A SISTEMATIZAÇÃO DA HETEREOGENEIDADE LINGUÍSTICA
ANA FLÁVIA MATOS FREIRE – FAFIDAM/UECE
“Se o caos aparente, se a heterogeneidade não
pudessem ser sistematizados, como então
justificar que tal diversificação linguística entre
os membros de uma comunidade não os impede
de se entenderem, de se comunicarem?”
TARALLO (1986 apud MONTEIRO, 2000:105)
RESUMO: Em seu enorme percurso pela vida, a língua tem atravessado séculos contribuindo de forma
essencial para o desenvolvimento humano, mas também, levantando cada vez mais questionamentos a
respeito de seu uso. A Sociolinguística, assim como qualquer outra ciência, necessita de pesquisas
empíricas para não ser fundamentada apenas em hipóteses. A pesquisa variacionista é, portanto, um dos
requisitos mais importantes para que se possa provar a variação e posteriormente, se for o caso, a
mudança. No entanto, é uma tarefa complexa e exaustiva para muitos linguistas comprovar tais variações
devido à heterogeneidade da fala e à existência de alguns princípios e condicionamentos que devem ser
levados em consideração pelo pesquisador ao se efetuar a pesquisa dentre outros aspectos gerais.
Baseando-nos em algumas das condições e princípios propostos por Bell (1978), em sugestões e testes
formais propostos por Labov (1972) e em definições e exemplos dados por Monteiro (2000), visamos
com este trabalho, demonstrar a possibilidade de sistematizar a heterogeneidade existente na fala
quebrando assim, o mito do caos existente no sistema linguístico. Metodologicamente, este trabalho se
enquadra na perspectiva de uma revisão sobre a pesquisa realizada por José Lemos Monteiro sobre as
ocorrências variacionais do diminutivo em Fortaleza, Ceará exposta em seu livro Para compreender
Labov. Portanto, com este artigo, pudemos perceber que não se pode chegar a uma conclusão sobre a
variação, a mudança ou sistema linguístico sem um estudo consciente e responsável, que leva em
consideração todos os fatores possíveis para que tal sistematização ocorra.
PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa variacionista. Sistematização. Variação Linguística.
INTRODUÇÃO
Devido à complexidade existente no sistema linguístico, há quem afirme que o
caos está presente na língua, chegando até mesmo a comparar idiomas a fim de tentar
sobrepujar um ao outro. O que essas pessoas não sabem, é que não existe língua
homogênea, livre de variações, e tampouco existe uma língua mais fácil ou difícil que
outra. Tal afirmação, revestida de ignorância, traz más observações tanto para a língua
tida como “fácil” quanto para a outra, pois, afirmar que uma língua é fácil, nessas
condições, é ignorar sua complexidade tornando-a mais simples, rala e menos rica do
que a outra, o que não é verdade. Antes de iniciar qualquer trabalho linguístico, seja ele
variacionista ou não, é preciso soltar-se das correntes pedantescas. Devemos ter em


X EVIDOSOL e VII CILTEC-Online- junho/2013 – http://evidisol.textolivre.org
Graduanda do Curso de Letras, habilitação Língua Inglesa da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano
Matos da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: [email protected]
mente as diferenças entre as línguas e, principalmente, lembrar que o diferente não é
menor ou pior, é apenas diferente.
No livro Para Compreender Labov, o autor dedica o capítulo cinco a pesquisa
variacionista e, além de apresentar o embasamento teórico, o capítulo nos mostra
também exemplos de pesquisas variacionista como as de Labov na ilha de Martha’s
Vineyard, sobre os ditongos, e nos shoppings de New York, sobre o som /r/, e Monteiro
(2000), sobre os diminutivos em Fortaleza, pesquisa da qual vamos utilizar como
exemplo para apoiar nossas conclusões acerca da sistematização da heterogeneidade
linguística.
Essa pesquisa sobre diminutivos, mais especificamente /-inho/ e /-zinho/, teve
como objetivo buscar a sistematização no padrão de uso dos diminutivos; que critérios
elegiam o
/-inho/ e não o /-zinho/, ou vice-versa, como variação padrão para cada
palavra? Em cima deste questionamento, Monteiro (2000) baseou sua pesquisa
variacionista.
1. CONDIÇÕES OU PRINCÍPIOS
Para colher resultados reais Monteiro (2000) realizou uma pesquisa empírica,
pois como identificar as variações presentes nas expressões utilizadas pelos falantes
baseando-se apenas em hipóteses? Essa pergunta parece simples, porém é necessário
lembrar que, para a sociolinguística ela pode ser, mas para outras correntes que veem a
língua como oposta a fala, ela pode não ter sentido algum. Como já dito em muitos
livros, para Labov, o termo sociolinguística é redundante, pois língua e sociedade são
intrínsecas, não podendo, portanto, uma sobreviver sem a outra. Por esta razão, para os
sociolinguístas, não há como analisar a língua desprezando o fator social, pois ela não é
autônoma.
A pesquisa empírica requer cuidados ao ser realizada, pois se o que se busca é
a naturalidade, a fala vernacular, o pesquisador não pode deixar que ele mesmo interfira
nos resultados, caindo assim no complexo do observador.
São apresentadas algumas das condições e princípios básicos da investigação
propostos por Bell (1978)1 que devem ser conhecidos pelo pesquisador afim de
minimizar os erros que possam vir a ocorrer durante a coleta de dados se o pesquisador
não possuir uma boa descrição linguística.
a) o vernacular – representa o principal foco de investigação em
sociolinguística e se refere à naturalidade da fala ou mínima atenção prestada
ao uso da língua pelo falante;
1
BELL, 1978 apud MONTEIRO, 2000,
p. 84
b) o da uniformidade – nega a rígida oposição entre linguística sincrônica e
diacrônica, na tentativa de se criar um modelo dinâmico de língua em uso;
c) o da mudança de estilo – assinala que o investigador deve estar atento aos
problemas decorrentes da situação de entrevista que possam interferir no grau
de espontaneidade da fala;
d) o da formalidade – insiste em que o linguista deve ter o maior cuidado ao
deparar-se com alguns problemas durante a coleta de dados numa entrevista,
pois o informante, nessa ocasião, usa a língua com mais atenção.
(BELL, 1978 apud MONTEIRO, 2000, p. 84)
Tendo esses princípios em mente e, o mais importante, sabendo colocá-los em
prática, o pesquisador pode, dessa forma, colher dados reais e, uma vez que isso seja
feito, partir para a codificação, o processamento e a interpretação dos dados2. Depois de
ter os resultados em mão, é hora de refletir sobre o resultado da pesquisa e as hipóteses
formuladas anteriormente. A partir disso, formula-se então a conclusão sobre a pesquisa
realizada.
2. UM EXEMPLO DE PESQUISA VARIACIONISTA
Para provar a existência de um sistema organizado que rege não só as regras,
mas também as exceções (o que já o torna uma regra), Monteiro (2000) em sua pesquisa
sobre as variações do diminutivo realizou muitas entrevistas para que o tamanho da
amostra para tal empreitada fosse satisfatório3. Como o autor, diversificou as suas
amostras, ele pode descartar ou considerar muitas hipóteses (fato que não seria possível
sem os resultados de uma pesquisa empírica) e mais importante, hipóteses
fundamentadas. O quadro abaixo nos mostra a porcentagem de ocorrências obtidas na
pesquisa, de acordo com a acentuação da base:
GRUPO
1(2)
PAROXÍTONAS
%
OXÍTONAS
%
/-INHO/
/-ZINHO/
TOTAL
667
87
11
09
103
13
112
91
770
123
2
É válido ressaltar que antecedem a codificação dos dados a formulação das hipóteses, a coleta, que foi
explicitada acima, a determinação da amostra, para direcionar a coleta, a codificação dos dados, que
facilita o processamento e uma reflexão sobre as atitudes dos falantes.
3
Para Tarallo (1986 apud MONTEIRO, 2000, p. 89), o número mínimo para cada uma das células seria
de cinco informantes, para que se possa garantir a representatividade da amostra, porém, não há um
número fixo que determine a quantidade de informantes, o número, portanto, dependeria da necessidade
de cada pesquisa e do acervo disponível.
PROPAROXÍTONAS
%
TOTAL
%
09
56
687
76
07
44
222
24
16
909
MONTEIRO, 2000, p. 97
Diante dos dados apresentados, foi percebido que as mulheres, de acordo com
vários estudos sociolinguísticos, optam por variantes de prestígio, porém, a escolha do
diminutivo não é o caso, pois não há entre essas duas variações uma forma
estigmatizada, o que descarta a possibilidade tanto de uma variação a partir do sexo
quanto a partir da classe social. Foi observado também que, a faixa etária não possuiu
um grau de relevância referente a pesquisa, e que apesar de não haver muita diferença, a
variante /-inho/ parece ser a mais requisitada para a formalidade fato que, segundo o
autor, nos leva a seguinte pergunta: Será que a forma /-zinho/ traduz, por exemplo, um
pouco mais de afetividade ou intensifica mais o caráter diminutivo do que /-inho/?
(MONTEIRO, 2000, p. 100). Essa pergunta pode ser respondida a partir de uma
segunda pesquisa que se direcione a isso, porém, é importante ressaltar que, os
resultados estão sujeitos a mudanças, visto que estamos falando da língua.
Os fatores de relevância a pesquisa foram os fatores estruturais, fatores esses que
levaram o autor a seguinte conclusão:
No caso dos demais grupos de fatores, parece-nos lógico que atuam em razão
da necessidade de harmonizar e acomodar as formações diminutivas aos
padrões ou tendências rítmico-prosódicas da língua. A rejeição de /-inho/ em
bases que terminam por ditongos se justifica pela tendência a evitar o hiato,
que pode ser facilmente observada em outras alterações morfofonêmicas. O
mesmo se diga em relação às bases terminadas por vogal tônica. Ou seja,
parece sempre haver uma motivação estrutural ditada pela própria
configuração do sistema linguístico com um todo.
(MONTEIRO, 2000, p. 100)
Como podemos ver, duas conclusões foram tiradas: o porquê da escolha da
variação do diminutivo e que sempre há uma sistematização, podendo essa última ser
provada a partir de qualquer outra pesquisa de cunho variacionista, visto que com ela,
além de buscar resultados sobre a variação, busca-se entender o porquê da escolha de
uma a outra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso ter em mente, antes mesmo de começarmos uma pesquisa, de que
existe sempre uma razão plausível para uma variação, longe de preconceitos étnicos,
sociais ou sexuais, de que o mito do que é culto ou não, como já foi dito, é apenas um
mito.
É importante dizer que, com isso, não visamos criticar as regras gramaticais,
porque como temos visto que há sempre uma sistematização que pode fazer parte da
gramática ou não, essa afirmação seria contraditória, mas que o ensino de sua
aplicabilidade juntamente com ela é fundamental, para que todos percebam que a
expressão, certo ou errado seria bem melhor se fosse substituída pela adequado ou
inadequado, livrando-nos assim, do preconceito e fazendo-nos refletir sobre tamanha
grandiosidade presente na língua: incrivelmente heterogênea, porém de forma alguma
entregue ao caos.
REFERÊNCIAS
MONTEIRO, José Lemos. A pesquisa variacionista. In: MONTEIRO, José Lemos.
Para Compreender Labov. Rio de Janeiro: Vozes, 2000, p. 83-109.
MIRANDA, S. M. V. Aquisição de segunda língua em contexto de sala de aula. Ceará:
Universidade Estadual do Ceará, 2000.
PEZATTI, Erotilde Goreti.O funcionalismo em linguística. In: MUSSALIM, Fernanda;
BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à Linguística: fundamentos
epistemológicos. v. III. São Paulo: Cortez, 2004, p.165-250.
PRAXEDES, P. H. L. F. Conhecimento básico sobre a gramática sistêmico-funcional
[mensagempessoal] Mensagem recebida por <[email protected]> em 18
ago. 2011.
LINGUISTICS HETEROGENEITY’S SYSTEMATIZATION
ABSTRACT: In its great course for the life, the language has gone through centuries contributing in an
essential way to the human development, but also, raising more and more questions regarding its use.
Sociolinguistic, as well as any other science needs empiric researches for not being just based in
hypotheses. The variacionista research is, therefore, one of the most important requirements for that it can
be proved the variation and later, if it will be the case, the change. However, it is a complex and
exhausting task for many linguists to prove such variations due to the heterogeneity of the speech and to
the existence of some principles and conditioning that should be taken into consideration by the
researcher carrying out the research among other general aspects. Basing on some of the conditioning and
principles proposed by Bell (1978), in suggestions and formal tests proposed by Labov (1972) and in
definitions and examples given by Monteiro (2000), we aimed with this work, to demonstrate the
possibility to systematize the existent heterogeneity in the speech breaking like this, the myth of the
existent chaos in the linguistic system. Methodologically, this work is in the perspective of a revision on
the research accomplished by José Lemos Monteiro about variational occurrences of the diminutive in
Fortaleza, Ceará exposed in his book To Understand Labov. Therefore, with this article, we could notice
that it is not possible to reach a fair conclusion about variation, the change or linguistic system without a
conscious and responsible study, that it takes all the possible factors into consideration for such
systemization happens.
KEYWORDS: Variacionist research. Systematization. Linguistics variation.
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