CENTRO UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA – UNIPÊ
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE MONOGRAFIA
ANA CLAUDIA MEDEIROS LINS DE ALBUQUERQUE LIMA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE ATRAVÉS DO
CONTROLE SOCIAL: uma interface com a atuação dos Tribunais de Contas
JOÃO PESSOA
2012
1
ANA CLAUDIA MEDEIROS LINS DE ALBUQUERQUE LIMA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE ATRAVÉS DO
CONTROLE SOCIAL: uma interface com a atuação dos Tribunais de Contas
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC
apresentado ao Centro Universitário de João
Pessoa – UNIPÊ, como requisito parcial para a
obtenção do título Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. André Carlo Torres Pontes
Área:
Direito
Constitucional
JOÃO PESSOA
2012
Administrativo
e
Direito
2
L732e
Lima, Ana Claudia Medeiros Lins de Albuquerque
A Efetivação do Direito Fundamental à Saúde
através do Controle Social: uma interface com a atuação
dos Tribunais de Contas / Ana Claudia Medeiros Lins de
Albuquerque Lima. – João Pessoa, 2012.
53f.
Monografia (Curso de Ciências Jurídicas) –
Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ
1. Direito Fundamental à Saúde. 2. Controle Social.
3. Controle Externo. 4. Tribunal de Contas. 5. Conselhos
de Saúde.
I. Título.
UNIPÊ / BC
CDU 34:614
3
TERMO DE RESPONSABILIDADE
Eu, Ana Claudia Medeiros Lins de Albuquerque Lima, responsabilizo-me
integralmente pelo conteúdo da Monografia apresentada ao Curso de Graduação em
Direito do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, sob o título "A Efetivação
do Direito Fundamental à Saúde através do Controle Social: uma interface com
a atuação dos Tribunais de Contas", eximindo terceiros de eventuais
responsabilidades sobre o que nela está escrito.
João Pessoa, 07 de maio de 2012.
ANA CLAUDIA MEDEIROS LINS DE ALBUQUERQUE LIMA
RG 1.885.966 SSP/RN
4
ANA CLAUDIA MEDEIROS LINS DE ALBUQUERQUE LIMA
A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE ATRAVÉS DO
CONTROLE SOCIAL: uma interface com a atuação dos Tribunais de Contas
BANCA EXAMINADORA
_________________________________
Prof. André Carlo Torres Pontes
Orientador
________________________________________
1º Examinador
________________________________________
2º Examinador
JOÃO PESSOA
2012
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. André Carlo Torres Pontes, pelas pertinentes sugestões e
estímulo.
À minha tia Maria das Dôres Medeiros, por suas indispensáveis observações.
Ao meu marido Victor, pelo carinho e compreensão.
Aos meus pais, Eudenilson e Rosa, pelo incentivo constante em favor de minha vida
acadêmica.
Às minhas irmãs, Juliana (in memoriam) e Ana Beatriz.
À estimada amiga e colega de turma Andréa.
6
"O que mais me preocupa não é o grito dos violentos,
nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem
caráter, nem dos sem moral. O que mais me preocupa é o
silêncio dos bons".
Martin Luther King
7
RESUMO
Uma atuação pública eficiente, com vistas à realização material, e não apenas
meramente formal, do direito fundamental à saúde reflete uma das necessidades
mais prementes da sociedade atual. Todavia, é inegável a sua complexidade,
especialmente por exigir uma atuação positiva estatal e, ademais, em decorrência
da própria dimensão do Estado brasileiro. Este trabalho, com temática em Saúde
Pública e Controle Social, analisou os mecanismos de controle social atribuídos à
sociedade brasileira e a ação fiscalizatória a cargo dos Tribunais de Contas. A
incursão analítica pela bibliografia referenciada e pela legislação sobre o tema
demandou o emprego de abordagem qualitativa, assim como de procedimentos
metodológicos dedutivos e exploratórios, com lastro sociológico. Ficou evidente que
a maximização da justiça social, em especial no que concerne ao direito à saúde
pública de qualidade, tem correspondência no estabelecido pela "Constituição
Cidadã" de 1988. Por fim, constatou-se que a atuação conjunta das Cortes de
Contas, através do controle externo, e do controle social levado a efeito pelo cidadão
brasileiro, possui o condão de assegurar a efetivação do direito fundamental à saúde
pública.
Palavras-chave: Efetivação do direito fundamental à saúde. Controle social.
Controle externo. Tribunal de Contas. Conselhos de Saúde.
8
RÉSUMÉ
Une action publique efficace, visant à atteindre le droit fondamental à la santé
publique d'une façon matérielle, pas seulemente formelle, reflète l'un des besoins les
plus pressants de la société. Pourtant, sa complexité est indéniable, surtout à cause
de la demande d'une action positive de l'État, et, en plus, en raison de la taille de
l'État brésilien. Ce travail, en se concentrant sur la santé publique et le contrôle
social, a analysé les mécanismes du côntrole social qui sont attribués à la societé
brésilienne et, aussi, l'action de fiscalisation des Tribunaux des Comptes. L'incursion
dans la bibliographie référencée et dans la législation sur ce thème ont demandé
l'emploi d'une approche qualitative, et, aussi, des procédures méthodologiques
déductives et exploratoires, soutenues par la sociologie. C'était evident que la
maximisation de la justice sociale, spécialement celle concernant le droit à la santé
publique de qualité, corresponde à ce qui est établi par la "Constitution Citoyenne"
datée de 1988. Enfin, il était constaté que l'action conjointe des Tribunaux de
Comptes, pour le contrôle externe, et le contrôle social réalisé par le citoyen
brésilien, pourront assurer la réalisation du droit fondamental à la santé publique.
Mots-clés: La réalisation du droit fondamental à la santé. Le contrôle social. Le
contrôle externe. Tribunal des comptes. Conseils de santé.
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................10
2 A TUTELA DA SAÚDE COMO UM DIREITO DO CIDADÃO .............................14
2.1
2.2
2.3
Considerações iniciais sobre o Direito Fundamental à Saúde .......................... 14
O Direito Fundamental à Saúde na Constituição Federal de 1988..................... 16
Os Conselhos de Saúde........................................................................................ 22
3 O CONTROLE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA........................27
3.1
3.2
3.3
A Evolução do Controle na Administração Pública ............................................ 27
O Controle Social .................................................................................................. 33
O Controle Externo a cargo dos Tribunais de Contas ........................................ 38
4 O CONTROLE DA EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE...41
4.1
4.2
O Controle Social e sua Interface com o Controle Externo................................ 41
Programa Voluntários do Controle Externo - VOCÊ ........................................... 45
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................49
REFERÊNCIAS.........................................................................................................51
10
1
INTRODUÇÃO
O direito fundamental à saúde encontra-se plasmado na Constituição
Federal do Brasil de 1988. Todavia, em virtude da complexidade de sua efetivação
por parte do Estado, surge a necessidade de se promover a atuação participativa da
sociedade em processos decisórios, de regulamentação, igualmente de pressão e
de fiscalização junto aos órgãos públicos, no que tange à aplicação de recursos
financeiros com vistas ao bem-estar da coletividade.
A participação direta da sociedade na formulação das escolhas públicas
possui, por conseguinte, o condão de direcionar as ações e os gastos promovidos
pelo Estado aos interesses da coletividade. Nesse diapasão, surgem os Conselhos
de Saúde, que possibilitam a interferência da sociedade organizada na elaboração
de estratégias e no controle da execução das políticas de saúde formuladas pelo
Estado.
Menciona-se, ainda, que, ao auxiliar o Poder Legislativo no exercício do
controle externo, cabe ao Tribunal de Contas assegurar a escorreita aplicação de
recursos em ações e serviços públicos de saúde, assim como a observância aos
percentuais mínimos exigidos pela Constituição Federal.
O exercício do controle social pela população e do controle externo pelo
Tribunal de Contas permitem o aperfeiçoamento das ações governamentais na área
de saúde e a responsabilização de agentes da administração pública que, com a
execução de programas ineficientes, cometem desvios de finalidade, colocando em
risco o interesse público.
Entretanto, apesar do direito fundamental à saúde ser exigível independente
de lei e assegurado pela Constituição Federal como “dever do Estado e direito de
todos”, muito ainda precisa ser feito para garantir a sua plena efetividade. A
necessidade de promover a participação da sociedade decorre da dificuldade na
efetivação do direito à saúde por parte do Estado. Nesse diapasão, o controle social
consiste em importante ferramenta de fiscalização visando ao cumprimento de
padrões e normas legais que organizam as ações e serviços públicos em saúde,
principalmente no que concerne à atuação dos Conselhos de Saúde. Ao mesmo
tempo, tende a desestimular os comportamentos contrários à observância das
normas legais em vigor.
11
Destaca-se, ainda, que o controle externo exercido no âmbito dos Tribunais
de Contas, tem em vista a relevância atribuída pela Constituição Federal à escorreita
utilização de recursos públicos em ações e serviços públicos em saúde, em
especial, ao estabelecer percentuais mínimos de aplicação nesta área.
Tendo como temática Saúde Pública e Controle Social, este trabalho
monográfico objetiva analisar os mecanismos de controle social atribuídos à
sociedade brasileira e a ação dos Tribunais de Contas na efetivação do direito
fundamental à saúde pública. Em termos específicos, objetiva examinar os direitos
sociais previstos na Constituição Federal relativos à saúde pública do cidadão
brasileiro; identificar a relevância do controle externo a cargo do Tribunal de Contas
e do controle social; e descrever a relação do Tribunal de Contas com o controle
social na satisfação do direito fundamental à saúde.
As razões de ordem social justificam a escolha da temática deste trabalho,
visto que o direito à saúde se insere no rol dos direitos fundamentais previstos no
Capítulo II da Carta Magna, intitulado de Direitos Sociais. Tem-se, portanto, que a
efetivação do direito à saúde se configura como um dever do Estado e uma garantia
individual do cidadão, consistindo em pressuposto indispensável à qualidade de vida
e à dignidade da pessoa humana. A sua relevância é, por conseguinte, evidenciada
ante a expressa vedação de sua abolição do ordenamento jurídico constitucional
pátrio, visto tratar-se de cláusula pétrea.
Nessa direção indaga-se: até que ponto o controle social e a atuação dos
Tribunais de Contas garantem a efetivação do direito fundamental à saúde? A
elucidação do problema formulado alicerça-se no entendimento prévio de que os
mecanismos de controle social exercidos pelos órgãos competentes visam coibir os
desmandos no gerenciamento de recursos públicos para garantir, dessa maneira, o
cumprimento de suas finalidades últimas. Assim sendo, as variáveis admitidas neste
trabalho são: Efetivação do direito fundamental à saúde, Controle social, Controle
externo, Tribunal de Contas, Conselhos de Saúde.
Dada a complexidade da temática Saúde Pública e Controle Social, a
abordagem qualitativa aplicada a esse trabalho monográfico assegura a equação
entre o efetivo desempenho dos Conselhos de Saúde legitimamente constituídos e a
contribuição do Tribunal de Contas como órgão fiscalizador da aplicação dos
recursos em ações e serviços públicos de saúde.
12
Outro procedimento metodológico a ser aplicado a esta monografia é o
método dedutivo, que parte do geral para o particular. A análise dos dispositivos
mais amplos e específicos, os quais asseguram ao cidadão o direito à saúde pública
de qualidade e o seu devido cumprimento por parte do Estado, permite a
plausibilidade da adoção desse método na construção argumentativa e discursiva do
corpus do trabalho ora apresentado.
Considera-se, ainda, que a análise dos mecanismos de controle que efetivam
o direito à saúde pública requer lastro sociológico. Esta fundamentação possibilita o
entendimento das bases legais que regulamentam a devida aplicação de recursos
públicos na área de saúde de conformidade com as demandas da sociedade.
Para discorrer acerca da temática referida anteriormente, também são
adotados procedimentos exploratórios, mediante a análise do material bibliográfico e
legislações sobre o tema. A recorrência a material já elaborado por pesquisadores,
publicado em livros e artigos científicos, é frequente em quase todos os trabalhos
dessa natureza, embora haja estudos desenvolvidos exclusivamente a partir de
fontes bibliográficas. Assim, a escolha desse procedimento metodológico se mostra
pertinente por haver diversos estudos realizados acerca do tema a ser abordado,
além dos diversos dispositivos legais que também contemplam a temática em
questão.
Este trabalho monográfico acha-se estruturado em cinco seções.
A primeira – Introdução – apresenta os elementos constitutivos deste
trabalho de conclusão de curso.
A segunda – A tutela da saúde com um direito do cidadão – tece
considerações gerais acerca do direito fundamental à saúde, discorre sobre os
direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988 relativos à saúde pública
do cidadão brasileiro, detalhando o funcionamento dos conselhos de saúde.
A terceira – O controle na administração pública brasileira – trata da
evolução do controle na Administração Pública, em especial o social, destacando a
nova consciência política refletida na Constituição Federal de 1988, ao mesmo
tempo ressalta a relevância do controle externo a cargo do Tribunal de Contas na
averiguação do cumprimento das políticas públicas formuladas pelo Estado
brasileiro na área de saúde pública.
A quarta seção – O controle da efetividade do direito fundamental à saúde –
abrange o controle social e a sua interface com o controle externo a cargo do
13
Tribunal de Contas, salientando o Programa Voluntários do Controle Externo –
VOCÊ, desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba.
Por fim, na quinta seção – Considerações Finais – são tecidas reflexões
acerca da atuação conjunta das Cortes de Contas e o exercício do controle social,
por parte da sociedade organizada, com fins de aperfeiçoamento das ações
governamentais na área de saúde pública.
14
2
A TUTELA DA SAÚDE COMO UM DIREITO DO CIDADÃO
2.1
Considerações iniciais sobre o Direito Fundamental à Saúde
Inicialmente, cumpre mencionar que a importância do direito à saúde é
inegável, visto tratar-se de um dos principais componentes da vida. Como se vê, o
direito à saúde encontra-se intimamente atrelado à dignidade da pessoa humana,
pois remete a uma existência digna e com qualidade de vida, escopo de todo
cidadão no exercício de seus direitos.
Contudo, há a existência de distinção doutrinária entre direitos humanos e
direitos fundamentais. Neste sentido, os direitos humanos propriamente ditos
possuem previsão na ordem jurídica internacional, independentemente de serem
vinculados à determinada ordem constitucional. Apresentam, pois, caráter
supranacional. Os direitos fundamentais, no entanto, devem ser compreendidos
dentre os direitos humanos que estão reconhecidos e positivados na ordem
constitucional de um determinado Estado. Consoante preleciona Sarlet,
[...] o termo 'direitos fundamentais' se aplica para aqueles direitos do ser
humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional
positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos
humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por
referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano
como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem
constitucional [...]. (SARLET, 2003, p.33).
Neste sentido, o direito à saúde, no ordenamento jurídico brasileiro,
encontra-se inserido no rol dos direitos fundamentais, visto que a Constituição da
República Federativa do Brasil, além de incluí-lo entre os direitos sociais, dedicoulhe seção exclusiva em seu Título VIII, Capítulo II, Seção II, artigos 196 a 200.
No que concerne aos direitos fundamentais, cabe destacar a consagrada
divisão doutrinária destes em direitos de primeira, segunda e terceira geração.
Ressalva-se, no entanto, que, consoante esta classificação, realizada a partir de
uma concepção histórica, não existem substituições de uma geração por outra, visto
que estas se complementam.
15
Sendo assim, os direitos fundamentais de primeira geração compreendem
as liberdades negativas clássicas, tendo como finalidade a imposição de limites à
atuação do Estado, representando meios de defesa das liberdades individuais. São
direitos, em geral, de cunho negativo, abarcando, portanto, os direitos civis e
políticos.
Os direitos fundamentais de segunda geração, por sua vez, são aqueles
contemplados através de uma atuação positiva do Estado, por intermédio de
implementações de políticas e serviços públicos. Os direitos sociais, dentre os quais
se destaca o direito à saúde, encontram-se inseridos nesta dimensão.
Ademais, menciona-se a terceira geração dos direitos fundamentais, que
consagram os princípios da solidariedade e fraternidade. Atribuídos genericamente a
todas as formações sociais, referem-se à salvaguarda dos interesses de titularidade
coletiva e difusa, destacando-se, dentre eles, o direito ao meio ambiente equilibrado,
à paz, à autodeterminação dos povos, dentre outros.
Destaca-se, também, que parte da doutrina defende a existência de uma
quarta geração de direitos fundamentais. “São direitos de quarta geração o direito à
democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.” (BONAVIDES, 2002, p.
525).
Por estar situado dentre os direitos fundamentais sociais, é pertinente
afirmar que a saúde se configura como um dos elementos que marcam a transição
do constitucionalismo liberal, consubstanciado nos direitos de primeira geração, para
o constitucionalismo social, com a previsão de direitos a uma prestação que impõem
um dever ao Estado. Verifica-se, pois, a exigência de uma participação ativa do
Estado, através da atuação positiva deste, com fins a uma efetiva garantia e eficácia
do direito fundamental à saúde, levando-se em consideração que, apesar de
envolverem inúmeras necessidades, os recursos orçamentários são limitados.
Cumpre, ainda, ressaltar que a doutrina moderna menciona a importância de
se estabelecer conexões entre a proteção à saúde, individual e coletiva, com outros
direitos e interesses também tutelados pelo sistema constitucional pátrio. Neste
sentido, constata-se que a salvaguarda e a efetividade do direito fundamental à
saúde encontram-se intimamente relacionados ao direito à vida e à existência digna,
dentre outros direitos, tais como o de moradia, bem-estar social, e o de meio
ambiente sadio e equilibrado.
16
2.2
O Direito Fundamental à Saúde na Constituição Federal de 1988
O preâmbulo da Constituição Federal de 1988 invoca a garantia à saúde na
medida em que institui um Estado democrático social destinado a assegurar, como
valores supremos de uma sociedade fundada na harmonia social, os direitos sociais
e o bem-estar social, dentre outros. Observa-se, pois, a importância concedida pelo
Poder Constituinte Originário aos direitos sociais, especialmente à saúde.
Menciona-se, ainda, o Título I da Carta Magna, que dispõe acerca dos seus
princípios fundamentais, na medida em que considera, como um de seus
fundamentos, a dignidade da pessoa humana, que, por sua vez, encontra-se
intimamente atrelada ao direito à saúde.
Os direitos fundamentais, contemplados na Carta Magna de 1988, foram
positivados em seu Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Em
especial, encontram-se previstos os direitos sociais, dentre os quais se destaca, já
em seu artigo 6º, o direito à saúde. Sendo assim, por se tratar de um direito social,
necessária se faz a exigência de prestações positivas por parte do Estado, visando a
garantia e a efetividade deste direito, e evitando-se, assim, a sua ineficácia.
No Título VIII da Constituição Federal, que trata da Ordem Social, encontrase inserido em seu Capítulo II, concernente à Seguridade Social, a Seção II, que,
por sua vez, refere-se expressamente ao direito à saúde, do qual se depreende,
através de seu artigo 196,
[...] é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação. (PLANALTO, 2012).
Sendo assim, através do texto constitucional se infere que a tutela à saúde,
além de direito de todos, trata-se de um dever do Estado. Percebe-se, portanto, a
existência de um direito-dever, em que o surgimento, assim como o reconhecimento,
do dever ocorre a partir da conformação constitucional do próprio direito
fundamental.
Ademais, conforme dispõe o artigo 5º, §1º da Constituição Federal, as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicação
17
imediata, carecendo, portanto, de regulamentações infraconstitucionais. O princípio
da aplicabilidade imediata dessas normas, conforme nomeia Piovesan – citado por
Siqueira – tem como “[...] intuito reforçar a imperatividade das normas que traduzem
direitos e garantias fundamentais [...] nos termos do art. 5º, parágrafo 1º.”
(PIOVESAN apud SIQUEIRA, 2008). Por sua vez, o constitucionalista Bonavides
discorre acerca da interpretação dos direitos fundamentais, segundo a Constituição
de 1988, nos termos:
A nova hermenêutica constitucional se desataria de seus vínculos com os
fundamentos e princípios do Estado Democrático de Direito se os relegasse
ao território das chamadas normas programáticas, recusando-lhes
concretude negativa sem a qual, ilusória a dignidade da pessoa humana
não passaria também de mera abstração (BONAVIDES, 2002, p. 594).
No momento em que a Constituição Federal, em seu artigo 60, §4º, atribuiu
o status de cláusula pétrea aos direitos fundamentais, estes, por conseguinte,
tornam-se insusceptíveis de serem abolidos ou alterados para diminuir sua
abrangência. Desta maneira, o constituinte originário, além de destacar a
importância da garantia ao direito à saúde, determinou que este jamais devesse ser
alvo de reformas tendentes a suprimir o seu alcance ou diminuir o seu valor.
Todavia, a efetivação desse direito depende de uma atuação positiva do
Poder Público através das políticas públicas que podem e devem ser objeto de
controle. Ademais, o artigo 197 da Magna Carta expõe que as ações e serviços
públicos de saúde possuem relevância pública,
Art. 197. […] cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica
de direito privado. (PLANALTO, 2012 - grifo nosso).
Nesse contexto, cabe ao cidadão, individualmente ou coletivamente, o
exercício do controle social, guiando a atuação da Administração no que concerne à
adoção de medidas que atendam ao interesse público, além de exigir a devida
prestação de contas pelos gestores de recursos públicos. Inclusive, a concepção de
18
controle foi albergada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26
de agosto de 1789, que menciona, em seu artigo 15, o direito da sociedade de pedir
contas acerca da administração realizada pelos agentes do poder público. Sobre
essa referida Declaração, afirmou Nicola Matteucci:
[...] constitucionalismo moderno tem, na promulgação de um texto escrito
contendo uma declaração dos Direitos Humanos e de cidadania, um dos seus
momentos centrais de desenvolvimento e de conquista, que consagra as
vitórias do cidadão sobre o poder. (MATTEUCCI, 1986, p. 353).
A participação da sociedade no controle das ações e serviços públicos de
saúde consiste, pois, em uma de suas diretrizes, conforme expressa o artigo 198 da
Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado
de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade. (PLANALTO, 2012 - grifo nosso).
Convém acentuar que a Constituição Federal, ao tratar sobre o direito
fundamental à saúde, legitimou a participação da sociedade no controle das ações e
serviços públicos, visando, desta forma, a criação de instrumentos adequados à
garantia e proteção deste direito.
Além do mais, tendo em vista que a saúde constitui um dever do Estado,
cabe a este estabelecer, através de uma ação integrada e em sistema único, de
forma regionalizada e hierarquizada, as políticas públicas em ações e serviços de
saúde. Destaca-se, ainda, que a Constituição Federal estabeleceu índices mínimos
a serem atingidos, por cada ente federativo, nas aplicações em ações e serviços
públicos de saúde, sendo que esta inobservância, tamanha a sua gravidade, enseja
a reprovação das contas dos gestores públicos pelos órgãos fiscalizadores.
Mais ainda, cita-se a edição da Lei Complementar 141, de 13 de janeiro de
2012, para regulamentação do § 3º do artigo 198 da Constituição Federal, que
19
dispõe sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde.
Ademais, o mencionado dispositivo legal estabelece os critérios de rateio dos
recursos de transferências para a saúde, além de tratar acerca das normas de
fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de
governo, dando, também, outras providências. Este é o teor de seu artigo 1º, in
verbis:
Art. 1º. Esta Lei Complementar institui, nos termos do § 3º do art. 198 da
Constituição Federal:
I - o valor mínimo e normas de cálculo do montante mínimo a ser aplicado,
anualmente, pela União em ações e serviços públicos de saúde;
II - percentuais mínimos do produto da arrecadação de impostos a serem
aplicados anualmente pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos
Municípios em ações e serviços públicos de saúde;
III - critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados
destinados aos seus respectivos Municípios, visando à progressiva redução
das disparidades regionais;
IV - normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde
nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. (PLANALTO, 2012).
No que concerne às ações e serviços públicos da área de saúde, verifica-se
a necessidade de atendimento às seguintes diretrizes:
o
Art. 2 . Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos
estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas
com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção,
proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos
o
o
princípios estatuídos no art. 7 da Lei n 8.080, de 19 de setembro de 1990,
e às seguintes diretrizes:
I - sejam destinadas às ações e serviços públicos de saúde de acesso
universal, igualitário e gratuito;
II - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos
de Saúde de cada ente da Federação; e
III - sejam de responsabilidade específica do setor da saúde, não se
aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam
sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as
condições de saúde da população.
Parágrafo único. Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as
despesas com ações e serviços públicos de saúde realizadas pela União,
pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios deverão ser
financiadas com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos
de saúde. (PLANALTO, 2012).
20
Para
fins
de
apuração
do
percentual
mínimo
estabelecido
constitucionalmente, o artigo 3o do dispositivo legal elenca as despesas
consideradas como ações e serviços públicos de saúde, enquanto que o artigo 4o
ressalta aquelas que não podem ser classificadas como tal.
o
Art. 3 . Observadas as disposições do art. 200 da Constituição Federal, do
o
art. 6º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e do art. 2 desta Lei
Complementar, para efeito da apuração da aplicação dos recursos mínimos
aqui estabelecidos, serão consideradas despesas com ações e serviços
públicos de saúde as referentes a:
I - vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária;
II - atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de
complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de
deficiências nutricionais;
III - capacitação do pessoal de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS);
IV - desenvolvimento científico e tecnológico e controle de qualidade
promovidos por instituições do SUS;
V - produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos serviços
de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos, sangue e hemoderivados,
medicamentos e equipamentos médico-odontológicos;
VI - saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, desde
que seja aprovado pelo Conselho de Saúde do ente da Federação
financiador da ação e esteja de acordo com as diretrizes das demais
determinações previstas nesta Lei Complementar;
VII - saneamento básico dos distritos sanitários especiais indígenas e de
comunidades remanescentes de quilombos;
VIII - manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de vetores de
doenças;
IX - investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de obras de
recuperação, reforma, ampliação e construção de estabelecimentos
públicos de saúde;
X - remuneração do pessoal ativo da área de saúde em atividade nas ações
de que trata este artigo, incluindo os encargos sociais;
XI - ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições públicas do
SUS e imprescindíveis à execução das ações e serviços públicos de saúde;
XII - gestão do sistema público de saúde e operação de unidades
prestadoras de serviços públicos de saúde.
o
Art. 4 . Não constituirão despesas com ações e serviços públicos de saúde,
para fins de apuração dos percentuais mínimos de que trata esta Lei
Complementar, aquelas decorrentes de:
I - pagamento de aposentadorias e pensões, inclusive dos servidores da
saúde;
II - pessoal ativo da área de saúde quando em atividade alheia à referida
área;
III - assistência à saúde que não atenda ao princípio de acesso universal;
IV - merenda escolar e outros programas de alimentação, ainda que
executados em unidades do SUS, ressalvando-se o disposto no inciso II do
o
art. 3 ;
V - saneamento básico, inclusive quanto às ações financiadas e mantidas
com recursos provenientes de taxas, tarifas ou preços públicos instituídos
para essa finalidade;
VI - limpeza urbana e remoção de resíduos;
21
VII - preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos órgãos de
meio ambiente dos entes da Federação ou por entidades não
governamentais;
VIII - ações de assistência social;
IX - obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou
indiretamente a rede de saúde; e
X - ações e serviços públicos de saúde custeados com recursos distintos
dos especificados na base de cálculo definida nesta Lei Complementar ou
vinculados a fundos específicos distintos daqueles da saúde. (PLANALTO,
2012).
No tocante às normas de acompanhamento de gestão, é pertinente ressaltar
o Capítulo IV da Lei Complementar 141/2012, que discorre acerca da transparência,
visibilidade, fiscalização, avaliação e controle. O referido Capítulo encontra-se
subdividido em quatro seções, as quais tratam da transparência e visibilidade da
gestão da saúde, da escrituração e consolidação das contas da saúde, da prestação
de contas, e da fiscalização da gestão da saúde. Neste último ponto, salienta-se o
disposto nos artigos 37 e 38, in verbis:
Art. 37. Os órgãos fiscalizadores examinarão, prioritariamente, na prestação
de contas de recursos públicos prevista no art. 56 da Lei Complementar nº
101, de 4 de maio de 2000, o cumprimento do disposto no art. 198 da
Constituição Federal e nesta Lei Complementar.
Art. 38. O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de
Contas, do sistema de auditoria do SUS, do órgão de controle interno e do
Conselho de Saúde de cada ente da Federação, sem prejuízo do que
dispõe esta Lei Complementar, fiscalizará o cumprimento das normas desta
Lei Complementar, com ênfase no que diz respeito:
I - à elaboração e execução do Plano de Saúde Plurianual;
II - ao cumprimento das metas para a saúde estabelecidas na lei de
diretrizes orçamentárias;
III - à aplicação dos recursos mínimos em ações e serviços públicos de
saúde, observadas as regras previstas nesta Lei Complementar;
IV - às transferências dos recursos aos Fundos de Saúde;
V - à aplicação dos recursos vinculados ao SUS;
VI - à destinação dos recursos obtidos com a alienação de ativos adquiridos
com recursos vinculados à saúde. (PLANALTO, 2012).
Portanto, a recém-promulgada Lei Complementar 141, de 13 de janeiro de
2012, dentre outros aspectos nela regulamentados, dá a relevância necessária à
função de controle, no que concerne à análise da prestação de contas de recursos
públicos por parte dos órgãos competentes, a exemplo das Cortes de Contas e dos
Conselhos de Saúde.
22
2.3
Os Conselhos de Saúde
O constituinte originário de 1988, enfatizando o valor de uma democracia
participativa, objetivou, no que concerne a ações e serviços públicos de saúde,
estabelecer mecanismos que permitissem a participação da sociedade na
formulação, administração e controle das políticas públicas a serem implementadas
nas três esferas de governo. Por conseguinte, possibilitou-se o desenvolvimento de
uma estrutura institucional voltada à participação dos cidadãos.
Neste diapasão, editou-se a Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que
dispõe, dentre outros temas, acerca da participação da comunidade na gestão do
Sistema Único de Saúde. Regulamenta, pois, no seu artigo 1o, § 2o, que o Sistema
Único de Saúde contará, em cada esfera de governo, com o Conselho de Saúde,
que integra a estrutura básica do Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde
dos Estados, Distrito Federal e Municípios, e cuja atuação se dá em caráter
permanente e deliberativo. Eis o teor do supracitado dispositivo legal:
Art. 1°. O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de
19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo
das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas:
§ 2°. O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão
colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço,
profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no
controle da execução da política de saúde na instância correspondente,
inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão
homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do
governo. (PLANALTO, 2012).
A finalidade dos conselhos consiste, pois, na formulação de estratégias e no
controle da execução da política de saúde na instância correspondente,
considerando, inclusive, os aspectos econômicos e financeiros. As decisões deste
colegiado, por sua vez, serão homologadas pelo chefe do poder legalmente
constituído em cada esfera do governo.
Menciona-se, ainda, que a organização dos Conselhos de Saúde e suas
normas de funcionamento são definidas em regimento próprio e aprovadas pelo
respectivo conselho. Ademais, conforme exposto no sítio do Portal da Transparência
do Governo Federal:
23
[Os conselhos] devem ser compostos por um número par de conselheiros,
sendo que, para cada conselheiro representante do Estado, haverá um
representante da sociedade civil (exemplo: se um conselho tiver 14
conselheiros, sete serão representantes do Estado e sete representarão a
sociedade civil). Mas há exceções à regra da paridade dos conselhos, tais
como na saúde e na segurança alimentar. Os conselhos de saúde, por
exemplo, são compostos por 25% de representantes de entidades
governamentais, 25% de representantes de entidades não-governamentais
e 50% de usuários dos serviços de saúde do SUS. (CONTROLE SOCIAL –
Conselhos municipais e controle social).
Tem-se, portanto, que a participação da sociedade organizada torna os
Conselhos de Saúde uma instância privilegiada na proposição, deliberação,
acompanhamento, avaliação e fiscalização das políticas públicas na área da saúde.
Sendo assim, os conselhos desempenham importante papel no fortalecimento da
participação democrática da população e na formulação e implementação das
políticas públicas. Ainda segundo o referido Portal, tem-se:
Os conselhos são espaços públicos de composição plural e paritária entre
Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa e consultiva, cuja função
é formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais. Os
conselhos são o principal canal de participação popular encontrada nas três
instâncias de governo (federal, estadual e municipal). (CONTROLE SOCIAL
– Conselhos municipais e controle social).
Cumpre destacar, entretanto, que inúmeros foram os questionamentos
acerca da efetividade dos conselhos na promoção da participação dos cidadãos.
Consoante expõe Vera Schattan P. Coelho:
[…] sua promessa de ampliar a democracia estaria comprometida por uma
cultura política autoritária ainda subsistente no Estado brasileiro, por uma
vida associativa frágil e por resistências, tanto dos atores da sociedade civil
como do Estado. Nesse contexto, a implementação dos conselhos é
insuficiente para reverter as assimetrias sociais e econômicas, e os
cidadãos mais pobres permanecem excluídos desses espaços e sem
recursos suficientes para articular suas demandas, ao passo que os custos
de participação continuam menores para aqueles que dispõem de mais
recursos. (COELHO, 2007).
24
Mais ainda, como bem mencionou a supracitada autora,
Um número crescente de estudos, entretanto, sugere o oposto: sob certas
circunstâncias, esses foros podem não só incluir os segmentos sociais
menos privilegiados, mas também desempenhar papel significativo na
definição das políticas públicas. Tais análises enfatizam três fatores
determinantes. Em primeiro lugar, sugerem a importância de processos de
organização e mobilização da sociedade civil. Em segundo, indicam que o
sucesso desses foros depende do comprometimento das autoridades
públicas com o projeto participativo. Em terceiro, ressaltam que o desenho
institucional é crucial para o sucesso dos conselhos. (COELHO, 2007).
No município de João Pessoa, a título de ilustração, o Conselho Municipal
de Saúde foi criado pela Lei Municipal nº 8.301/97, sendo atualmente disciplinado
pela Lei nº 11.089/97. Conforme exposto no sítio da Secretaria de Saúde da
Prefeitura Municipal de João Pessoa, esse referido Conselho encontra-se no mesmo
nível do Secretário Municipal da Saúde, possuindo orçamento próprio. A sua
composição, por sua vez, abrange representante de governos, representantes de
entidades prestadoras de serviços de saúde, representantes de trabalhadores de
saúde e representantes de usuários do Sistema Único de Saúde. Constitui-se, pois,
em órgão fiscalizador da gestão da saúde, possuindo caráter deliberativo.
Dentre suas competências, cumpre ressaltar (CONSELHO MUNICIPAL DE
SAÚDE, 2012): mobilização e articulação contínuas da sociedade na defesa dos
princípios constitucionais que fundamentam o Sistema Único de Saúde, visando o
controle social de saúde; formulação e controle da execução da política de saúde,
incluindo os seus aspectos econômicos e financeiros; aprovação da proposta
orçamentária anual da saúde, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas
na Lei de Diretrizes Orçamentárias; proposta de critérios para programação e
execução financeira e orçamentária dos Fundos de Saúde, com acompanhamento
da movimentação e destinação dos recursos; fiscalização e controle de gastos com
deliberação sobre critérios de movimentação de recursos da saúde; exame de
propostas e denúncias de indícios de irregularidades; apoio e promoção da
educação para o controle social; e o estabelecimento de ações de informação,
educação e comunicação em saúde, com divulgação das funções e competências
25
do Conselho de Saúde, seus trabalhos e decisões por todos os meios de
comunicação, incluindo informações sobre as agendas, datas e local das reuniões.
No Estado da Paraíba, consoante o sítio da Secretaria de Saúde do
Governo do Estado, o Conselho Estadual de Saúde integra a estrutura básica da
Secretaria de Saúde do Estado, tendo sua composição, estrutura organização e
competências definidas na Lei Estadual nº 8.234, de 31 de maio de 2007, orientada
pela Lei Federal nº 8.142/90 e pela Resolução nº 333 de 04 de novembro de 2003,
do Conselho Nacional de Saúde. Atualmente, o Conselho Estadual de Saúde, que
se reúne mensalmente, é composto paritariamente por (CONSELHO ESTADUAL DE
SAÚDE, 2012): 24 conselheiros de saúde titulares e 24 suplentes, sendo 50%
representantes dos usuários do Sistema Único de Saúde, 25% representantes dos
trabalhadores de saúde, 12,5% de representantes dos prestadores de serviços do
Sistema Único de Saúde, e 12,5% representantes dos gestores do Sistema Único de
Saúde. Possui, ainda, uma secretaria executiva, responsável por encaminhar as
deliberações do plenário, elaborar as atas das reuniões, organizar documentações e
oferecer suporte técnico necessário ao Conselho Estadual.
Indiscutível, portanto, a importância dos Conselhos de Saúde no âmbito das
três esferas governamentais, conforme preleciona Simões:
Os conselhos gestores de políticas públicas [...] são uma realidade presente
nos municípios brasileiros, dinamizando a efetivação institucional do diálogo
entre governo e cidadão, acerca da gestão e alocação mais justa e eficiente
dos recursos públicos destinados a ações de governo mais fundamentais
como [...] saúde, dentre outros. (SIMÕES, 2011, p. 28).
Além disso, enfatiza que:
A vontade do povo nas ações do Estado somente será implementada
através da manifestação da vontade dos cidadãos ou de seus grupos
representativos e, indispensavelmente, do acolhimento dessa vontade pelo
Estado. Assim os conselhos apresentam-se como ferramenta preciosa de
participação da sociedade civil garantidora da soberania popular que
permite uma gestão comum das políticas adotadas. (SIMÕES, 2011, p. 28).
26
Tem-se, portanto, que os Conselhos de Saúde, apresentando um papel de
destaque no cenário político, representam um dos principais instrumentos de
democracia participativa, possuindo competência para controlar os recursos
financeiros da saúde, acompanhar as verbas provenientes do Sistema Único de
Saúde e os repasses de programas federais, participar da elaboração de metas para
a saúde e controlar a execução das ações na saúde, devendo, para tanto, se reunir
ao menos uma vez por mês.
27
3
O CONTROLE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
3.1
A Evolução do Controle na Administração Pública
No âmbito da Administração Pública, controle consiste no “[...] poder-dever
de vigilância, orientação e correção que a própria Administração, ou outro Poder,
diretamente ou por meio de órgãos especializados, exerce sobre sua atuação
administrativa.” (ALEXANDRINO, PAULO, 2007, p. 521). Representa “[...] o conjunto
de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de
fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de
Poder.” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 826).
No que concerne à etimologia da palavra controle, consoante expõe Barbieri
e Hortale, citado por Maria Amélia Holanda Cavalcante,
[...] tal vocábulo tem origem no latim contra rotulum, sendo encontrado
também no francês contrerole, e era empregado para verificar a operação
do cobrador de imposos e, entre os ingleses, controle traduz a noção de
domínio, autoridade, poder e direção. Em francês significa vigilância,
verificação e inspeção. (CAVALCANTE, 2006, p. 63-64).
O estudo do controle da Administração Pública faz-se, pois, necessário,
visto que, através do seu exercício, assegura-se a legitimidade dos atos públicos e a
correta conduta funcional de seus agentes, resultando na defesa dos direitos dos
seus administrados. A função de controle atua como efetivo meio de proteção do
cidadão face ao Estado, evitando-se, por conseguinte, arbitrariedades por parte
deste.
Ademais, salienta-se que a tutela e a salvaguarda da ordem jurídica, por
meio da função de controle, relacionam-se com os pilares do Estado Democrático de
Direito, consagrando-se a ideia da separação das funções estatais e do controle do
poder político, e agregando-se preceitos democráticos, a exemplo da participação
popular e do controle social. A sua finalidade precípua é, pois, preservar os
interesses maiores do Estado enquanto sociedade politicamente organizada.
Consoante expõe Maria Sylvia Zanella di Pietro:
28
A finalidade do controle é a de assegurar que a Administração atue em
consonância com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento
jurídico, como os da legalidade, moralidade, finalidade pública, publicidade,
motivação, impessoalidade; em determinadas circunstâncias, abrange
também o controle chamado de mérito e que diz respeito aos aspectos
discricionários da atuação administrativa. (DI PIETRO, 2011, p. 735).
Ainda, Medauar (2002, p.455) destaca o significado do controle incidente
sobre as atividades da administração pública ao mencionar o preceituado no artigo
15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que assim expõe:
"A sociedade tem o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto a sua
administração". Consequentemente, todo administrador público possui o dever
jurídico de prestar contas de sua administração, sendo responsável por seus atos.
Segundo ensinamento do doutrinador Carvalho Filho,
Os mecanismos de controle vão assegurar a garantia dos administrados e
da própria administração no sentido de ver alcançados esses objetivos e
não serem vulnerados direitos subjetivos dos indivíduos nem as diretrizes
administrativas. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 827).
Além disso, ressalta que:
A natureza jurídica do controle é a de princípio fundamental da
Administração Pública. [...] indispensável à execução das atividades
administrativas do Estado, [...] deverá exercer-se em todos os níveis e
todos os órgãos. Significa que o controle, como princípio fundamental,
com caráter de indispensabilidade, não pode ser recusado por nenhum
órgão administrativo. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 828, grifo do autor).
Cumpre ressaltar que as constituições brasileiras pretéritas também
disciplinaram o controle na Administração Pública, destacando-se a relevância da
Reforma Administrativa advinda pelo Decreto-Lei 200/67, que contribuiu para a
modernização do sistema de controle no país, na medida em que o introduziu de
29
forma ágil, enfatizando não apenas o seu aspecto formal, mas, principalmente, o
acompanhamento da gestão da administração, alçando-o a princípio fundamental,
conforme se depreende do seu artigo 6o:
Art. 6º. As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes
princípios fundamentais:
I - Planejamento.
II - Coordenação.
III - Descentralização.
IV - Delegação de Competência.
V - Contrôle. (PLANALTO, 2012, grifo nosso).
Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal em 1988, o
controle teve maior enfoque, assumindo um relevante papel na administração
pública, através da imposição de limites à atuação do governo, e assegurando que
os recursos disponíveis sejam utilizados de forma organizada e ponderada.
Ainda, menciona-se que a necessária submissão da Administração Pública
aos princípios constitucionais basilares do Estado Democrático de Direito, tais como
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, serve como
parâmetro para a atividade de controle.
De igual maneira, salienta-se que a nossa Constituição estabelece um
sistema de controle baseado na separação dos poderes, assim instituído: pelo
sistema de controle de cada poder em sede de autotutela e do controle interno; pelo
controle exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas; pelo
controle exercido pelo Ministério Público; e pelo controle social, através de
mecanismos de atuação da sociedade. Ainda, conforme mencionado por Costa
(2007), tem-se que, atualmente, muitos doutrinadores consideram o controle uma
quarta função estatal, ao lado das funções executiva, legislativa e judiciária.
No que concerne à classificação, tem-se que atividade de controle pode ser
classificada quanto ao seu objeto (controle de legalidade e de mérito), quanto ao
momento de sua realização (controle prévio, concomitante, ou posterior), e quanto
ao posicionamento do órgão controlador (controle interno e externo).
De acordo com Carvalho Filho (2007), o controle de legalidade refere-se a
uma análise de conformidade entre a conduta administrativa e uma norma jurídica
30
vigente e eficaz. O controle de mérito consiste na verificação de critérios de
conveniência e oportunidade da conduta administrativa. O controle prévio, de
natureza preventiva, ocorre antes de consumada a conduta administrativa. O
controle concomitante é realizado à medida que a conduta administrativa se
processa. O controle posterior objetiva a revisão de atos já praticados, seja para
confirmá-los ou corrigi-los.
O controle interno, disciplinado nos artigo 70 e 74 da Constituição Federal, é
aquele exercido por cada Poder sobre seus próprios atos,
[...] feito, normalmente, pelo sistema de auditoria, que acompanha a
execução do orçamento, verifica legalidade na aplicação do dinheiro público
e auxilia o Tribunal de Contas no exercício de sua missão institucional. (DI
PIETRO, 2011, p. 737).
O controle externo, por sua vez, é realizado por órgão alheio àquele
responsável pela atividade controlada. Conforme preleciona Carvalho Filho,
É o controle externo que dá bem a medida da harmonia que deve reinar
o
entre os Poderes, como o impõe o art. 2 da CF. Por envolver aspectos que
de alguma forma atenuam a independência entre eles, esse tipo de controle
está normalmente contemplado na Constituição. É o caso do controle do
Judiciário sobre os atos do Executivo em ações judiciais. Ou do Tribunal de
Contas sobre atos do Executivo e do Judiciário. (CARVALHO FILHO. 2007.
p. 829).
Merece destaque, também, o controle social, realizado pela sociedade sobre
os atos praticados pelos administradores públicos, uma vez que apresenta
importante papel junto à atuação dos gestores públicos, em todos os níveis de
governo, no cumprimento de uma específica determinação constitucional. Consiste,
pois, na participação direta da sociedade civil organizada na gestão pública, através
do direcionamento das ações e dos gastos promovidos pelo Estado aos interesses
da coletividade.
Além disso, salienta-se a edição da Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011,
com fins de regulamentar procedimentos a serem observados pela União, Estados,
31
Distrito Federal e Municípios, para promover a transparência e assegurar o acesso a
informações concernentes à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua
destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente
obrigadas.
De acordo com o seu artigo 47, o mencionado dispositivo legal possui
vacatio legis de 180 dias da data de sua publicação, passando a produzir seus
efeitos após este lapso temporal.
O artigo 3o da referida Lei detalha o objetivo e as diretrizes dos
procedimentos previstos, assim dispondo:
o
Art. 3 . Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o
direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em
conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as
seguintes diretrizes:
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como
exceção;
II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de
solicitações;
III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da
informação;
IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na
administração pública;
V
desenvolvimento
do
controle
social
da
administração
pública. (PLANALTO, 2012).
No tocante aos procedimentos para salvaguardar o acesso à informação,
dispõe o artigo 5o:
o
Art. 5 . É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que
será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma
transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão. (PLANALTO,
2012).
Quanto ao acesso às informações e a sua divulgação, cumpre transcrever
os artigos 8o e 9o da Lei 12.527/2011, que assim estabelecem:
32
o
Art. 8 . É dever dos órgãos e entidades públicas promover,
independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil
acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse
coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas.
o
§ 1 . Na divulgação das informações a que se refere o caput, deverão
constar, no mínimo:
I - registro das competências e estrutura organizacional, endereços e
telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público;
II - registros de quaisquer repasses ou transferências de recursos
financeiros;
III - registros das despesas;
IV - informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os
respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos
celebrados;
V - dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e
obras de órgãos e entidades; e
VI - respostas a perguntas mais frequentes da sociedade.
o
§ 2 . Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades
públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que
dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede
mundial de computadores (internet).
o
o
§ 3 . Os sítios de que trata o § 2 deverão, na forma de regulamento,
atender, entre outros, aos seguintes requisitos:
I - conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à
informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil
compreensão;
II - possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos,
inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a
facilitar a análise das informações;
III - possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos
abertos, estruturados e legíveis por máquina;
IV - divulgar em detalhes os formatos utilizados para estruturação da
informação;
V - garantir a autenticidade e a integridade das informações disponíveis
para acesso;
VI - manter atualizadas as informações disponíveis para acesso;
VII - indicar local e instruções que permitam ao interessado comunicar-se,
por via eletrônica ou telefônica, com o órgão ou entidade detentora do sítio;
e
VIII - adotar as medidas necessárias para garantir a acessibilidade de
o
conteúdo para pessoas com deficiência, nos termos do art. 17 da Lei n
o
10.098, de 19 de dezembro de 2000, e do art. 9 da Convenção sobre os
o
Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo n
186, de 9 de julho de 2008.
o
§ 4 . Os Municípios com população de até 10.000 (dez mil) habitantes ficam
o
dispensados da divulgação obrigatória na internet a que se refere o § 2 ,
mantida a obrigatoriedade de divulgação, em tempo real, de informações
relativas à execução orçamentária e financeira, nos critérios e prazos
o
previstos no art. 73-B da Lei Complementar n 101, de 4 de maio de 2000
(Lei de Responsabilidade Fiscal).
33
o
Art. 9 . O acesso a informações públicas será assegurado mediante:
I - criação de serviço de informações ao cidadão, nos órgãos e entidades do
poder público, em local com condições apropriadas para:
a) atender e orientar o público quanto ao acesso a informações;
b) informar sobre a tramitação de documentos nas suas respectivas
unidades;
c) protocolizar documentos e requerimentos de acesso a informações; e
II - realização de audiências ou consultas públicas, incentivo à participação
popular ou a outras formas de divulgação. (PLANALTO, 2012).
Verifica-se, pois, que, ao dispor acerca da transparência e do acesso à
informação, o dispositivo legal em comento proporciona aos cidadãos o
conhecimento necessário à realização do controle social.
3.2
O Controle Social
O controle social ganha ênfase a partir da nova consciência política advinda
com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 6o, garante
como direitos sociais: "a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados". Neste diapasão, com a integração de direitos
sociais e coletivos, surge a necessidade de criação de mecanismos eficientes para
salvaguardá-los. Pode-se mencionar que:
O marco legal para o controle social no Brasil é a própria Constituição
Federal de 1988 que institucionalizou a participação da sociedade na gestão
das políticas públicas, [...], além dos remédios constitucionais, colocados à
disposição do cidadão para garantir o exercício do controle social da
atividade do Estado: a ação popular, o mandado de segurança e o habeas
data. Não apenas a CF, mas também a legislação infraconstitucional
garante ao cidadão a participação popular na gestão pública, com destaque
para a LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal, que instituiu instrumentos de
transparência, controle e fiscalização das finanças públicas visando à
responsabilidade na gestão fiscal. (SIMÕES, 2011, p. 25).
Some-se a isto que a Reforma Administrativa, levada a efeito em 1998 com
a Emenda Constitucional no 19, confirma a transição do modelo burocrático de
Administração Pública para o gerencial, voltado para a obtenção de resultados, com
34
foco no atendimento eficiente e transparente ao cidadão. Parte-se, portanto, da
premissa que os problemas devem ser solucionados o mais próximo possível de sua
origem, de modo que se possibilite o acompanhamento e o controle da sociedade
sobre qualquer programa ou política pública voltada a resolvê-los.
Sendo assim,
A evolução nas formas de interação ou associação entre o setor privado e o
público e a descentralização das atribuições do Estado previstas na
Constituição Federal de 1988 impuseram a necessidade de uma
participação cada vez maior da sociedade no controle da administração.
(SILVA, 2011, p. 45).
Ressalta-se, ainda, que, considerando-se a dimensão do Estado Brasileiro e
do elevado número de municípios que possui, a participação dos cidadãos torna-se
imprescindível para que o controle dos recursos públicos empregados nos diversos
programas de governo seja feito de forma ainda mais eficaz. Tem-se, portanto, que
a participação da sociedade contribui para o aperfeiçoamento do controle dos gastos
governamentais, garantindo, por conseguinte, uma escorreita aplicação dos recursos
públicos.
O controle social representa, pois, a capacidade que a sociedade civil tem
de interferir na gestão pública, situando as ações do Estado na direção dos
interesses da comunidade.
A participação e controle exercido pela sociedade permitem que esta oriente
as ações levadas a efeito pela Administração Pública, com vistas à adoção de
medidas que, de fato, atendam ao interesse público. O exercício do controle sobre
as ações do Estado, por sua vez, implica na prestação de contas, pelo gestor, de
sua atuação.
Neste sentido, tem-se que o controle social abrange o acompanhamento e a
fiscalização, pela sociedade, das ações e dos gastos promovidos pelos governantes,
levando-se em consideração os interesses da coletividade. É, pois, de fundamental
importância que o cidadão participe diretamente da gestão pública e exerça o
controle social das despesas públicas.
Desse modo:
35
[...] o controle social deve ser definido como aquele em que a sociedade
civil se associa ao poder público no planejamento, acompanhamento,
monitoramento e avaliação das ações de gestão pública. Desta forma
constitucionalmente conceituado, o controle social deve ter como
prerrogativa uma democracia forte e estabelecida que possa favorecer o
exercício da cidadania e a sua integração nos processos de gestão
participativa. (SIMÕES, 2011, p. 25).
Assim sendo, o controle social é, pois, preservado pela Constituição Federal
e, mesmo que o cidadão não seja obrigado a exercer funções de controle e de
fiscalização, tal direito lhe é assegurado, permitindo a participação na formulação
das políticas públicas, e, também, a fiscalização, de forma permanente, da aplicação
dos recursos públicos.
Ainda,
Apesar do controle social significar uma forma de participação social,
devemos ter claro que se tem um objeto específico que é o controle. Nesse
caso, exige da sociedade, não apenas capacidade de associação, mas
exige também disponibilidade de informações e conhecimentos próprios que
habilite ao pleno exercício do controle. Já participação social em sentido
amplo abrange qualquer interação que propicie a troca de informações com
o setor público. (SILVA, 2011, p. 45).
De fato, constata-se que a sociedade brasileira encontra-se, cada vez mais,
participativa, assumindo responsabilidades, organizando-se e acionando os
mecanismos a sua disposição para o exercício desta modalidade de controle.
Além disso, a Constituição Federal assegura o controle social quando
garante ao cidadão o acesso a informações e os meios de denunciar a existência de
irregularidades, conforme regulamenta o seu artigo 74, § 2o:
Art. 74. [...]
o
§ 2 . Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte
legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades
perante o Tribunal de Contas da União. (PLANALTO, 2012).
36
Salienta-se, inclusive, que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar no 101/2000), em seus artigos 48 e 49, também exalta a importância
dos instrumentos de transparência da gestão fiscal e do acesso, pela sociedade, às
prestações de contas encaminhadas pelos gestores públicos, conforme destacado
nos artigos in verbis:
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será
dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público:
os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de
contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução
Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas
desses documentos.
Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão
disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no
órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação
pelos cidadãos e instituições da sociedade. (PLANALTO, 2012).
O legislador busca, pois, incentivar a participação popular na discussão de
planos e orçamentos, com a implantação do orçamento participativo, assim como
tornar acessível, em versões simplificadas, os instrumentos de transparência da
gestão fiscal e as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo.
Menciona-se, também, que através do controle social crescente, busca-se
garantir serviços públicos de qualidade, representando, por conseguinte, o
estabelecimento de uma parceria eficaz, por meio da geração de compromisso entre
o poder público e a população, com fins a propiciar o desenvolvimento econômico e
social do país.
Sendo assim, apesar do controle social poder ser exercido individualmente,
por qualquer cidadão, observa-se que as comunidades se organizam em prol de um
interesse comum, com o intuito de defender seus anseios locais e suas
necessidades prementes. Visam, pois, a diminuição das inúmeras desigualdades
existentes, assegurando o respeito a seus direitos fundamentais por meio do acesso
a bens e serviços de qualidade.
Nesse diapasão, destaca-se a relevância dos conselhos gestores de
37
políticas públicas, que são canais efetivos de participação popular e fortalecem a
participação democrática da população na proposição e desenvolvimento das ações
e programas governamentais, de modo a proporcionar uma melhor qualidade de
vida à população. Tem-se, portanto, que
Os conselhos de gestores, de caráter interinstitucional, foram inscritos na
CF/88 e têm o papel de servir de instrumento mediador na relação
Sociedade-Estado, na qualidade de instrumentos de expressão,
representação e participação da população. (SIMÕES, 2011, p. 27).
Assim sendo, o controle social implementado juntamente aos conselhos,
previsto e exercido nas três esferas de governo, é de fundamental importância,
principalmente no que concerne à participação popular em nível municipal, visto ser
a esfera que mais se aproxima dos anseios e necessidades de uma dada
comunidade.
Uma comunidade organizada e solidária possui o condão de exercer
inúmeros e importantes meios de controle social, o que fortalece a participação
democrática, além de estabelecer uma sociedade mais atuante e consciente de suas
necessidades. Esses atributos, quando direcionados à saúde, auxiliam na
fiscalização dos recursos públicos aplicados em saúde, na participação da
elaboração das metas para a saúde e no controle da execução de suas ações.
O controle social da gestão pública nas diversas áreas (Saúde, Educação,
Assistência Social, Criança e Adolescente, Direitos Humanos, etc.) tem
intuito de se firmar como um espaço de cogestão entre Estado e sociedade,
trazendo formas inovadoras de gestão pública para o exercício da cidadania
ativa, possibilitando à sociedade a definição de um plano de gestão das
políticas setoriais, com uma maior transparência das alocações de recursos
e favorecimento da responsabilização dos políticos, dos gestores e técnicos.
(SILVA, 2011, p. 289).
Tem-se, portanto, que o controle social possui importante papel na
construção de uma sociedade democrática, visto que provoca mudanças na maneira
em que a máquina estatal se relaciona com o cidadão, visando ao atendimento dos
38
anseios e necessidades deste. Essencial se faz, pois, a existência de mecanismos
que
possibilitam
a
integração
da
sociedade
no
processo
de
definição,
implementação e avaliação de ações públicas.
3.3
O Controle Externo a cargo dos Tribunais de Contas
A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer as competências dos
Tribunais de Contas, determinou que o controle externo, a cargo do Poder
Legislativo, será exercido com o auxílio das Cortes de Contas. Essa função, por sua
vez, é desempenhada através da fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial das entidades estatais. Também, as Cortes de Contas
providenciam auxílio técnico especializado ao Poder Legislativo, exercendo
atribuições próprias e privativas, estabelecidas constitucionalmente. Este é o teor
dos artigos 70 e 71 da Constituição Federal:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta,
quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das
subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional,
mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada
Poder.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido
com o auxílio do Tribunal de Contas da União [...]. (PLANALTO, 2012).
Todavia, apesar de proverem o auxílio técnico especializado ao Poder
Legislativo, os Tribunais de Contas não pertencem à estrutura deste Poder, não
estando, portanto, incluídos na esfera do Legislativo, e não guardando qualquer
vínculo de subordinação a este. Neste sentido, a expressão órgão auxiliar,
empregada na Magna Carta, não possui o condão de representar qualquer
subalternidade funcional. Assim sendo, o Poder Legislativo e o Tribunal de Contas
são órgãos que, em tema de controle externo, devem guardar, entre si,
independência e harmonia:
39
O controle externo é, pois, função do Poder Legislativo, sendo de
competência do Congresso Nacional no âmbito federal, das Assembleias
Legislativas nos Estados, da Câmara Legislativa no Distrito Federal e das
Câmaras Municipais nos Municípios, com auxílio dos respectivos Tribunais
de Contas. Consiste, assim, na atuação da função fiscalizadora do povo,
através de seus representantes, sobre a administração financeira e
orçamentária. É, portanto, um controle de natureza política, no Brasil, mas
sujeito à prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas
correspondente, que, assim, se apresenta como órgão técnico, e suas
decisões são administrativas, não jurisdicionais [...]. (SILVA apud LIMA,
2007, p. 27).
No exercício de sua função fiscalizadora mediante o controle externo, cabe
às Cortes de Contas realizarem o acompanhamento da atividade financeira do
Estado e de seus diversos órgãos, averiguando, mesmo que a posteriori, a
regularidade dos atos por eles praticados, especialmente no que concerne à
observância aos princípios da legalidade, legitimidade e economicidade. Diferenciase, pois, da função de controle político desempenhado pelo Poder Legislativo, razão
pela qual a Carta Magna estabelece o exercício do controle externo por um órgão
essencialmente técnico, dotado de autonomia, garantias, competência e jurisdição
expressamente previstas na Constituição Federal.
Entre as principais competências dos Tribunais de Contas no Brasil estão a
fiscalizadora, a judicante, a sancionatória, a consultiva, a normativa, a informativa e
a corretiva, segundo estabelece o artigo 71 da Constituição Federal:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido
com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República,
mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a
contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por
dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta,
incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder
Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou
outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de
pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as
fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as
nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das
concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as
melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato
concessório;
40
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de
natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas
unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e
demais entidades referidas no inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo
capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do
tratado constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União
mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a
Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por
qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre
a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e
sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá,
entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências
necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a
decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos
apurados. (PLANALTO, 2012).
Destaca-se, por fim, que a Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu
como atribuição das Cortes de Contas, entre outras, a fiscalização de limites de
endividamento, limites de despesa com pessoal, e o cumprimento das metas fiscais
estabelecidas no planejamento orçamentário, em especial, na Lei de Diretrizes
Orçamentárias. De outra banda, a Lei de Licitações e Contratos, em seu artigo 113,
estabelece que a fiscalização das despesas decorrentes de sua aplicação deve ser
realizada pelas Cortes de Contas, na forma da legislação pertinente (MARQUES,
2010).
41
4
O CONTROLE DA EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
4.1
O Controle Social e sua Interface com o Controle Externo
O advento da ordem constitucional de 1988 consagrou uma nova
consciência política e social, que, além de enaltecer os direitos individuais e
coletivos, ao conferir-lhes status de cláusula pétrea, estabelece, simultaneamente,
diversos mecanismos de controle para salvaguardá-los. Dentre estes, merece
destaque o controle social, direito que foi conferido à sociedade para acompanhar e
fiscalizar ações e políticas públicas.
Para uma melhor compreensão do que seja controle social, Franco Garelli,
em verbete publicado no Dicionário de Política, refere-se aos:
[...] mecanismos (sanções, punições, ações reativas) que se acionam contra
indivíduos quando estes não se uniformizam com as normas dominantes.
Neste nível nos encontramos perante uma gama de sanções, extremamente
variada e de peso punitivo diferente, entre as quais mencionamos, [...], os
da privação de determinadas recompensas e direitos, as formas de
interdição e de isolamento, as de reprovação social, [...]. (GARELLI, 1986,
p. 284).
Cumpre ressaltar que a Administração Pública está fundada nos princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além do
princípio republicano, de modo que cabe aos administradores da res publica prestar
contas de seus atos e omissões perante as três esferas de poder, e, principalmente,
perante o povo, seu verdadeiro titular. Por conseguinte, ao cidadão permitem-se o
questionamento e a obtenção de informações acerca das ações e políticas
desenvolvidas pelos seus representantes, os governantes, com o consequente
exercício do controle e fiscalização destes. Para tal, faz-se necessário prover a
[...] estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efectivas
possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de
42
decisão, exercer controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs
político-democráticos. (CANOTILHO apud VALLE, 2011, p. 55).
Salienta-se, desta maneira, que
[...] o controle social não se esgota com o processo eleitoral. Pelo contrário,
dá-se de maneira ininterrupta sem, no entanto, se contrapor às formas
clássicas de controle. Sua efetividade e a qualidade de seus mecanismos
estão sujeitas às mesmas condições dos demais mecanismos de
representação democrática: informação e debate entre os cidadãos;
instituições que viabilizem a fiscalização e regras legais; normas sociais que
incentivem o pluralismo; respeito ao império da lei e aos direitos dos
cidadãos. (VUOLO, 2011, p. 313).
No entanto, verifica-se que, mesmo com a constitucionalização do direito do
exercício ao controle social, este ainda se processa de forma incipiente. Necessário
se faz, pois, o aprimoramento dos mecanismos de participação da sociedade civil no
que se refere às ações e políticas públicas.
Por outro lado, observa-se que a sociedade encontra-se cada vez mais
disposta a participar e acompanhar a gestão da res publica, reivindicando a
prestação de serviços públicos eficientes e de qualidade por parte de seus
governantes.
Todavia, para que possa exercer a sua função de fiscalizador, faz-se
necessário prover a transparência das políticas desenvolvidas, de modo que o
cidadão possa ter acesso às informações que entender necessárias, além de saber
interpretá-las devidamente. Neste sentido,
Para a efetivação dessa interação, a informação precisa ser sistemática,
disponibilizada de forma ampla, clara e simples para que possa ser
consumida pelo cidadão, faça setido na sua realidade de vida e sirva de
conteúdo, de subsídio, no diálogo com o Estado, no momento de cobras
ações dos agentes públicos e de avaliar os resultados das políticas
públicas. (VUOLO, 2011, p. 313).
43
A efetivação do direito fundamental à saúde por meio da atuação do controle
social decorre, também, do fato de que o controle das políticas públicas não pode
ficar a cargo apenas dos entes estatais. Por mais atuantes que sejam os Tribunais
de Contas, assim como outras instituições, – a exemplo das Controladorias, do
Poder Judiciário e do Ministério Público – deve-se considerar que as dimensões do
Estado Brasileiro e o seu grande número de municípios dificultam a atividade de
controle exclusivamente por meio de tais entidades. Por outro lado, por mais
informado seja o cidadão comum, ainda faltam-lhe conhecimentos técnicos
específicos. Tal carência pode ser suprida se o controle social for desempenhado
em parceria com o controle externo a cargo dos Tribunais de Contas.
Conforme já mencionado, o controle externo, de titularidade do Congresso
Nacional no âmbito federal, das Assembleias Legislativas no âmbito estadual, e das
Câmaras Municipais na esfera municipal, é exercido com o auxílio dos Tribunais de
Contas, que desempenham a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial das entidades estatais.
É importante destacar, entretanto, que as Cortes de Contas não pertencem
à estrutura do Legislativo, possuem autonomia funcional, devendo, para tanto, atuar
de forma independente e harmônica.
Verifica-se, pois, um liame entre o controle externo exercido no âmbito dos
Tribunais de Contas, que culmina, em caso de desrespeitos à legislação, em
responsabilização dos gestores, através da emissão de pareceres contrários à
aprovação de contas e eventuais imputações de débitos, e a participação ativa da
sociedade, mediante o controle social, no direcionamento e fiscalização dos gastos
com ações e serviços públicos de saúde, os quais visam à efetivação deste direito
fundamental.
Cabe, ademais, ressaltar o papel das Cortes de Contas na construção de
uma cultura de transparência na gestão das políticas públicas adotadas na área de
saúde. Nesse sentido, muito embora a criação do Tribunal de Contas tenha ocorrido
em 1890, através do Decreto nº 966-A, tendo a Constituição Republicana de 1891
institucionalizado o Tribunal de Contas da União, as competências e as atividades
das Cortes de Contas ainda permanecem desconhecidas por significativa parcela da
população, de modo que,
44
É necessário estabelecer conexões, e relações novas que contribuam para
aprofundar a experiência democrática, implementar ações sistêmicas e
interativas entre os Tribunais e a sociedade com o objetivo de ampliar o
controle social sobre a coisa pública para o fortalecimento da cidadania e a
melhoria da qualidade de vida coletiva. (VUOLO, 2011, p. 313).
Está claro, portanto, a importância da atuação dos Tribunais de Contas como
interlocutores na relação entre a administração pública e a sociedade. Acerca do
tema em pauta, dispõe Zilton Rocha:
[...] a conclusão das ações dos jurisdicionados e do controle externo
possibilitarão, dialeticamente, promover novas formas de garantir uma
administração eficiente, honesta, transparente e que saiba aplicar os
recursos públicos em prol do bem-estar da sociedade. (ROCHA, 2011, p. 9).
Com efeito, o mesmo autor afirma que “[...] a eficaz fiscalização da
Administração Pública requer a articulação de várias instâncias de controle, tanto
estatais, com atribuições internas e externas, como sociais”. (ROCHA, 2011, p. 9).
Nesse diapasão, tem-se que qualquer cidadão pode e deve participar na
fiscalização dos recursos públicos. Sendo assim, caso seja constatado qualquer
indício de irregularidade na aplicação destes, cabe realizar a respectiva denúncia
junto ao Tribunal de Contas. Para tanto, as Cortes de Contas dispõem de
Ouvidorias, que promovem um canal de diálogo entre os Tribunais e a sociedade,
recebendo e providenciado o encaminhamento adequado às denúncias, críticas e
reclamações que lhes foram formuladas. Sendo assim, depreende-se que:
Com a evolução do Estado e a implantação de regimes democráticos, o
poder estatal passou a ser exercido em nome e em favor do povo, fazendo
com que a fiscalização das contas públicas passasse a constituir
prerrogativa da soberania popular, tornando-se imprescindível à
manutenção do próprio regime democrático. (...) Como essas características
democráticas transformaram-se em essência dos órgãos de controle, podese dizer que o Tribunal de Contas é o olho do povo, na medida em que
verifica se há o regular e legal emprego dos dinheiros públicos e se a sua
aplicação está direcionado ao interesse coletivo. (MILENSKY apud
MARQUES, 2010, p.21).
45
Mais uma vez, ganha relevo a importância da fiscalização da gestão pública
realizada pela sociedade, que, de fato, consiste em uma das formas de se exercer o
controle social. Destaca-se, também, que o cidadão, além do Tribunal de Contas,
pode acionar outros órgãos de controle, como as Controladorias, que realizam o
controle interno, e o Ministério Público. Salienta-se, todavia, a relevância dos
Conselhos de Saúde, visto que representam um dos principais instrumentos de
democracia participativa. Os Conselhos podem ainda acionar o Tribunal de Contas e
denunciar as irregularidades que forem constatadas no decorrer de suas atuações.
4.2
Programa Voluntários do Controle Externo - VOCÊ
O Programa Voluntários do Controle Externo - VOCÊ foi desenvolvido no
âmbito do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, tendo sido contemplado com o
Prêmio Sergio Arouca de Gestão Participativa no SUS, 2008, 3a edição, na categoria
Experiências Exitosas de Gestão Participativa (VIANA, ANDRADE, 2010).
O objetivo do referido programa consiste no treinamento e capacitação de
cidadãos idosos nos diversos municípios paraibanos, com o intuito de fornecer-lhes
as condições necessárias para atuarem, voluntariamente, como agentes auxiliares
do controle externo, auxiliando, desta maneira, o trabalho de fiscalização a cargo do
Tribunal de Contas do Estado, num efetivo exercício do controle social de algumas
ações da Atenção Básica à Saúde do Sistema Único de Saúde.
A opção de acompanhar as prioridades do PACTO DE ATENÇÃO BÁSICA
[...] deve-se ao significativo impacto positivo que a melhoria na qualidade
dessas ações terá na saúde das populações beneficiárias, aliado ao fato de
ser o município o responsável pela promoção da saúde integral de sua
população, ou seja, de caber a um jurisdicionado do Tribunal de Contas
garantir o acesso da população à atenção básica e aos serviços
especializados (de média e alta complexidade), mesmo quando localizados
fora de seu território, controlando, racionalizando e avaliando os resultados
obtidos, como determina a legislação. (VIANA, ANDRADE, 2010, p. 115).
Visando à intensificação do controle concomitante exercido pelo Tribunal de
Contas do Estado, o Programa Voluntários do Controle Externo é desenvolvido para
46
corresponder aos anseios da sociedade, em especial no que concerne ao
acompanhamento e fiscalização de bens e recursos públicos da área de saúde.
Desta maneira, promove-se o controle social instituído na Constituição Federal e na
Lei de Responsabilidade Fiscal através da efetiva participação do cidadão idoso, que
atua como voluntário.
A definição dos idosos como o segmento da sociedade civil que deveria
atuar como voluntariado do VOCÊ, considerou a oportunidade de reinserção
dessas pessoas na sociedade, bem como a condição de aproveitamento e
aplicabilidade do cabedal de talentos e conhecimentos inativos, e, ainda, o
reflexo positivo na auto-estima dessas pessoas, no exercício pleno da
cidadania, sendo os olhos e ouvidos do Tribunal, que, em contrapartida,
será sua voz, cobrando a correção de suas constatações. (VIANA,
ANDRADE, 2010, p. 115).
Verifica-se, ademais, que, após criterioso estudo e deliberações interna
corporis, a Corte de Contas Paraibana optou pelo acompanhamento e fiscalização
das ações e serviços públicos de saúde, em especial as prioridades do Pacto de
Atenção Básica.
Inicialmente, o VOCÊ está restrito ao acompanhamento e verificação de
algumas ações da Atenção Básica à Saúde do Sistema Único de Saúde
(SUS): atendimento odontológico básico; consultas médicas em
especialidades básicas; atendimento básico por outros profissionais de nível
superior e médio; vacinação; visita e atendimento ambulatorial e domiciliar
do PSF; atividades de assistência pré-natal e parto domiciliar por médico do
PSF; pronto-atendimento em unidades básicas de saúde; agentes
comunitários de saúde. (VIANA, ANDRADE, 2010, p. 117).
No que diz respeito ao voluntariado, tem-se que a sua atuação se dá em seu
próprio município, sendo a vinculação ao programa formalizada com a assinatura do
Termo de Adesão.
Nas cidades onde se vai implementar o programa, aplica-se aos adesistas
uma capacitação estruturada, de modo a contemplar assuntos pertinentes,
47
relevantes, e essenciais para o desenvolvimento das competências
necessárias à prática do Programa, e nuançam-se as boas e corretas
práticas administrativas e de gestão pública relativas à política pública da
saúde a ser acompanhada, e as exigências legais aplicáveis a essas
práticas. Destaque especial é dado à função do controle social, ao papel do
cidadão voluntário, à sua postura e ao que o TCE espera nessa parceria,
mostrando o desdobramento e a importância das ações desses cidadãos,
bem como ao distanciamento indispensável das questões políticopartidárias locais e/ou regionais. Finalmente, é-lhes apresentada uma
conceituação detalhada do objeto alvo de controle eleito, abrangendo a
conscientização do cidadão quanto ao seu direito àquele serviço/bem com
qualidade, ao respeito aos limites do que deve ser exigido, a metodologia e
o efetivo treinamento prático na ferramenta aplicável - um questionário
padrão - para o exercício efetivo do controle por parte deles. (VIANA,
ANDRADE, 2010, p. 116).
Cumprida esta etapa, o idoso voluntário é devidamente identificado e
capacitado, através do recebimento de todo o material necessário ao desempenho
de sua função de auxiliador do Tribunal de Contas do Estado, através do controle
social, no acompanhamento e fiscalização das ações e serviços públicos de saúde
em sua região:
[...] identificação nominal assinada pelo presidente do TCE, Resolução
Normativa que disciplina o Trabalho Voluntário no Tribunal, Lei do
o
Voluntariado n 9.608, Cartilha sobre o VOCÊ, camisa personalizada, pasta
e questionários a serem aplicados, identificando as Unidades Básicas de
Saúde que terão os serviços verificados. (VIANA, ANDRADE, 2010, p. 116).
Os períodos de visitação, bem como as unidades de saúde alvo da
fiscalização dos voluntários do controle externo, em especial as unidades de
Programa Saúde da Família (PSF) e os postos de saúde são previamente
estabelecidos. Nessa ocasião, os voluntários capacitados fazem uso, em um
primeiro momento, de sua percepção, observando o local inspecionado e
conversando com representantes da comunidade que estejam passando ou que
passaram por atendimento de saúde, e com os profissionais que atuam nas
unidades diligenciadas. Ainda preenchem o questionário padrão fornecido no
período de treinamento, o qual será remetido ao Tribunal no período pré-acordado.
48
Ressalta-se, ademais, que os dados encaminhados são analisados pela
Auditoria do Tribunal de Contas do Estado, orientando, sempre que se fizer
necessário, a diligência in loco a cargo desta, com a verificação e elucidação das
informações trazidas pelos voluntariados. O relatório produzido pela Auditoria, caso
contenha quaisquer indícios de irregularidades, dá origem ao Pacto de Ajustamento
de Conduta, a ser firmado com o gestor da saúde do município diligenciado. O prazo
para correção das irregularidades, por sua vez, é acordado no momento da
assinatura do pacto celebrado. Expirado o prazo para o cumprimento dos ajustes, os
voluntários retornam às unidades inspecionadas e, munidos de novo questionário,
verificam se os pontos pactuados foram efetivamente cumpridos, sendo que o não
cumprimento do pacto por parte do gestor constitui-se em agravante para a
apreciação da respectiva prestação de contas do município. (VIANA, ANDRADE,
2010).
49
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade, cada vez mais consciente de seus direitos, reivindica por uma
atuação pública mais eficiente, em especial no que concerne ao oferecimento de
ações e serviços públicos de saúde de qualidade.
Não mais se admite, portanto, que a atuação da Administração Pública seja
baseada tão-somente na verificação da regularidade dos gastos públicos em saúde,
e se o percentual mínimo de aplicação, estabelecido constitucionalmente, está
sendo respeitado. O foco se transmuda, por conseguinte, para a análise da
efetividade dos serviços disponibilizados e fornecidos à população.
Ao longo desse texto monográfico, constatou-se, enfaticamente, a
importância do controle social, visto que, através da participação direta da sociedade
na formulação das escolhas públicas, permite-se o direcionamento das ações e dos
gastos públicos em saúde de conformidade com as suas necessidades mais
urgentes. Também ficou evidente a relevância da atuação dos Conselhos de Saúde,
que propiciam a participação da sociedade tanto na elaboração de estratégias,
quanto no controle da execução das políticas de saúde desempenhadas pelo
Estado.
Os Tribunais de Contas, por sua vez, possuem possibilidades bem mais
amplas no desempenho de sua missão institucional de controle externo da
Administração Pública, estabelecida constitucionalmente, que não deve ser limitada
tão-somente à verificação acerca da escorreita aplicação dos recursos públicos.
O que se propôs, portanto, ao final desse trabalho, foi uma reflexão acerca
da atuação conjunta das Cortes de Contas, através do controle externo e com o
exercício do controle social, a cargo da população. As Cortes de Contas tem por
motivação o aperfeiçoamento das ações governamentais na área de saúde e a
consequente responsabilização dos agentes públicos. Estes podem, até mesmo, ter
suas contas anuais reprovadas pelo respectivo Tribunal de Contas sempre que, com
a execução de programas ineficientes, restarem evidenciados desvios de finalidade
que coloquem em risco o interesse público. Nesse patamar de análise, tornou-se
imprescindível, pois, uma avaliação do desempenho e da efetividade dos programas
e políticas públicas implementadas, as quais buscam uma atuação administrativa
voltada para o atingimento das necessidades da população, com a prestação de
serviços públicos de saúde eficientes.
50
Considerando que a fundamentalidade do direto à saúde é indiscutível,
assim como a dificuldade de sua realização no plano material, viu-se o quanto é
necessário o esforço conjunto entre sociedade e Administração Pública. Ademais,
incluem-se nessa missão os Tribunais de Contas, com o desempenho de sua
atuação eminentemente técnica no controle da gestão pública e análises acerca das
compatibilidades entre os planejamentos e as efetivas execuções das ações.
Mencionou-se, ainda, a experiência obtida no âmbito do Tribunal de Contas
do Estado da Paraíba, com o Programa Voluntários do Controle Externo - VOCÊ,
que realiza a interface entre o controle social e o controle externo para proporcionar
o oferecimento de serviços públicos de saúde que atendam às necessidades
básicas da população.
É pertinente esclarecer que o presente trabalho não pretendeu esgotar o
tema analisado, visto ser demasiadamente extenso e com alto grau de
complexidade. O sentido final foi o de apontar a relevância da atuação conjunta
entre o controle social e o controle externo realizado pelos Tribunais de Contas,
provendo-se o efetivo benefício social no fornecimento pela Administração Pública
das ações e serviços em saúde.
51
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