Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE PERGAMINHOS: UM ESTUDO DE CASO Ana Cristina de Menezes Santoro (*) (*) Mestre em História Social/UFRJ e Técnica em Conservação e Restauro/FAOP; Técnica em Restauro de Bens Móveis e Integrados – Marsou Engenharia. Introdução O trabalho aqui apresentado é resultado do processo de restauro e conservação do diploma de doutoramento de Fidélis de Azevedo Alves, expedido pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 04 de setembro de 1882. O documento, impresso, em pergaminho, pela Typographia Nacional pode ser considerado de grande importância e representatividade, principalmente se considerarmos a história e a tradição da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e as trajetórias de vida de seus egressos. A educação superior no Brasil foi impulsionada pela presença da Família Real portuguesa na colônia, a partir de 1808. Ao contrário do que acontecia nas demais colônias ibéricas nas Américas, que desde o século XVI contavam com universidades, a administração portuguesa não incentivava a presença de instituições educacionais. Esta política relacionavase com a idéia de que a formação do contingente populacional da colônia, sobretudo em nível superior, poderia converter-se em ameaça aos interesses da corte. Assim, somente com a chegada de Dom João VI foram criadas as primeiras universidade no Brasil. Entre as universidades criadas, destaca-se a Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, estabelecida por Carta Régia de 05 de novembro de 1808. Até a formatura dos primeiros doutores formados no Brasil, a assistência médica era feita pelos poucos brasileiros formados na Europa e pelos raros europeus que vinham para a colônia. Vale ressaltar também o grande número de curandeiros que atuavam, neste período, como médicos. Em 1º de abril de 1813 a Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro passou, por decreto, a ser chamada de Academia Médico-Cirúrgica. Entretanto, somente a partir de 1826, por meio de um Decreto-Lei de Dom Pedro I, foi autorizada a emissão de diplomas e certificados aos médicos formados no Brasil. Já em 1832, durante a Regência Trina, em 3 de outubro, foi sancionada uma Lei que transformava as Academias Médico-Cirúrgicas do Rio de Janeiro e Salvador em Faculdades de Medicina. Surgia assim a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que permaneceu funcionando como escola isolada até 7 de setembro de 1920, quando foi criada, por Decreto, a Universidade do Rio de Janeiro. Em 1937, com a criação da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, passou a se chamar Faculdade Nacional de Medicina. Ao longo desta trajetória, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro tornou-se um centro de referência, formando, sobretudo, no século XIX, homens que alcançariam grande influência na sociedade brasileira. Os diplomas produzidos passaram a ser marcos de distinção e valorização dos egressos das universidades. O título de Doutor passava a ser um grande definidor de posição e status social. A biografia do Dr. Fidélis de Azevedo Alves, embora tenhamos poucos dados, pode ser considerada representativa da história dos egressos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Membro de uma tradicional família fluminense, ingressou no curso de medicina deixando de lado a administração das fazendas do pai. Ao final do curso, obteve o grau de Doutor, após defender a tese intitulada “Periocardite”. Com o final do curso, seguiu para Paris onde realizou um curso de Pós-Graduação. Como vimos anteriormente, a formação superior somava-se a origem e status familiar, conferindo grande prestígio na sociedade da época aos Doutores. Muitos deles, como o Dr. Fidélis de Azevedo Alves aproveitavam-se deste prestígio e ingressavam na carreira política. Foi eleito Deputado Estadual. A este mandato seguiram outros, como Deputado Estadual e Federal. A atuação política do Dr. Fidélis Alves, como era conhecido, foi fortemente marcada pelos ideais franceses de libertação e igualdade, fortalecidos durante sua estadia naquele país. Neste sentido destacase seu desempenho nos movimentos republicanos e abolicionistas. A atuação no movimento abolicionista foi considerada um marco, na sua época. Ao regressar de Paris, o Dr. Fidélis Alves assumiu a administração da Fazenda Montividi, no município de Itaboraí, no norte do Estado do Rio de Janeiro. Uma de suas primeiras ações foi lotear parte do terreno da fazenda para construção de casas para os escravos, cujo trabalho passou a ser remunerado. Após a Proclamação da República, em 1889, Dr. Fidélis Alves participou das Assembléias constituintes que culminaram na promulgação da Constituição de 1891, primeira Constituição republicana do Brasil. A segunda metade do século XIX, e início do XX, apresentavam um cenário político marcado por disputas. A tensão se agravava principalmente entre os políticos proprietários de terras. Em 1909, em um destes momentos de disputa política, o Dr. Fidélis foi assassinado por envenenamento em um jantar oferecido em sua homenagem. Membros da família, como a bisneta do Dr. Fidélis, contam que ele percebeu que havia algo errado e informou à esposa que, caso começasse a sentir determinados sintomas, ele havia sido envenenado no jantar. Embora sinalizasse a possibilidade de envenenamento, nenhuma precaução ou profilaxia foi tomada. Assim, um dia após o jantar, o Dr. Fidélis Alves faleceu em sua residência, na sede da Fazenda Montividi. O então Presidente da República, Afonso Pena, manifestou o desejo de seguir com as investigações sobre o acontecimento, pedindo à Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso viúva que autorizasse a exumação do corpo. A recusa dela fez com que o caso fosse arquivado, deixando como principal suspeito outro médico e político da região, amigo do Dr. Fidélis Alves. A história da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e as trajetórias de seus alunos são fontes importantes para o conhecimento não só da história das ciências, mas também da vida social e cotidiana do Brasil. Os documentos produzidos pela instituição são peças fundamentais para traçar esta história. Entre estes documentos estão os diplomas de conclusão de curso. Os diplomas também se tornaram objetos de orgulho para seus portadores e suas famílias, sendo, em sua maioria, expostos ou guardados como objetos de valor. É este o caso do diploma do Dr. Fidélis de Azevedo Alves. Após a morte do Dr. Fidélis o diploma permaneceu com sua família, que o mantinha guardado em um canudo de papelão, que substituía o canudo metálico original, danificado em um acidente doméstico. Este acidente atingiu também o diploma, em seu canto inferior direito (ponto de vista do observador). Segundo os proprietários o diploma nunca havia sofrido nenhum procedimento de conservação ou restauração. O presente artigo reporta o processo de conservação e restauro, aos quais se submeteu o diploma, em 2010. O pergaminho como suporte de documentos Antes de apresentarmos os procedimentos e resultados alcançados, trataremos, brevemente, de algumas questões sobre a história do pergaminho, visando, sobretudo, o entendimento das técnicas de confecção empregadas ao longo dos anos. Esta questão torna-se importante para fundamentar as análises da técnica construtiva apresentada no diploma em questão. O pergaminho tem sido utilizado como suporte para documentos, principalmente por sua durabilidade e características estruturais que dificultam a falsificação. É também considerado um material nobre pela beleza que confere ao documento. Os primeiros registros da utilização do pergaminho remontam à Antiguidade, quando, na cidade de Pérgamo, localizada na atual Turquia, teria sido desenvolvida a técnica de preparação da pele animal para receber escritos. A técnica logo se difundiu em substituição ao papiro como suporte da escrita. Embora tenha sido desenvolvida na Antiguidade, foi na Idade Média que se tornou o principal suporte para livros e documentos. Desde então, considera-se pergaminho (do grego pergaméne e do latim pergamina ou pergamena) a pele animal, geralmente de cabra, carneiro, cordeiro, ovelha ou vitela, tratada e utilizada como suporte para escrita. O velino, proveniente de bezerros nato-mortos, é um pergaminho de grande qualidade e de alto preço. Em alguns momentos a palavra pergaminho tem sido erroneamente utilizada para designar o documento/escrito em si. A técnica de preparação da pele animal para utilização como suporte de manuscritos e documentos impressos foi sendo desenvolvida ao longo dos anos e Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 do surgimento de novas tecnologias, visando sempre torná-la flexível, maleável, resistente e capaz de receber as tintas e pigmentos. Tradicionalmente, o primeiro passo para a preparação da pele era a limpeza com água. Depois, a pele era escorrida, e então polvilhada com cal e colocada sobre o lado da carne para secar. Esta secagem, que durava semanas, era feita em armações, onde a pele era estirada e tensionada. Neste momento polvilhava-se pó de cré, que conferia impermeabilidade ao couro, impedindo que a tinta fosse absorvida pelo mesmo. Finalmente, a pele era polida com pedra-pome para a superfície ficar lisa, uniforme e brilhante. Ao final do processo, a pele era cortada para definir a área da folha. Com as dobras dessas folhas obtinham-se os formato in-fólio, inquarto e in-octavo. Assim, as folhas poderiam ser agrupadas em cadernos de formatos uniformes1 Em seu estudo, João Pedro Ribeiro descreve uma técnica semelhante de fabricação e tratamento de pergaminhos, ressaltando a qualidade do suporte e o tratamento necessário para a confecção de diplomas. No trabalho de João Pedro Ribeiro, publicado em Portugal, em 1810, encontramos a descrição de uma técnica construtiva semelhante à utilizada no diploma do Dr. Fidélis de Azevedo Alves, no que se refere à camada pictórica. Ao discorrer sobre os diferentes suportes para escrita e impressão, Ribeiro se dedica especificamente ao pergaminho. Neste item, encontramos a descrição de três tipos de acabamento final: “Conhecem-se 3 espécies: branco de ambas as partes; amarello de hum lado, e branco de outro; purpurado de ambas as partes”.2 Seguindo a tradição do período de sua confecção, o pergaminho foi tratado e recebeu uma camada de tinta branca em ambos os lados, sobre a qual se executou uma impressão monocromática em preto. Manuscritos com tinta ferrogálica também constituem a camada pictórica do documento. Diplomas em pergaminho: análise estilística O diploma do Dr. Fidélis de Azevedo Alves segue o modelo tradicional empregado no século XIX. Este modelo se manteve em uso mesmo após a Proclamação da República. Alguns aspectos formais, como o emblema da República, em substituição ao do Império, na posição superior, continuam a ser empregados até os dias de hoje. A utilização do pergaminho como suporte, recebendo uma camada de tinta branca tanto na frente quanto no verso também são características estilísticas dos diplomas produzidos neste período. Vale ressaltar, que o modelo de diploma adotado pelas universidades brasileiras herdou, em muitos aspectos, o modelo europeu. Na obra “Dissertações chronologicas e criticas sobre a historia e 1 Pergaminho. In: Glossário de Tipografia. Disponível http://tipografos.net/glossario/pergaminho.html Acessado em 02/04/2010. 2 RIBEIRO, João Pedro. Dissertações chronologicas e criticas sobre a historia e jurisprudencia ecclesiastica e civil de Portugal. Lisboa: Academia Real das Sciencias, 1810, 5 vol. Disponível em http://purl.pt/12115 Acessado em 30/03/2010. Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso jurisprudencia ecclesiastica e civil de Portugal”3, Ribeiro, ao compilar as normas para confecção e formatação de documentos e trabalhos acadêmicos e jurídicos, apresenta a forma de elaboração de uma série de documentos jurídicos e civis, entre eles os diplomas. Pode-se dizer que o diploma do Dr. Fidélis possui os elementos formais presentes nas exigências apresentadas na obra de Ribeiro, publicada em Lisboa, em 1810. O médico e escritor Pedro Nava, em seu livro “Beira Mar”, fornece uma curiosa descrição dos diplomas produzidos durante o Império e a primeira fase da República. Neste livro, o personagem Samuel Libânio, ao discorrer sobre seu trabalho na seção de Registros de Diplomas e Protocolo, apresenta a seguinte descrição dos diplomas produzidos no período em questão: O registro de diplomas fazia-se transcrevendo literalmente a carta do doutor que queria se fixar em Minas. Mencionava-se de saída: Armas do Império ou Armas da República e em seguida vinha a chapa imemorialmente adotada pelas faculdades do país: Eu, o Doutor Fulano de Tal dos Anzóis Carapuça, Professor dessa ou daquela cadeira, Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul ou de Belo Horizonte, tendo presente o termo de colação de grau de Doutor em Medicina conferido no dia tantos de dezembro de mil e oitocentos ou novecentos e quantos ao Senhor... mandei passar-lhe, em virtude da autoridade que me conferem... este Diploma, etc., etc., etc. Seguiam-se as assinaturas do diretor, do secretário da faculdade em questão, do doutorando. Indicava-se o fitão auriverde que prendia a caixa de prata com o lacre onde se imprimira o timbre da instituição. O distintivo mais freqüente era o da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro — onde Esculápio reclina-se, não sob árvore clássica mas, sob uma da terra, segurando com a sinistra o Caduceu com a Serpente da Prudência e com a destra, escudo onde se incisa o latinório — Ad Cives Servandus — divisa tantas vezes esquecida! À frente da figura divina, canta o Galo de Apolo. No dorso, a coleção dos registros de todos os estados já palmilhados pelo periodeuta. Tudo aquilo tinha de ser transcrito verbatim.4 Outra questão que determina as características estilísticas dos diplomas produzidos no século XIX é o fato de todos terem sido produzidos e impressos pela Typographia Nacional, determinando assim um padrão a todos os diplomas expedidos pelas universidades brasileiras. Materiais e Métodos Os procedimentos de conservação e restauro foram realizados no laboratório de Conservação e Restauro de Papéis da Fundação de Arte de Ouro Preto, sob orientação do Professor Demilson Malta Vigiano. 3 RIBEIRO, op. cit., p.40, vol. 4. 4 NAVA, Pedro. Beira Mar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p.43. Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 Ao dar entrada no laboratório, o documento foi submetido a uma análise de estado de conservação, onde foram identificados os seguintes problemas, decorrentes, principalmente, da falta de conservação e de armazenagem inadequada: • • • • • • • • • sujidade aderida; rasgos e furos; marcas de dobras e amassados; áreas de perdas pontuais do suporte; manchas provenientes de desenvolvimento de fungos e umidade; amarelecimento; ressecamento e enrijecimento do suporte; áreas de perdas pontuais da camada pictórica. Marcas de dobras e amassados. Foto: Ana Cristina Santoro Manchas provenientes de desenvolvimento de fungos e umidade. Foto: Ana Cristina Santoro Rasgo e furos. Foto: Ana Cristina Santoro Rasgo. Foto: Ana Cristina Santoro Áreas de perda da camada pictórica. Fotos: Ana Cristina Santoro Área de perda do suporte. Fotos: Ana Cristina Santoro Após análise do estado de conservação, foi elaborada uma proposta de tratamento e iniciaram-se os procedimentos de conservação e restauro. Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso O documento encontrava-se armazenado em um canudo de papelão, o que fez com que permanecesse enrolado por um período de tempo considerável. Sendo assim, o primeiro procedimento realizado foi a planificação. Para tanto, utilizou-se a mesa de sucção e umidificação. Em um primeiro momento foi aplicado apenas o vapor frio por ultrasom visando também a hidratação do suporte. Este procedimento fez com o pergaminho se desenrolasse lentamente e sem pressão mecânica. Ao longo do procedimento, que durou cerca de 2 horas, a quantidade de vapor na câmara foi sendo aumentada gradativamente, observando-se possíveis alterações na estrutura e na camada pictórica do documento. Após esta etapa, a sucção da mesa foi acionada para finalizar a primeira etapa de planificação do pergaminho. Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 O segundo procedimento aplicado foi a realização de testes de fluorescência UV. Este teste possibilitou a melhor observação e localização da presença de manchas de umidade e colônias de fungos. Este teste permitiu também uma melhor leitura dos registros e assinaturas do verso do documento. Detalhes do documento sob luz UV. Reparar manchas evidenciadas, antes imperceptíveis e manuscritos com tinta ferrogálica reavivados. Fotos: Demilson Malta Vigiano. Documento no início do processo de umidificação por vapor de ultrassom. Foto de Ana Cristina Santoro Documento, 60 minutos após o início do processo de umidificação por vapor de ultrassom. Foto de Ana Cristina Santoro Documento, 30 minutos após o início do processo de umidificação por vapor de ultrassom. Foto de Ana Cristina Santoro Final do processo de umidificação por vapor de ultrassom. Foto de Ana Cristina Santoro Processo de planificação por sucção. Foto: Ana Cristina Santoro Tornou-se necessário retomar a planificação do objeto, para tanto, o diploma foi recolocado na mesa de sucção e umidificação, liberando-se, primeiramente, o vapor frio por ultrassom. Após, aproximadamente 1 hora, o vapor foi desligado e a sucção acionada. Ao final do processo, o documento foi colocado entre folhas de papel mata-borrão e sob uma placa de madeira para manter a planificação durante a secagem. Mesmo após a realização de duas etapas de umidificação e planificação, o documento ainda apresentava um alto grau de enrijecimento e a planificação ainda não tinha alcançado um resultado satisfatório. Para solucionar este problema, durante a liberação de vapor de ultrassom, foram colocados na câmara, recipientes com uma solução de álcool etílico absoluto P.A. e glicerina. A glicerina foi utilizada com o objetivo de potencializar a reidratação do pergaminho. O álcool foi empregado para facilitar a penetração da glicerina. Ao final do processo pode-se perceber que os resultados alcançados foram insatisfatórios, principalmente porque se observou um leve enrijecimento do documento e um pequeno desprendimento da tinta branca. Descartadas as possibilidades de reidratação utilizando a mesa de umidificação, foi aplicada uma camada de polietilenogligol 10% em álcool etílico P.A., em ambos os lados do diploma. Após a aplicação, o documento foi colocado entre folhas de papel mataborrão e pranchas de madeira. Após 24h, pode-se perceber que a utilização de polietilenoglicol levou a reidratação do documento de forma satisfatória, melhorando sua aparência e possibilitando sua planificação apenas com a utilização das placas de madeira. Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso Aplicação de polietilenoglicol 10%. Fotos: Ana Cristina Santoro O suporte do documento apresenta áreas de dobras e vincos. Para planificar estas áreas, foi aplicada suave fricção com espátula de Teflon®. Durante este procedimento observou-se instabilidade e leve desprendimento da tinta branca. Por este motivo o procedimento foi interrompido e aplicou-se uma nova camada da solução de polietilenoglicol 10% em álcool etílico P.A. O diploma foi recolocado em um “sanduíche” de papel mata-borrão entre placas de madeira. Após a secagem, a camada pictórica se estabilizou e o tratamento das dobras foi reiniciado. Finalizado o procedimento acima, iniciou-se a limpeza do documento, utilizando-se álcool etílico P.A. a 70% em água deionizada. Esta solução foi aplicada com um swab, partindo do verso do diploma. A limpeza apresentou resultados satisfatórios. Entretanto, na frente do documento, foi possível apenas realizar uma limpeza parcial, visto que, a tinta preta era facilmente solubilizada. Por este motivo, a limpeza foi feita apenas nas bordas e nas partes brancas que não possuíam impressão. Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 Após a limpeza observou-se que o suporte enrijeceu-se, possivelmente pelo uso do álcool, como já tinha ocorrido durante o procedimento realizado na mesa de sucção e umidificação. Sendo assim, o tratamento de hidratação com polietilenoglicol 10% em álcool etílico P.A foi repetido. Neste momento, o documento foi colocado entre pranchas de madeira e levado à prensa, para concluir a planificação, principalmente das áreas com grandes vincos e amassados. Para melhor observar as reações das tintas com a solução e afastar os riscos de novos desprendimentos, o documento foi colocado entre folhas de papel mata-borrão e de telas do tipo pelon (entretela sem goma). Primeiramente, aplicou-se pouca pressão com a prensa, retirando o documento para observação a cada 5 minutos. Ao final da primeira hora, não se notou nenhum desprendimento. Por esse motivo, foi possível aumentar a pressão aplicada com a prensa. Para o tratamento dos rasgos e consolidação do suporte, foram utilizados pedaços de pergaminho novo. Entretanto, foi preciso trabalhar o pergaminho novo, visando alcançar uma espessura mínima para que, quando fixado ao documento, não encubra o texto, e possibilite um acabamento mais delicado e esteticamente mais satisfatório. Sendo assim, optou-se por desbastar o pergaminho pelo carnaz, utilizando lixas e bisturi, até alcançar a menor espessura e transparência possível. Entretanto, observou-se que o carnaz possuía uma coloração mais próxima ao diploma. Por este motivo, o procedimento foi repetido desbastando o pergaminho pelo lado da flor, preservando o carnaz ao alcançar a espessura desejada. Depois de alcançar os resultados desejados, as peças de pergaminho foram limpas com álcool etílico P.A 70%, reidratadas com polietilenoglicol 10% em álcool etílico P.A. e levadas à prensa entre folhas de papel mataborrão até a secagem. Finalmente, pequenos pedaços do pergaminho tratado foram colados com PVA neutro, sobre os rasgos que tinham sido previamente alinhados e planificados com o auxílio de uma espátula de Teflon®. Neste momento foi realizada também a complementação do suporte, utilizando pergaminho novo colado com PVA neutro. Parte do pergaminho novo foi desbastada para possibilitar um melhor encaixe no documento original. Limpeza do documento. Foto: Ana Cristina Santoro Limpeza mecânica. Fotos: Ana Cristina Santoro Tratamento de rasgo. Fotos: Ana Cristina Santoro Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso Tratamento de rasgos nas extremidades de fixação de fita e do selo. Procedimento importante também para consolidar a estrutura que naturalmente é frágil, evitando futuros danos. Foto: Ana Cristina Santoro Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 Para evidenciar o sentido dos três cortes do diploma, foi colocada uma fita verde e amarela no local onde, originalmente, existia uma fita com o selo de autenticidade. A forma de colocação e a escolha da fita foram determinadas por pesquisas realizadas em outros diplomas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, entre eles um impresso em 1860 que segue o mesmo estilo e forma do diploma restaurado, o que, possivelmente indica que a fita de ambos os diplomas possua o mesmo estilo. Um diploma posterior, impresso em 1919, e pertencente ao acervo do Museu de Pediatria do Rio de Janeiro apresenta estrutura semelhante, mantendo a fita e o selo com as mesmas características do diploma impresso em 1860. A permanência da forma de fixação e estilo da fita por em período anterior e posterior ao do diploma restaurado parece tornar evidente que o diploma restaurado seguia este mesmo padrão, no que se refere à fita e ao selo. Sendo assim, optou-se por confeccionar uma fita do mesmo estilo, que foi colocada nos cortes seguindo o padrão encontrado nos dois diplomas descritos acima. Entretanto, para evidenciar que se tratava de uma intervenção, e não de uma fita original, o corte de arremate da fita foi feito de forma diferente, com apenas um bico, e não com dois como as fitas dos diplomas pesquisados. Neste procedimento, foi utilizada fita de tafetá. Complementação do suporte.. Fotos: Ana Cristina Santoro Após a realização de todos os procedimentos acima, o diploma foi guardado, permanecendo sem manuseio por aproximadamente 15 dias. Ao final desse período observou-se um leve ondulamento e suspensão das bordas. Por este motivo foi reaplicada a solução de polietilenoglicol, aumentando a concentração para 20% em álcool etílico P.A. Depois da aplicação, o diploma foi levado à prensa entre folhas de papel mata-borrão, pelon e pranchas de madeira. Durante a prensagem foram tomados os mesmo cuidados da primeira prensagem, observando-se o documento a cada 5 minutos e aumentando a pressão gradativamente. Colocação de fita nos cortes pré-existentes (frente e verso). Fotos: Ana Cristina Santoro Concluídos todos os procedimentos, foi confeccionado um passe-partout utilizando papel Arquati® com 1 milímetro de espessura. As proporções do passe-partout também foram pensadas para que a fita ficasse exposta sobre a parte inferior. Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010 CHRISTO, Tatiana Ribeiro. Modelo Espinosa como alternativa de encadernação de flexível em pergaminho de obras raras da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.bn.br/planor/documentos/PUBLICACOES/ ANAISABRACOR/TATIANA.pdf Acesso em 03/05/2010. Conservação e Restauração de Papel e Pergaminho. Disponível em http://arquivologia.multiply.com/journal/item/15 Acesso em 27/05/2010. CORUJEIRA, Lindaura Alban, Conserve e restaure seus documentos. Salvador: Itapuâ, 1971 DOCTORS, Marcio (org.) A Cultura do Papel. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1998. Diploma ao final do processo de conservação e restauro. Fotos: Ana Cristina Santoro Resultados e Conclusões Como vimos anteriormente, no início do processo de restauro, o diploma encontrava-se fragilizado e comprometido pela falta de conservação preventiva e pelo armazenamento inadequado. Os procedimentos realizados foram adotados visando devolver a integridade física e estética da obra e os resultados alcançados podem ser considerados satisfatórios. Foi possível, assim, garantir também, o registro da representação histórica guardada no documento. Pretendemos, com este breve artigo, colaborar com as pesquisas sobre conservação e restauro de pergaminhos, compartilhando os procedimentos e resultados alcançados. Vale ressaltar que uma pesquisa bibliográfica ampla, a elaboração cuidadosa da análise do estado de conservação e da proposta de trabalho e a execução criteriosa dos procedimentos de intervenção garantem o alcance dos objetivos propostos. Referências BANDEIRA, Ana Maria Leitão. Pergaminho e papel em Portugal: tradição e conservação. Lisboa : Celpa ; BAD, 1995. CASSARES, Norma C. Como fazer conservação preventiva em arquivos e bibliotecas. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2000. Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/saesp/texto_pdf_1 4_Como%20fazer%20conservacao%20preventiva%20 em%20arquivos%20e%20bibliotecas.pdf Acesso em: 27/05/2010. _______________. A Ciência na Conservação. In: Diálogos: Conservação de Acervos de Bibliotecas. São Paulo, 2008. DOMINGOS, Sónia. Procedimentos básicos para conservação de documentos com suporte em pergaminho. Disponível em: http://www.bn.br/planor/documentos/PUBLICACOES/ ANAISABRACOR/TATIANA.pdf Acesso em 27/05/2010. DUREAU, J. M. e CLEMENTS, D. W. Princípios para Conservação e Restauração de Espécies Bibliográficas. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1992. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=naS4zXYXlyoC &pg=PA25&lpg=PA25&dq=conserva%C3%A7%C3 %A3o+de+pergaminho&source=bl&ots=hDeJrQb3GE &sig=Q9KH-WELycPAS414p4abSGQhokU&hl=ptBR&ei=WCH_S5CtDYKmuAeZ07X3DQ&sa=X&oi= book_result&ct=result&resnum=4&ved=0CBEQ6AE wAzg8#v=onepage&q=conserva%C3%A7%C3%A3o %20de%20pergaminho&f=false Acesso em 27/05/2010. Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro. In: Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1932-1930). Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz. Disponível em http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbet es/escancimerj.htm Acessado em 01/04/2010. História da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.medicina.ufrj.br/colchoes.php?id_colchao= 1 Acessado em 01/04/2010. KOELLER, Gustavo Kraemer. Tratado de la Prevision del Papel y de la Conservacion de Bibliotecas y Archivos. Madri: Serviço de Publicaciones del Ministerio de Educación y Ciencia, 1973 LIMA, Alberto F.; RODES, Leopold; PHILIPP, Paul. Alguns dados sobre a história do papel. In: D’ALMEIDA, Maria Luiza O. (coord.) Celulose e papel. Vol. 1. Tecnologia de fabricação de pasta celulósica. IPT. São Paulo, 1998, p. 2-5. MENDES, Marylka e BATISTA, Antônio Carlos N. (orgs.). Restauração: Ciência e Arte. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ / IPHAN, 1998. Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação - ARC - Vol. 3 - Edição Especial Curso de Introdução a Conservação e Restauro de Acervos Documentais - CICRAD - Trabalhos de fim de Curso MINISTÈRE DE LA CULTURES ET DE LA COMMUNICATION. Des textes effacés réapparaissent sous fluorescence d’ultraviolet. In: _____________ La vie mystérieuse dês chefs-d’ouvre: La science au service de l’art. Paris: Editions de La Reunion des Musées Nationaux, 1981, p.221-222. NAVA, Pedro. Beira Mar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Pergaminho. In: Glossário de Tipografia. Disponível em http://tipografos.net/glossario/pergaminho.html Acessado em 02/04/2010. PORTAL DA IMPRENSA NACIONAL. A Imprensa Nacional. Disponível em: http://portal.in.gov.br/in/imprensa1/a-imprensanacional/ Acesso em: 13/05/2010. RIBEIRO, João Pedro. Dissertações chronologicas e criticas sobre a historia e jurisprudencia ecclesiastica e civil de Portugal. Lisboa: Academia Real das Sciencias, 1810, 5 v. Disponível em http://purl.pt/12115 Acessado em 30/03/2010. VALLE, Clarimar Almeida. Subsídios para uma Política de Preservação e Conservação de Acervos em Bibliotecas Universitárias Brasileiras. Brasília: UnB, 1991 E-mail da Autora [email protected] Copyright © 2011 AERPA Editora Convênio AERPA - CFDD do Ministério da Justiça - no 748319/2010