BANCOS PÚBLICOS E INFLUÊNCIA POLÍTICA:
O CASO DO CRÉDITO RURAL
Autoria: Simone Miyuki Hirakawa
RESUMO
Mesmo após as privatizações, a presença dos bancos públicos permanece significativa não só
no Brasil como ao redor do mundo. O principal argumento a favor dos bancos públicos é a
existência de imperfeições no mercado. Ao controlar diretamente as instituições financeiras, o
governo poderia levantar capital e direcioná-los para projetos que não receberiam
financiamento da iniciativa privada, como os estratégicos de longo prazo e os de elevado
retorno social. Entretanto, pesam contra os bancos públicos a performance inferior ao de seus
semelhantes privados. Uma das justificativas para tal resultado é a utilização do controle
sobre os bancos públicos como forma de apropriação de renda por parte dos políticos. O
presente artigo testou a existência de influência política nos bancos públicos utilizando dados
de crédito rural, uma das modalidades de crédito direcionado em que os bancos públicos têm
forte atuação. Os resultados suportam tanto a visão social como a visão política dos bancos
públicos. E de fato, as duas teorias não são excludentes e podem coexistir. O presente artigo
alerta, entretanto para a necessidade de mandatos claros para os bancos públicos, com
contabilização adequada dos subsídios que recebem e avaliação mais precisa do retorno de
tais políticas.
1. Introdução
Deveria o Estado atuar no setor bancário e, se sim, de que maneira? Através da
propriedade direta de bancos ou via subsídios e regulação? Até meados da década de 1990, a
representatividade dos bancos públicos – federais e estaduais – no sistema bancário brasileiro
era expressiva. No entanto, a falência da capacidade de investimento do Estado, associado às
evidências de que os bancos públicos em geral têm desempenho inferior aos bancos privados,
nortearam as privatizações que ocorreram nos anos seguintes, reduzindo de 32 para 13 a
quantidade de instituições financeiras de controle público no período entre 1996 e 2006.
Contra a participação direta do Estado no setor, pesava ainda o tipo de relacionamento que
os bancos públicos estaduais tinham com seus controladores e com o governo federal. Apesar
da existência de limites legais sobre os empréstimos que tais instituições poderiam fazer para
seus controladores, tais medidas mostravam-se ineficientes, e as pressões políticas de
governadores para que o Banco Central socorresse oficialmente estas instituições dificultavam
a condução da política monetária e a estabilização da economia.
Apesar da redução na quantidade de bancos públicos, a participação estatal no Sistema
Financeiro Nacional continua relevante, devido principalmente à atuação de três grandes
instituições federais: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. O Banco do
Brasil e a Caixa Econômica Federal estão listadas entre as cinco maiores instituições em
relação a ativo total, volume de depósitos, número de agências e quantidade de funcionários.
O BNDES, com ativo total de R$ 185 bilhões, configura como o principal provedor de
recursos de longo prazo para as empresas. E conforme apontado por La Porta et al. (2002), a
presença dos bancos públicos permanece grande não só no Brasil como ao redor do mundo,
mesmo após as privatizações.
1
Parte significativa da literatura sobre bancos públicos está relacionada à comparação de
performance entre bancos públicos e privados e seus efeitos para o desenvolvimento
financeiro e crescimento econômico. O presente artigo buscará evidências para a visão
política dos bancos públicos utilizando dados de crédito rural, uma das modalidades de
crédito direcionado em que os bancos públicos têm uma forte atuação.
2. Discussão teórica sobre o papel do Estado no setor bancário
A literatura existente sobre o papel que o Estado deveria desempenhar no mercado é
controversa. A visão predominante nas décadas de 50 e 60 defendia a participação direta do
Estado em setores considerados estratégicos, inclusive o bancário, pois o desenvolvimento do
sistema financeiro era considerado crucial para o crescimento econômico.
Ao canalizar recursos da poupança para os setores produtivos, os bancos comerciais
privados desempenharam um papel-chave no desenvolvimento dos países industrializados.
Em alguns países, entretanto, o sistema financeiro não estava suficientemente desenvolvido
(escassez de capital, práticas fraudulentas de devedores, corrupção, pobre qualidade
institucional), e a intervenção estatal, através da participação direta no controle de bancos,
poderia aumentar a confiança do público no setor bancário e estimular o desenvolvimento
financeiro, além de gerar demanda agregada e outras externalidades positivas que
fomentassem o crescimento econômico (GERSCHENKRON, 1962).
Tais idéias foram adotadas por diversos países entre as décadas de 60 e 70, com a
nacionalização de bancos comerciais existentes e criação de outros na África, Ásia e América
Latina. Nos anos 70, o Estado detinha 40% dos ativos dos maiores bancos nos países
industrializados e 65% nos países em desenvolvimento (YEYATI et al., 2004).
A presença do setor público no segmento bancário é também defendida pela visão social.
Segundo esta literatura, as empresas públicas são criadas com a finalidade de corrigir
imperfeições de mercado (ATKINSON; STIGLITZ, 1980). Diferentemente das empresas
privadas, que buscam a maximização de lucros, as empresas públicas têm objetivos sociais
mais amplos. A criação de instituições financeiras públicas é justificada, portanto, pela
existência de imperfeições nos mercados financeiros e de crédito.
Ao controlar diretamente as instituições financeiras, o governo poderia levantar capital e
direcioná-los para projetos que não receberiam financiamento da iniciativa privada, como os
estratégicos de longo prazo e os de elevado retorno social (STIGLITZ, 1994). Neste caso,
seriam beneficiados pela atuação dos bancos públicos, por exemplo, a agricultura e outros
setores que demandam pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento e capital
intensivo (farmacêutico, petroquímico, aeroespacial, entre outros). Os bancos públicos
poderiam também ser utilizados para prover aos clientes de baixa renda o acesso a crédito,
que em geral são negligenciados pelos bancos privados. Ainda, ao emprestar para setores que
utilizam mão de obra intensiva, os bancos públicos poderiam reduzir a volatilidade do
emprego, sobretudo nos períodos de recessão e na presença de elevadas taxas de desemprego.
Embora exista um consenso sobre a existência de falhas de mercado que justifique algum
grau de intervenção estatal no sistema financeiro, as divergências ocorrem em relação à forma
de atuação. Ao invés do controle direto de bancos, as imperfeições de mercado poderiam ser
tratadas através de regulação e subsídios para determinados setores.
O desempenho inferior às empresas privadas, resultado da falta de incentivos adequados,
problemas de governança corporativa ou ainda, intervenção dos políticos que as controlavam
(SHIRLEY; WALSH, 2000), junto com a falência da capacidade de investimento do Estado,
são fatores que motivaram a revisão do papel do mesmo nas décadas de 80 e 90, e que
justificaram as privatizações que ocorreram no final da década de 90.
2
A visão política sobre a participação estatal divide com as visões social e
desenvolvimentista o desejo dos políticos de controlar investimentos através de empresas
públicas. A ênfase, no entanto, é dada aos objetivos políticos, ao invés dos sociais.
Segundo esta visão, os políticos não estariam interessados nas políticas redistributivas,
mas na apropriação de rendas que podem derivar do controle de bancos públicos (SHLEIFER;
VISHNY, 1994). As empresas públicas seriam então ineficientes porque os políticos
deliberam políticas de transferência de recursos para seus apoiadores, que retornarão o favor
na forma de votos e contribuições políticas (SHLEIFER, 1998).
Os bancos públicos poderiam também ser utilizados para absorver, de forma não
transparente, empréstimos ruins de bancos, ou distribuir subsídios para setores politicamente
sensíveis, escondendo o seu verdadeiro custo fiscal. E ao reduzir a transparência e o
accountability, criariam um ambiente de desperdícios e oportunidades de corrupção, gerando
uma série de custos que não estão propriamente consideradas nas contas públicas.
Os problemas decorrentes da influência política nos bancos públicos poderiam ser ainda
maiores que em outras empresas públicas. A assimetria de informações sobre a capacidade de
pagamento de um tomador possibilita ocultar a verdadeira razão por trás de um empréstimo.
Ainda, o custo real de qualquer operação originada politicamente só seria conhecido no seu
vencimento. E por fim, enquanto uma empresa pública opera somente em determinado setor,
os bancos públicos trabalham com todos os setores da economia, possibilitando aos políticos
mais oportunidades de canalizar recursos (DINÇ, 2005).
Entre as visões desenvolvimentistas, sociais e políticas, está a visão de agência.
Compartilha com a visão social a idéia de que o governo busca maximizar o bem estar social.
Entretanto, os custos de agência com a burocracia de governo nas empresas públicas podem
resultar em incentivos gerenciais fracos. Segundo esta visão, existe um trade off entre
eficiência interna e alocativa (TIROLE, 1994).
3. Estudos empíricos sobre bancos públicos
O estudo mais citado na literatura de bancos públicos é o de La Porta et al. (2002). Os
autores reuniram dados de 92 países e constataram que mesmo após a onda de privatizações
que ocorreu na década de 1990, a presença do Estado no setor bancário continua grande e
penetrante, sobretudo em países com baixa renda per capta, sistema financeiro pouco
desenvolvido, governos intervencionistas e fraca proteção de direitos de propriedade. Embora
os autores tenham encontrado algum suporte para a visão desenvolvimentista, de que os
bancos públicos surgem como resposta ao subdesenvolvimento institucional e financeiro, não
encontraram evidências sobre as conseqüências benéficas da propriedade estatal no
desenvolvimento subseqüente. Em contraste, argumentam que a propriedade estatal politiza o
processo de alocação de recursos e reduz a eficiência, e que a maior participação de bancos
públicos está associada a um desenvolvimento mais lento do sistema financeiro e a um
crescimento econômico mais baixo.
Yeyati et al. (2004) também não encontraram nenhuma evidência sobre os benefícios
gerados pelos bancos públicos em relação ao desenvolvimento financeiro e econômico.
Entretanto, argumentam que o contrário não é tão perverso quanto se imagina. A performance
inferior dos bancos públicos nos países em desenvolvimento representa um custo fiscal
escondido, porém, argumentam que este não pode ser usado como argumento contra os
bancos públicos, pois a baixa rentabilidade pode ser atribuída a projetos com elevado retorno
social. Alegam ainda que providos dos incentivos corretos, os bancos públicos podem ter um
papel positivo na mobilização de poupança e estabilização do consumo em períodos de crise.
3
Deveriam então dotá-los com uma estrutura de governança adequada, um mandato claro e
uma contabilização transparente dos subsídios que recebem.
Como os correntistas pensam que os bancos públicos são mais seguros que os bancos
privados (seguro implícito de que o governo poderá socorrer em última instância), os bancos
públicos têm uma base de depósitos mais estável e ao estabilizar o crédito, o Estado poderia
internalizar os benefícios de um ambiente macroeconômico mais estável. Micco e Panizza
(2006) observaram que os depósitos de bancos públicos são mais estáveis que os depósitos
dos bancos privados domésticos. Além disso, os bancos públicos são menos pró-cíclicos que
os privados domésticos, e têm portanto um papel importante no processo de estabilização do
crédito, principalmente em períodos em que o crédito cresce menos que os depósitos à vista.
No entanto, atentam para a possibilidade de que a menor volatilidade da carteira de crédito
pode ser explicada pela demora ou incapacidade dos bancos públicos em se adaptarem
rapidamente a mudanças no cenário econômico.
Quanto à performance, Mian (2003) encontrou evidências de que bancos públicos
apresentam desempenho significativamente pior em relação aos bancos privados domésticos e
estrangeiros em termos de rentabilidade geral, mesmo com a vantagem de possuírem um
custo de captação mais baixo que os demais. Indica também que os bancos públicos
apresentam taxas de inadimplência mais elevadas, e que não respondem rapidamente a
flutuações na economia. Segundo o autor, a visão social dos bancos públicos não é observada
na prática, e dominam os efeitos de incentivos fracos e corrupção.
Micco et al. (2007) compararam o desempenho dos bancos públicos com os bancos
privados domésticos e os bancos estrangeiros. Nos países em desenvolvimento, os bancos
públicos apresentaram uma performance inferior aos seus similares privados em termos de
rentabilidade, créditos não performados e custos fixos. Entretanto, nos países industrializados,
não houve diferença significativa. Segundo os autores, os bancos públicos em países em
desenvolvimento são menos lucrativos que os bancos privados com características
semelhantes, e a diferença de performance é maior em anos eleitorais.
Seguindo a visão política, DINÇ (2005) encontrou evidências de que os empréstimos dos
bancos públicos estão relacionados com o ciclo eleitoral. Nos países emergentes, o perdão de
dívida e a reestruturação de crédito antigo, assim como a concessão de novos recursos,
aumentaram mais nos bancos públicos que nos privados durante os anos eleitorais. E segundo
o autor, o problema de influência política deve ser maior em bancos do que em outros setores.
Primeiro, porque a assimetria de informações sobre a qualidade do tomador pode disfarçar a
motivação política por trás de uma operação. Além disso, o custo real de qualquer empréstimo
com motivação política pode ser diferido até o seu vencimento. E diferentemente de outras
empresas públicas, que atuam em um setor específico, limitando a habilidade dos políticos de
transferir recursos, os bancos operam em todos os setores da economia, provendo aos
políticos mais oportunidades de canalizar fundos.
E por fim, o trabalho de Sapienza (2004), que observou que a política de crédito dos
bancos públicos na Itália é influenciada pelos resultados eleitorais dos partidos afiliados com
o banco. Sapienza suporta a visão política das empresas públicas, e argumenta que os partidos
utilizam seu controle sobre os bancos públicos para direcionar recursos para seus apoiadores,
concedendo mais benefícios para áreas com força eleitoral maior. O estudo aponta que quanto
mais forte o partido político na região onde o banco está emprestando, menor a taxa de juro
cobrada pelos bancos públicos. Estes teriam então um efeito negativo na alocação financeira
de recursos, pois os juros eram mais baixos mesmo quando as empresas tinham acesso ao
crédito privado.
4
4. Bancos públicos no Brasil
Os bancos estaduais representavam uma fatia significativa do segmento bancário público
no Brasil. No início dos danos 90, apenas Mato Grosso do Sul e Tocantins não possuíam um
banco estadual e diversos estados possuíam mais de um banco (MICCO; PANIZZA, 2005).
Em 1994, os bancos públicos estaduais e federais constituíam mais de 50% dos ativos
bancários. Alguns bancos estaduais estavam entre os maiores bancos brasileiros. O Banespa,
do governo do estado de São Paulo, era o terceiro maior banco em relação aos ativos,
enquanto a Nossa Caixa, outro banco estadual de São Paulo, estava em décimo primeiro.
Os bancos estaduais, mais que outras empresas públicas, há muito tempo vinham sendo
utilizados pelos políticos como máquinas para extração de renda. Após a intervenção de
diversos bancos públicos entre 1994 e 1995, o governo federal deu início ao Proes (Programa
de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária), que autorizou a
reestruturação, privatização ou liquidação dos bancos estaduais.
A partir de então, os estados poderiam liquidar, privatizar ou reestruturá-los. As perdas
não poderiam mais ser externalizadas para o governo federal. Entre 1995 e 2001, as
privatizações de bancos renderam US$ 5,5 bilhões no Brasil, sendo US$ 3,6 bilhões somente
do Banespa (YEYATI et al., 2004).
Em estudo realizado sobre a privatização dos bancos públicos, Beck et al. (2005)
encontram outro suporte para a visão política da propriedade estatal. Quanto maior a
dependência de transferências do governo federal, mais propenso estava o estado em
concordar com a liquidação ou privatização direta do governo federal. Estados que tinham
agências de desenvolvimento e cujos bancos já estavam sob controle federal também estavam
mais propensos a abrir mão do controle sobre seus bancos e do processo de transformação. Os
autores encontraram ainda efeitos positivos e significativos no desempenho dos bancos que
foram privatizados, enquanto o mesmo não foi observado nos bancos que foram
reestruturados. O desempenho dos bancos públicos melhorou após a privatização, em geral e
no Brasil em especial.
Atualmente, a presença estatal no setor bancário se dá principalmente através de três
instituições federais: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. As três
instituições contam com funding subsidiado, e é através delas que o governo federal executa
as suas políticas de crédito direcionado. O BNDES é o principal agente financiador de
recursos de longo prazo, a Caixa Econômica Federal tem forte atuação no crédito
habitacional, e o Banco do Brasil, no crédito rural. Operam com graus diferentes de
eficiência, sendo a Caixa Econômica Federal a menos eficiente.
A nomeação para os cargos da presidência e da diretoria destas instituições é feita por
indicação do chefe de governo, e são constantemente utilizados como moeda de troca para
acomodar os partidos da base aliada, além do próprio partido. São também objetos de
negociação os cargos ligados aos fundos de pensão dos funcionários destas instituições. A
Previ e a Funcef, os fundos de pensão dos funcionários do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal, respectivamente, dispõem de mais de R$ 70 bilhões em investimentos.
5. Dados e metodologia
A fim de identificar a existência de influência política sobre os bancos públicos, foram
utilizados dados da carteira de crédito rural, modalidade de crédito direcionado para a
agricultura em que os bancos públicos têm longa tradição.
A principal fonte de dados foi o documento 4500 da Estatística Bancária Mensal (Estban)
do Banco Central, que possui informações de todas as agências bancárias por município
5
segundo o Plano Contábil das Instituições do SFN (Cosif). A variável dependente foi definida
como a participação da carteira de crédito rural sobre a carteira de crédito total do município.
Foram considerados os financiamentos à agricultura e pecuária (custeio, investimento e
comercialização) e os financiamentos agroindustriais.
Como variável de controle, foi utilizada a proporção dos depósitos à vista sobre os
depósitos totais, pois estes representam o principal funding do crédito rural (direcionamento
obrigatório conforme regras do Sistema Nacional de Crédito Rural).
O crescimento da atividade agropecuária pode incentivar a demanda por recursos para
financiar a produção do setor. Por este motivo, incluiu-se também a razão entre o PIB da
agropecuária e o PIB total do município. Tal variável poderia ser utilizada também como
proxy para o grau de ruralização do município. Os dados regionais de PIB foram coletados no
Ipeadata para os anos entre 1999 e 2004, período em que os dados foram informados com
uma freqüência anual. Dada a inexistência de informações regulares para outros anos, este foi
o período selecionado para a análise das regressões.
Para testar a hipótese que a participação estatal direta é justificada pela existência de
falhas de mercado, de que setores como a agricultura não receberiam recursos da iniciativa
privada, foi incluída uma variável dummy denominada “Bancos Públicos” para os municípios
que são atendidos exclusivamente por agências de bancos públicos. Se verdadeira, a
participação do crédito rural nos municípios que são atendidos exclusivamente por bancos
públicos deve ser maior do que em municípios que são servidos exclusivamente pelos bancos
privados ou por ambos.
A principal variável de interesse é a política. A hipótese inicial é de que os políticos se
utilizam dos bancos públicos para obter vantagens pessoais. Os recursos de crédito rural
podem ser direcionados de acordo com o poder político de cada região geográfica. Ou ainda,
com base em seus constituintes, que poderão retribuir na forma de votos. O comportamento
da carteira de crédito rural pode variar também com o tempo. A apropriação de renda por
parte dos políticos pode ocorrer a qualquer momento. Entretanto, este efeito deve estar
correlacionado com o ciclo eleitoral, sendo maior nos anos eleitorais. Como os dados foram
coletados por município, foi adicionada uma dummy “Eleição” que assume valor unitário nos
anos em que são realizadas eleições para prefeito.
A equação abaixo será utilizada como base para as regressões a seguir:
crédito rural i,t = α + β1 depósito à vista i,t + β2 PIB agropecuária i,t + β3 banco público +
β4 eleição + c i + d t + ε i,t
onde c i é o efeito fixo do município, d t as dummies de ano e ε i,t o erro idiossincrático.
Se encontrada evidência sobre a visão política dos bancos públicos, serão investigadas
algumas hipóteses adicionais sobre que variáveis políticas poderiam explicar o maior
direcionamento de recursos de crédito rural para cada município.
6. Resultados
Como esperado, o resultado das regressões indica que o crédito rural depende da sua
principal fonte de recursos, os depósitos à vista. O crédito rural também é fortemente
influenciado pela participação do setor agropecuário na economia, e a elasticidade da
participação do crédito rural em relação à proporção do PIB da agropecuária é positiva e
significante (Modelo 1). O comportamento dos bancos em relação ao crédito rural é portanto
direcionado por fundamentos econômicos, com maior concentração em regiões com potencial
6
de crescimento econômico da agricultura, condições necessária para justificar a alocação de
recursos em determinada região e assegurar a rentabilidade e risco menor de inadimplência.
Observou-se ainda que, em municípios onde a rede bancária é constituída exclusivamente
por bancos públicos, a participação do crédito rural em relação à carteira total de crédito é
maior, ou seja, há evidências de que pelo menos em parte, os bancos públicos exercem a sua
função social. Os bancos públicos desempenham seu papel de amenizar imperfeições de
mercado, emprestando mais para setores menos favorecidos pela iniciativa privada, como a
agricultura (Modelo 2).
No entanto, foram encontradas também evidências de que os bancos públicos estariam
sendo utilizados em favor dos políticos. Analisando-se a variação temporal da proporção de
crédito rural, constatou-se que há oscilação conforme o ciclo eleitoral, e este efeito é
estatisticamente significante. Nos anos em que foram realizadas eleições para prefeito, a
participação do crédito rural é maior que nos anos não eleitorais (Modelo 3), e as variáveis
anteriores permanecem com seus coeficientes praticamente inalterados e significativos.
Para avaliar se os bancos públicos têm um efeito independente das eleições, as dummies
eleição e banco público foram cruzadas, e o efeito marginal desta nova variável mostrou-se
positivo e significativo, contribuindo inclusive de tal forma que algumas variáveis
anteriormente significantes perdessem significância (Modelo 4). O efeito do volume maior de
recursos direcionados para o crédito rural pelos bancos públicos nos anos eleitorais é tão forte
que chega a superar o critério econômico de aumento na participação da atividade
agropecuária.
A partir das evidências de existência de influência política nos bancos públicos, tentou-se
investigar quais variáveis políticas poderiam determinar o direcionamento do crédito rural. A
primeira variável política testada foi a de filiação partidária do prefeito. A fim de eleger os
prefeitos da sigla, um maior volume de recursos poderia ser destinado aos municípios em que
o prefeito pertencia ao mesmo partido do presidente em exercício (Modelo 5). O efeito
marginal desta variável, no entanto, é nulo e estatisticamente insignificante.
Uma outra possibilidade foi testar a existência de influência na política de crédito devido à
associação entre o partido do prefeito e a bancada ruralista. O Instituto de Estudos
Socioeconômicos realizou um estudo recente que tentou mapear e identificar a evolução da
bancada ruralista nas últimas legislaturas, e constatou-se que o PMDB, o PFL e o PP eram os
partidos com maior quantidade de representantes da bancada ruralista na Câmara (os três
partidos detêm 61,2% dos membros da bancada). Assim, no modelo 6, foi testada a hipótese
de existência de efeito marginal por influência da banca ruralista, utilizando uma dummy que
assume valor 1 caso o partido do prefeito fosse identificado como pertencente ao grupo com
maior representação da bancada ruralista. O efeito marginal desta variável, no entanto,
mostrou-se também estatisticamente não significante.
Os modelos 5 e 6 foram estimados também através de 1ª diferença e os coeficientes
obtidos foram bem próximos e com o mesmo grau de significância.
7
Depósito à vista (ln)
PIB agropecuária (ln)
Banco público
Eleição
Eleição * Banco Público
Partido presidente
Modelo1
0,474 ***
(0,057)
0,043 *
(0,025)
Modelo2
0,473 ***
(0,057)
0,042 *
(0,025)
0,095 ***
(0,034)
Modelo3
0,473 ***
(0,057)
0,042 *
(0,025)
0,095 *
(0,034)
0,048 ***
(0,015)
Modelo4
0,475 ***
(0,057)
0,037
(0,025)
0,023
(0,015)
0,023
(0,153)
0,146 ***
(0,023)
Modelo 5
0,478 ***
(0,058)
0,035
(0,025)
Modelo 6
0,477 ***
(0,058)
0,035
(0,025)
0,145 ***
(0,023)
0,000
(0,016)
0,145 ***
(0,023)
0,002
(0,014)
n
14.914
12.914
12.914
14.914
14.868
14.868
Obs.: Os dados do Estban são contábeis e refletem somente a posição final de cada data-base. Para evitar
oscilações bruscas de um ano para outro, foi calculada a média dos 12 meses de cada ano. Variável dependente
também em ln.
As regressões foram estimadas com o modelo de transformação de efeitos fixos. O teste de Hausman
indicou a existência de efeito fixo. Erros padrões robustos para heterocedasticidade em parênteses. *, **, ***
denotam significância estatística para 10%, 5% e 1%, respectivamente.
Bancada ruralista
Utilizando apenas dados da última eleição para prefeito, foram realizadas regressões OLS
robustas incluindo resultados de eleições, como o percentual de votos que o candidato eleito
recebeu, se candidato à reeleição, se venceu em 1º turno, mas mais uma vez, nenhuma dessas
variáveis mostrou-se significativa.
A dificuldade em identificar as variáveis que norteiam o direcionamento político do
crédito rural pode residir em dois pontos. Primeiro, a variável chave em questão pode não ser
o prefeito, pois este poderia ter pouca influência sobre os critérios de alocação do crédito
rural. As eleições de 2000 e 2004 foram realizadas simultaneamente para os cargos de prefeito
e vereador. Este trabalho buscou evidências de influência política pelas associações com o
partido do prefeito. Entretanto, a influência política pode ter origem no poder legislativo
municipal, variável que não foi considerada nas especificações do modelo.
Uma outra dificuldade pode residir na forma de atuação da bancada ruralista. Segundo o
estudo do Inesc, não é o número absoluto de membros que promove a sua força, mas a
capacidade de mobilização que possui junto aos diversos partidos políticos e às bancadas
estaduais, além de sua representação federal. A bancada ruralista age segundo seus interesses
individuais, e seria difícil identificar um padrão de comportamento de acordo com a filiação
partidária. Ainda, observou-se a persistência da bancada ruralista na base de governo,
independente de qual for. Identificou-se também que com exceção do PT e do PC do B, todos
os partidos da atual base de governo têm ruralistas em sua bancada.
E por fim, existe ainda a possibilidade de que o aumento da oferta de crédito rural ocorra
de forma generaliza por determinação do executivo federal, seja como parte da política social
de crédito rural, seja como parte de objetivos eleitorais. Não está claro, entretanto, porque tais
variações ocorreriam nas eleições municipais.
8
7. Conclusão
O elevado grau de alavancagem que caracteriza as instituições financeiras, associado à
complexidade e ao custo elevado de monitoramento por parte dos depositantes, faz do
segmento bancário um setor que merece atenção quanto à adequação de políticas públicas,
principalmente quanto à regulação.
A atuação do Estado no setor ocorre também através da participação direta em bancos
públicos, com a justificativa de corrigir distorções de mercado e prover serviços a grupos
excluídos pela iniciativa privada. Em setores altamente concentrados, os bancos públicos
poderiam ainda ser utilizados como inibidores de práticas abusivas contra a concorrência.
Entretanto, pesam contra os bancos públicos as evidências sobre a performance inferior ao
dos bancos privados. O desempenho mais fraco dos bancos públicos pode ser atribuído, no
entanto, à existência de investimentos em projetos com elevado retorno social. Na prática, é
difícil distinguir o que poderia ser atribuído à ineficiência ou aos mandatos com objetivos
sociais. Há evidências também de que o fraco desempenho das instituições públicas pode ser
parcialmente atribuído ao uso político das instituições de controle estatal.
Embora existam evidências defendendo ora a visão social ora a visão política, as duas
teorias não são excludentes e podem coexistir, conforme foi observado neste trabalho. Além
disso, os políticos poderiam usar seu poder para influenciar também os bancos privados.
As evidências encontradas sobre a existência de influência política no direcionamento de
recursos de crédito rural conforme o ciclo eleitoral constituem a principal contribuição do
presente trabalho. A dificuldade em identificar as variáveis políticas e eleitorais que a
determinam apontam para a necessidade de mais pesquisas sobre sua forma de atuação.
Vale ressaltar ainda que a visão política não exclui a possibilidade dos bancos públicos
desempenharem seu papel social. A questão é se os benefícios compensam as ineficiências e a
corrupção potencial gerada pelo direcionamento político do crédito. E para quantificar tal
efeito, seria necessário que houvesse um mandato mais claro para os bancos públicos, com
uma contabilização adequada dos subsídios que recebem e avaliação mais precisa do retorno
de tais políticas do ponto de vista social.
Bibliografia
Anuário Estatístico de Crédito Rural - 2006. Banco Central do Brasil.
Atkinson, A.B., Stigltz, J., 1980. Lectures on Public Economics. McGraw-Hill.
Bancada ruralista: o maior grupo de interesse no Congresso Nacional, 2007. Instituto de
Estudos Socioeconômicos.
Beck, T., Crivelli, J.M., Summerhill, W., 2005. State bank transformation in Brazil – choices
and consequences. Journal of Banking and Finance 29, 2223-2257.
Beck, T., Levine, R., 2002. Industry growth and capital allocation: does having a market or
bank based system matter? Journal of Financial Economics 64, 147-180.
Clarke, G.R.G., Cull, R., Shirley, M.M., 2005. Bank privatization in developing countries: a
summary of lessons and findings. Journal of Banking & Finance, 1905-1930.
9
Dinç, S.I., 2005. Politicians and banks: political influences on government-owned banks in
emerging markets. Journal of Financial Economics 77, 453-459.
Gerschenkron, A., 1962. Economic Backwardness in Historical Perspective. Harvard
University Press, Cambridge, MA.
Golden, M.A., Picci, L., 2005. Pork barrel and distributive politics in postwar Italy, 19531992. Working Paper.
La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., 2002. Government ownership of banks.
Journal of Finance 57, 265-301.
Mian, A., 2003. Foreign, private domestic, and government banks: new evidence from
emerging markets. Working paper, University of Chicago.
Micco, A., Panizza, U., Yanez, M., 2007. Bank ownership and performance. Does politics
matter? Journal of Banking & Finance 31, 219-241.
Micco, A., Panizza, U., 2006. Bank ownership and lending behavior. Economics Letters 93,
248-254.
Micco, A., Panizza, U., 2005. Public banks in Latin America. Paper presented at the
conference on Public Banks in Latin America: Myths and Reality. Inter-American
Development Bank.
Pandya, S., 2002. Votes in the bank: political lending cycles in the German States. Working
Paper.
Sapienza, P., 2004. The effects of government ownership on bank lending. Journal of
Financial Economics 72, 357-384.
Shirley, M.M., Walsh, P., 2000. Public versus private ownership: The current state of the
debate. World Bank Policy Research Working Paper Series # 2420.
Shleifer, A., 1998. State versus private ownership. Journal of Economic Perspectives 12, 133150.
Shleifer, A., Vishny, R., 1994. Politicians and firms. Quarterly Journal of Economics 109,
995-1025.
Stigltz, J., 1994. The Role of the State in Financial Markets. World Bank Annual Conference
on Economic Development 1993.
Tirole, J., 1994. The internal organization of government. Oxford Economic Papers 46, 1-29.
Wooldridge, J., 2002. Econometric analysis of cross section and panel data. MIT Press,
Cambridge, MA.
10
Yeyati, E.L., Micco, A., Panizza, U., 2005. State owned banks. Do they promote or depress
financial development and economic growth? Paper presented at the conference on Public
Banks in Latin America: Myths and Reality. Inter-American Development Bank.
Yeyati, E.L., Micco, A., Panizza, U., 2004. Should the government be in the banking
business? The role of state-owned and development banks. Research Department Working
Paper # 517. Inter-American Development Bank.
Anexos
Tabela 1 - Quantidade de bancos pela estrutura de capital
Bancos
Públicos
Privados
Nacionais
Nacionais c/ Part. Estrang.
Controle Estrangeiro
Estrangeiro
Total
Fonte: Banco Central
1996
32
198
131
26
25
16
230
1997
27
190
118
23
33
16
217
1998
22
182
105
18
43
16
204
1999
19
175
95
15
50
15
194
2000
17
175
91
14
57
13
192
2001
15
167
81
14
61
11
182
2002
15
152
76
11
56
9
167
2003
15
150
78
10
53
9
165
2004
14
150
82
10
49
9
164
2005
14
147
82
8
49
8
161
2006
13
146
81
9
48
8
159
Tabela 2 - 15 maiores bancos / conglomerados com carteira comercial
Instituições
Ativo Total
Banco do Brasil
296.444
Bradesco
210.335
CEF
200.387
Itaú
196.005
ABN Amro
116.140
Santander Banespa
100.219
Unibanco
92.616
Safra
61.820
HSBC
53.097
Votorantim
47.580
Nossa Caixa
39.319
Citibank
30.312
UBS Pactual
17.694
Banrisul
15.598
BBM
12.402
SFN
1.997.736
Fonte: Banco Central (dez/06)
Patrimônio
Líquido
20.758
24.757
9.183
29.209
10.588
7.976
10.019
4.106
4.112
5.147
2.599
3.189
1.454
1.294
665
198.834
Lucro
Líquido
2.156
1.877
1.042
3.361
1.172
753
714
495
501
664
164
204
333
173
110
19.873
Depósito
Total
158.841
83.969
121.390
62.243
55.138
31.925
36.370
12.925
37.725
19.641
27.566
5.559
2.620
10.483
2.292
781.486
Em R$ milhões
Qtde de
Qtde de
Func.
Agências
107.101
4.048
70.924
3.018
104.934
2.428
57.989
2.534
31.039
1.095
22.955
1.062
25.917
934
5.629
104
27.724
935
692
10
16.630
539
4.950
111
464
4
10.931
415
330
6
11
Tabela 3 - Evolução do Crédito Rural
Ano
Valores correntes (*)
1993
25.022
1994
40.754
1995
18.546
1996
16.209
1997
23.485
1998
25.578
1999
24.320
2000
24.994
2001
29.487
2002
32.495
2003
36.676
2004
43.597
2005
42.684
2006
43.766
Fonte: Banco Central
(*) IGP-DI - Índice médio anual
Gráfico 1 - Distribuição por UF
Em R$ bilhões
Variação anual
Centro-Oeste
16%
62,87%
-54,49%
-12,60%
44,89%
8,91%
-4,92%
2,77%
17,98%
10,20%
12,87%
18,87%
-2,09%
2,53%
Sul
36%
Norte
4%
Nordeste
10%
Sudeste
34%
Tabela 4 - Atividade e finalidade
R$ milhões
Finalidade
Atividade
Custeio
Investimento Comercialização
Agrícola
19.219
5.499
6.935
Pecuária
5.147
4.633
2.332
Total
24.367
10.131
9.268
Fonte: Banco Central (dez/06)
Total
31.653
12.113
43.766
Tabela 5 - Tipos de instituição
Tipo de Instituição
Bancos oficiais federais
Bancos oficiais estaduais
Bancos privados
Cooperativas de crédito rural
Total
Fonte: Banco Central (dez/06)
Valor
22.395
808
17.884
2.679
43.766
R$ milhões
%
51,17
1,85
40,86
6,12
100,00
12
Tabela 6 - Fonte de recursos
Fonte de recursos
Recursos obrigatórios
Poupança rural
Fundos constitucionais
FAT – Fundo Amparo Trabalhador
Recursos BNDES / Finame
Recursos livres
Recursos do Funcafe
Recursos Externos - 63 rural
Recursos do Tesouro
Recursos FTRA / Banco da Terra
Recursos de governos estaduais
Recursos de outras fontes
Total
Fonte: Banco Central (dez/06)
Valor
20.033
8.192
4.011
3.311
3.202
1.896
1.703
615
419
352
26
6
43.766
R$ milhões
%
45,77
18,72
9,16
7,57
7,32
4,33
3,89
1,41
0,96
0,80
0,06
0,01
100,00
13
Download

BANCOS PÚBLICOS E INFLUÊNCIA POLÍTICA: O CASO