MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Município de Campina Grande – PB Rua Capitão João Alves de Lira, nº. 864, Prata, Campina Grande – PB CEP: 58101-281, Fone: (83) 2101 – 6100 EXMO. SR. JUIZ FEDERAL DA _____ VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINA GRANDE/PB N.º 4698/2013 – MPF/PRM-CG/PB Ação de Improbidade Administrativa Ref.: ICP n.º 1.24.001.000070/2012-11 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por conduto da Procuradora República, ao final subscrita, com fundamento no art. 37, §4º, 127 e 129, incisos II e III, da Constituição da República; art. 6º, inciso XIV, alínea f, da Lei Complementar nº 75/93 e arts. 3º; 7º; 11, VI; 12, III e 17 da Lei nº 8.429/92, vem perante Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL por ATO de IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face de: JOSÉ FRANCISCO MARQUES, brasileiro, ex-prefeito do Município de Aroeiras/PB*, nascido aos 30/3/1964, inscrito no CPF sob o n.º 581.729.474-53, com residência na Rua Manoel Barbosa Monteiro, 93, 1/27 Centro ou Av. José Pedro de Melo, s/n, Centro, ambos em Aroeiras/PB, CEP: 58.489-000; JUBERLITA MARQUES DE AGUIAR MARQUES, brasileira, exsecretária de Saúde e ex-Presidente da Comissão Permanente de Licitação do município de Aroeiras/PB, nascida aos 16/7/1954, inscrita no CPF sob o nº 141.956.584-20, com residência na Av. José Pedro de Melo, 93, Centro, Aroeiras/PB, CEP: 58.489-000, e FÁBIO SÉRGIO ALBUQUERQUE DE MIRANDA, brasileiro, exrepresentante da empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA., nascido aos 17/3/1967, inscrito no CPF sob o nº 497.086.274-53, com residência na Rua da Amizade, 46, Apto. 302, Graças, Recife/PE, CEP: 52.011-260, pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir expostos. 1. SINOPSE DA DEMANDA A demanda ora proposta tem fundamento em ato de improbidade administrativa perpetrado por JOSÉ FRANCISCO MARQUES, JUBERLITA MARQUES DE AGUIAR MARQUES e FÁBIO SÉRGIO ALBUQUERQUE DE MIRANDA, consistente nas irregularidades detectadas no processo de Inexigibilidade de Licitação nº 003/2005 e na execução do Convênio nº 585/2004 (siafi 504109), firmado com o Ministério da Saúde, cujo objeto previa a aquisição de uma unidade móvel odontológica e médica para atendimento à população residente nas proximidades do município de Aroeiras/PB. Assim, a presente ação civil pública veicula pedido de condenação dos demandados às sanções elencadas no art. 12 da Lei 8.429/92, em virtude de ato atentatório aos princípios da administração pública. Escolta a presente exordial o Inquérito Civil Público n.º 1.24.001.000070/2012-11, com 1 (um) volume principal e 1 (um) volume apenso. 2/27 2. DOS FATOS A presente ação tem por base o Inquérito Civil Público nº 1.24.001.000070/2012-11, instaurado nesta Procuradoria da República a partir de documentação remetida pela Procuradoria da República de Serra Talhada-PE, visando à apuração de notícias de irregularidades na execução do Convênio nº 585/2004 (siafi 504109), celebrado entre o município de Aroeiras/PB e o Fundo Nacional de Saúde-FNS, tendo por objeto a aquisição de unidade móvel autopropelida, versão odontológica e médica. O referido instrumento, firmado em 1º de julho de 2004, durante a gestão do então Prefeito GILBERTO BEZERRA DE SOUSA, previa como termo final de vigência a data de 26 de junho de 2005 (360 dias a contar da data da assinatura), o qual, após sucessivas prorrogações (fls. 17 e 21 do Apenso I), foi adiado para 17/9/2006. O Fundo Nacional de Saúde repassou o montante de R$ 112.000,00 (cento e doze mil reais), sendo o valor de contrapartida estabelecido em R$ 4.000,00 (quatro mil reais) para a execução do objeto do convênio. A liberação dos recursos federais ocorreu em parcela única, por meio da ordem bancária n° 2005OB905365, de 22 de setembro de 2005 (fl. 148). Visando ao cumprimento do objeto do Convênio nº 585/2004, a Prefeitura Municipal de Aroeiras/PB, que, a partir de 2005, passou a ser representada pelo Ex-Prefeito JOSÉ FRANCISCO MARQUES, procedeu à contratação direta da empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA., via processo de inexigibilidade de licitação, valendo-se de documento denominado “carta de exclusividade” (fls. 76/77). Dos autos (fls. 84/87), observa-se que o contrato de compra e venda foi celebrado no dia 20 de janeiro de 2005, no importe de R$ 116.000,00 (cento e dezesseis mil reais), cuja forma de pagamento avençada foi a seguinte: R$ 58.000,00 (cinquenta e oito mil 3/27 reais) na assinatura do contrato e R$ 58.000,00 na entrega da Unidade Móvel Autopropelida versão Odontológica e Médica, que se daria através do encaminhamento da Nota Fiscal/Fatura, devidamente atestada para processamento da despesa. De acordo com os extratos e demais documentos bancários da conta específica (agência BB nº 1019 e conta-corrente nº 90581), constantes nas fls. 176/211, constatou-se que, nos dias 26/9/2005 e 26/12/2005, foram efetuados pagamentos mediante os cheques nºs 850.001 e 850.002, cada um no valor de R$ 58.000,00 (cinquenta e oito mil reais), referentes à aquisição da Unidade Móvel prevista no Plano de Trabalho. A prestação de contas do convênio, apresentada, de forma extemporânea, em 12 de abril de 2007, foi aprovada, conforme teor do parecer GECON nº 3533, de 01/07/2011 (fls. 148/150). Sucede que, não obstante a aprovação das contas do convênio pelo órgão concedente, verificou-se a prática de atos ímprobos em sua execução, os quais serão detalhados no item seguinte. 3. DOS ATOS DE IMPROBIDADE PRATICADOS PELOS AGENTES O Ministério da Saúde, por intermédio do Relatório de Verificação “in loco” nº 25-1/2006 (fls. 130/139 do Apenso I), datado de 27 de julho de 2006, elencou diversas irregularidades em relação ao Convênio nº 585/2004, a saber: “Os documentos fiscais não foram identificados com o número ou título do convênio, nem consta o atesto do responsável pelo recebimento do bem. A Entidade não dispõe de um sistema de entrada e distribuição, tendo em vista que o veículo foi repassado para a Unidade de Saúde do município sem a incorporação ao patrimônio, sem plaqueta de identificação e o devido Termo de Responsabilidade. Os recursos transferidos pelo Ministério da Saúde não foram aplicados no mercado financeiro, em desacordo ao contido na Cláusula Segunda das Obrigações dos Partícipes do Termo de Convênio. 4/27 Os recursos transferidos pelo Fundo Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, foram inseridos no Orçamento Municipal, mediante Ato nº 0700/2004, de 20/12/2004, e Decreto Suplementar nº 0031/2005, de 01/09/2005, porém não foram apresentadas as respectivas publicações. Não foi apresentado o Certificado de Registro e Licenciamento do veículo, em nome da Prefeitura, um dos condicionantes da Aprovação da prestação de contas. Há saldo na conta específica do convênio no valor de R$ 221,00. Para a execução do convênio, a Entidade se utilizou de um processo de Inexigibilidade nº 006/2005, nos termos do 'caput' do artigo 25, inciso I, da Lei 8.666/93, em favor da firma KM-Empreendimentos Ltda, mediante a apresentação de carta de exclusividade, emitida pela Junta Comercial do Estado de Pernambuco/PE, a qual não está de acordo com as exigências legais, por se tratar apenas de exclusividade para a venda e distribuição de produtos fabricados pela Guararapes Equipamentos Rodoviários Ltda. De acordo com o contrato de compra e venda s/nº, emitido em 20/01/2005, na sua Cláusula Terceira – Do Preço e da Condição de Pagamento, foi previsto pagamento de 50% quando da assinatura do contrato e 50% na entrega da Unidade móvel de saúde, em desacordo ao Art. 62 da Lei 4.320/64. As metas Físicas/Etapas/Fases foram executadas em 98%, em desacordo com a quantidade programada, tendo em vista que no ambiente do consultório médico não constava os seguintes itens: autoclave para esterilização, escadinha com dois degraus e maleta contendo esfigmomanômetro e estetoscópio; e a mesa médica-ginecológica não está adaptada com portas cochas, conforme determina o Parecer nº 2120/04CGIS/DIPE/SE/MS, de 27/09/2004.” (FL. 137 do Apenso I) Grifos acrescidos Em 10 de dezembro de 2010, o FNS/MS realizou o segundo acompanhamento “in loco”, com a emissão do Relatório nº 89-2/2010 (fls. 156/164 do Apenso I), no qual restou assentado: “ (…) Em atendimento, conforme se verifica no ofício nº 012/2007, foi apresentada a cópia da Lei Orçamentária Municipal nº 0700/2004 de 20/12/2004 e do Decreto de Suplementação nº 0031/2005 de 01/09/2005, porém, sem as respectivas publicações; foi devolvido ao FNS/MS o valor de R$ 1.206,95 (um mil duzentos e seis reais e noventa e cinco centavos); apresentada cópia da CRLV da Unidade Móvel de Saúde, todavia, sem constar no campo 'Observação' a inscrição 'Unidade Móvel de Saúde'. Com relação à licitação, não foi apresentada qualquer justificativa para o que foi apontado, ou seja a não aplicação da modalidade especificada na Lei 8.666/93 e realização de inexigibilidade de licitação.” Grifos acrescidos 5/27 No mesmo relatório, consignou-se também que, de todos os equipamentos e materiais permanentes que deveriam estar presentes e que foram cobrados no relatório anterior (autoclave para esterilização, escadinha de dois degraus, maleta contendo esfignomanômetro e estetoscópio e porta-coxas para a mesa ginecológica), não foi adquirido o autoclave de esterilização para o ambiente consultório médico. E, ainda, que deveria ser devolvido ao FNS/MS a quantia de R$ 57,95 (cinquenta e sete reais e noventa e cinco centavos) referente à atualização de saldo de convênio devolvido fora do prazo legal. Após ter as contas reprovadas (parecer nº 1981, de 28/4/2011 – fls. 199/202 do Apenso I), a edilidade encaminhou ofício ao FNS/MS, em 29/6/2011, contendo – dentre outros – o comprovante de recolhimento no valor de R$ 57,95, quitado em 30/3/2011, referente à atualização do saldo de convênio, bem como fotos que comprovam a instalação da autoclave, além de apresentar toda documentação que demonstra a aquisição da mesma (nota de empenho, nota fiscal, recibo e cheque). Logo, diante desse quadro, o Órgão Concedente concluiu pela aprovação da Prestação de Contas enviada pelo Convenente (Parecer nº 3533, de 1/7/2011 – fls. 212/216 do Apenso I), alegando, para tanto, que “o gestor atendeu as constatações e acatou as recomendações feitas pelo concedente, notadamente as que poderiam desvirtuar a execução do objeto e o alcance dos objetivos pretendidos”. Contudo, é cediço que a aprovação das contas pelo ente administrativo não impede a reapreciação judicial dos fatos, diante da independência das instâncias. Feita a presente ressalva, vale dizer que este Órgão Ministerial, ao se debruçar sobre os elementos probatórios colhidos na presente investigação, acerca da existência ou não de irregularidades no uso dos recursos públicos oriundos do Convênio nº 585/2004 (siafi 504109), identificou as seguintes ilicitudes: 6/27 3.1. DA INEXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO SEM O DEVIDO RESPALDO DOCUMENTAL Verificou-se que a Empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA., sediada no Estado de Pernambuco, foi contratada diretamente pela Prefeitura Municipal de Aroeiras/PB, com fulcro no art. 25, inciso I, da Lei 8.666/93, o qual trata da hipótese de inexigibilidade de licitação pautada na exclusividade de comercialização do produto no mercado (fl. 88). Consultando a cópia integral do Processo de Inexigibilidade (fls. 69/126), observa-se que a inexigibilidade de licitação foi fundamentada em documento denominado “carta de exclusividade”, arquivada na Junta Comercial do Estado da ParaíbaJUCEP, e em certidão emitida pela Federação das Indústrias do Estado de PernambucoFIEPE, consoante se depreende do parecer de fls. 74/75. Todavia, basta a simples leitura dos referidos documentos (fls. 95/96) para se constatar que os seus respectivos conteúdos têm sentido frontalmente destoante do que os ex-agentes públicos, ora réus, quiseram transmitir. É o que se vislumbra nos seguintes trechos: “A GUARARAPES EQUIPAMENTOS RODOVIÁRIOS LTDA., estabelecida à rua Ana Barreto, 710 – Prazeres – Jaboatão dos Guararapes/PE, inscrita no CNPJ sob o nº 10.676.377/0001-19, declara neste ato que a KM EMPREENDIMENTOS LTDA., com endereço à Rua Ana Barreto, 788 – Prazeres dos Guararapes/PE, inscrita no CNPJ sob o nº 00.449.689/0001-38, é nosso Distribuidor Exclusivo para todo o Brasil, dos produtos de nossa fabricação e montagem, que são: UNIDADES MÓVEIS AUTOPROPELIDAS E REBOCÁVEIS VERSÕES ESPECIAIS ODONTOMÉDICAS, OFTALMOLÓGICAS E COM ÓPTICA (...)”. Jaboatão, 14 de março de 2001. HAMILTON MIRANDA-DIRETOR.” (trecho extraído da certidão simplificada arquivada na JUCEP) “CERTIFICO, de acordo com o despacho do Senhor Presidente desta Federação exarado no requerimento de 14 de setembro de 2004, da firma GUARARAPES EQUIPAMENTOS RODOVIÁRIOS LTDA., para fins de prova junto à Junta Comercial do Estado de Pernambuco – JUCEPE, que a referida empresa exerce regularmente suas atividades de fabricação de 7/27 unidades móveis especiais nas versões de saúde e de serviços autopropelidos e rebocáveis, na rua Ana Barreto, 710, Prazeres, município de Jaboatão dos Guararapes-PE, e que desconhecemos a existência, na área sob a jurisdição desta Federação, de qualquer outro estabelecimento industrial que se dedique à fabricação similar aos do requerente.” (trecho extraído da certidão fornecida pela FIEPE) Da redação dos mencionados documentos jamais se poderia extrair que a empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA. detém o monopólio no Brasil da produção de unidades móveis autopropelidas, sendo a citada pessoa jurídica apenas um fornecedor exclusivo dos produtos de fabricação da empresa GUARARAPES EQUIPAMENTOS RODOVIÁRIOS. Além disso, interessante observar que a empresa GUARARAPES, fornecedora da aludida “carta de exclusividade”, possui endereço quase idêntico – apenas diferenciando o número do imóvel – ao da KM EMPREENDIMENTOS LTDA., reforçando a convicção de que o citado documento foi produzido apenas com o intuito de dar azo à perpetração de fraudes. Ademais, o Diretor do Departamento Nacional de Trânsito, instado a se pronunciar sobre a exclusividade propalada pela KM EMPREENDIMENTOS LTDA., assegurou que (fl. 146), no período de 2004 e 2005, diversas empresas possuíam Certificado de Adequação a Legislação de Trânsito-CAT, para veículos transformados em Motor Casa, tendo ressaltado que a designação “motor casa” não define a finalidade do uso/atividade dos veículos, podendo ser utilizada para fins de turismo, unidade móvel (de educação, médica, odontológica), etc. O documento supramencionado afasta, de forma peremptória, a tese da inexistência de competição no mercado, comprovando a existência de outras empresas que, à época dos fatos, também se destinavam à industrialização, comercialização, montagem e distribuição de unidades móveis de serviços dessa natureza. Assim, no caso em 8/27 questão, não poderia o Poder Público se utilizar da escusa de inexigibilidade de licitação, contrariando os preceitos legais da Lei 8.666/93 que, para os casos de inexigibilidade de licitação, exige como um dos requisitos a inviabilidade de competição. De fato, a Lei 8.666 de 1993, ao regulamentar o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, estabeleceu normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, tendo previsto três situações de contratação direta com o poder público mediante inexigibilidade de licitação, sendo pertinente destacar a hipótese do inciso I do art. 25: “Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;” Assim o diploma legal enumera, como uma das possibilidades de contratação por meio de inexigibilidade de licitação, a figura do fornecedor exclusivo, inexistindo similares capazes de atender às necessidades do serviço, conforme atestado fornecido por órgão de registro do comércio local, sindicato, federação ou confederação patronal, ou ainda, entidades equivalentes. Demais disso, a inexigibilidade de competição deve ser expressamente motivada, com as justificativas que levaram ao Poder Público a concluir pela impossibilidade jurídica da competição. Em face do breve apontamento dos requisitos legais para a utilização pelo Poder Público do instituto da inexigibilidade de licitação, verifica-se que os requeridos violaram os preceitos legais, praticando atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário. Com efeito, não consta nos autos nenhum documento idôneo que 9/27 comprove o atendimento de tais pressupostos. O que se faz presente é uma simples e autodenominada “carta de exclusividade”, além de uma certidão emitida pela Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco(FIEPE), as quais fazem prova apenas de que a KM EMPREENDIMENTOS LTDA. seria a distribuidora exclusiva dos produtos fabricados e montados pela GUARARAPES EQUIPAMENTOS RODOVIÁRIOS LTDA., que, por sua vez, foi classificada pela FIEPE como o único estabelecimento no Estado de Pernambuco a fabricar unidades móveis especiais nas versões de saúde e de serviços autopropelidos e rebocáveis. Outrossim, vale repisar que o próprio DENATRAN confirmou que, no período de 2004 e 2005, diversas empresas possuíam Certificado de Adequação a Legislação de Trânsito-CAT, para veículos transformados em “Motor Casa”, circunstância também facilmente confirmada em uma simples consulta na Rede Mundial de Computadores (internet), deduzindo-se, portanto, que se afigurava plenamente viável a competição entre a KM EMPREENDIMENTOS LTDA. e outros fornecedores do bem adquirido. Conclui-se, dessa forma, que a Prefeitura Municipal de Aroeiras/PB não poderia ter-se utilizado do instituto da inexigibilidade de licitação, já que não foram preenchidos os requisitos estabelecidos pela Lei 8.666/93, quais sejam, a inviabilidade de competição (com a presença de um só fornecedor no mercado) e a existência de documento idôneo apto a comprovar o atendimento de tal pressuposto. Nesse contexto, ressai nítida a responsabilidade do Ex-Prefeito JOSÉ FRANCISCO MARQUES, eis que homologou e ratificou a inexigibilidade de licitação sem a adoção de cautelas mínimas como a conferência da documentação apresentada pela empresa proponente (fl. 57 do Apenso I), e da Ex-Secretária Municipal de Saúde JUBERLITA MARQUES DE AGUIAR MARQUES, que, no procedimento em questão, também figurou como Presidente da Comissão de Licitação, com atuação determinante na aquisição da unidade móvel, tendo solicitado a compra do veículo (fl. 71), acatado a 10/27 documentação da empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA em reunião da CPL (fl. 76) e providenciado a minuta do contrato de compra e venda do veículo, documento esse que, inclusive, assinou na condição de testemunha (fls. 84/87). Vale dizer que JOSÉ FRANCISCO MARQUES, quando inquirido sobre os fatos (fls. 244/245), tentou eximir-se da responsabilidade, atribuindo-a à exassessora CASSIMIRA ALVES VIEIRA (o que não procede, conforme se verá adiante), tendo admitido, porém, que a empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA era a única no Nordeste que fornecia a unidade móvel, o que, ainda que fosse verdade, não seria suficiente para inviabilizar a competição de licitantes, haja vista a possibilidade de concorrência entre empresas sediadas em todo o país. Já a ex-Secretária de Saúde JUBERLITA MARQUES DE AGUIAR MARQUES, que, a propósito, é esposa do Ex-Prefeito JOSÉ FRANCISCO MARQUES, apresentou defesa escrita às fls. 246/249, na qual consignou que a irregularidade porventura existente foi provocado pela KM EMPREENDIMENTOS LTDA, eis que a carta de exclusividade por ela apresentada só poderia ser interpretada no sentido de que seria a única a fabricar unidades móveis. Todavia, conforme exaustivamente repetido, a carta de exclusividade apresentada pela empresa denota que era fornecedora exclusiva de produtos da GUARARAPES, que, por sua vez, era supostamente a única empresa fabricante no Estado de Pernambuco, argumentação que, por si só, esvazia a tese defensiva. Em relação aos ex-assessores jurídicos da Prefeitura de Aroeiras/PB, que subscreveram os pareceres constantes nos autos do processo de inexigibilidade, vale dizer que os mesmos foram inquiridos nessa Procuradoria da República, oportunidade em que revelaram as suas versões sobre os acontecimentos. Nesse ponto, vale conferir as seguintes declarações: JOSÉ FRANCISCO BARBOSA DE BRITO (fls. 240/241): “o depoente é defensor público aposentado, tendo trabalhado 17 anos na comarca de 11/27 Aroeiras/PB; QUE em 2005 já era aposentado e morava em Campina Grande quando foi convidado pelo então Prefeito JOSÉ FRANCISCO MARQUES, conhecido por CHICÃO, para ocupar o cargo de assessor jurídico da Prefeitura (…); QUE, embora fosse assessor jurídico da Prefeitura, não prestava assessoria em assuntos típicos da Administração Municipal, ficando apenas com o trabalho de auxílio à Defensoria; QUE reconhece sua assinatura no parecer de fl. 83; QUE não analisou os documentos da empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA; QUE o parecer já chegou pronto para ser apenas assinado; QUE quem fez essa análise deve ter sido o advogado de João Pessoa, que era o responsável por essa parte de licitação; ; QUE não se recorda se quem lhe entregou o parecer foi o Prefeito ou sua esposa JUBERLITA, que na época era Secretária da Saúde (…); QUE sempre atuou na parte de família e na área criminal, não tendo qualquer experiência com direito administrativo (...)”. Grifos acrescidos CASSIMIRA ALVES VIEIRA (fls. 242/243): a depoente foi contratada pelo então Prefeito JOSÉ FRANCISCO MARQUES para assumir a assessoria jurídica do município de Aroeiras/PB pelo período de 2005-2008; QUE efetivamente apenas trabalhou 2005-2006, pois após esse período não teve como trabalhar com a mesma frequência em razão de problemas de saúde; QUE inicialmente foi contratada para ficar responsável pelas ações trabalhistas; QUE posteriormente ficou também responsável pela assessoria à Comissão de Licitação; QUE reconhece sua rubrica no parecer de fls. 74/75; QUE acredita que a empresa KM EMPREENDIMENTOS deva ter apresentado um documento da Junta Comercial indicando que era a única detentora do equipamento e, por tal razão, a depoente emitiu o parecer de fls. 74/75 (...); QUE no início da gestão existia uma grande demanda de ações trabalhistas contra o Município, ficando a depoente praticamente o tempo todo na Justiça do trabalho em Campina Grande; QUE inclusive a Justiça do Trabalho chegou a fechar a pauta em uma semana só para o Município de Aroeiras/PB; QUE em razão disso acredita que não tenha feito a análise detalhada dos documentos da empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA, já que possivelmente já lhe tenha sido repassado que a empresa era detentora de carta de exclusividade e, portanto, haveria uma inexigibilidade de licitação; QUE acredita que essa informação lhe foi repassada pela Sra. JUBERLITA, que era Secretária de Saúde à época; QUE não se recorda se efetivamente foi quem elaborou o parecer de fls. 74/75, pois já aconteceu de apenas assinar a documentação (...)”. Grifos acrescidos Das declarações acima transcritas, deduz-se que o ex-assessor JOSÉ FRANCISCO, embora tendo admitido sua assinatura no parecer de fl. 83, não tinha conhecimento acerca da Lei de Licitações ao ponto de se pronunciar sobre a matéria, fato 12/27 que era do conhecimento do Ex-Prefeito JOSÉ FRANCISCO MARQUES, bem como que não chegou a analisar a documentação da empresa proponente. Extrai-se, ainda, que a também ex-assessora CASSIMIRA, em que pese tenha admitido ter assinado o parecer de fls. 74/75, revelou que, no início de 2005, estava assoberbada de trabalho em razão das muitas demandas trabalhistas da Prefeitura de Aroeiras/PB, o que lhe manteve afastada do município no início da gestão em comento, não tendo realizado uma análise efetiva da documentação do proponente. Logo, resta delineado que tais profissionais não emitiram os pareceres de forma totalmente consciente, razão pela qual deixasse de responsabilizá-los pela contratação direta ora questionada. No tocante à empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA., exsurge clarividente a responsabilidade de FÁBIO SÉRGIO ALBUQUERQUE DE MIRANDA, que atuou como representante da referida pessoa jurídica nas tratativas engendradas com o Município de Aroeiras/PB. Ademais, não obstante tenha declarado que era apenas um prestador de serviços da empresa, os elementos colhidos em outras ações judiciais de predominante similitude fática denotam que FÁBIO SÉRGIO exercia papel de destaque nas negociações formuladas com os municípios, mantendo uma suposta proximidade com os irmãos Hamilton Guedes de Miranda e Carlos Joubert Guedes de Miranda, sendo o primeiro sócio da empresa GUARARAPES EQUIPAMENTOS RODOVIÁRIOS LTDA. (fls. 220/221) e, o segundo, o engenheiro e responsável técnico da KM EMPREENDIMENTOS LTDA. (fl. 106). Com efeito, na Ação de Improbidade Administrativa nº 000132347.2010.4.05.8202, proposta pelo MPF em Sousa/PB, cuja cópia fora acostada aos autos às fls. 225/233, o réu FÁBIO SÉRGIO ALBUQUERQUE DE MIRANDA é tratado como o gerente comercial da KM EMPREENDIMENTOS LTDA., tendo sido, nas palavras da d. Procuradora 13/27 da República, “responsável por representar a empresa na celebração do Contrato nº 552/2002 (fls. 48/50 – numeração do MPF), além de ter assinado os recibos dos adimplementos efetuados, a exemplo dos documentos acostados às fls. 56 e 60 (numeração do MPF)”. Outrossim causa estranheza que FÁBIO SÉRGIO tenha sustentado, em seu depoimento prestado na Procuradoria da República no Estado de Pernambuco (PR/PE), que os sócios da KM EMPREENDIMENTOS LTDA seriam Sebastião Justiniano de Macedo e Domingos Ferreira Gomes, quando, na verdade, estes autos dispõem de provas convincentes de que os referidos sócios eram apenas “laranjas” (fls. 169/170). Nesse sentido, vale citar a informação veiculada em ofício da Delegacia da Receita Federal em Recife/PE, cuja cópia se encontra inserida na fl. 256, de que tais pessoas não aparentam possuir capacidade econômica para figurarem como proprietários de tal empresa, o que restou corroborado pela pesquisa de endereço mediante a utilização do recurso “street view”, da ferramenta Google Maps, empreendida no âmbito desta Procuradoria, através da qual se pode visualizar o endereço de Sebastião Justiniano de Macedo como sendo em uma residência humilde na cidade de Jaboatão dos Guararapes (fls. 212 e 224). Tal circunstância evidencia a relação de cumplicidade existente entre FÁBIO SÉRGIO e o(s) verdadeiro(s) proprietário(s) da empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA, o(s) qual(is) não se logrou identificar – ao menos com a certeza necessária – nos presentes autos, razão pela qual se optou por não arrolar a referida pessoa jurídica no polo passivo da presente demanda1. Por fim, cabe consignar que a alegação de FÁBIO SÉRGIO no sentido 1 Embora indicado no ofício de fl. 256, cujo original instrui a Ação de Improbidade Administrativa n.º 000132347.2010.4.05.8202, que os verdadeiros donos da empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA. seriam os engenheiros e irmãos Hamilton Guedes de Miranda e Carlos Joubert Guedes de Miranda, observou-se que a Receita Federal assim consignou por se basear apenas em notícias veiculada na imprensa, além do que não foi catalogado aos presentes autos outras provas acerca de tal fato, tampouco foi constatada a participação dos referidos engenheiros nas tratativas envolvendo o Município de Aroeiras/PB e o processo de Inexigibilidade de Licitação nº003/2005, razão pela qual esse Órgão Ministerial houve por bem não incluí-los, nesse momento, no polo passivo da presente ação. 14/27 de que a KM EMPREENDIMENTOS era a “única empresa que fabricava (comprava o chassi e fabricava) unidades móveis versão médica e odontológica, diferentemente de outras empresas que à época adaptavam veículos para se transformarem em unidades móveis” não se afigura apta a afastar a prática de improbidade administrativa, eis que tal afirmação, além de isolada nos autos, não se apresenta verossímil, sendo rechaçada pelo próprio Ex-Prefeito JOSÉ FRANCISCO MARQUES ao dizer que “o carro para a unidade móvel de saúde foi adaptado” (fl. 245). Ante o exposto, ressai nítida a responsabilidade dos demandados JOSÉ FRANCISCO MARQUES e JUBERLITA MARQUES DE AGUIAR MARQUES ao promoverem a contratação da KM EMPREENDIMENTOS LTDA sem o devido respaldo documental, bem como a de FÁBIO SÉRGIO DE ALBUQUERQUE MIRANDA, tido por gerente comercial da citada empresa e o responsável pela negociação havida entre a empresa e a Prefeitura de Aroeiras/PB. Por fim, vale ressaltar que, além da presente hipótese envolvendo o Convênio n.º 0585/2004, do Município de Aroeiras/PB, sabe-se que também a outros ExPrefeitos foram imputadas condutas ímprobas relacionadas à contratação direta, via inexigibilidade de licitação, da pessoa jurídica KM EMPREENDIMENTOS LTDA, sendo que, em muitas dessas ações, consta do polo passivo o ora réu FÁBIO SÉRGIO DE ALBUQUERQUE MIRANDA. A título de exemplo, é possível elencar as seguintes ações: Processo Juízo AIA nº 0004254-60.2009.4.05.8201 6ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba AIA nº 0001323-47.2010.4.05.8202 8ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba AIA nº 0005175-35.2012.4.05.8000* Seção Judiciária de Alagoas AIA nº 0000297-47.2011.4.05.8309* 27ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco AIA nº 0019224-93.2008.4.05.8300 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco * Processo sigiloso. * Processo sigiloso. 15/27 AIA nº 0003061-04.2009.4.05.8300 5ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco AIA nº 0004523-72.2007.8.14.0301 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Belém/PA 3.2. DA ILEGALIDADE NA FORMA DE PAGAMENTO ACORDADA De acordo com o contrato de compra e venda s/n, emitido em 20 de janeiro de 2005, na sua Cláusula Terceira – Do Preço e da Condição de Pagamento, foi previsto pagamento de 50% quando da assinatura do contrato e 50% na entrega da Unidade Móvel de Saúde (fls. 84/87). Ocorre que a forma de pagamento avençada se deu em desacordo com a Lei n° 4.320/64 e as recomendações do Tribunal de Contas da União, senão observe-se. Conforme o art. 62 da Lei nº 4.320/64, o pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação. Nesse sentido, a liquidação da despesa – uma das mais importantes fases da despesa pública – é que permite à Administração Pública reconhecer a dívida como líquida e certa, nascendo, a partir dela, a obrigação de pagamento desde que as cláusulas contratadas tenham sido efetivamente cumpridas. No art. 63, § 2°, da mesma lei, dispõe-se que a liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base o contrato, a nota de empenho e os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço. No caso concreto, observou-se que as partes assinaram o contrato de compra e venda de fls. 84/87 em 20 de janeiro de 2005. Por sua vez, devido a um atraso no repasse dos recursos financeiros à Prefeitura Municipal de Aroeiras/PB, os recursos do convênio só foram liberados em 22 de setembro de 2005 e creditados na conta específica em 26 de setembro de 2005 (fl. 44 do Apenso I). 16/27 Assim, um dia após a liberação das verbas, quando sequer haviam sido creditadas na conta vinculada, houve a liquidação da despesa via Nota de Empenho nº 02934-3 (fl. 32 do Apenso I), baseada na Nota Fiscal nº 2170 (fl. 33 do Apenso I), também emitida na mesma data (23 de setembro de 2005). Na mesma data em que os valores foram creditados (26 de setembro de 2005), foi emitida a Nota de Sub-Empenho nº 00001-9 (fl. 34 do Apenso I), bem como o cheque nº 850001 (fl. 36 do Apenso I), no valor de R$ 58.000,00 (cinquenta e oito mil reais), em favor da KM EMPREENDIMENTOS LTDA., o qual foi compensado na mesma data (fl. 44 do Apenso I). Já em 23 de dezembro de 2005, foi emitida a Nota de Sub-Empenho nº 00002-7 (fl. 37 do Apenso I), no qual restou sub-empenhada a importância de R$ 58.000,00 (cinquenta e oito mil reais), e, em decorrência, foi repassado à KM EMREENDIMENTOS LTDA. o cheque nº 850002 (fl. 39 do Apenso I), de mesmo valor, na data de 26 de dezembro de 2005, o qual foi compensado em 27 de dezembro de 2005 (fl. 47 do Apenso I). Impende observar, ainda, que NA NOTA FISCAL NÃO CONSTA O ATESTO DO RESPONSÁVEL PELO RECEBIMENTO DO VEÍCULO, bem como a documentação comprobatória da despesa realizada não está identificada com o número e o título do convênio. Nesses termos, duas observações se impõem: (i) embora no contrato firmado constasse que o pagamento da primeira metade do valor da unidade móvel ocorreria quando da assinatura do instrumento, tal não ocorreu devido a um atraso no repasse dos recursos por parte do Órgão Concedente. Desta feita, o pagamento da primeira parcela só ocorreu 8 (oito) meses após a assinatura do contrato, depois de emitida a Nota Fiscal nº 2170 (fl. 33 do Apenso I); 17/27 (ii) em que pese o fornecimento de nota fiscal tenha antecedido o pagamento da despesa, não foi providenciado o atesto do recebimento da Unidade Móvel de Saúde, sendo improvável que o veículo tenha sido entregue na mesma data em que foi emitida a nota, ou seja, no dia 23 de setembro de 2005, pois, caso assim tivesse ocorrido, não haveria justificativas para o fracionamento do pagamento. Inquirido sobre essas constatações (fls. 244/245), o Ex-Prefeito JOSÉ FRANCISCO MARQUES afirmou desconhecer o motivo pelo qual não houve o atesto do recebimento da unidade móvel de saúde, o que reforça a convicção de que a Prefeitura efetuou o pagamento à empresa independentemente da entrega do bem adquirido. Ademais, revelou acreditar que o pagamento foi feito de forma fracionada pois haveria a necessidade de espera da unidade móvel completa com todos os equipamentos, circunstância, porém, que não se encontra retratada em nenhum dos documentos apresentados pela Prefeitura a título de Prestação de Contas (Apenso I). Em defesa acostada às fls. 246/249, JUBERLITA MARQUES DE AGUIAR MARQUES assegurou ter subscrito os documentos de recebimento, atribuindo ao Ex-Prefeito de Aroeiras/PB, e seu opositor político, o Sr. Giuseppe de Oliveira Sousa, a omissão de tais documentos. Todavia, cumpre destacar que a Prestação de Contas, contendo a documentação relacionada ao Convênio nº 585/2004, inclusive nota fiscal sem o atesto do recebimento, foi apresentada ao Núcleo Estadual do Ministério da Saúde pelo próprio JOSÉ FRANCISCO MARQUES, consoante se depreende das peças encartadas no Apenso I (fl. 25 e seguintes). Ademais, o Relatório de Verificação In Loco nº 25-1/2006, no qual restou assentada a ausência de atesto do responsável pelo recebimento do veículo (fl. 134 do Apenso I), foi elaborado quando o mencionado Ex-Prefeito ainda exercia o seu mandato, 18/27 caindo por terra a alegação de que o documento de atesto foi omitido intencionalmente pelo Ex-Gestor Giuseppe de Oliveira Sousa. De mais a mais, vale ponderar que JOSÉ FRANCISCO MARQUES e JUBERLITA MARQUES DE AGUIAR MARQUES, ao efetuarem o pagamento à fornecedora KM EMPREENDIMENTOS LTDA independentemente do atesto na nota fiscal, infringiram, de forma injustificada, cláusula do contrato elaborado e assinado por eles próprios (fls. 84/87), senão observe-se: “03-CLÁUSULA TERCEIRA-DO PREÇO E DA CONDIÇÃO DE PAGAMENTO. Omissis 3.3 O pagamento será efetuado da seguinte forma: R$58.000,00 (cinquenta e oito mil reais) na assinatura do contrato e R$ 58.000,00 (cinquenta e oito mil reais) na entrega da Unidade Móvel Autopropelida versão Odontológica e Médica, que se dará através do encaminhamento da Nota Fiscal/Fatura, devidamente atestada para processamento da despesa;” (Grifos originais e acrescidos) Desta forma, retomando o raciocínio, tem-se por incabível o pagamento antecipado de fornecimento de materiais, execução de obra, ou prestação de serviço, inclusive de utilidade pública, exceto em casos excepcionais com as devidas cautelas e garantias em favor da Administração Pública. No mesmo sentido, dispõe o art. 38 do Decreto nº 93.872/86 que: “Art. 38. Não será permitido o pagamento antecipado de fornecimento de materiais, execução de obra, ou prestação de serviço, inclusive de utilidade pública, admitindo-se, todavia, mediante as indispensáveis cautelas ou garantias, o pagamento de parcela contratual na vigência do respectivo contrato, convênio, acordo ou ajuste, segundo a forma de pagamento nele estabelecida, prevista no edital de licitação ou nos instrumentos formais de adjudicação direta.” Logo, nota-se que os réus, além de terem fracionado indevidamente o pagamento da avença, efetuaram o repasse de valores ao fornecedor independentemente do atesto de recebimento do veículo adquirido, tendo agido sem nenhum respaldo legal, 19/27 contrariando, inclusive, orientação consolidada do Tribunal de Contas da União. 4. DA INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS Diante do que restou explanado, observa-se que tanto os agentes públicos, quanto o responsável de fato pela empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA., praticaram atos atentatórios à probidade administrativa, nos seguintes moldes: 4.1. JOSÉ FRANCISCO MARQUES: foi investido no cargo de Prefeito do Município de Aroeiras/PB em 1º de janeiro de 2005; assim, embora o Convênio FNS/MS nº585/2004 tenha sido firmado durante o mandato do Ex-Prefeito Gilberto Bezerra de Sousa (2001-2004), a responsabilidade pela execução do objeto do convênio, inclusive da contratação direta da empresa via inexigibilidade de licitação, foi de JOSÉ FRANCISCO MARQUES. No tocante ao processo de Inexigibilidade de Licitação nº 003/2005, empreendido para a execução do aludido convênio, deve ser responsabilizado por inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, haja vista a irregular homologação de processo de inexigibilidade de licitação para contratação direta da KM EMPREENDIMENTOS LTDA. (fl. 77), diante da inidoneidade da documentação apresentada pela referida empresa, acarretando, destarte, lesão ao patrimônio público federal. No tocante ao contrato de compra e venda de fls. 84/87, estipulou forma de pagamento antecipado em afronta aos artigos 62 e 63 da Lei 4.320/64, não tendo providenciado o devido atesto na nota fiscal nem a juntada de qualquer documento comprobatório do recebimento do veículo; 4.2. JUBERLITA MARQUES DE AGUIAR MARQUES: à época dos fatos, acumulava as funções de Secretária de Saúde do Município de Aroeiras/PB (fl. 71), de Presidente da Comissão Permanente de Licitação (fl. 76) e de tesoureira (fls. 34 e 37 do Apenso I). No tocante ao processo de Inexigibilidade de Licitação nº 003/2005, empreendido para a execução do aludido convênio, deve ser responsabilizada por inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, haja vista irregular ratificação de parecer de inexigibilidade 20/27 de licitação para contratação direta da KM EMPREENDIMENTOS LTDA. (fl. 76), diante da inidoneidade da documentação apresentada pela referida empresa, acarretando, destarte, lesão ao patrimônio público federal. No tocante ao contrato de compra e venda de fls. 84/87, subscreveu as notas de sub-empenho emitidas com base em nota fiscal desprovida de qualquer registro de atesto do recebimento do veículo adquirido (NF nº 2170 - fl. 33 do Apenso I); 4.3. FÁBIO SÉRGIO ALBUQUERQUE DE MIRANDA: conforme admitido pelo próprio FÁBIO SÉRGIO perante o MPF (fl. 169), foi o responsável por representar a empresa KM EMPREENDIMENTOS LTDA. perante a Prefeitura Municipal de Aroeiras/PB, tanto no oferecimento da proposta comercial que ensejou a contratação direta da empresa (fls. 89/91), quanto no contrato de compra e venda celebrado com a edilidade (fls. 84/87). Assim, foi quem apresentou carta inidônea de exclusividade, acarretando a inexigibilidade de licitação fora das hipóteses previstas em lei, com a contratação irregular da empresa por ele representada, que auferiu indevidamente lucros em detrimento do patrimônio público federal. Ademais, recebeu antecipadamente os pagamentos referentes à unidade móvel odontomédica fornecida pela dita empresa. 5. DO DIREITO 5.1. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A presente ação trata da irregular aplicação de recursos públicos federais repassados ao Município de Aroeiras/PB por meio do Fundo Nacional de Saúde – FNS, tendo por objeto o Convênio n.º 585/2004 (siafi 504109). Nos termos do artigo 109 da Constituição da República, o fator determinante para fixar a competência da Justiça Federal é a existência de lesão a bens, interesses ou serviços da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais. 21/27 No caso em tela, por envolver recursos provenientes de órgão da Administração Pública Federal – valores que estão submetidos à fiscalização, controle e prestação de contas perante o órgão repassador – o ex-Prefeito Municipal, ou quem esteja na gestão de recursos federais, está sujeito à ação de improbidade na esfera da Justiça Federal de primeira instância. Por fim, reza a Súmula nº 208 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”. 5.2. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO A Constituição Federal de 1988 consagrou princípios visando à proteção do patrimônio público, como o da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Estabeleceu ainda que: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” (art. 37, § 4º). A regulamentação do art. 37, § 4º, da Constituição Federal de 88, deuse através da: a) Lei nº 8.429/92, denominada Lei de Improbidade Administrativa, que faz referência expressa no art. 17 à legitimidade do Ministério Público para propor ação civil condenatória por perpetração de ato ímprobo; b) Lei Complementar nº 75/93, que define as atribuições do Ministério Público da União; c) Lei nº 7.347/85, de cunho eminentemente processual. Ademais, a Carta Magna, corroborando os demais dispositivos acima citados, estabelece, ainda, em seu art. 129, inc. III, que é função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. 22/27 O mandamento do parágrafo anterior está detalhado na Lei Complementar nº 75/93, que, em seu art. 6º, inc. XIV, alínea “f”, expressa: “Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União: (...) XIV - promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto: (…) f) à probidade administrativa; (...)” Constata-se, portanto, que há clara legitimidade do Ministério Público Federal para figurar no polo ativo da presente ação civil pública com pedido de responsabilização por ato de improbidade administrativa, sendo poder e dever do Parquet Federal atuar em casos tais. 5.3. – DA LEGITIMIDADE PASSIVA De acordo com a Lei de Improbidade (art. 1º, caput, e parágrafo único, c/c Arts. 2º e 3º), o sujeito ativo de tais atos são os agentes públicos, servidores ou não, que exerçam, embora transitoriamente ou sem remuneração, seja por eleição, nomeação, designação, contratação ou por qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na administração direta ou indireta, em empresa incorporada ao patrimônio público ou em entidade para cuja criação ou custeio o erário tenha concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento (50%) do patrimônio ou receita anual. Assim, enquadram-se nas raias da legislação punitiva não só o servidor, mas, de igual modo, o particular que, de qualquer sorte, tenha concorrido ou se beneficiado de forma direta ou indireta da conduta praticada à margem do ordenamento jurídico e em contrariedade às regras resguardadoras dos princípios constitucionais moldados para a Administração Pública. Nesse diapasão, com base nas provas carreadas aos autos, o polo passivo envolve o ex-prefeito municipal, porquanto gestor do dinheiro público, a expresidente da CPL, pois anuiu com a conduta ilícita em prol dos interesses do fornecedor 23/27 do bem adquirido, e o particular diretamente agraciado com a desobediência à lei e com a lesão aos cofres federais. 5.4. – DA SUBSUNÇÃO DOS FATOS À LEI 8.429/92 A Lei 8.429/92, em seu capítulo II, dividiu os atos de improbidade administrativa em três categorias: atos que importam enriquecimento ilícito (art. 9º), atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) ou que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). No caso em exame, a atitude do ex-prefeito em conluio com os outros requeridos consistiu em, de forma deliberada e consciente, frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente. Definitivamente, não é isso que se espera dos agentes públicos, em especial daqueles incumbidos do elevado mister de bem gerir a coisa pública. Com tal agir, os requeridos incorreram em conduta expressamente vedada pela Lei n. 8.429/92, tipificada no artigo 10, caput, e incisos I, VIII, IX e XI, in verbis: “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;” 24/27 Ainda, os atos de improbidade praticados se enquadram no art. 11, caput, e inciso I da Lei 8.429/92, comando este incisivo ao gizar que: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;” Portanto, tendo restado devidamente caracterizada a prática de atos de improbidade que importam prejuízo ao erário e violem aos princípios constitucionais(arts. 10 e 11), mostra-se imperiosa a aplicação das reprimendas previstas no artigo 12, inciso II e, subsidiariamente, inciso III, da Lei 8.429/92, que ora se transcreve: “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009). omissis II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.” 25/27 Em suma, releva consignar que a prática aqui denunciada deve ser punida com o adequado rigor legal, uma vez que, por tudo o que se colheu ao longo das investigações em inquérito civil, tem-se claramente configurada a prática de atos de improbidade administrativa por parte dos requeridos. 6. DOS REQUERIMENTOS Em face do exposto, requer o Ministério Público Federal: I) a notificação dos demandados para se manifestarem por escrito, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, e que, após tal prazo, em juízo de admissibilidade, seja recebida a presente ação, dando prosseguimento regular, nos termos dos §§ 7º e 9 º do art. 17, da Lei n° 8.429/92; II) a citação dos réus para, querendo, apresentarem peça contestatória, no prazo de lei, sob pena de decretação revelia (art. 319, do CPC), sem a aplicação dos efeitos de se presumirem verdadeiros os fatos ora articulados por se tratarem de direitos indisponíveis; III) a notificação da União para ingressar no polo ativo da presente lide civil pública, na condição de litisconsorte, com fulcro nos arts. 17, §3º da Lei n.º 8.429/92 e 6º da Lei n.º 4.717/65; IV) a notificação da Prefeitura Municipal de Aroeiras/PB, na pessoa do seu Prefeito Constitucional ou do Procurador regularmente constituído, para integrar o polo ativo da demanda, na forma do já citado art. 17, §3º da Lei nº 8.429/92; 26/27 AO FINAL DA INSTRUÇÃO V) a condenação dos réus nas sanções previstas no art. 12, II, e, subsidiariamente, III, da Lei 8.429/92, nos termos da inicial, e VI) a condenação dos réus nas despesas processuais. Protesta o Parquet, ainda, por todos os meios de prova admitidos em Direito, bem como outras que porventura forem necessárias, notadamente: (a) pelo depoimento pessoal dos réus; (b) pela oitiva das testemunhas: (c) pela decretação da quebra do sigilo bancário em relação à contacorrente titulada pela KM EMPREENDIMENTOS LTDA. (agência 3505-x, conta nº 107298), devendo ser requisitado ao Banco do Brasil S.A. informações acerca do responsável pela movimentação da referida conta-corrente, especialmente o envio de cópias da ficha de autógrafos e das procurações porventura existentes, bem como dos extratos de movimentação da conta referentes ao período de 1º de setembro a 31 de dezembro de 2005. Atribui-se à causa o valor de R$ 112.000,00. Campina Grande (PB), a 7 de outubro de 2013. Acácia Soares Peixoto Suassuna Procuradora da República /abmh *Todas as informações de caráter pessoal foram retiradas em obediência ao artigo 9º, inciso III, da Portaria PGR/MPF nº 918, de 18 de dezembro de 2013, que instituiu a Política Nacional de Comunicação Social do Ministério Público Federal. 27/27