festas de setimo dia de morte e "por alma do finado". tinc,:ao social, sendo "objeto de curiosidade" sobre si com carruagens, lacaios, roupas e a 0 casal Santos, emergentes na sociedade na . Domingos ...". Essa par6guia era "adequada urn ato sem releyo, "sem nem higri andar dizer missa por alma de urn parente em que aquela repercutisse em seu meio d:23) Mas, se esse templo era das camadas , como a senhora Santos, que se quelxou que e de pulgas, preferiam a de S. Francisco de s em bairros ricos como Flamengo, e que . os endinheirados rinham como "uso velho" de datas obituanas e natalicias.(Machado de igreja mais por imposic,:ao soclal dos mais r e estabelecer socials, do que por Olimpia "cinha a voca<;:ao da vida exterior" procissoes e nas missas pelo rumor e pela cia, que "era religiosa" e cinha gosto parci rar os rapazes. Sua "devo;:,::ao magra" escas da do "primeiro espetaculo e 0 primeiro novos lugares, do encontro e do divercimen as praticas religiosas com as canseiras da Assis, 1959d:23-.f, 28; 1957d:280 ; 1955i:95) portamento da nova mulher presa nas for senhora casada que possula urn amante e "nao ouvindo missa aos domingos" ou s6 .e quando havia lugar vago em alguma tribu tas" aquelas "que eram s6 religiosas", 0 que . de mulheres que se dedicavam em exces 'rezava todas as noites, com fervor, ou pelo a, junto a seu "oratoriozinho de jacaranda". , "em geral, uns impios". nao pisavam Hna . s f1lhos".(Machado de Assis, 1957e:185 ; 26 Mas, se os individuos substituiam seus habitos sociais e religiosos, que, com suas festas, "eram todo 0 recreio publico e toda a arte musical" em tempos antigos, ate mesmo a igreja nao escapou da a<;:ao secularizante e mundanizou-se. Adotou os carrilhoes, um conjunto de "sinos musicais", que tocavam pe~as profanas chamando os fieis a missa, subscituindo "os pobres sinos" das igrejas e produzindo "uma orgia de notas", nao de "musicas enfadonhas, austeras, graves, religiosas", mas "sons alegres e animados" como "peda<;:os do Barbe Bleue, da Bela Helena, do Orfeu nos Infernos; uma contrafa<;:ao de Offenbach ..." ou 0 Amor tern fogo, tocados, geralmente, nos cassinos e no Alcazar, teatro de opereta e da vida boemia. Assim, segundo Machado a missa da manhii e 0 "fandango da noite" aproximavam se.(I\fachado de 1957d:61 ; 1959c:168-9 ; 1955d:250; 1959a:68-9) Outro costume do tempo dos vice-reis com significado alterado no processo de moderniza<;:ao, expressando pouca devo<;:ao e grande apego ao mundo terreno, era 0 de ingressar em confrarias e irmandades religiosas. :-Jos tempos antigos, ocorria por "amor as coisas pias", mas, no momento, era peia busca de "recompensas" imediatas advindas do individual "desejo de tomar materia publica a importancia do sujeito e seu espirito caritativo", mediante a retribuic:,:oes, como a instala;:,::ao de "retrato na sacriscia", a emissao da nocicias para publicar em jornais sobre "os beneficios que pracicava", alem da divulgac:,:ao realizada peio pr6prio "beneficiado". Desta forma, por meio do beneficio e da publicidade do nome e figura daquele que 0 fez, entrava-se "nas cogita;:,::oes publicas", tornando-se sempre Hlembrado'~. I:vfesmo as 1r mandades de "damas" eram igualmente usadas para dar brilho a suas "juizas", principalmente, quando os jornais davam "noticia minuciosa" das festas com os nomes das organizadoras. () anuncio, nas folhas, era um "troco da gI6ria".(Machado de Assis, 1957d:26,205-6 ; 1957e:350, 412-4; 1956b:44) o mesmo ocorria em rela;:,::ao as atividades associacivas ftlantr6picas de cunho religlOso e assistencial erguidas frente ao crescimento da pobreza e da mendicidade. As associa<;:oes de caridade, que aumentaram na cidade, sen do muitas orgamzadas por senhoras que coletavam donativos e reparciam nos aos famintos, amoldavam-se ao mundo profano e desviavam-se do sen tido religioso. Por um lado, adequada ao sentimenta cristao, a mendicidade e os pedintes de esmola, em portas das igrejas, traziam as pessoas, mesmo as mais pobres com seus miseros vintenzinhos, a ocasiao de beneficiar suas pr6 prias almas, pois, por meia da caridade, punha-se em pracica 0 evangelho, almejando salvar, especialmente a S1 mesmo e nem tanto ao estranho necessi tado. Par outro, 0 beneficio alcam;ado com a caridade podia restringir-se ao mundo material e nao espiritual, como ocorria com Sofia, que usou de uma comissao de caridade de senhoras para p6r-se em evidencia e criar vfnculos com pessoas de destaque na sociedade que 1he dessem um empurriio para cima, na sua busca de ascensao sociaL .-\lem disso, nesse "seculo utilitario e 27 F pnitico", marcado pelo avan<;:o das for<;:as de seculariza<;:ao e perda do espiri to cristao, ate mesmo a caridade tornava-se "escriturada, legalizada, regula mentada ... " (Machado de Assis, 1955b:71 ; 1959a:283-4 ; 1957f:192 ; 1957e:190-2; 1959d:301) Junto ao povo, 0 "gosto das procissoes" vinha de longe e estava para os antigos, "uma tradi<;:ao de infancia", costume bastante arraigado. da primeira metade do seculo, do "tempo do rei" e suas "predile<;:oes confes sadas por todas as yelhas carolices", as quais seus contemporaneos choravam e pediam pelos "tempos dos oratorios de pedta, dos tet<;:os cantados, das procissoes bem ordenadas, das ladainhas atras do viatico, das boas festas e dos bons trades, da verdadeita fe e dos vetdadeiros filhos de Deus". i\ias, ja em 1865, essas ptocissoes classicas podiam "dar ideia de tudo, menos de urn culto serio e elevado", pois, ao lado dos anjinhos e andores floridos, os homens iam em filas; uns com tochas na mao, outros com "vara do palio", disputadas pelos fieis, pais dava uma "distinc;ao especial" a quem a trazia. Alguns iam "dizendo pilh6rias a esquerda e adireita", enquanto os assistentes comentavam as grac;as jU'Tenis do anjo cantor, que era sempre mQ(;:a feita. Desta forma, Machado julgava que essas procissoes e semelhantes praticas eram ridiculas, nao podendo subsistir numa sociedade verdadeiramente teli giosa, pois uma "folia, mesmo para os mais sinceramente religiosos", com as quais "os sacerdotes serios" nao deveriam conservarem "cumplices".( Ma chado de Assis, 1958a:101-2. Grifo meu) Existia ainda a "luta tradicional" travada entre os diferentes templos "com 0 unico objeto de primar uns sobre os outros no luxo das suas procis soes respectivas", sendo "essa luta, por demais profana" e "manifestava-se por uma aculTIulac;ao de prata e ouro nos andores", no "mais numeroso concurso de irmaos e de anjinhos, e outras coisas iguais". Vivia-se 0 sagrado melo a "folia", "comentari~s dos assistentes", "pilh6rias", disputas e a busca do "brilho" e da "distim,:ao", do que Machado duvidava "muito que a divin dade visse com bons olhos estes conflitos de primazia".(Machado de Assis, 1958a:lOl-2; 1957c:98-100. Grifo meu) No entanto, se as procissoes eram filhas da tradi<;ao, em 1865, algumas delas ja haviam sido "suprimidas" pelo process a de moderniza<,:ao da igreja e, para 0 cronista, tudo fazia "crer que as restantes" tamb6m seriam. Nesse sentido, em 1893, avalia com certa melan calia a diferem;a entre uma procissao de Sao Sebastiao daquele ana e as de outrora dizendo: "Ordem, numero, pompa, tudo 0 que havia quando era (...) menino, tudo desapareceu..."(Machado de Assis, 1958a:101 ; 1959a:220) Porem, se 0 sagrado e 0 profano apresentavam-se quase sempre de maos dadas, inclusive na esfera das praticas catolicas oficiais, essa interpenetra<,:ao tinha certos limites. Em 1896, uma sociedade carnavalesca foi proibida de sair em desftle por se denominar N ossa Senhora da Concei<;:ao. De acordo com 0 cronista, esse titulo pareCla esquisito, "mas se a inten<,:ao eque salva, a socieda 28 OPSIS - Revista do de vai para 0 ceu", pais "os autores da ideia tQS da Virgem, e nao [tinham] 0 carnaval por desse poslcionamento, 0 folhetinista acabou: enfatizando que se tal socledade tinha "igual g' "adotar denomina<;:ao adequada" e que "na( Assis, 1957b:108-9) As festas das igrejas e dos santos et gente, mas sofriam tambem a a<;ao dos novo: se. Eram de maior destaque a festa da Glol Reis, de Sao Sebastiao, do Espirito Santos e ( tinham lugar tanto a religiao, com missa, que F Deum, quanto 0 recreio, com fogos de artifi. prendas... Embora houvesse entre elas algum folhetinisra, "ao cabo de tudo [era] a mesml sao", 0 que 0 le,Ta\Ta a lascimar "que 0 fogo de da Penha [1eYavam] mats fi6is que 0 objeto es, certo que todo caminho leva 11 Roma, nao 0 i. Todavia, ja em 1878, 0 cronista dizia que, t~ como tinham "acabado muitas outras devoS meio recreativas." Para ele, "0 elemento estr; mes, com "muita patinac;:ao, muita opereta, m nossa populac;ao a rusticidade e 0 encanto d Assis, 1958b:121 ; 1956b:207; 19S5g:410 1955d:147-8. Grifo meu) "~ festa do Espirito Santo, igualmel contista, em A Parasita Azul, que transeOl Luzia, Goias, ao falar desse festejo, aponta q que de todo se nao apagou 0 gosto dessas eras ... " No entanto, na Corte, ainda persistia ( barracas. Nao era diferente com a Festa de R 1864, Machado falava que a festa de S. Joao tI fogueiras e baloes proibidos por postura mu: obstante 0 ceticismo do tempo, muita e m corter, primelro que 0 povo [perdesse] 0: foguetear os tres santos em junho. Porem, ja Joao" e tambern de Reis. Sobre a ultima com, popular" perdurava "no interior", pois na c: anos" e brotado em sua cinzas a arvore de t essas lTIudanc;as, De Assis lamenta que "os al ha nela de puetil, para Sf) the deixar 0 que ha quem nem 15S0 fica: esse perde 0 melhor ( "sirnplorio e velho" de "noites abenc;oadas" 29 OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.J, Jan/Jun, 2002 das for~as de secularizac;:ao e perda do espiri tornava-se "escriturada, legalizada, regula Assis, 1955b:71 ; 1959a:283-4 ; 1957f:192 ; das procissoes" vinha de longe e estava os antigos, "uma tradi~ao de inGneia", costume do "tempo do rei" e suas "predile<;oes confes ", as quais seus contemporaneos choravam orat6rios de pedra, dos ter<;os cantados, das ladainhas awis do yiatico, das boas festas e fe e dos verdadeiros ftlhos de Deus". ::\'1as, ja .s;slc:as podiam "dar ideia de tudo, menos de um ao lado dos anjinhos e andores floridos, os tochas na mao, outros com "vara do palio", uma "distin~ao especial" a quem a trazia. aesquerda e adireita", enquanto os assistentes do anjo cantor, que era sempre mo<;a feita. que essas prociss()es e semelhantes pniticas subsistir numa sociedade ,"erdadeiramentereli para os mais sinceramente religiosos", com as nao deyeriam conservarem "cumplices".( 1\1a Grifo meu) .ttadlC:101:1al" travada entre os diferentes templos uns sabre os outros no luxo das suas procis luta, por demais profana" e "manifestava-se e ouro nos andores", no "mais numeroso e outras coisas iguais". Viyia-se 0 sagrado dos assistentes", "pilherias", disputas e a busca do que Machado duyidava "muito que a divin conflitos de primazia".(Machado de Assis, Grifo meu) No entanto, se as procissoes eram delas ja haviam sido "suprimidas" peIo igreja e, para 0 cronista, tudo fazia "crer (lue as sentido, em 1893, avalia com certa melan )rOCls:sao de Sao Sebastiio daquele ana e as de nUmero, pompa, tudo 0 que havia quando era ."(Machado de 1958a: 101 ; 1959a:220) eo profano apresentavam-se quase sempre de das pciricas cat6licas oficiais, essa interpenetra<;ao uma sociedade carnavalesca foi proibida de sair Senhora da Concei<;ao. De acordo com 0 "mas se a inten~ao e que salva, a socieda 28 de vai para 0 ceu", pais "as autores da ideia [eram], com certeza, fieis deyo tos da Virgem, e nao [tinham] 0 caman} por obra do diabo." Porem, apesar desse posieionamento, 0 folhetinista acabou por concordar com a proibi~ao, enfatizando que se tal soeiedade tinha "igual gosto as ideias profanas", deveria "ado tar denominac;:ao adequada" e que "nao faltam titulos..."(1vIachado de Assis, 1957b:108-9) As festas das igrejas e dos santos eram populares e reuniam muita gente, mas sofriam tambem a a~ao dos novos tempos e perdiam seu interes se. Eram de maior destaque a Festa da Gloria, da Penh a, da Concei<;:ao, de Reis, de Sao Sebastiiio, do Espirito Santos e de Sao Benedito. Em tais festas, tinham lugar tanto a religiao, com missa, que poderia ser cantada, e ate um Te Deum, quanto 0 recreio, com fogos de artificio, barracas, corretos, leilao de prendas... Embora houvesse entre elas algumas diferen<;as, de acordo com 0 folhetinista, "ao cabo de tudo [era] a mesma alcgria e a mesmlssima diver sao", 0 que 0 leYa,"a a lastimar "que 0 fogo de artificio da Gkma e 0 garrafao cia Penha ~evayam] mais fieis que 0 objeto essencial da festiyidade", POlS, se e certo que todo caminho leva aRoma, nao a e que todo caminho le,"a ao ceu. Todavia, ja em 1878, 0 cronista dizia que, talvez, essa Festa tin~sse findado como tinham "acabado muitas outras devo<;oes populare~, melO religlOsas, "0 elemento estrangeiro" transformou os costu meio recreatiYas." Para mes, com "muita muita opereta, muita COlsa peregnna, que tirou it nossa popula<;ao a rusticidade e 0 encanto de outros tempos".(~1achado de 10 ; 1959c:225, 103 ; 1957c:77 Assis, 1958b:121 ; 1956b:207; 1 1955d:147-8. Grifo meu) A Festa do Espirito Santo, igualmente, desaparecia e, em 1870, 0 contista, em A Parasita Azul, que transcorre por ,'olta de 1850 em Santa Luzia, GOlaS, ao falar desse aponta que "vao rareando os lugares em que de todo se nao apagou 0 gosto dessas festas classicas, resto de outras eras..." No entanto, na Corte, ainda persistia 0 habito de muito;; irem ver suas barracas. Nao era diferente com a Festa de Reis e dos santos juninos. Se, em 1864, Machado falaya que a Festa de S. Joao tomaya-se falsificada, sem fogos, fogueiras e baloes proibidos por postura municipal, em 1878, dizla que "nao obstante a cetiClsmo do tempo, muita e muita dezena de anos n1a\'ia] de correr, primeiro que 0 povo [perdesse] os seus antigo;; amores", como foguetear os tres santos em junho. Porem, ja em 1894, trata "da morte de S. Joao" e tambem de Reis. Sobre a ultima comenta que nao sabia se essa "festa popular" perdurava "no interior", pois na capital tinha morrido "ha muitos anos" e brotado em sua cinzas a arvore de Natal vinda da Europa. Frente a essas mudan<,:as, De Assis lamenta que "os anos que passam tiram a fe a que ha ncla de pueril, para so Ihe deixar 0 que ha serio". Para de "triste daqucle a quem nem iS50 fica: esse perde 0 melhor das recorda<,:oes" de um tempo "simpl6rio e velho" de "noites aben<;oadas" em que "as crendices sas abrem 29 OPSIS - Revi$fa do todas as vdas..A.s consultas, as sortes, as ovos guardados em agua, e outras sublimes ridicularias ..." as quais via "com respeito, com simpatia", e, se alguma coisa a molesta"a, era por "nao as saber ja praticar".( lvlachado de Assis, 1957e:62; 1955f:46; 1955a:318; 1957h:171-2; 1958a:93-4; 1955d:31-3, 241 ; 1959b:13-4, 123-4) I\fas, se na cidade "0 vento dos tempos" desfazia em "lufadas de tuGo" essas praticas populares anrigas arraigadas no imaginario coletivo, no interior, de era "brisa igual e mansa que tudo esfolhava e dispersava devagar". "\8Sim, em 1864, 0 cronista tratou de urn morador de Viana, descobridor de uma imagem de Santa Teresa que lacrimejava e, supondo ser milagre, pos "em al\'oro<;o as credulos vianenses", considerando procedente realizar exame do fato por uma comissao de eclesiasticos. Em 1870, comentou a realiza<;ao das festas do Born Jesus em Pirapora, que reuniam anualmente urn numero extraordinario e crescente de romeiros, calculados naquele ana em 8.000 pessoas. J a, em 1873, escreyeu sabre uma senhora que enlouqueceu, quando, depois de longa seca, pediu chu,'a "enterrando uma imagem de Santo Antonio no rnato" e alcan<;ou 0 pedido. Porem, como a chuva abundante nao cessava, ao contrario, "0 aguaceiro ia a mais", matando inclusive animais, yoltou ao buraco, por acreditar que a preclpita<;ao so cessaria apos desenterra-lo, mas nao 0 encontrou, entrando a supor que os males derivavam da a<;ao que praticara. 0 cronista, comentando 0 fato de Santo Anttmio gozar entre seus deyotos "do exotico privilegio de nao conceder nenhuma gra<;a senao enterrado ou metido num poc:o", so operando "milagres a troco da liberdade", consideraya que uma senhora religtosa fizera-se supersticiosa e que "quando a fe chega a este ponto esta )a muito alem das fronteiras da supersti<;ao", deixando seu praticante sem "nenhuma das grandes consola<;oes da fe", trazendo-lhc "0 desespero e a loucura". Ainda nesse universo, ja em 1876, trata da existenCla de duas mulheres santas e milagrosas, uma que apareceu na Bahia em torno da qual formou "romarias dos seus devotos" e outra, "velha milagrosa", que diziam curar "doew;:as incuraveis com ervas misteriosas",(Machado de Assis, 1955c:144-5; 1958a:227-8, 283-4; 1959c:181-2) Desta maneira, as esferas do sagrado e do profano, da fe, da devo<;ao e do recreio esta,'am bastante imbricadas no que concerne as praticas dos catolicos, havendo uma circula<;ao e influencia reciproca entre as instancias das cerimonias e rituais oficiais e sua recnac,:ao pelos leigos, entre 0 divino e a folia, entre 0 cuita e a festa. Os momentos e lugares em que essas aspirac,:oes se concretizavam em praticas sociais serviam tambem para promover a interac,:ao dos indivlduos. lvlas, deixando esse sobrevoo sobre a sociedade carioca e focalizando n0550 olhar num segmento especifico desta, como na comunidade negra, podemos perceber outros aspectos da cultura religiosa carioca. Dessa cultura, hibrida, amalgamada no territorio fluminense observamos, primeiramente, as pratica;; ao redor de alguns personagens idosos, 30 as quais, de forma geral, sao vistos como respeitados. N esse meio social, existiam aqudes in "uma preta y~lha" do conto 0 Escrivao Co "ajoe1hada diante do altar de S. Bernardo, co do "pedic-lhe alguma coisa, se nao eque lhe: recebido", ate que "acabou beijando a cruz tou-se e saiu". Outros aparecem como detel onais e seus transmissores, sendo rezadore senhores ou sabedores de promessas celebre sas, ou subir de joelhos a ladeira da Glc Santa..."(Machado de Assis, 19551:229-30; 1 esta presente no uniYerso das atividades cal do preto "elho de Casa Velha, que, emb africanas, era sineiro, mas "nao fazla mats q missa, aos domingos". 19ualmente nesse 0 sineiro da Gloria", (lue de escra,'o ficou li~ seculo aquda torre, regendo a paroquia e c( picava por casamentos, nascimentos, batiza amarela, 0 calera-morbus, os partidos qUI deles ~, pela guerra do Paraguai, pelos mo livre das escravas, a aboli<;ao, a Republica, p< se. Tudo "conforme a ordem".(J\Iachado de Outras Ofertas e tensoes: Feiti~ Espiritism Ja outros negros vclhos aparecem mais circunscritas, senda depositarios de p( varios elementos que expressam tra<;as cultu canas. 0 negros produziram com suas ling des, cantos e batuques, uma ruptura com recorrerem, mesmo que na clandestinidade, uma cultura negra brasileira a qual recorriar contexto, embora inseridos em universo simi de crenc,:as, praticas e \-isoes de mundo, al~ tica usada no cotidiano por bran cos, negro cam associa<;6es ao cultos africanos, nos ql parentesco permeiam os rdacionamentos s mente ligados. Desta forma, alguns pretos sendo vistos como bonciosos, humildes, g~ Assis, 1955d:392; 1957c:279) 31 OPSIS - Revista do Niese, V.2, N. J, Jan/Jun, 2002 s sortes, os ovos guardados em agua, e outras via "com respeito, com simpatia", e, se alguma ao as saber ja praticar".( Machado de Assis, ; 1957h:171-2; 1958a:93-4; 1955d:31-3, 241 ; vento dos tempos" desfazia em "lufadas de anrigas arraigadas no imaginario coletivo, no nsa que tudo esfolhava e dispersava devagar". tou de urn marador de Viana, deseobridor de que lacrimejava e, supondo ser milagre, pas ses", considerando procedente realizar exame clesiasticos. Em 1870, comentou a realiza<;ao apora, que reuniam anuahnente urn numero romeiros, calculados naquele ana em 8.000 sobre uma senhora que enlouqueceu, quando, a "enterrando uma imagem de Santo Antonio Porem, como a chuva abundante nao cessava, mais", matando inclusiye animais, \yoltou ao cipita<;ao so cessaria apos desenterra-lo, mas supor que os males derivavam da a<;ao que do 0 fato de Santo Antonio gozar entre seus '0 de nao conceder nenhuma gra<;a senao " s6 operando "milagres a troeo da liberdade", 'giosa fizera-se supersticiosa e que "quando , muito alem das fronteiras da supersti<;ao", 'nenhuma das grandes consola<;oes da fe", loucura". Ainda nesse universo, ja em 1876, eres santas e milagrosas, uma que apareceu na "romarias dos seus devotos" e outra, "velha urar "doen<;as incuraveis com ervas 955c:144-5; 1958a:227-8, 283-4; 1959c:181-2) s do sagrado e do profano, da fe, da devo<;ao .. bricadas no que concerne as praticas dos o e influencia redproca entre as ins tlmcias das a recria<;ao pelas leigos, entre 0 div1110 e a omentos e lugares em que essas aspira<;oes sociais serviam tambem para promQ\yer a . deixando esse sobrevoo sobre a sociedade num segmento espedfico desta, como na ceber outros aspectos da cultura religiosa a, amalgamada no territorio flumlnense aticas ao redor de alguns personagens idosos, 30 os quais, de forma geral, sao vistos como conhecedores dela e, por 1880, re8peitados. Nesse meio social, ex1stiam aqueles inseridos na tradi<;ao catolica como "uma preta v~lha" do conto 0 Escrivao Coimbra, que Camilo viu na igreja, "ajoelhada diante do altar de S. Bernardo, com urn rosario na mao", parecen do "pedir-lhe alguma coisa, se nao e que the pagava em ora<;oes 0 beneficio ia recebido", ate que "acabou beijando a cruz do rosario, persignou-se, levan tou-se e saiu". Outros aparecem como detentores de conhecimentos tradici onais e seus transmissores, sendo rezadores, que pediam guard a para seus senhores ou sabedores de promessas celebres, como "mandar dizer cern mis sas, au subir de joelhos a ladeira da Gloria para ouvir uma, ir a Terra Santa..."(Machado de Assis, 19551:229-30; 1957c:71,177,279) 0 negro idoso esta presente no universo das atividades catolicas como sineiros, a exemplo do preto velho de Casa Velha, que, embora muito atrelado as tradi<;oes africanas, era sineiro, mas "nao fazia mais que tocar 0 sino da capela, para a missa, aos domingos". Igualmente nesse ofieio, IvIachado destaca Joao, "0 sineiro da Gloria", que de escravo ficou livre, governando por quase meio seculo aquela torre, regendo a par6quia e contemplando 0 mundo de 1.1. Re picava por casamentos, nascimentos, batizados, mortes. Dobrava pela febre amarela, 0 colera-morbus, os partidos que subiam ou cafam sem saber deles _, pela guerra do Paraguai, pelos mortos e pelas vitorias, peIo ventre livre das escravas, a aboli<;ao, a Republica, pelo imperio_ se 0 imperio tornas se. Tudo "con[orme a ordem".(.tviachado de .-\5S1S, 1956b:193-4; 1957b:431-3) Outras Ofertas e tensoes: Feiti~arias, Adivinha~oes e Espiritismo Ja outtos negros velhos aparecem atrelados as tradi<;oes ancestrais mals circunscritas, sendo depositarios de poderes de prote<;:ao e guardioes de varios elementos que express am tra<;:os cultorals singulares das socledades afri canas. 0 negtos produziram com suas linguas, dan<;as, folguedos, sonorida des, cantos e batoques, uma ruptura com a \-isao de mundo ocidental, ao recorrerem, mesmo que na clandestinidade, a seus ritos, seus deuses, criando uma cultura negra brasileira a qual reeorriam alguns de seus senhores. Em tal contexto, embora insetidos em universo simb6lico marcado pda multiplicidade de cren<;:as, praticas e visoes de mundo, alguns aspectos da expressao lingiiis rica usada no cotidiano por brancos, negros e mesti<;:os, livres e cativos, indi cam associa<;oes ao cuhos africanos, nos quais a ideia de familia e de la<;os de parentesco permeiam os relacionamentos socialS e religiosos, que sao intima mente ligados. Desta forma, alguns pretos velhos eram ehamados de "Pai", sendo vistos como bondosos, humildes, generosos e paternais.( Machado de Assis, 1955d:392; 1957c:279) 31 OPSIS - Revista do Outros pretos velhos, de modo mais dire to, traziam conhecimentos ancestrais, produzindo rituals que funcionavam "como urn feitiqo protetor", as vezes, acendendo velas, tocando marimba, cantarolando, em alguns instan tes, "baixinho umas ,'ozes de Africa", cantilenas alegres, guerreiras, entusias tas... , em outros, cantigas falando de "santo de trabalhar", " de comer".... 0 que remete as praticas das oferendas e ao principio do candomble de existen cia de forqas vitais e sagradas, que perpassam todos os aspectos da vida ma terial e cotidiana como as tarefas, as formas hidicas, como a musica, a danqa, o canto, 0 gesto... Assim, tanto Raimundo, de laid Garcia, empertigava 0 corpo "dando aos quadris e ao tronco 0 movimento de suas danqas africa nas", quanto 0 peeto velho de Casa Velha, que canta,-a: "Calumga, mussanga, monandengue... " dando "ao corpo umas sacudidelas para acompanhar a to ada africana", alem de recorrer as tradi<;:oes orais ao contar historias muito compridas e sem sentido algum para os brancos, pOlS forjadas e inseridas noutro universo simbolico da maioria deles ignorado. Desta forma, essas manifesta<;:oes mantinham uma memoria reveladora de matrizes africanas, que era alimentada pela danqa, pela paIavra, pelos gestos ou pelos objetos e ou tros vekulos de expressao e comunicaqao.(Machado de Assis, 1955h:11,14 ; 1956b:193-4; 1957b:432-3) No entanto outros aspectos expressam ainda a religiosidade no universo de uma cultura afro-amerindio-brasileira na obra machadiana, como a feitiqaria. Num momento em que em nome da civiliza<;:ao, da ciencia e da razao, os intelectuais e as autoridades medicas, policicas e policiais voltaram se contra praticas ,"ariadas, denominadas ~fnericamente de feitisaria.. l\Iacha do abordou essa questao de modo bastante proprio. Nao associou tais prati eas ao universo socio-cultural espedflco dos negros como faziam outros jor nalistas e tampouco os apreciou a priori de modo negativo e condenatorio. Contrap6s-se ao conteudo de muitas notkias divulgadas na imprensa, nas quais 0 negro era "0 bruxeiro, 0 feiticeiro", violento e barbaro, com a figura de Raimundo, que produzia "urn feitiqo protetor" a seu senhor, afastando da imagem do preto que fazia feitic;:o male fico para seus proprietarios.(Schwarcz, 1987:125-8; Machado de Assis, 1955h:10) Ao tratar da batalha contra os antigos habitos religiosos tradicionais da;; gentes, em 1893, 0 cronista anunciava ter medo do c6digo penal de 1890, no qual havia "urn artigo que castiga duramente as pessoas que advinham 0 futuro; tao duramente como as que aplicam drogas para excitar odio ou amor", para fascinar e subjugar a credulidade publica. Com base nesse, as autoridades recolhiam a detenqao curandeiros e feiticeiras, "levan do as ferra mentas" desses "ofieios (...) incluidos no e6digo como delitos", como aves mortas, pernas de ceroula, saquinhos com feijao, arroz, farinha, sal, a<;:ucar, canjica, penas e cabe<;:as de frangos, usados na busca de estabelecer uma alian c,:a com 0 sobrenatural a partir da ac,:iio de alimentar, que fortalece e mantem 32 vivos deuses e homens.(l\Iachado de Assis, Assis, a feitiqaria era alga "natural do homen tivas " , alem de ser urn ofkio que garancia r, fur tar e matar para sobreviver e infring1r "0 que "nao falam de feiti<;:aria, mas de furto." doente", acreditar na feitic;:aria e por julgar q soais que determinam tudo neste mundo, I acudir a feiti<;:aria", considerando, emao, inee go penal como deli to c prender senhoras "s. com os seus olhos..." e com seus demais obj 1959b:308-11 ) :\fachado rarefez 0 clima hostil de dos seus agentes nao as associando aos neg! te, que esse "elbo costume de buscar nas "fei ros, quase sempre mesci<;:os _caboclos e eab agruras, nao so se restringia ao pon). Muita dade recorriam aos adiyinhos e curandeiros, erva, como por meio dc rezas. 0 eurand "mazelas que devasta\'am a cidade", como e\"Ool<;:ao de defuntos", de "espiritos difere de "ler, como as adivinhas", mandando "e curandeiro Tobias "falava em prosa scm 0 cas" ate ser preso com suag "bugigangas e galo, pes de galinha secas, medalhas, pohcoJ de raia ... ", incluidos no aparato instrumental sis, 1956c:248-9, 267-8 ; 19S5d:426-7) Buscar os adivinhos e feiciceiros era ricas, ainda que nesta;; muito;; preconceitos vando, muitas \'ezes, a consultas escondidas. redor dc uma caboc1a muito conhecida do adivinha era grande e, segundo 0 narrador, da sociedade falavam dela a serio" e havia " ta, um Juiz municipal, cuja nomeaqao foi ar. era muito falada na cidade e "reinava" Ii n( merosa que vinha de muito;; mcses scndo ' queza da adivinha". "Toda a gcnte falan e assunto da cidade; atribuiam-lhe um pode sortes, achados, casamento;;". Afirmavam " e 0 que vifia a scr..." Para 0 po\'o parccia ", muitas as noticias sobre seus feitos e ha,-ia ~ soas que tinham perdido e achado joias e esc '~,-\ polkia me sma, quando nao acabaYl1 de 33 OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.J, Jan/Jun, 2002 de modo mais dire to, traziam conhecimentos funcionavam "como urn feiti;;:o protetor", marimba, cantarolando, em alguns instan , cantilenas alegres, guerreiras, entusias de "santo de trabalhar", " de comer".... 0 e ao principio do candomble de existen perpassam todos os aspectos da vida ma as formas ludicas, como a musica, a danc,:a, Raimundo, de laid Garcia, empertigava 0 tronco 0 movimento de suas dancas africa Velha, que cantava: "Calumga, ~ussanga, umas sacudidelas para acompanhar a totradic;:oes orais ao contar historias muito para os brancos, pois foqadas e inseridas maioria deles ignorado. Desta forma, essas memoria reveladora de matrizes africanas, que palavra, pelos gestos ou pelos objetos e ou ~uluIllt:aya'().(i\lachado de Assis, 1955h:11,14 ; as expressam ainda a religiosidade no .merind!()-t,ra:stl,:lra na obra machadiana, como que em nome da ciyilizac;:ao, da ciencia e da medicas, politicas e policiais \'oltaram .loolinad'ls genericamente de feitic,:aria,tvfacha bastante proprio. Nao associou tais prati _·~n,e ...If'lr,.., dos negros como faziam outros jor a priori de modo negativo e condenatorio. muitas noticias divulgadas na imprensa, nas o feiticeiro", violemo e barbaro, com a figura feitic,:o protetor" a seu senhor, afastando da maletico para seus proprietarios.(Schwarcz, 1955h:lO) os antigos habitos religiosos tradicionais anunciava ter medo do codigo penal de 1890, , duramente as pessoas que advinham 0 as que aplicam drogas para excitar odio ou a credulidade publica. Com base nesse, as curandeiros e feiticeiras, "levando as ferra .lCitllid()s no codigo como deliros", como aves com feijao, arroz, fartnha, sal, ac;:ucar, usados na busca de estabelecer uma alian da al;:ao de alimentar, que fortalece e mantem 32 vivos deuses e homens.(Machado de Assis, 1959a:288 ; 1959b:308) Para De Assis a feiticaria era algo "natural do homem", vista em varias "tribos primi tivas';, alem'de ser urn oficio que garantia renda a muitos, impedindo-os de furtar e matar para sobreviver e infringir "os mandamentos da lei de Deus", que "nao falam de feitic;aria, mas de furto." Ironicamente, diz que "por estar doente", acreditar na feitic;:aria e por julgar que sao sempre os l11teresses pes soals que determinam tudo neste mundo, estava com "grandes desejos de acudir afeitic,:aria", considerando, entao, incorreto incluir a feitic;:aria no codi go penal como delito e prender senhoras "so porque fecham 0 corpo alhelO com os seus olhos... " e com seus demais objetos de culto.(Machado de ASS1S, 195%:308-11) Machado rarefez 0 clima hostil de desqualificac;:ao dessas praticas e dos seus agentes nao as associando aos negros e enfatizando, incansavelmen te, que esse velho costume de buscar nas "feiticeiras", "adivinhas" e curandei ros, quase sempre mestic,:os _caboclos e caboclas _, auxilio as imluietac,:oes e agruras, nao s6 se restringia ao povo. T\fuitas pessoas "de posi<;:ao" na SOC1e dade recorriam aos adi\-inhos e curandeiros, e os ultimos curavam tanto com ervas como por meio de rezas. 0 curandeiro Nascimento cura\'a muitas "mazelas que devastayam a cidade", como barriga d'agua, com "passes de evocacao de defuntos", de "espiritos diferentes", ou arrancava dentes, alem de "Ie~, como as adivinhas", mandando "com tais e tais pala\Tinhas". Ja 0 curandeiro Tobias "falava em prosa sem 0 saber... cura\'a em Hnguas classi cas" ate ser preso com suas "bugigangas e drogas", tais como "esporoes de galo, pes de galinha secos, medalhas, polvora e ate urn chicote feito de rabo de raia ...", inc1uidos no aparato instJ:umental de seus ritualS. (i\lachado de As sis, 1956c:248-9, 267-8 ; 1955d:426-7) Buscar os adivinhos e feiticeiros era costume presente entre as classes ricas ainda que nestas muitos preconceitos contra tais praticas existissem, le van do, muitas vezes, a consultas escondidas, como ocorre em Esau e Jaco, ao redor de uma cabocla muito conhecida do I\lorro do Castelo. <\ fama des sa adivinha era grande e, segundo 0 narrador, "muira gente boa" Ja ia, "pessoas da sociedade fala ....am dela a serio" e havia "um caso recente de pessoa dis tin ta, urn juiz municipal, cuja nomeac,:ao foi anul1ciada pela cabocla" A caboc1a era muito falada na cidade e "reinava" la no morro, possuindo freguesia nu merosa que vtnha de muttos meses sendo "sinal certo da videncia e da fran queza da adivinha". "Toda a gente fahlYa entao da cabocla do Castelo, era 0 assunto da cidade; atribuiam-lhe um poder tntlnito, uma serie de milagres, sortes, achados, casamentos". Afirma\'alU "que cia adivinhaya tudo, 0 que era eo que ....iria a ser..." Para 0 povo parecia "que era mandada de Deus"., Eram muitas as noticias sobte seus feiros e hayia gente que dizla que "conheC1a pe5 soas que tin ham perdido e achado joias e escra,'os," De acordo com 0 narrador, "A policia mesma, quando nao acaba\'a de apanhar um criminoso, ia ao Cas 33 OPSIS - Revista do tela falar acabocla e des cia sabendo; por i5S0 e que nao a botava para fora, como os invejasos andavam a pedir... A caboda explicava sonhos e pensa mentos, curava quebranto..."(Machado de Assis, 1959d:43-4) Segundo Aires, tal costume era "velho e velhissimo" e, no interior da casa simples, nao havia "nada que lembrasse misterio ou incutisse pavor, ne nhum petrecho simbalico, nenhum bicho empalhado, esqueleto ou desenho de aleiJoes. Quando muito urn registro da [festa de Nossa senhora da ] Con colado a parede podia lembrar misterio... mas nao metia medo". A cabocla e descrita com simpatia e 0 ritual sem afetac:;:ao. "Era uma criaturinha leve e breve (...) corpo airoso", com urn raminho de arruda nos cabelos, 0 que ja the dava urn certo ar "de sacerdotisa", embora seu "misterio" estivesse mesmo era "nos olhos", agudos e compridos, que entravam peIo consulente revoh-endo-Ihe 0 corac:;:ao, ao tempo que interrogava. Em transe, de posse de retratos e cabelos de alguem ausente, com urn cigarro acesso, ao som de uma viola e de cantigas do sertao do Norte murmuradas por urn velho caboclo, entrava a dizer sobre as "coisas futuras", ate que, por fun, 0 fregues, se alegre e rico, tirava uma nota de cinquenta mil-reis, quando 0 prec:;:o do costume era cinco '\'ezes menos, arrecadaYa seus objetos e saia. (Machado de Assis, 1959d: 7 16) Essa cabocla, com origem no norte do pais, assim como outros caboclos curandeiros perseguidos pela policia, remete a presenc:;:a dos caboclos no uni verso das pniticas religiosas brasileiras, que, sendo figura mestic:;:a, esta vincula da a nossos ancestrais nativos, os indios, donos da terra e ligados a natureza no tradic:;:ao dos cultos afro-brasileiros. No en tanto, no campo das batalhas religiosas, tais pra.ticas tiveram outros opositores, tal como os adeptos do nascente espiritismo, que, contagi ados peIo "espirito positivo~cientificista" do momenlO, na busca de credibilidade ptlblica e de converter fieis incutindo-lhes seus pressupostos, diziam possuir doutrina regida por "leis cientificas" ao querer "excluir qual quer maculf[ de seita" e julgavam-se "sabedores das verdadeiras luzes do mundo" e "de verdades eternas". Desta forma, um iniciado nessa religiao defendia uma consulta espirita e na~ a caboda do Castelo, por mais que ela fosse celebre. Recorrer a ela "seria imitar as crendices da gente reles" e s6 ocorreria ate "enquanto a policia nao pusesse cobro ao escandalo...". J a numa consulta espirita, "algum espirito podia [dizer] a verdade em vez de uma adivinha de farsa ... " Para urn medium espirita, "enfiado em larga camisola de seda" e usando "toda a terminologia espirita", assomada de "casos, fenome nos, misterios, testemunhos, atestados verbais e escritos", a cabocla devia ser deixada a fe das senhoras, pois eram delas "crenc:;:as da meninice".(Machado de Assis, 1959d:7,9,11,38,43-6,64,67,70 ; 1957h:10-1) Cabe aqui ressaltar que nesta obra, Esau e Jac6, a qual trata desses variados aspectos espirituais acima apontados, advindos de tradic:;:oes culturais e religiosas diversas, Machado sintetizou 0 hibridismo de nosso campo religi~ 34 oso, expondo a imbricac:;:ao das praticas ori catolicismo e 0 confronto com 0 espiritismc bases do que seria, posteriormente, denomin nomes dados as pessoas podem predestina: ligac:;:ao entre 0 fato dos filhos do casal Sanl quais a cabocla disse terem brigado no ventr des entre estes, porque os dois apostolos do garam, assim como Esau e Jaco, figuras do brigado por causa da primogenitura. Porem l\Iachado nilO recorre ao eSI conto Uma visita de Alcibiades, 0 desemba S1c:;:aO, juntamente com Santos, aCllna citado, essa doutrina propagaya, ao ler Plutarco, fun litava envoh'er "a imagina<;ao numa especie vel as evocac;:oes mentais", transportou-se pa de Alcibiades, ate que, ao terminar de [umar, de subilO pensou qual seria a impressiio daqu ario. Desta feita, enfatizando (lue era "urn 1 podendo mesmo dizer que vlvia, cornia, dor cafe e esperava "morrer na fe de Alan Kard! os sistemas sao pura niilidades", tinha adota, sim, sendo espiritista, evocou "\lcibiades a c fez rapido, aproximando duas civilizac:;:oes. ; impalpavel" e, sim, "urn homem de carne e mente a sua frente, entrando a con\'ersar sob o grego empalideceu, cambaleou e caiu r desembargador mandou~o para 0 necroteno. o espiritismo sen-iu como assunto nas quais, quasc sempre, ri, brinca e ironiza sc cando, as vezes, compreende-los, por mais « correndo a estrategias comicas. Desta forma situac:;:oes nebulosas, como uma que exigia p: teoria de Newton, sugerc consultar 0 propri vez que nao entendia nada de astronomia. Er brasileiros acabavam de dar um golpe de m! urn medium com fama de ser prodigioso e sileira nomeado uma comissao para estudar nao valia a fama e que os trabalhos ficararr Europa e outro:; paises. mas que 0 problen "estao sujeitas a esse::; eclipses" e "nao estao Fora i5S0 a Federac;:ao lamenta\'a que diante mular os fenomenos que obtem nas condie;: 35 OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.J, Jan/Jun, 2002 por 1SS0 e que nao a botava para fora, a pedir... A caboda explicava sonhos e pensa .'U;Vll1\,Ul1\.lU de Assis, 1959d:43-4) .v·OLU1l1C era "velho e velhissimo" e, no interior da que lembrasse misterio ou incutisse pavor, ne bicho empalhado, esqueleto ou desenho registro da [Festa de Nossa senhora da 1Con lembrar misterio... mas nao metia medo". A eo ritual sem afetas-ao. "Era uma crtaturinha , com urn raminho de arruda nos cabelos, 0 sacerdotisa", embora seu "misterio" estivesse e compridos, que entravam pelo consulente tempo que interrogava, Em transe, de posse de ausente, com urn cigarro aces so, ao som de uma do Norte murmuradas por urn velho cabodo, futuras", ate que, por fim, 0 fregues, se alegre "~lu,-uLa mil-reis, quando 0 pres-o do costume era seus objetos e saia.(Machado de Assis, 1959d:7 no norte do pais, assim como outros cabodos polleia, remete a presens-a dos cabodos no uni II'J[l1~J'lC1J'l1", que, sendo Figura mestis-a, esta vlncula os indios, donas da terra e ligados a natureza _,U.J\..UU'V, ...,UU\.ilU das batalhas religiosas, tais praticas tiveram adeptos do nascente espiritismo, que, contagi _.,.,,_r,pntificista" do momento, na busca de ."n"rprtpr fieis incutindo-Ihes seus pressupostos, por "leis cientificas" ao querer "exduir qual "sabcdorcs das yerdadeiras luzes do Desta forma, urn iniciado nessa religiao r.fu~ ~clt5u-(r(l1.H/ -:",gn1:ru, lJ(YL 'nr.il" 'ljlft:'1h>.. "seria imitar as crendices da gente reles" e so nao pusesse cobro ao esdindalo... ". Ja numa podia [dizer] a verdade em vez de uma Plt:d11.l!Il espirita, "enfiado em Iarga camisola de espirita", assomada de fenome n,,;,.a'",uo verbais e escritos", a cabocla devia ser eram delas "cren<;as da meninice".(Machado 7,70; 1957h:l0-1) nesta obra, Esau e Jaco, a qual trata desses apontados, advindos de tradi<;oes culturais sintetizou 0 hibridismo de nosso campo religi 34 oso, expondo a imbrica<,:ao das praticas origin arias dos amedndios com 0 catohcismo e 0 confronto com 0 espiritismo, que, amalgamados, crtavam as bases do que seria, posteriormente, denominado de umbanda. Aponta que os nomes dados as pessoas podem predestinar seus caminhos ao estabelecer liga<;ao entre 0 fato dos filhos do casal Santos chamarem Pedro e Paulo, os quais a cabocla disse terem brigado no ventre da mae e indicando as rivalida des entre estes, porque os dois apostolos do Novo Testamento tam bern bri garam, assim como Esau e Jac6, figuras do Velho Testamento, tinham ainda brigado por causa da primogenitura. Porcm Machado nao recorre ao espirttismo apenas nessa obra, No conto Uma visita de Alcib{ades, 0 desembargador Alvares, que por sua po si<;ao, juntamente com Santos, acima citado, indica 0 meio abastado em que essa doutrina propaga,'a, ao ler Pluta reo, fumando um charuto, que possibi litava envolver "a imaginas-ao numa especie de nimbo extremamente favora vel as evoca<;oes mentais", transportou-se para a antiga Atenas, pois lia a vida de Alcibiades, ate que, ao terminar de fumar, voltou aos tempos modernos e de subito pensou qual seria a impressao daquele ateniense sobre n0550 vestu ano. Desta feita, enfatizando que era "urn tanto espiritista (...), ate muito", podendo mesmo dizer que 'livia, comia, dormia, passeava, conversava, bebia cafe e esperava "morrer na fe de Alan Kardec", pois "convencido que todos os sistemas sao pura niilidades", tinha adotado "0 mais jovial de todos". As sim, sendo espiritista, evocou Alcibiades a comparecer em sua casa e esse 0 fez tapida, apraximando duas civilizayoes. Mas, esse "nao era uma sombra impalpavel" e, sim, "um homem de carne e ossos", que se sentou benevala mente a sua frente, entrando a conversar sobre 0 assunto de interesse, ate que o grego empalideceu, cambaleou e caiu no chao. Dian te do cadaver, a desembargador mandou-o para 0 necroterio.(Machado de Assis, 1956a:203-7) o espiritismo serviu como assunto em varias cronicas machadianas, nas qua~s, quasc selnpre, ri, brinca e lroniza seus enunciados e principios, bus cando, as vezes, compreende-Ios, por mais estranheza que provocassem, re oottendo a estrateglaS comicas. Desta forma, ha momentos em que diante de situa~oes nebulosas, como uma que exigia para sua solus-ao conheCImento da teoria de Newton, sugere consultar 0 proprio, por meio do espiritismo, uma vez ~ue nao entendia nada de astronomia. Em outro, comenta que os espiritas brasilerros acabavam de dar um golpe de mestre, quando apareceu na cidade ~. medium com fama de ser prodigioso e tendo a FederaS-ao Espirita Bra siletra nomeado uma comissao para estudar os fenomenos, concluiu que de nao valia a fama e que as trabalhos ficatam abaixo do que se conseguia na Eur~pa e ~utros paises, mas que 0 problema estava nas mediunidades, que "estao Su)eHas a esses eclipses" e "nao estao senrilmente nossa dispasis-ao". Fora 1550 a Federa<;:ao lamentava que diante de tudo a medium huscasse "5i mular os fenomenos que obtem nas condis-oes normais..." Segundo Macha a 35 , OPSIS - Revista tiD do, chistosamente, "0 medium nao s6 foi (...) apenas mmtmum, mas ate procurou embas:ar a Federas:ao."(lvlachado de Assis, 1958b:177 ; 1956c:123) As estrategtas e argumentos usados pelos propagadores da nova dou trina, geralmente expostos nas conferencias promovidas pela Federa<;:ao ou publicados na Uniao Espirita na busca de adeptos e de convemles, tambem nao escaparam eritica machadiana, principalmente devido a sua indisposis:ao a tudo que se propagava como sendo verdade unica e absoluta, levando-o a destilar sua eostumeira ironia em varios eseritos sobre essa doutrina e suas praticas. Dentre eles, destaeamos a afirma<;:ao de que 0 espiritismo e a ultima, verdadeira e definitiva doutrina e que substituiria todas as religioes do passa do. 0 eronista reeorre sempre a essa proposi<;:ao, quando depara com fatos obscuros e irnpossiveis de destrin<;:ar ocorridos na cidade, buscando soluciona los, usando de carnavaliza<;:oes, que acabam por ridieulizar toda e qualquer no<;:ao de ,-erdade ou de tal pretensao. Isso aconteee nao s6 ao que diz respei to a essa doutrina. A artimanha para conquistar simpatias e fieis de divulgar Iista de pessoas eminentes da Europa que acreditavam no espiritismo, foi por ele tambern censurada, pois, no seu dizer, tudo ocorria de forma como se as pessoas devessem crer, por crer "em tudo aquilo que na Europa e acreditado".(~1achado de Assis, 1955b:297-9 ; 195%:188) Ao redor do principio da encarna<;:ao e reencarna<;:ao, Machado fez yarias elucubra<;:oes, supondo situa<;:oes tratadas de forma humoristica, as quais contribuiam para difundir alguns de seus principios. Assim, ao vislumbrar uma certa "promiscuidade geral dos desencarnados", divulga 0 principio de que 0 espirito pode reencarnar, inclusive, na mesma familia, sendo viivel que um homem pudesse ter uma ftlha, depois morrer e voltar filho dela ou urn menino voltar filho de urn prin10. Se, em alguns momentos, pesa a mao contra os espiritistas, dizendo que "0 espiritismo nao e menos curanderia" que os outros curandeiros e que, se fosse "legislador, mandava fechar todas as igrejas des sa religiao", em outros, em tom ate didatico, enfatiza que "0 princi pio espirita e fundado no progresso", e a leI e "nascer, morrer, tornar a nascer e renascer ainda, progredir sempre", sendo que "0 renascimento e para me lhor. Cada espirita, em se desencarnando, vai para os mundos superiores". Reflete ainda sobre a distancia entre 0 espiritismo e 0 bramanismo, dizendo que "0 principio espirita nao e 0 mesmo da transmigras:ao, em que as aIm as" vao para os corpos dos animalS, mas fundado no progresso.(Machado de Assis,195%:100-2,188) Acreditando ser representativo do pensamento ultimo de Machado a respeito do espiritismo, em 1895, ele defende seu exercicio, pois a Constitui <;:ao estabclece 0 direito de liberdade religiosa. No seu dizer, 0 espiritismo e uma religiao, que ele nao sabia "se falsa ou verdadeira", embora os espiritas dissessem "que verdadeira e unica", frente ao que ressaIta que "presun<;:ao e agua benta cada um toma a que quer". "Se verdadeiros ou nao, [continual 0 a 36 e fato que "escrevem-se e publicam-se inUn jornais espiritas", e no Rio havia uma ou dl acredita,ra que "nao se gasta tanto papel, em a palavra que se esta escrevendo e a propria" seguinte, 1896, comenta (lue "ha muito que ( tos escreyem pclos dedos dos vh'os" e que mundo e neste final de urn grande seculo".(1 Desta forma, a cultura carioca oitoc< diversas de religiosidade e de expcriencias , com 0 divino. 0 campo religioso apresent possibilidades variadas de vivenciar a proCl debatem em confronto entre si, quanto se a] produzindo form as hibridas e sincreticas de lam os homens a seus deuses com tambem a em parte de seus las:os de sociabilidade. Fontes e Referencias B BORGES, Valdeci Rezende. Em busca do 11 Rio de l\1achado de Assis. Estudos Histor, Pesquisa e Documenta<;:ao da Hist6ria Conte Getulio Vargas, no. 28, p 49-69, 2OC)!. BOCRDIEC, Pierre. A Economia das TrOt pectiva, 1977. GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Si Paulo: Cia. Das Letras, 1989. ivL\CI1ADO DE ASSIS, Joaquim r.1aria. C 10: WMJackson inc., 1955a. Cronicas v. 1. ,1955b. _. Cronicas v. 2. . 1955c. Cronicas v. 4, ,1955d. _. Helena. 1955e. _. Historias da Meia·Noite. . 1955f. _.Historias Romanticas. _' 1955g. _. laid Garcia. 1955h. _. Memorial de Aires. . 19551. Pdginas Recolhidas. _. 1955,. Reliquias de Casa Velha v. 1. _. 195: Contos Esquecidos. Rio de Janeiro: ClY _. Contos Sem Data. 1956b. _. Didlogos e Rejlexoes de um Relojoeiro _' A Mao e a Luva. Sao Paulo: \\:M. Jad 37 < OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.J, Jan/Jun, 2002 mio s6 foi (...) apenas minimum, mas ate .....'''.WH.<V de Assis, 1958b: 177 ; 1956c:123) usados pelos propagadores da nova dou conferencias promovidas pela Fede1:a.;;.io 0\1 na busca de adeptos e de conversoes, tambem principalmente devido a sua indisposi<;i'lO sendo verdade unica e absolura, levando-o a .em vanos escritos sobre essa doutrina e suas a afirma<;ao de que 0 espiritismo e a ultima, e que substituiria todas as religioes do passa a essa proposic;ao, quando depara com fatos ocorridos na cidade, bus cando soluciomi que acabam por ridiculizar toda e qualquer .t:em;ao. Isso acontece nao 56 ao que diz respei para conquistar simpatias e fieis de divulgar R..ur(ma que acreditavam no espiritismo, foi por seu dizer, tudo ocorria de forma C01no se as crer "em tudo aquilo que na Europa e 1955b:297-9; 195%:188) da encarnac;ao e reencarnac;ao, 1\Iachado fez .......G.'rv'~" tratadas de forma humoristica, as quais de seus principios. Assim, ao vislumbrar dos desencarnados", divulga 0 prindpio de inclusive, na mesma familia, sendo viavel que depois morrer e voltar filho dela au urn Se, em alguns momentos, pesa a mao que "0 espiritismo nao e menos curanderia" se Fosse "Iegislador, mandava fechar todas as em tom ate di&itico, enfatiza que "0 princi e a lei e "nascer, morrer, tornar a nascer sendo que "0 renascltnento e para me ............u"',...... ,Tal para os mundos superiores". entre 0 espiritismo e 0 bramanismo, dizendo o mesma da transmigra<;ao, em que as almas" mas fundado no progresso.(Machado de J, do pensamento ultimo de Machado a ele defende seu exerdcio, pois a Constimi religiosa. No seu dizer. 0 espiritismo e "se falsa au verdadeira", embora os espiritas , frente aa que ressalta que "presun<;ao e quer". "Se verdadeiros ou nilO, [continua] 0 36 fata e que "escrevem-se e publicam-se inumeros livros, folhetos, re"istas e jornais espiritas", e no Rio havia uma ou duas folhas espirita, alem do que acreruta,'a que "nao se gasta tanto papel, em tantas linguas, senao crendo que a palavra que se esta escrevendo e a propria verdade..." Para finalizar , no ano seguinte, 1896, comenta que "hi muito que os espiritas afirmam que os mOf tos escrevem pelos dedos dos vivos" e que para ele "tudo e POSSI\'el neste mundo e neste final de urn grande seculo".(Machado de Assis, 1957b:26,274) Desta forma, a cultura carioca oitocentista esta permeada de formas di"ersas de religiosidade e de experiencias voltadas para a busca de Iigac;ao com 0 divino. 0 campo religioso apresenta-se marcado pela presenc;a de possibilidades variadas de vlvenciar a procura do sagrado, as quais tanto debatem em confronto entre si, quanta se aproximam nas pniticas dos tieis, produzindo formas hibridas e sincreticas de religiosidade, que nao so vincu lam os homens a seus deuses com tambem aos outros homens, constitumdo em parte de seus lac;os de soclabilidade. FOlltes e Referihlcias Bibliogrtificas BORGES, Valdeci Rezende. Em busca do mundo exterior: sociabilidade no Rio de Machado de Assis. Estudos Historicos. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentac;:ao da Historia Contempodmea do Brasil da Funda<,;ao Getulio Vargas, no. 28, p 49-69, 200l. BOURDIEC, Pierre. A Economia das Trocas Simb6licas. Sao Paulo: Pers pectiva, 1977. GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais: morfologia e hist6ria. Sao Paulo: Cia. Das Letras, 1989. MAClMDO DE ASSIS, Joaquim Maria. Contos Fluminenses v.2. Sao Pau lo:WM.Jackson inc., 1955a. Cronicas v. 1. . 1955b. Cronicas v. 2. . 1955c. _. Cronicas v. 4. . 19S5d. _' Helena. _. 19S5e . . 1955f. _. Historias da Meia·Noite _Hist6rias Romanticas. 1955g. _. laid Garcia. . 1955h. Memorial de Aires. . 1955i. _. Pdginas Recolhidas. _. 1955j. _' ReUquias de Casa Velha v. 1. _. 19551. _. Contos Esquecidos. Rio de Janeiro: Civiliza<;ao Brasileira, 1956a . _. Contos Sem Data. 1956b. _' Didlogos e Reflexoes de um Relojoeiro. _. 1956c. _' A Mao e a Luva. Sao Paulo: \\:1\1. Jackson inc., 1957a 37 OPSIS - Revista do A Semana v. 3. 1957b. _. Dam Casmurra. _. 1957c. 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Disso religiosos cristaos em quase nada influeneiat de fazer, visto que Igreja (como institui<;:ao) tados na lei. Apesar da atual sociedade, aparentc s6lida, temos que ter em mente que cia so mente ha pouco tempo. malS preeisamente e s6 se consolidou a partjr do positivismo vivemos em uma sociedade ainda em form mente, nao influencia tanto a nossa maneir: E isto s6 e verdade para as eham2 hoje, existem diversas sociedades ditas tee arabes (Irii) , 0 Afeganistao, onde 0 fundarr em todos os nh-eis. 1 Este texto foi prodU7ido a partir do curso ministr e Religiosidadcs com 0 objetivo de apresentar algUi as rcferencias dos filmes analisados. 2 Mestre em Historia pcla UFSC Universidade F Historia da rcdc publica do [stado de Minas Gerai 38 39 c