PRÊMIO NOBEL A importância do isolamento do HIV no programa brasileiro de controle do HIV/AIDS CAMPUS F RANCE campusfrance.org Com a outorga do prêmio Nobel de Medicina 2008 aos franceses Luc Montagnier e Françoise Barré-Sinoussi pela descoberta do vírus da imunodeficiência humana 10 de novembro de 2008 (HIV), três importantes cientistas brasileiros brindam-nos com um texto que retraça imprimir este artigo a história das pesquisas sobre retrovírus – cuja importância foi diversas vezes enviar por e-mail reconhecida com a distinção sueca – e os desenvolvimentos no Brasil. contato FF “A fascinante história dos retrovírus começa no esses pesquisadores receberam o Prêmio Nobel de início do século XX, em 1908, com os experimentos de Fisiologia ou Medicina em 1975. indução de leucose aviária por agentes ultrafiltráveis A importante contribuição da identificação, isola- realizados por Ellermann e Bang. Logo a seguir, mento e determinação da seqüência nucleotídica Peyton Rous, em 1911, nos Estados Unidos da completa de oncogenes nesses tumores, por Michel América do Norte, induziu neoplasias em galinhas Bishop e Harold Varmus em 1980 foi internacional- injetando filtrados livres de células obtidos de mente reconhecida com a outorga do Prêmio Nobel de sarcomas aviários. Os vírus, isolados desses sarco- Fisiologia ou Medicina a esses dois pesquisadores em mas, foram denominados Vírus do Sarcoma de Rous. 1989. Esses fatos contribuíram para a identificação do Esses experimentos foram confirmados em 1914 pelos primeiro retrovírus humano, o HTLV-I, em 1980 por pesquisadores japoneses Fujinani e Inamoto. A Poiesz e colaboradores. Um ano mais tarde, em 1981, importância dessa descoberta só foi reconhecida 55 identificou-se a Síndrome da Imunodeficiência Adqui- anos mais tarde, em 1966, quando Peyton Rous foi rida (SIDA/AIDS). Finalmente, em 1983, Françoise agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina. Barré-Sinoussi e Luc Montagnier, no Instituto Pasteur Uma outra descoberta importante ocorreu em de Paris, identificaram o HIV, agente causal da SIDA/ 1970, quando Howard Temin e David Baltimore iden- AIDS, uma das mais graves epidemias do século XX. tificaram em neoplasias causadas por retrovírus, a Por essa notabilíssima realização científica receberam enzima transcriptase reversa. Essa enzima é neces- o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina em 2008. sária para a replicação dos retrovírus que têm seu Nestes cem anos (1908-2008) de história dos genoma constituído por ácido ribonucléico (RNA), pois retrovírus, sete pesquisadores que desenvolveram transformam este RNA em ácido desoxirribonucléico pesquisas relacionadas a essa área foram agraciados (DNA), fundamental para a síntese de proteínas. Esse com o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina: em achado foi a contribuição básica para o conhecimento 1966, 1975, 1989 e 2008. Françoise Barre-Sinoussi é da transferência da informação genética e por isso, a 36.a mulher a ser agraciada com Prêmio Nobel e a 7.a nessa área. O imunologista Bernardo Galvão Castro Filho, fundador do Departamento de Imunologia do Instituto Oswaldo Cruz, chefiou a equipe que isolou pela primeira vez o HIV no Brasil. Atualmente trabalha no Centro de Pesquisa Gonçalo Muniz - CPqGM, unidade da Fiocruz em Salvador, e, entre outros projetos, participa de estudos sobre o HTLV. Mariza Golçalves Morgado e Vera Bongertz lideram as pesquisas no Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz, que vem trabalhando nos últimos anos sobre a diversidade genética do HIV e suas implicações no desenvolvimento de vacinas anti-HIV/AIDS, transmissão materno-infantil e métodos alternativos para diagnóstico precoce da infecção pelo HIV. A identificação, o isolamento e o cultivo do HIV possibilitaram o desenvolvimento de testes laboratoriais para detecção de indivíduos infectados e, conseqüentemente, a triagem do sangue contaminado, melhor entendimento da origem e disseminação da epidemia, da patogênese, de parte dos mecanismos de defesa do hospedeiro e do desenvolvimento de drogas antiretrovirais. Os primeiros casos de SIDA/AIDS no Brasil foram ©Instituto Oswaldo Cruz relatados no início da década de 80. Inicialmente a epidemia concentrava-se nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, mas logo disseminou-se para todo o território nacional. Em 1987 o HIV foi isolado pela primeira vez no Brasil e América Latina por um grupo de pesquisadores do Departamento de Imunologia do Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Esse fato culminou numa série de pesquisas André Az©Fiocruz iniciada por este departamento em 1982 e contribuiu para a implantação da triagem do HIV nos bancos de sangue, o melhor entendimento da epidemia, origem e disseminação do HIV no país e para a melhoria das Bernardo Galvão Castro Filho, Vera Bongertz e Mariza Gonçalves Morgado condições laboratoriais para o trabalho com patógenos. Os trabalhos científicos resultantes do isolamento e caracterização do HIV no Brasil deram visibilidade às pesquisas em HIV/AIDS no país e, sobretudo, à pesquisa básica, como também à formação de lideranças científicas no país. A colaboração internacional foi de fundamental importância para o alcance desses um dos autores (Vera Bongertz) no Laboratório de Oncologia Viral do Instituto Pasteur, onde foi isolado pela primeira vez o HIV, e a participação do Brasil na Rede Internacional de Laboratórios para Isolamento e Caracterização do HIV do Programa Mundial de AIDS, das Nações Unidas e Organização Mundial de Saúde, foram de fundamental importância para a implantação da Rede Nacional de Isolamento e Caracterização do HIV no Brasil. Trabalhos realizados por essa rede possibilitaram melhor conhecimento da diversidade do vigilância da resistência das diferentes cepas do HIV1 às drogas anti-retrovirais. Parte do trabalho desenvolvido por essa rede contribuiu para que 10 pesquisadores brasileiros integrassem o grupo dos 15 pesquisadores mais citados na área de HIV/AIDS residindo e trabalhando na América e Caribe, no período compreendido entre 2001-2005 (ISI Citations for authors on HIV/AIDS living and working in Latin America or the Caribbean). Apesar dos excelentes avanços científicos, o Os trabalhos de Françoise Barré-Sinoussi resultaram em 216 publicações originais em revistas científicas internacionais, mais de 250 comunicados em congressos e 17 registros de patentes. Sua equipe no Instituto Pasteur (Unidade de Regulação das Infecções Retrovirais), de cerca de 20 pessoas, trabalha principalmente sobre os modos de transmissão materno-infantil do vírus HIV, os mecanismos inatos da regulação da infecção e as infecções nos macacos provocadas pelos vírus símios. Luc Montagnier é professor emérito no Instituto Pasteur, onde dirigiu a Unidade de Oncologia Viral de 1972 a 2000, diretor de pesquisas emérito no CNRS e membro das Academias francesas de Ciências e de Medicina. É presidente da Fundação Mundial de Pesquisa e Prevenção da AIDS. Essa Fundação criou o Centro Integrado de Pesquisas Bioclínicas de Abidjan e o Centro Internacional de referência e de pesquisa “Chantal Biya” sobre a prevenção da AIDS e o atendimento dos portadores de HIV, na República dos Camarões. Programa de HIV/AIDS das Nações Unidas e a Organização Mundial de Saúde estimam que 33,2 milhões de uma oportunidade para estreitarmos esta frutífera pessoas estavam vivendo com HIV-1 no mundo no colaboração. final de 2007 e a maioria não tem acesso à terapia anti-retroviral. Finalmente, congratulamo-nos, em conjunto com a comunidade científica brasileira, particularmente a No Brasil estima-se que 600.000 pessoas estejam que pesquisa na área de retrovirologia humana, por vivendo com HIV. Embora o acesso à terapia anti-re- esse merecido prêmio. Espera-se que o mesmo seja troviral seja universal desde 1996, a epidemia de HIV/ um estímulo para reforçar as pesquisas nesta área e AIDS ainda é um dos mais sérios problemas de saúde que no futuro próximo se possa desenvolver a tão neste país. Atualmente, observa-se um aumento da almejada vacina que, sem dúvida, salvará milhões de transmissão heterossexual e maior incidência entre as vidas no mundo.” mulheres, atingindo, principalmente, a população menos favorecida. Prof. dr. Bernardo Galvão-Castro, LASP, CPqGM, Fundação Oswaldo Cruz e Escola Bahiana de Em 1990, estabeleceu-se a Cooperação Técnica e Medicina e Saúde Pública, Salvador, Bahia; Científica entre o Brasil e a França na área do HIV/ prof.a dra. Vera Bongertz e AIDS. Esta é a cooperação internacional mais antiga prof.a dra. Mariza Morgado, Laboratório de que o Brasil desenvolve nesta área. O próximo ano AIDS e Imunologia Molecular, Instituto Oswaldo será o ano da França no Brasil e esperamos que seja Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. Referências 1) Hehlmann, R. and V. Erfle. 1991. Introduction to retroviruses. In Belshe, R.B. (ed.), Textbook of human virology. 2.ed., Mosby, St. Louis, 242-273 p. 2) The World Health Organization Network for HIV Isolation and Characterization: summary of a pilot study. AIDS Res Hum Retroviruses. 1994 Nov; 10(11):1325-6 e HIV type 1 variation in World Health Organization-sponsored vaccine evaluation sites: genetic screening, sequence analysis, and preliminary biological characterization of selected viral strains. WHO Network for HIV Isolation and Characterization. AIDS Res Hum Retroviruses. 1994 Nov; 10(11):1327-43. 3) Brazilian Network for HIV Isolation and Characterization. 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Túrilio-Cc-by-sa-2.0-de HIV e o estabelecimento de um programa nacional de Cientistas franceses compartilham o Prêmio com o alemão Harald zur Hausen, que identificou o vírus do papiloma humano responsável por grande parte dos cânceres de útero ©Institut Pasteur resultados. Por exemplo, o treinamento, em 1987, de Nobel em Fisiologia ou Medicina 2008 para Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier