BANCOS PÚBLICOS E INFLUÊNCIA POLÍTICA: O CASO DO CRÉDITO RURAL Autoria: Simone Miyuki Hirakawa RESUMO Mesmo após as privatizações, a presença dos bancos públicos permanece significativa não só no Brasil como ao redor do mundo. O principal argumento a favor dos bancos públicos é a existência de imperfeições no mercado. Ao controlar diretamente as instituições financeiras, o governo poderia levantar capital e direcioná-los para projetos que não receberiam financiamento da iniciativa privada, como os estratégicos de longo prazo e os de elevado retorno social. Entretanto, pesam contra os bancos públicos a performance inferior ao de seus semelhantes privados. Uma das justificativas para tal resultado é a utilização do controle sobre os bancos públicos como forma de apropriação de renda por parte dos políticos. O presente artigo testou a existência de influência política nos bancos públicos utilizando dados de crédito rural, uma das modalidades de crédito direcionado em que os bancos públicos têm forte atuação. Os resultados suportam tanto a visão social como a visão política dos bancos públicos. E de fato, as duas teorias não são excludentes e podem coexistir. O presente artigo alerta, entretanto para a necessidade de mandatos claros para os bancos públicos, com contabilização adequada dos subsídios que recebem e avaliação mais precisa do retorno de tais políticas. 1. Introdução Deveria o Estado atuar no setor bancário e, se sim, de que maneira? Através da propriedade direta de bancos ou via subsídios e regulação? Até meados da década de 1990, a representatividade dos bancos públicos – federais e estaduais – no sistema bancário brasileiro era expressiva. No entanto, a falência da capacidade de investimento do Estado, associado às evidências de que os bancos públicos em geral têm desempenho inferior aos bancos privados, nortearam as privatizações que ocorreram nos anos seguintes, reduzindo de 32 para 13 a quantidade de instituições financeiras de controle público no período entre 1996 e 2006. Contra a participação direta do Estado no setor, pesava ainda o tipo de relacionamento que os bancos públicos estaduais tinham com seus controladores e com o governo federal. Apesar da existência de limites legais sobre os empréstimos que tais instituições poderiam fazer para seus controladores, tais medidas mostravam-se ineficientes, e as pressões políticas de governadores para que o Banco Central socorresse oficialmente estas instituições dificultavam a condução da política monetária e a estabilização da economia. Apesar da redução na quantidade de bancos públicos, a participação estatal no Sistema Financeiro Nacional continua relevante, devido principalmente à atuação de três grandes instituições federais: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal estão listadas entre as cinco maiores instituições em relação a ativo total, volume de depósitos, número de agências e quantidade de funcionários. O BNDES, com ativo total de R$ 185 bilhões, configura como o principal provedor de recursos de longo prazo para as empresas. E conforme apontado por La Porta et al. (2002), a presença dos bancos públicos permanece grande não só no Brasil como ao redor do mundo, mesmo após as privatizações. 1 Parte significativa da literatura sobre bancos públicos está relacionada à comparação de performance entre bancos públicos e privados e seus efeitos para o desenvolvimento financeiro e crescimento econômico. O presente artigo buscará evidências para a visão política dos bancos públicos utilizando dados de crédito rural, uma das modalidades de crédito direcionado em que os bancos públicos têm uma forte atuação. 2. Discussão teórica sobre o papel do Estado no setor bancário A literatura existente sobre o papel que o Estado deveria desempenhar no mercado é controversa. A visão predominante nas décadas de 50 e 60 defendia a participação direta do Estado em setores considerados estratégicos, inclusive o bancário, pois o desenvolvimento do sistema financeiro era considerado crucial para o crescimento econômico. Ao canalizar recursos da poupança para os setores produtivos, os bancos comerciais privados desempenharam um papel-chave no desenvolvimento dos países industrializados. Em alguns países, entretanto, o sistema financeiro não estava suficientemente desenvolvido (escassez de capital, práticas fraudulentas de devedores, corrupção, pobre qualidade institucional), e a intervenção estatal, através da participação direta no controle de bancos, poderia aumentar a confiança do público no setor bancário e estimular o desenvolvimento financeiro, além de gerar demanda agregada e outras externalidades positivas que fomentassem o crescimento econômico (GERSCHENKRON, 1962). Tais idéias foram adotadas por diversos países entre as décadas de 60 e 70, com a nacionalização de bancos comerciais existentes e criação de outros na África, Ásia e América Latina. Nos anos 70, o Estado detinha 40% dos ativos dos maiores bancos nos países industrializados e 65% nos países em desenvolvimento (YEYATI et al., 2004). A presença do setor público no segmento bancário é também defendida pela visão social. Segundo esta literatura, as empresas públicas são criadas com a finalidade de corrigir imperfeições de mercado (ATKINSON; STIGLITZ, 1980). Diferentemente das empresas privadas, que buscam a maximização de lucros, as empresas públicas têm objetivos sociais mais amplos. A criação de instituições financeiras públicas é justificada, portanto, pela existência de imperfeições nos mercados financeiros e de crédito. Ao controlar diretamente as instituições financeiras, o governo poderia levantar capital e direcioná-los para projetos que não receberiam financiamento da iniciativa privada, como os estratégicos de longo prazo e os de elevado retorno social (STIGLITZ, 1994). Neste caso, seriam beneficiados pela atuação dos bancos públicos, por exemplo, a agricultura e outros setores que demandam pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento e capital intensivo (farmacêutico, petroquímico, aeroespacial, entre outros). Os bancos públicos poderiam também ser utilizados para prover aos clientes de baixa renda o acesso a crédito, que em geral são negligenciados pelos bancos privados. Ainda, ao emprestar para setores que utilizam mão de obra intensiva, os bancos públicos poderiam reduzir a volatilidade do emprego, sobretudo nos períodos de recessão e na presença de elevadas taxas de desemprego. Embora exista um consenso sobre a existência de falhas de mercado que justifique algum grau de intervenção estatal no sistema financeiro, as divergências ocorrem em relação à forma de atuação. Ao invés do controle direto de bancos, as imperfeições de mercado poderiam ser tratadas através de regulação e subsídios para determinados setores. O desempenho inferior às empresas privadas, resultado da falta de incentivos adequados, problemas de governança corporativa ou ainda, intervenção dos políticos que as controlavam (SHIRLEY; WALSH, 2000), junto com a falência da capacidade de investimento do Estado, são fatores que motivaram a revisão do papel do mesmo nas décadas de 80 e 90, e que justificaram as privatizações que ocorreram no final da década de 90. 2 A visão política sobre a participação estatal divide com as visões social e desenvolvimentista o desejo dos políticos de controlar investimentos através de empresas públicas. A ênfase, no entanto, é dada aos objetivos políticos, ao invés dos sociais. Segundo esta visão, os políticos não estariam interessados nas políticas redistributivas, mas na apropriação de rendas que podem derivar do controle de bancos públicos (SHLEIFER; VISHNY, 1994). As empresas públicas seriam então ineficientes porque os políticos deliberam políticas de transferência de recursos para seus apoiadores, que retornarão o favor na forma de votos e contribuições políticas (SHLEIFER, 1998). Os bancos públicos poderiam também ser utilizados para absorver, de forma não transparente, empréstimos ruins de bancos, ou distribuir subsídios para setores politicamente sensíveis, escondendo o seu verdadeiro custo fiscal. E ao reduzir a transparência e o accountability, criariam um ambiente de desperdícios e oportunidades de corrupção, gerando uma série de custos que não estão propriamente consideradas nas contas públicas. Os problemas decorrentes da influência política nos bancos públicos poderiam ser ainda maiores que em outras empresas públicas. A assimetria de informações sobre a capacidade de pagamento de um tomador possibilita ocultar a verdadeira razão por trás de um empréstimo. Ainda, o custo real de qualquer operação originada politicamente só seria conhecido no seu vencimento. E por fim, enquanto uma empresa pública opera somente em determinado setor, os bancos públicos trabalham com todos os setores da economia, possibilitando aos políticos mais oportunidades de canalizar recursos (DINÇ, 2005). Entre as visões desenvolvimentistas, sociais e políticas, está a visão de agência. Compartilha com a visão social a idéia de que o governo busca maximizar o bem estar social. Entretanto, os custos de agência com a burocracia de governo nas empresas públicas podem resultar em incentivos gerenciais fracos. Segundo esta visão, existe um trade off entre eficiência interna e alocativa (TIROLE, 1994). 3. Estudos empíricos sobre bancos públicos O estudo mais citado na literatura de bancos públicos é o de La Porta et al. (2002). Os autores reuniram dados de 92 países e constataram que mesmo após a onda de privatizações que ocorreu na década de 1990, a presença do Estado no setor bancário continua grande e penetrante, sobretudo em países com baixa renda per capta, sistema financeiro pouco desenvolvido, governos intervencionistas e fraca proteção de direitos de propriedade. Embora os autores tenham encontrado algum suporte para a visão desenvolvimentista, de que os bancos públicos surgem como resposta ao subdesenvolvimento institucional e financeiro, não encontraram evidências sobre as conseqüências benéficas da propriedade estatal no desenvolvimento subseqüente. Em contraste, argumentam que a propriedade estatal politiza o processo de alocação de recursos e reduz a eficiência, e que a maior participação de bancos públicos está associada a um desenvolvimento mais lento do sistema financeiro e a um crescimento econômico mais baixo. Yeyati et al. (2004) também não encontraram nenhuma evidência sobre os benefícios gerados pelos bancos públicos em relação ao desenvolvimento financeiro e econômico. Entretanto, argumentam que o contrário não é tão perverso quanto se imagina. A performance inferior dos bancos públicos nos países em desenvolvimento representa um custo fiscal escondido, porém, argumentam que este não pode ser usado como argumento contra os bancos públicos, pois a baixa rentabilidade pode ser atribuída a projetos com elevado retorno social. Alegam ainda que providos dos incentivos corretos, os bancos públicos podem ter um papel positivo na mobilização de poupança e estabilização do consumo em períodos de crise. 3 Deveriam então dotá-los com uma estrutura de governança adequada, um mandato claro e uma contabilização transparente dos subsídios que recebem. Como os correntistas pensam que os bancos públicos são mais seguros que os bancos privados (seguro implícito de que o governo poderá socorrer em última instância), os bancos públicos têm uma base de depósitos mais estável e ao estabilizar o crédito, o Estado poderia internalizar os benefícios de um ambiente macroeconômico mais estável. Micco e Panizza (2006) observaram que os depósitos de bancos públicos são mais estáveis que os depósitos dos bancos privados domésticos. Além disso, os bancos públicos são menos pró-cíclicos que os privados domésticos, e têm portanto um papel importante no processo de estabilização do crédito, principalmente em períodos em que o crédito cresce menos que os depósitos à vista. No entanto, atentam para a possibilidade de que a menor volatilidade da carteira de crédito pode ser explicada pela demora ou incapacidade dos bancos públicos em se adaptarem rapidamente a mudanças no cenário econômico. Quanto à performance, Mian (2003) encontrou evidências de que bancos públicos apresentam desempenho significativamente pior em relação aos bancos privados domésticos e estrangeiros em termos de rentabilidade geral, mesmo com a vantagem de possuírem um custo de captação mais baixo que os demais. Indica também que os bancos públicos apresentam taxas de inadimplência mais elevadas, e que não respondem rapidamente a flutuações na economia. Segundo o autor, a visão social dos bancos públicos não é observada na prática, e dominam os efeitos de incentivos fracos e corrupção. Micco et al. (2007) compararam o desempenho dos bancos públicos com os bancos privados domésticos e os bancos estrangeiros. Nos países em desenvolvimento, os bancos públicos apresentaram uma performance inferior aos seus similares privados em termos de rentabilidade, créditos não performados e custos fixos. Entretanto, nos países industrializados, não houve diferença significativa. Segundo os autores, os bancos públicos em países em desenvolvimento são menos lucrativos que os bancos privados com características semelhantes, e a diferença de performance é maior em anos eleitorais. Seguindo a visão política, DINÇ (2005) encontrou evidências de que os empréstimos dos bancos públicos estão relacionados com o ciclo eleitoral. Nos países emergentes, o perdão de dívida e a reestruturação de crédito antigo, assim como a concessão de novos recursos, aumentaram mais nos bancos públicos que nos privados durante os anos eleitorais. E segundo o autor, o problema de influência política deve ser maior em bancos do que em outros setores. Primeiro, porque a assimetria de informações sobre a qualidade do tomador pode disfarçar a motivação política por trás de uma operação. Além disso, o custo real de qualquer empréstimo com motivação política pode ser diferido até o seu vencimento. E diferentemente de outras empresas públicas, que atuam em um setor específico, limitando a habilidade dos políticos de transferir recursos, os bancos operam em todos os setores da economia, provendo aos políticos mais oportunidades de canalizar fundos. E por fim, o trabalho de Sapienza (2004), que observou que a política de crédito dos bancos públicos na Itália é influenciada pelos resultados eleitorais dos partidos afiliados com o banco. Sapienza suporta a visão política das empresas públicas, e argumenta que os partidos utilizam seu controle sobre os bancos públicos para direcionar recursos para seus apoiadores, concedendo mais benefícios para áreas com força eleitoral maior. O estudo aponta que quanto mais forte o partido político na região onde o banco está emprestando, menor a taxa de juro cobrada pelos bancos públicos. Estes teriam então um efeito negativo na alocação financeira de recursos, pois os juros eram mais baixos mesmo quando as empresas tinham acesso ao crédito privado. 4 4. Bancos públicos no Brasil Os bancos estaduais representavam uma fatia significativa do segmento bancário público no Brasil. No início dos danos 90, apenas Mato Grosso do Sul e Tocantins não possuíam um banco estadual e diversos estados possuíam mais de um banco (MICCO; PANIZZA, 2005). Em 1994, os bancos públicos estaduais e federais constituíam mais de 50% dos ativos bancários. Alguns bancos estaduais estavam entre os maiores bancos brasileiros. O Banespa, do governo do estado de São Paulo, era o terceiro maior banco em relação aos ativos, enquanto a Nossa Caixa, outro banco estadual de São Paulo, estava em décimo primeiro. Os bancos estaduais, mais que outras empresas públicas, há muito tempo vinham sendo utilizados pelos políticos como máquinas para extração de renda. Após a intervenção de diversos bancos públicos entre 1994 e 1995, o governo federal deu início ao Proes (Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária), que autorizou a reestruturação, privatização ou liquidação dos bancos estaduais. A partir de então, os estados poderiam liquidar, privatizar ou reestruturá-los. As perdas não poderiam mais ser externalizadas para o governo federal. Entre 1995 e 2001, as privatizações de bancos renderam US$ 5,5 bilhões no Brasil, sendo US$ 3,6 bilhões somente do Banespa (YEYATI et al., 2004). Em estudo realizado sobre a privatização dos bancos públicos, Beck et al. (2005) encontram outro suporte para a visão política da propriedade estatal. Quanto maior a dependência de transferências do governo federal, mais propenso estava o estado em concordar com a liquidação ou privatização direta do governo federal. Estados que tinham agências de desenvolvimento e cujos bancos já estavam sob controle federal também estavam mais propensos a abrir mão do controle sobre seus bancos e do processo de transformação. Os autores encontraram ainda efeitos positivos e significativos no desempenho dos bancos que foram privatizados, enquanto o mesmo não foi observado nos bancos que foram reestruturados. O desempenho dos bancos públicos melhorou após a privatização, em geral e no Brasil em especial. Atualmente, a presença estatal no setor bancário se dá principalmente através de três instituições federais: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. As três instituições contam com funding subsidiado, e é através delas que o governo federal executa as suas políticas de crédito direcionado. O BNDES é o principal agente financiador de recursos de longo prazo, a Caixa Econômica Federal tem forte atuação no crédito habitacional, e o Banco do Brasil, no crédito rural. Operam com graus diferentes de eficiência, sendo a Caixa Econômica Federal a menos eficiente. A nomeação para os cargos da presidência e da diretoria destas instituições é feita por indicação do chefe de governo, e são constantemente utilizados como moeda de troca para acomodar os partidos da base aliada, além do próprio partido. São também objetos de negociação os cargos ligados aos fundos de pensão dos funcionários destas instituições. A Previ e a Funcef, os fundos de pensão dos funcionários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, respectivamente, dispõem de mais de R$ 70 bilhões em investimentos. 5. Dados e metodologia A fim de identificar a existência de influência política sobre os bancos públicos, foram utilizados dados da carteira de crédito rural, modalidade de crédito direcionado para a agricultura em que os bancos públicos têm longa tradição. A principal fonte de dados foi o documento 4500 da Estatística Bancária Mensal (Estban) do Banco Central, que possui informações de todas as agências bancárias por município 5 segundo o Plano Contábil das Instituições do SFN (Cosif). A variável dependente foi definida como a participação da carteira de crédito rural sobre a carteira de crédito total do município. Foram considerados os financiamentos à agricultura e pecuária (custeio, investimento e comercialização) e os financiamentos agroindustriais. Como variável de controle, foi utilizada a proporção dos depósitos à vista sobre os depósitos totais, pois estes representam o principal funding do crédito rural (direcionamento obrigatório conforme regras do Sistema Nacional de Crédito Rural). O crescimento da atividade agropecuária pode incentivar a demanda por recursos para financiar a produção do setor. Por este motivo, incluiu-se também a razão entre o PIB da agropecuária e o PIB total do município. Tal variável poderia ser utilizada também como proxy para o grau de ruralização do município. Os dados regionais de PIB foram coletados no Ipeadata para os anos entre 1999 e 2004, período em que os dados foram informados com uma freqüência anual. Dada a inexistência de informações regulares para outros anos, este foi o período selecionado para a análise das regressões. Para testar a hipótese que a participação estatal direta é justificada pela existência de falhas de mercado, de que setores como a agricultura não receberiam recursos da iniciativa privada, foi incluída uma variável dummy denominada “Bancos Públicos” para os municípios que são atendidos exclusivamente por agências de bancos públicos. Se verdadeira, a participação do crédito rural nos municípios que são atendidos exclusivamente por bancos públicos deve ser maior do que em municípios que são servidos exclusivamente pelos bancos privados ou por ambos. A principal variável de interesse é a política. A hipótese inicial é de que os políticos se utilizam dos bancos públicos para obter vantagens pessoais. Os recursos de crédito rural podem ser direcionados de acordo com o poder político de cada região geográfica. Ou ainda, com base em seus constituintes, que poderão retribuir na forma de votos. O comportamento da carteira de crédito rural pode variar também com o tempo. A apropriação de renda por parte dos políticos pode ocorrer a qualquer momento. Entretanto, este efeito deve estar correlacionado com o ciclo eleitoral, sendo maior nos anos eleitorais. Como os dados foram coletados por município, foi adicionada uma dummy “Eleição” que assume valor unitário nos anos em que são realizadas eleições para prefeito. A equação abaixo será utilizada como base para as regressões a seguir: crédito rural i,t = α + β1 depósito à vista i,t + β2 PIB agropecuária i,t + β3 banco público + β4 eleição + c i + d t + ε i,t onde c i é o efeito fixo do município, d t as dummies de ano e ε i,t o erro idiossincrático. Se encontrada evidência sobre a visão política dos bancos públicos, serão investigadas algumas hipóteses adicionais sobre que variáveis políticas poderiam explicar o maior direcionamento de recursos de crédito rural para cada município. 6. Resultados Como esperado, o resultado das regressões indica que o crédito rural depende da sua principal fonte de recursos, os depósitos à vista. O crédito rural também é fortemente influenciado pela participação do setor agropecuário na economia, e a elasticidade da participação do crédito rural em relação à proporção do PIB da agropecuária é positiva e significante (Modelo 1). O comportamento dos bancos em relação ao crédito rural é portanto direcionado por fundamentos econômicos, com maior concentração em regiões com potencial 6 de crescimento econômico da agricultura, condições necessária para justificar a alocação de recursos em determinada região e assegurar a rentabilidade e risco menor de inadimplência. Observou-se ainda que, em municípios onde a rede bancária é constituída exclusivamente por bancos públicos, a participação do crédito rural em relação à carteira total de crédito é maior, ou seja, há evidências de que pelo menos em parte, os bancos públicos exercem a sua função social. Os bancos públicos desempenham seu papel de amenizar imperfeições de mercado, emprestando mais para setores menos favorecidos pela iniciativa privada, como a agricultura (Modelo 2). No entanto, foram encontradas também evidências de que os bancos públicos estariam sendo utilizados em favor dos políticos. Analisando-se a variação temporal da proporção de crédito rural, constatou-se que há oscilação conforme o ciclo eleitoral, e este efeito é estatisticamente significante. Nos anos em que foram realizadas eleições para prefeito, a participação do crédito rural é maior que nos anos não eleitorais (Modelo 3), e as variáveis anteriores permanecem com seus coeficientes praticamente inalterados e significativos. Para avaliar se os bancos públicos têm um efeito independente das eleições, as dummies eleição e banco público foram cruzadas, e o efeito marginal desta nova variável mostrou-se positivo e significativo, contribuindo inclusive de tal forma que algumas variáveis anteriormente significantes perdessem significância (Modelo 4). O efeito do volume maior de recursos direcionados para o crédito rural pelos bancos públicos nos anos eleitorais é tão forte que chega a superar o critério econômico de aumento na participação da atividade agropecuária. A partir das evidências de existência de influência política nos bancos públicos, tentou-se investigar quais variáveis políticas poderiam determinar o direcionamento do crédito rural. A primeira variável política testada foi a de filiação partidária do prefeito. A fim de eleger os prefeitos da sigla, um maior volume de recursos poderia ser destinado aos municípios em que o prefeito pertencia ao mesmo partido do presidente em exercício (Modelo 5). O efeito marginal desta variável, no entanto, é nulo e estatisticamente insignificante. Uma outra possibilidade foi testar a existência de influência na política de crédito devido à associação entre o partido do prefeito e a bancada ruralista. O Instituto de Estudos Socioeconômicos realizou um estudo recente que tentou mapear e identificar a evolução da bancada ruralista nas últimas legislaturas, e constatou-se que o PMDB, o PFL e o PP eram os partidos com maior quantidade de representantes da bancada ruralista na Câmara (os três partidos detêm 61,2% dos membros da bancada). Assim, no modelo 6, foi testada a hipótese de existência de efeito marginal por influência da banca ruralista, utilizando uma dummy que assume valor 1 caso o partido do prefeito fosse identificado como pertencente ao grupo com maior representação da bancada ruralista. O efeito marginal desta variável, no entanto, mostrou-se também estatisticamente não significante. Os modelos 5 e 6 foram estimados também através de 1ª diferença e os coeficientes obtidos foram bem próximos e com o mesmo grau de significância. 7 Depósito à vista (ln) PIB agropecuária (ln) Banco público Eleição Eleição * Banco Público Partido presidente Modelo1 0,474 *** (0,057) 0,043 * (0,025) Modelo2 0,473 *** (0,057) 0,042 * (0,025) 0,095 *** (0,034) Modelo3 0,473 *** (0,057) 0,042 * (0,025) 0,095 * (0,034) 0,048 *** (0,015) Modelo4 0,475 *** (0,057) 0,037 (0,025) 0,023 (0,015) 0,023 (0,153) 0,146 *** (0,023) Modelo 5 0,478 *** (0,058) 0,035 (0,025) Modelo 6 0,477 *** (0,058) 0,035 (0,025) 0,145 *** (0,023) 0,000 (0,016) 0,145 *** (0,023) 0,002 (0,014) n 14.914 12.914 12.914 14.914 14.868 14.868 Obs.: Os dados do Estban são contábeis e refletem somente a posição final de cada data-base. Para evitar oscilações bruscas de um ano para outro, foi calculada a média dos 12 meses de cada ano. Variável dependente também em ln. As regressões foram estimadas com o modelo de transformação de efeitos fixos. O teste de Hausman indicou a existência de efeito fixo. Erros padrões robustos para heterocedasticidade em parênteses. *, **, *** denotam significância estatística para 10%, 5% e 1%, respectivamente. Bancada ruralista Utilizando apenas dados da última eleição para prefeito, foram realizadas regressões OLS robustas incluindo resultados de eleições, como o percentual de votos que o candidato eleito recebeu, se candidato à reeleição, se venceu em 1º turno, mas mais uma vez, nenhuma dessas variáveis mostrou-se significativa. A dificuldade em identificar as variáveis que norteiam o direcionamento político do crédito rural pode residir em dois pontos. Primeiro, a variável chave em questão pode não ser o prefeito, pois este poderia ter pouca influência sobre os critérios de alocação do crédito rural. As eleições de 2000 e 2004 foram realizadas simultaneamente para os cargos de prefeito e vereador. Este trabalho buscou evidências de influência política pelas associações com o partido do prefeito. Entretanto, a influência política pode ter origem no poder legislativo municipal, variável que não foi considerada nas especificações do modelo. Uma outra dificuldade pode residir na forma de atuação da bancada ruralista. Segundo o estudo do Inesc, não é o número absoluto de membros que promove a sua força, mas a capacidade de mobilização que possui junto aos diversos partidos políticos e às bancadas estaduais, além de sua representação federal. A bancada ruralista age segundo seus interesses individuais, e seria difícil identificar um padrão de comportamento de acordo com a filiação partidária. Ainda, observou-se a persistência da bancada ruralista na base de governo, independente de qual for. Identificou-se também que com exceção do PT e do PC do B, todos os partidos da atual base de governo têm ruralistas em sua bancada. E por fim, existe ainda a possibilidade de que o aumento da oferta de crédito rural ocorra de forma generaliza por determinação do executivo federal, seja como parte da política social de crédito rural, seja como parte de objetivos eleitorais. Não está claro, entretanto, porque tais variações ocorreriam nas eleições municipais. 8 7. Conclusão O elevado grau de alavancagem que caracteriza as instituições financeiras, associado à complexidade e ao custo elevado de monitoramento por parte dos depositantes, faz do segmento bancário um setor que merece atenção quanto à adequação de políticas públicas, principalmente quanto à regulação. A atuação do Estado no setor ocorre também através da participação direta em bancos públicos, com a justificativa de corrigir distorções de mercado e prover serviços a grupos excluídos pela iniciativa privada. Em setores altamente concentrados, os bancos públicos poderiam ainda ser utilizados como inibidores de práticas abusivas contra a concorrência. Entretanto, pesam contra os bancos públicos as evidências sobre a performance inferior ao dos bancos privados. O desempenho mais fraco dos bancos públicos pode ser atribuído, no entanto, à existência de investimentos em projetos com elevado retorno social. Na prática, é difícil distinguir o que poderia ser atribuído à ineficiência ou aos mandatos com objetivos sociais. Há evidências também de que o fraco desempenho das instituições públicas pode ser parcialmente atribuído ao uso político das instituições de controle estatal. Embora existam evidências defendendo ora a visão social ora a visão política, as duas teorias não são excludentes e podem coexistir, conforme foi observado neste trabalho. Além disso, os políticos poderiam usar seu poder para influenciar também os bancos privados. As evidências encontradas sobre a existência de influência política no direcionamento de recursos de crédito rural conforme o ciclo eleitoral constituem a principal contribuição do presente trabalho. A dificuldade em identificar as variáveis políticas e eleitorais que a determinam apontam para a necessidade de mais pesquisas sobre sua forma de atuação. Vale ressaltar ainda que a visão política não exclui a possibilidade dos bancos públicos desempenharem seu papel social. A questão é se os benefícios compensam as ineficiências e a corrupção potencial gerada pelo direcionamento político do crédito. E para quantificar tal efeito, seria necessário que houvesse um mandato mais claro para os bancos públicos, com uma contabilização adequada dos subsídios que recebem e avaliação mais precisa do retorno de tais políticas do ponto de vista social. Bibliografia Anuário Estatístico de Crédito Rural - 2006. Banco Central do Brasil. Atkinson, A.B., Stigltz, J., 1980. Lectures on Public Economics. McGraw-Hill. Bancada ruralista: o maior grupo de interesse no Congresso Nacional, 2007. Instituto de Estudos Socioeconômicos. Beck, T., Crivelli, J.M., Summerhill, W., 2005. State bank transformation in Brazil – choices and consequences. Journal of Banking and Finance 29, 2223-2257. Beck, T., Levine, R., 2002. Industry growth and capital allocation: does having a market or bank based system matter? Journal of Financial Economics 64, 147-180. Clarke, G.R.G., Cull, R., Shirley, M.M., 2005. Bank privatization in developing countries: a summary of lessons and findings. Journal of Banking & Finance, 1905-1930. 9 Dinç, S.I., 2005. Politicians and banks: political influences on government-owned banks in emerging markets. Journal of Financial Economics 77, 453-459. Gerschenkron, A., 1962. Economic Backwardness in Historical Perspective. Harvard University Press, Cambridge, MA. Golden, M.A., Picci, L., 2005. Pork barrel and distributive politics in postwar Italy, 19531992. Working Paper. La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., 2002. Government ownership of banks. Journal of Finance 57, 265-301. Mian, A., 2003. Foreign, private domestic, and government banks: new evidence from emerging markets. Working paper, University of Chicago. Micco, A., Panizza, U., Yanez, M., 2007. Bank ownership and performance. Does politics matter? Journal of Banking & Finance 31, 219-241. Micco, A., Panizza, U., 2006. Bank ownership and lending behavior. Economics Letters 93, 248-254. Micco, A., Panizza, U., 2005. Public banks in Latin America. Paper presented at the conference on Public Banks in Latin America: Myths and Reality. Inter-American Development Bank. Pandya, S., 2002. Votes in the bank: political lending cycles in the German States. Working Paper. Sapienza, P., 2004. The effects of government ownership on bank lending. Journal of Financial Economics 72, 357-384. Shirley, M.M., Walsh, P., 2000. Public versus private ownership: The current state of the debate. World Bank Policy Research Working Paper Series # 2420. Shleifer, A., 1998. State versus private ownership. Journal of Economic Perspectives 12, 133150. Shleifer, A., Vishny, R., 1994. Politicians and firms. Quarterly Journal of Economics 109, 995-1025. Stigltz, J., 1994. The Role of the State in Financial Markets. World Bank Annual Conference on Economic Development 1993. Tirole, J., 1994. The internal organization of government. Oxford Economic Papers 46, 1-29. Wooldridge, J., 2002. Econometric analysis of cross section and panel data. MIT Press, Cambridge, MA. 10 Yeyati, E.L., Micco, A., Panizza, U., 2005. State owned banks. Do they promote or depress financial development and economic growth? Paper presented at the conference on Public Banks in Latin America: Myths and Reality. Inter-American Development Bank. Yeyati, E.L., Micco, A., Panizza, U., 2004. Should the government be in the banking business? The role of state-owned and development banks. Research Department Working Paper # 517. Inter-American Development Bank. Anexos Tabela 1 - Quantidade de bancos pela estrutura de capital Bancos Públicos Privados Nacionais Nacionais c/ Part. Estrang. Controle Estrangeiro Estrangeiro Total Fonte: Banco Central 1996 32 198 131 26 25 16 230 1997 27 190 118 23 33 16 217 1998 22 182 105 18 43 16 204 1999 19 175 95 15 50 15 194 2000 17 175 91 14 57 13 192 2001 15 167 81 14 61 11 182 2002 15 152 76 11 56 9 167 2003 15 150 78 10 53 9 165 2004 14 150 82 10 49 9 164 2005 14 147 82 8 49 8 161 2006 13 146 81 9 48 8 159 Tabela 2 - 15 maiores bancos / conglomerados com carteira comercial Instituições Ativo Total Banco do Brasil 296.444 Bradesco 210.335 CEF 200.387 Itaú 196.005 ABN Amro 116.140 Santander Banespa 100.219 Unibanco 92.616 Safra 61.820 HSBC 53.097 Votorantim 47.580 Nossa Caixa 39.319 Citibank 30.312 UBS Pactual 17.694 Banrisul 15.598 BBM 12.402 SFN 1.997.736 Fonte: Banco Central (dez/06) Patrimônio Líquido 20.758 24.757 9.183 29.209 10.588 7.976 10.019 4.106 4.112 5.147 2.599 3.189 1.454 1.294 665 198.834 Lucro Líquido 2.156 1.877 1.042 3.361 1.172 753 714 495 501 664 164 204 333 173 110 19.873 Depósito Total 158.841 83.969 121.390 62.243 55.138 31.925 36.370 12.925 37.725 19.641 27.566 5.559 2.620 10.483 2.292 781.486 Em R$ milhões Qtde de Qtde de Func. Agências 107.101 4.048 70.924 3.018 104.934 2.428 57.989 2.534 31.039 1.095 22.955 1.062 25.917 934 5.629 104 27.724 935 692 10 16.630 539 4.950 111 464 4 10.931 415 330 6 11 Tabela 3 - Evolução do Crédito Rural Ano Valores correntes (*) 1993 25.022 1994 40.754 1995 18.546 1996 16.209 1997 23.485 1998 25.578 1999 24.320 2000 24.994 2001 29.487 2002 32.495 2003 36.676 2004 43.597 2005 42.684 2006 43.766 Fonte: Banco Central (*) IGP-DI - Índice médio anual Gráfico 1 - Distribuição por UF Em R$ bilhões Variação anual Centro-Oeste 16% 62,87% -54,49% -12,60% 44,89% 8,91% -4,92% 2,77% 17,98% 10,20% 12,87% 18,87% -2,09% 2,53% Sul 36% Norte 4% Nordeste 10% Sudeste 34% Tabela 4 - Atividade e finalidade R$ milhões Finalidade Atividade Custeio Investimento Comercialização Agrícola 19.219 5.499 6.935 Pecuária 5.147 4.633 2.332 Total 24.367 10.131 9.268 Fonte: Banco Central (dez/06) Total 31.653 12.113 43.766 Tabela 5 - Tipos de instituição Tipo de Instituição Bancos oficiais federais Bancos oficiais estaduais Bancos privados Cooperativas de crédito rural Total Fonte: Banco Central (dez/06) Valor 22.395 808 17.884 2.679 43.766 R$ milhões % 51,17 1,85 40,86 6,12 100,00 12 Tabela 6 - Fonte de recursos Fonte de recursos Recursos obrigatórios Poupança rural Fundos constitucionais FAT – Fundo Amparo Trabalhador Recursos BNDES / Finame Recursos livres Recursos do Funcafe Recursos Externos - 63 rural Recursos do Tesouro Recursos FTRA / Banco da Terra Recursos de governos estaduais Recursos de outras fontes Total Fonte: Banco Central (dez/06) Valor 20.033 8.192 4.011 3.311 3.202 1.896 1.703 615 419 352 26 6 43.766 R$ milhões % 45,77 18,72 9,16 7,57 7,32 4,33 3,89 1,41 0,96 0,80 0,06 0,01 100,00 13