Anatomia e Fisiologia do Intestino Grosso Fernando Cordeiro ANATOMIA CÓLON O intestino grosso é representado pelo ceco, cólon e reto, tendo em continuação o canal anal. Embora pareça um órgão único, o cólon é embriologicamente dividido em duas partes: o cólon transverso e a porção próxima a ele, que são derivados do intestino médio e supridos pela artéria mesentérica superior, e a metade distal do cólon, que é derivada do intestino posterior e irrigada pela artéria mesentérica inferior. Formado pelo ceco, 1 ascendente, flexura hepática, transverso (comumentemente chamado de cólon direito até a metade proximal do transverso), flexura esplênica, descendente e sigmóide (chamado de cólon esquerdo, iniciando-se na metade distal do transverso) (figura 1), o cólon possui apêndices epiplóicos que são pequenas saliências de gordura, localizadas na borda antimesentérica. As três tênias (anterior ou libera, póstero-medial ou mesocólica e posterior ou omental) correspondem ao espessamento da musculatura longitudinal, têm início na base do apêndice vermiforme, seguem todo o cólon e confluem para formar a camada longitudinal muscular do reto.1,2 Fig.1: situação anatômica dos cólons. O cólon é revestido quase que completamente pela serosa sendo que à lateral direita do ascendente é denominada de goteira parietocólica direita e à lateral esquerda do descendente, goteira parietocólica esquerda. Dois pontos têm relevância cirúrgica, o primeiro localizado na transição do ângulo esplênico e o cólon descendente, chamado de ponto avascular de Nuck e o segundo localizado na transição entre o descendente e o sigmóide, junto à crista ilíaca ântero-superior externa esquerda que é a fosseta intersigmoidiana, local em que o ureter cruza a artéria ilíaca esquerda. Segmentação Ceco O ceco se encontra na fossa ilíaca direita, proximalmente limitado pela válvula ileocecal (válvula de Bauhim), espessamento da camada muscular circular do íleo terminal, que consiste de dois lábios, superior e inferior, de forma semilunar com função anti-refluxo e apresenta ainda na sua parte mais baixa, o apêndice vermiforme, estrutura alongada situada cerca de 3 cm abaixo da válvula ileocecal e que pode se apresentar de maneira retrocecal (63%), pélvico (31%), subcecal (2,3%), pré-ileal (1%) e pós-ileal (0,4%).1,3 Ascendente O cólon ascendente está localizado na transição do flanco direito e região lombar direita, estende-se do ceco à flexura hepática por cerca de 15 cm. A porção posterior não conta com a serosa mas é separado da parede posterior do abdome por um tecido areolar frouxo (fáscia de Toldt). Flexura hepática A flexura hepática é a angulação medial do segmento distal do cólon ascendente com o proximal do cólon transverso, suspensa pelo ligamento frenocólico. Relaciona-se com o lobo direito do fígado, a vesícula biliar, o pólo superior do rim direito e a anteriormente à segunda porção do duodeno. 2 Transverso O cólon transverso é o segmento mais longo do cólon (45 cm.), localiza-se no andar superior do abdome, imediatamente abaixo da grande curvatura gástrica, relacionando-se a esta pelo grande omento e através do seu mesocólon com o pâncreas e os grandes vasos. Flexura esplênica A flexura esplênica, também suspensa pelo ligamento frenocólico, constitui a angulação formada pela porção caudal do cólon transverso e pela porção cranial do cólon descendente. Tem ângulo mais agudo, alto e profundo que a flexura hepática. Por vezes é firmemente fixada ao baço pelo ligamento lienocólico que, se tracionado bruscamente durante uma operação, pode determinar trauma esplênico. Também isento de peritônio na sua porção posterior, está em contato direto com o pólo superior do rim esquerdo. Descendente O cólon descendente tem cerca de 25 cm de extensão e se encontra em contato direto com o rim esquerdo e seu ureter, músculo psoas, quadrado lombar e transverso abdominal e assim como o segmento ascendente do cólon, é um segmento fixo e sem peritônio em sua face posterior. Sigmóide O último segmento do cólon é o sigmóide, que tem uma forma de “sigma”, com uma extensão que varia de 15 a 50 cm, usualmente com aproximadamente 40 cm, totalmente revestido pelo peritônio, com um meso bastante longo o que lhe confere sua mobilidade e relacionando-se com as alças de delgado, ureter esquerdo e os órgãos pélvicos. 1,3 3 Camadas Parietais Serosa Reveste o cólon do ceco ao reto, apresentando pequenas saculações peritoneais e ricas em tecido adiposo, designadas “apêndices epiplóicos”. No cólon ascendente, a serosa reveste as partes anterior, lateral e medial. A porção lateral em contato com a parede é denominada goteira parietocólica direita, esta avascular. Medialmente, continua-se com o meso. No ângulo hepático, está em contato com o lobo direito do fígado e parcialmente recoberto por este. No transverso, a serosa reveste o cólon em toda a sua extensão e está em contato com o omento maior. No ângulo esplênico surge o ligamento denominado frenocólico, que serve de sustentação para o baço. No descendente, o peritônio recobre as partes anterior, lateral e medial. Nesta, continua-se com o meso e, lateralmente, forma a goteira parietocólica esquerda, ponto importante na liberação do cólon esquerdo e ângulo esplênico. É a zona avascular (ponto avascular de Nuck). O sigmóide tem uma parte fixa (segmento ilíaco) e outra móvel (segmento pélvico). A parte fixa ou superior é a continuação do cólon descendente, apresentando as mesmas características deste. A parte móvel ou inferior tem uma grande mobilidade devido à longa extensão de seu meso. Considera-se arbitrariamente o ponto de transição entre o cólon descendente e o sigmóide como sendo a crista ilíaca ântero-superior externa esquerda. Um ponto importante de referencia para o cirurgião é a fosseta intersigmoidiana, local em que o ureter cruza a artéria ilíaca. O reto, no seu terço superior, é totalmente revestido de serosa. No terço médio, é revestido somente na face anterior, enquanto o terço inferior, que se situa abaixo da reflexão peritonial, totalmente desprovido de serosa, assim como o canal anal. Muscular Nos cólons, esta estrutura é de natureza lisa, longitudinal na sua porção externa e circular na interna. A camada externa se dispõe em forma de 4 tênias que são de três tipos: anterior, livre, póstero-medial e pósterolateral. Esta disposição cria pontos de fraqueza o que permite a formação dos divertículos. No reto, como a musculatura longitudinal reveste todas as paredes, desaparecem as tênias e portanto não encontramos a presença de divertículos. Submucosa Apresenta-se unida superiormente à muscularis mucosae inferiormente à musculatura circular, sendo percorrida por vasos linfáticos. À medida que se aproxima do canal anal, vai se tornando flácida, onde se situam os plexos hemorroidários, que se dilatam, formando verdadeiras varizes, quando existe a doença hemorroidária. Esse espaço é denominado “espaço submucoso”, onde se injetam as substâncias esclerosantes para o tratamento das hemorróidas internas. Mucosa Formada por epitélio cilíndrico mucoprodutor, sustentado por um tecido conjuntivo da lâmina própria que é rico em vasos linfáticos, fibras nervosas e infiltrados linfoistiocitários. É mais achatada do que a do intestino delgado, devido ao fato de as vilosidades serem mais profundas. Na altura do anel anorretal o epitélio cilíndrico começa a se transformar em epitélio cúbico, e na altura da linha pectínea esse epitélio começa a apresentar características de epitélio escamoso, ponto em que o denominamos de transição, importante no estudo das enfermidades neoplásicas locais. 2 Vascularização Arterial A origem embriológica do intestino grosso reflete-se na distribuição arterial. A porção direita é irrigada pela artéria mesentérica superior através de seus ramos ileocecocólico, cólica direita e cólica média, enquanto o cólon 5 esquerdo é irrigado pela artéria mesentérica inferior, que se origina cerca de 3 a 4 cm acima da bifurcação da aorta (3ª vértebra lombar), através das artérias cólica esquerda, sigmoidianas e retal superior. A artéria cólica média emerge da artéria mesentérica superior, ao nível da borda inferior do pâncreas, passando para o lado direito do mesocólon transverso, e depois se divide em dois ramos: o direito, que se anastomosa com o ascendente da cólica direita, e o esquerdo, que se anastomosa com o ramo ascendente da cólica esquerda. A artéria cólica esquerda divide-se em um ramo ascendente e outro descendente, o primeiro dirige-se ao ângulo esplênico e o descendente se anastomosa com a primeira sigmoidiana. A artéria mesentérica inferior, após a saída da artéria cólica esquerda, desce verticalmente em situação retroperitonial, cruzando a artéria e a veia ilíaca esquerda, emitindo as artérias sigmoidianas em número variável de dois a seis. O conhecimento das possibilidades de distribuição e arranjo das artérias cólica esquerda e sigmoidiana é importante nas operações de abaixamento do cólon, pois a ligadura da artéria cólica esquerda obriga o abaixamento do ângulo esplênico ou transverso. (figura 2). Fig.2: irrigação arterial do cólon e reto. Estes ramos principais se dividem para formar uma rede arterial interligada que chega à parede colônica pelo bordo mesocólico, artérias marginais de Drummond. A comunicação entre a artéria cólica média (ramo 6 da artéria mesentérica superior) e a artéria cólica esquerda (ramo da artéria mesentérica inferior) recebe o nome de arcada de Riolan. (figura 3) Fig.3: arcada de Riolan. No suprimento arterial verificam-se pontos de descontinuidade das artérias marginais que podem ser sede de isquemia. São eles o ponto crítico de Griffith (flexura esplênica) e o de Sudeck (entre a sigmoidéia inferior e a retal superior). 1,2 A artéria retal superior é continuação da mesentérica inferior. Depois de emitir ramos retossigmoidianos, bifurca-se na porção do reto em dois ramos laterais, os quais descem de cada lado do reto, emitindo pequenos ramos até o nível da reflexão peritonial. Esses ramos penetram na camada muscular e atingem a submucosa, de onde, como vasos retos, descem até as colunas retais, ao nível da linha pectínea, terminando sob a forma de plexos capilares. A artéria retal superior direita divide-se em dois ramos que descem ao nível das faces posterior e anterior do reto, enquanto o ramo esquerdo continua sem se dividir até o nível da face lateral esquerda do reto. Como a veia retal superior acompanha a artéria, este arranjo seria responsável pela distribuição das hemorróidas internas. A relação da artéria retal superior com o ureter é importante. Devido ao desvio do seu tronco para a esquerda, passa próxima ao ureter e vasos espermáticos esquerdos, 7 que correm o risco de serem lesados durante a ligadura do tronco da artéria mesentérica inferior e da artéria retal superior. Os ramos da artéria retal superior anastomosam-se com os da retal média, inferior e sacral média, que irrigam o reto inferior e o ânus. A artéria retal média origina-se do ramo anterior da artéria ilíaca interna e ocasionalmente da artéria vesical e chega ao reto, onde se anastomosa com os ramos das artérias retais superior e inferior. A artéria retal inferior deriva diretamente da ilíaca através de seu ramo pudendo. As artérias atravessam a fossa obturadora e se dividem em dois a quatro ramos terminais, que se dirigem medialmente para alcançar os músculos esfincterianos, tecido submucoso e subcutâneo do canal anal. (figura 4). Fig.4: circulação arterial do anorreto. A artéria sacral média é vaso único que se origina na face posterior da aorta, estendendo-se até a ponta do cóccix. A lesão desta artéria durante a operação do reto é causa de hemorragia grave. Venosa As veias acompanham as artérias quanto à sua origem, número e distribuição, recebendo também a mesma nomenclatura. Exceção é apresentada pela veia mesentérica superior, que recebe a gastroepiplóica antes de entrar na veia porta. As outras tributárias da mesentérica superior, isto é, pancreática, jejunais, ileais, ileocecocólica, veias cólica direita e média, correspondem exatamente aos ramos arteriais. 8 A veia mesentérica superior se inicia ao nível do íleo terminal, tem trajeto obliquo para cima na raiz do mesentério e situa-se à direita e em frente da artéria correspondente. Ambos os vasos descrevem uma curva com convexidade para a esquerda, cruzando a terceira porção do duodeno. A veia mesentérica inferior começa como continuação da veia retal superior, que drena o sangue do reto e porção superior do canal anal. Tem trajeto ascendente, recebendo os ramos retossigmoidianos, sigmoidianos, cólica esquerda e seguindo de perto as respectivas artérias. Ao nível da origem da artéria cólica esquerda, a veia correspondente tem trajeto próprio, sentido cranial atrás do peritônio, sobre o músculo psoas, em direção ao lado esquerdo da quarta porção do duodeno. Continua atrás do corpo do pâncreas, penetrando na veia esplênica a cerca de 3 a 4 cm da união desta com a veia mesentérica superior, isto é, tronco porta. A veia mesentérica inferior pode também desembocar diretamente na veia mesentérica superior ou ao nível da junção das veias esplênica e mesentérica superior. As veias do reto compreendem a retal superior, que drena na mesentérica inferior e sistema porta, e as veias retais média e inferior, que alcançam a circulação geral através das veias ilíacas internas. Linfática A drenagem linfática do cólon acompanha a irrigação arterial principal e envolve uma rede de nódulos linfáticos, divididos em intrínsecos e extrínsecos, estes distribuídos em quatro grupos de acordo com a proximidade do cólon. Os intrínsecos ficam na parede do cólon, sendo que os da mucosa drenam da lâmina própria para a submucosa, muscular e serosa. Os extrínsecos epicólicos localizam-se na parede acima da serosa, os paracólicos nas arcadas marginais, os intermediários acompanham os vasos principais das mesentéricas e são o meio pelo qual a célula cancerosa da mucosa pode propagar-se (metástases). (figura 5) 9 Fig.5: drenagem linfática do cólon. Em relação ao reto e canal anal, a drenagem é feito por três pedículos: a.superior, que acompanha a artéria retal superior, artéria mesentérica inferior, que por sua vez é ramo da aorta e que acompanha exatamente a artéria retal superior; b.médio, que acompanha a artéria retal média, indo localizar-se na asa do sacro em um só gânglio, chamado de gânglio de Quenu, geralmente no ponto em que a retal média se origina na ilíaca interna (figura 6); c.inferior, que acompanha a artéria retal inferior, que normalmente drena para a região inguinal.(figura 7) 2 Fig.6: linfáticos do reto – representação esquemática da drenagem linfática e dos gânglios das artérias retais média e superior e da artéria mesentérica inferior. 10 Fig.7: linfáticos do canal anal – representação esquemática da drenagem linfática. Inervação A inervação do cólon, reto e canal anal segue a origem embriológica. Considerando-se a divisão anatômica do reto e canal anal, tendo como ponto de divisão (limite) a linha pectínea, veremos que a porção endodérmica (cólons e reto) recebe inervação autônoma (vegetativa), enquanto a porção ectodérmica (canal anal) recebe inervação cerebrospinal (sensitiva). A inervação autônoma dos cólons e reto é feita pelo simpático e parassimpático. Consideramos como inervação intrínseca as formações neuronais que se situam na camada submucosa (plexo de Meissner) e aquelas que se situam entre Auerbach). A a camada muscular longitudinal e inervação apresenta intrínseca uma circular (plexo de independência da inervação extrínseca, uma vez que, quando seccionamos o vago, a fisiologia intestinal se mantém. Por outro lado, a ausência ou destruição desses plexos causa sérios distúrbios na motilidade colorretal, uma vez que desaparecem os estímulos responsáveis pela contratilidade da musculatura lisa (megacólon congênito e megacólon adquirido). 11 A inervação extrínseca é representada pelo simpático e parassimpático. A inervação parassimpática é representada por uma porção craniossacral, através do 10º par craniano (nervo pneumogástrico ou vago) e uma porção caudal através de S2,S3 e S4. Até metade do cólon transverso e algumas vezes até o ângulo esplênico a inervação é vagal. No cólon descendente, sigmóide e reto, a inervação é feita por S2,S3 e S4. As fibras parassimpáticas são pré-ganglionares em toda parte extrínseca, indo estabelecer sinapses no plexo submucoso (Meissner) e mioentérico (Auerbach). A inervação simpática é medular, indo de T5 a L2. Os neurônios préganglionares simpáticos estão situados na coluna lateral da medula. A fibra pré-ganglionar alcança o tronco simpático pelos ramos comunicantes brancos, que chegam aos gânglios pré-vertebrais (celíaco, mesentéricos superior e inferior através dos nervos esplâncnicos), onde fazem sinapse com os neurônios pós-ganglionares. A união de fibras gânglio celíaco e mesentérico superior formam o plexo mesentérico superior. Entre o gânglio mesentérico superior e o inferior existe uma cadeia ganglionar denominada intermesentérico. O plexo mesentérico inferior é representado por um gânglio situado na origem da mesentérica inferior e fibras da cadeia ganglionar intermesentérica. Ao nível da bifurcação da aorta, encontramos gânglios e fibras nervosas do plexo hipogástrico superior. Este plexo subdivide-se em duas cadeias laterais, acompanhando as porções laterais do reto até o seu final, constituindo o plexo hipogástrico inferior. A inervação do canal anal é cérebroespinal, representada pelo nervo pudendo, que se origina do plexo sacral, indo inervar toda a margem do canal anal e o esfíncter externo (nervos hemorroidários). O pudendo emite ramos para a bexiga, o que explica a retenção urinária nos pós-operatórios da hemorroidectomia. 2, RETO Os conhecimentos sobre a anatomia da região anorretal e sobre o mecanismo da continência e da evacuação são imprescindíveis para o 12 diagnóstico diferencial das diversas doenças proctológicas, bem como na decisão do melhor método terapêutico a ser empregado. Segmentação Reto O reto constitui a parte terminal do tubo digestivo. Do ponto de vista cirúrgico, considera-se o reto começando no nível do promontório sacral e continuando no sentido caudal, acompanhando a curvatura do sacro e do cóccix, em uma extensão de 12 a 15 cm, aproximadamente, e termina no nível dos músculos elevadores do ânus, onde se inicia o canal anal. Sua porção distal está fixada ao cóccix e é denominada ampola retal. Esse segmento tem a capacidade de dilatar-se e armazenar as fezes até a evacuação. (figura 8) Fig.8: região anorretal – separando o reto do canal anal. A mucosa da parede da ampola retal contém receptores nervosos intramurais sensíveis à distensão. O preenchimento dessa ampola com conteúdo intestinal provoca sua dilatação, estimulando os receptores que conduzem essa informação, via parassimpático, ao sistema nervoso central, com identificação do grau de necessidade evacuatória. Com a dilatação progressiva da ampola retal, ocorre a contração voluntária, reflexa, do músculo esfíncter externo do anus e o relaxamento simultâneo do músculo 13 puborretal e do esfíncter anal interno que possibilitam o contrôle do ato evacuatório. Na sua porção caudal final, transição para o canal anal, encontra-se o Anel anorretal, discreto relevo contrátil que corresponde ao bordo superior da musculatura anal, coincidente com o exterior, determinado pelo músculo elevado do ânus e pela inserção do puborretal. 4 CANAL ANAL O canal anal tem, aproximadamente, 4 cm de extensão, se considerarmos como limite superior o anel anorretal, e como limite inferior a linha anocutânea, co papel fundamental na função evacuatória do conteúdo fecal, bem como na retenção de gases e fezes. (figura 9) Fig.9: canal anal – evidenciando linha anorretal, linha pectínea e anoderma. Canal Anal Está dividido em três áreas funcionais distintas: a. terço superior, entre a linha pectínea e alinha anorretal, revestido por mucosa que não difere histologicamente da retal. Este segmento apresenta receptores intramurais que possibilitam a identificação do estado do conteúdo intestinal e são parte importante do sistema fisiológico informativo que, a partir do sistema nervoso central, permite a evacuação voluntária; b. terço médio, extensão de poucos milímetros, sendo a zona de transição entre o epitélio cilíndrico da mucosa retal e o epitélio pavimentoso estratificado do anoderma que reveste a sua porção caudal. Nessa área de transição situam-se as papilas anais que dão continuidade às colunas de Morgagni e 14 as criptas anais, semelhantes a bolsas que contêm os orifícios de drenagem das glândulas anais (Glândulas de Chiari). Essas estruturas formam um conjunto anatômico ondulado denominado linha pectínea ou denteada; c. terço inferior, também denominado anoderma, situado logo abaixo da linha pectínea e revestido por epitélio pavimentoso estratificado não- queratinizado. Apresenta intensa sensibilidade, servindo de transmissor dos estímulos dolorosos até o sistema nervoso central. Sua porção distal, a linha anocutânea, separa o anoderma da pele perianal. 5 Aparelho esfincteriano É formado por uma série de estruturas que têm a função de continência para gases e fezes, em formato de um anel muscular. Esfíncter anal interno Formado por fibras musculares lisas, continuação caudal da camada muscular lisa da parede do reto e localizado, em forma de anel, no canal anal. (figura 10) Fig.10: esfíncter anal interno – continuação da camada de musculatura circular retal. É de contração involuntária e sua função na continência é de manter o ânus fechado, ficando em contração permanente, relaxando somente, antes e durante o ato evacuatório, para possibilitar a abertura do ânus. O fechamento anal é auxiliado também pelo corpo cavernoso retal. 15 Esfíncter anal externo Suas fibras são formadas por musculatura estriada, em continuação dos músculos elevadores do ânus, e, morfologicamente, constituído de três segmentos: profundo, superficial e subcutâneo. (figura 11) Fig.11: esfíncter anal externo – segmentação profunda, superficial e subcutânea. Apresenta contração voluntária e os três segmentos atuam como uma única unidade funcional. Sua importância na continência anorretal consiste, sobretudo, nessa ação voluntária pois, estando o esfíncter anal interno já relaxado, a onda peristáltica do cólon pode ser interceptada pela contração do esfíncter anal externo e assim retardando a evacuação por um curto período. Músculos elevadores do ânus Envolvem toda a circunferência da ampola do reto e parte do canal anal, fazendo parte da musculatura pélvica, constituída pelos músculos puborretal, pubococcígeo e isqueococcígeo. (figura 12). Fig.12: músculos elevadores do anus – evidencia também os músculos puborretais. 16 O músculo puborretal é formado por fibras de musculatura estriada, fixa-se nos lados do púbis, segue em direção a ampola retal, envolvendo o reto em sua parte posterior, à altura da linha anorretal (porção cranial do canal anal), formando uma angulação de 90º. Tem grande importância na continência anorretal, pois, com a sua contração, impede a entrada das fezes no canal anal. (figura 13) Fig.13: músculo puborretal – fixação no púbis e cóccix e seu envolvimento com o anorreto. Corpo cavernoso É constituído por uma rede de vasos arterio-venosos de paredes finas, chamada de plexo hemorroidário, localizado na submucosa do canal anal, entre a linha anorretal e alinha pectínea. Esse plexo, repleto de sangue oxigenado oriundo dos ramos terminais da artéria retal superior, localiza-se com freqüência, nas regiões anterior direita, posterior direita e lateral esquerda. Do corpo cavernoso, o sangue arterial circula em direção às veias retal média e superior e as alterações nessa circulação têm importância na etiopatogenia da doença hemorroidária. (figura 14) 17 Fig.14: corpo cavernoso – submucosa do canal anal e o espaço vascular do corpo cavernoso, sob pressão aumentada e diminuída, contribuindo para a continência. É sustentado pelo músculo do canal anal, continuação do esfíncter anal interno, formando uma unidade funcional, que fecha o ânus, contribuindo para a continência. Os órgãos de continência anorretal formam um complexo sistema de funções autônomas, sensoriais e motoras que possibilita a evacuação voluntária, a distinção de conteúdo intestinal e o fechamento do ânus. 5 Espaços celulares anorretais O reto extraperitoneal e o canal anal apresentam espaços anatômicos que, por serem sede de infecções, com certa freqüência conduzem à formação de abscessos. Devem ser conhecidos com detalhes pelo cirurgião, não só para sua drenagem, como também para o tratamento das fístulas que surgirem. São denominados: submucoso, perianal, isquiorretal, pelvirretal e retrorretal. (figura 15) 18 Fig.15: espaços anorretais – 1, pelvirretal. 2, perianal. 3, isquiorretal. 4, submucoso. Submucoso À medida que a submucosa vai se aproximando da linha pectínea, ela passa de a ter um espaço não mais virtual mas real, ou seja, se torna frouxa e neste local encontram-se os plexos hemorroidários. Quando por infecção das criptas há o aparecimento de secreção purulenta, deparamonos, neste espaço, com um abscesso submucoso. Este espaço é delimitado inferiormente pelo feixe medial da musculatura lisa longitudinal, que se vai inserir na linha branca de Hilton. Superiormente, continua com o plexo hemorroidário. Lateralmente, tem como limite o esfíncter interno e medialmente, a mucosa. O espaço submucoso corresponderia na realidade ao espaço interesfincteriano situado entre os músculos esfíncter interno e esfíncter externo, que seria uma continuidade do espaço perianal, estabelecendo uma continuidade com a mucosa submucosa. Perianal O espaço perianal tem como limite inferior a epiderme (pele), como limite superior o feixe lateral da musculatura lisa longitudinal, como limite medial o feixe medial da musculatura lisa longitudinal e o esfíncter externo, e, lateralmente, quase não tem limite, comunicando-se com o tecido adiposo do espaço isquiorretal. Isquiorretal Tem como limite inferior o feixe lateral da musculatura lisa longitudinal do reto, como limite medial a fibra longitudinal, porção profunda do esfíncter externo e esfíncter interno, superiormente é limitado pelo elevador do ânus e, lateralmente pela camada de tecido adiposo, indo até a borda das nádegas. 19 Pelvirretal Limita-se inferiormente pelo elevador do ânus, superiormente pela reflexão peritoneal, medialmente pela musculatura lisa longitudinal do reto e musculatura circular e, lateralmente, também pelo elevador do ânus. Retrorretal A fáscia, que reveste a pelve, é uma continuação da fáscia transversal. Esta fáscia envolve o reto, anteriormente, criando um ponto importante de clivagem entre o reto e a próstata, que recebe a denominação ligamentos de aponeurose laterais de (importante Denovillier. meio de Lateralmente sustentação do forma reto) os e posteriormente reveste o sacro, recebendo o nome de aponeurose de Waldeyer. Entre a parede do reto e a concavidade sacra, situa-se o espaço retrorretal. A porcentagem de formação de abscessos nesse espaço é insignificante e, quando isto ocorre, o prognóstico é sombrio devido a possibilidade de instalação de quadro séptico, uma vez que ele é rico em tecido linfático e grande vascularização. Os espaços pelvirretal e retrorretal são também denominados supradiafragmáticos, por estarem acima dos elevadores do ânus, enquanto os espaços perianal e isquiorretal são denominados infradiafragmáticos, por estarem situados abaixo dos elevadores do ânus. FISIOLOGIA As principais funções do cólon são: absorver água e eletrólitos presentes no quimo que entra pelo íleo e estocar o material fecal, determinando a freqüência, a consistência e o volume das evacuações. Em 24 horas, o cólon de uma pessoa sadia absorve cerca de 1300 ml dos 1500 ml de quimo líquido, além de sódio e potássio. As bactérias presentes fermentam os carboidratos complexos e produzem ácidos graxos de cadeia curta, além de constituírem cerca de 30 a 40% do bolo fecal. Para que 20 todos os processos digestivos e absortivos ocorram, é necessário que o material fecal seja impulsionado lentamente. A motilidade colônica adequada é controlada pelo sistema nervoso, intrínseco e extrínseco, e pela ação de vários hormônios que também agem estimulando-a (gastrina, colecistoquinina, substância P, encefalinas) ou inibindo-as (glucagon, peptídeo vasoativo intestinal e secretina). A agitação e mistura freqüentes permitem que todo o material seja exposto uniformemente à superfície mucosa para haver absorção ideal. Completado o processo, o conteúdo colônico a ser exonerado fica armazenado no sigmóide e no reto, sob a ação do controle voluntário da defecação. O tempo de transito orocecal é de aproximadamente 6 horas e o trânsito através de todo o intestino grosso leva em média 36 horas. A atividade motora intestinal é constituída de movimentos intestinais não-propulsivos (movimentos haustrais e movimentos segmentares) e propulsivos (propulsões haustrais e peristase ou movimentos em massa). 1 O peristaltismo no cólon é lento; entretanto, após as refeições, por ação reflexa ou hormonal, apresenta movimentos rápidos denominados “peristaltismo em massa”, cuja finalidade é conduzir as fezes para sua eliminação através do reto. (figura 16) Fig.16: peristalse de massa no cólon transverso. Quando o reto é distendido pelo conteúdo fecal, aparece a sensação de cólica abdominal pela contração da musculatura abdominal; o esfíncter interno, que normalmente se mantém contraído, relaxa-se, permitindo a 21 entrada de fezes e gases no canal anal. Uma vez atingido o canal anal, os receptores sensoriais da mucosa escamosa, por meio de mecanismos voluntários, possibilitam ou não a evacuação pela contração do esfíncter externo, com conseqüente abertura ou fechamento do ânus. 2 As fases de continência e de esvaziamento anorretal resultam da cooperação entre os nervos reflexos involuntários e os motores voluntários. Todas as estruturas dos órgãos de continência estão ligadas umas às outras pelo sistema nervoso anorretal, sob o controle do sistema nervoso central e do sistema vegetativo. O mecanismo voluntário da evacuação depende do encéfalo, enquanto as capacidades de reação aos estímulos sensitivos e motores são coordenadas pela medula espinhal. Esse controle da continência anorretal é realizado pelos nervos simpático e parassimpático, semelhante ao dos outros órgãos do sistema digestório. O parassimpático tem uma ação de relaxamento e o simpático exerce uma ação de contração sobre a musculatura anorretal. Impulsos motores passam pelo nervo pudendo até os músculos esfíncter anal externo e puborretal, permitindo seu relaxamento voluntário. (figura 17) 5,6 Fig.17: angulação produzida pela contração e relaxamento do músculo puborretal. A produção de muco é outra função preponderante do cólon, através de suas células caliciformes. Normalmente o muco não é visível durante a eliminação de fezes, mas pode ocorrer de maneira significativa em determinadas enfermidades quando se torna espesso e visível. Os gases do cólon são componentes importantes do conteúdo fecal, sendo que uma parte corresponde a gases deglutidos e o restante formado no próprio cólon. 22 A quantidade de gases expelidos (flatus) em 24 h pode chegar até a 500 ml e as dietas ricas em feijão, couve-flor, cebola, repolho, batata-doce 2,6,7 e carne de porco aumentam consideravelmente a quantidade de gases. Referencias bibliográficas 1. JOVILIANO,O.F.D. Anatomofisiologia Anorretal e Anatomofisiologia do Cólon. In: ROCHA,J.J.R. 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