VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz
Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.
A PROPOSTA DO JORNALISMO COMUNITÁRIO DO QUADRO
CALENDÁRIO DA REDE CLUBE DE TERESINA
Resumo
Analisa-se a proposta do jornalismo comunitário e a participação dos sujeitos
envolvidos - jornalistas e agentes públicos - no quadro Calendário, do telejornal PI
TV 1ª Edição, veiculado na Rede Clube de Teresina. No quadro, os telespectadores,
ao tempo em que pautam a emissora, reivindicam melhorias para suas comunidades
dialogando diretamente com agentes públicos. Utiliza-se as técnicas de revisão de
literatura, entrevista e análise de conteúdo. Os resultados apontam diferentes perfis
dos agentes públicos; a parcialidade dos jornalistas na defesa dos telespectadores e a
utilização do termo comunitário associado ao fator geográfico.
Palavras-chave: jornalismo comunitário; televisão; Rede Globo; Rede Clube.
Comunidade e mídia local: uma relação de dependência
Compreender o significado de comunidade na sociedade pós-moderna é,
entender que ele vai além do espaço territorial – bairro ou cidade - onde um grupo de
pessoas está inserido. Comunidade também não pode ser confundida, com segmentos
éticos, religiosos, de gêneros ou acadêmicos. “Ela pressupõe a existência de elos mais
profundos e não meros aglomerados urbanos” (PERUZZO, 2003 p. 6)
As características da comunidade, embora tenham assumido novas feições,
linguagens e interpretações ao longo do tempo, são marcadas pelo “[...] sentimento de
pertença; participação; interação; objetivos comuns; interesses coletivos acima dos
individuais; identidades; cooperação; confiança; cultura comum etc”. (PERUZZO,
2003, p. 7). Esses elementos podem aparecer com maior ou menor intensidade numa
determinada comunidade e em outra não, vai depender das particularidades de cada
uma delas.
______________________
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Trabalho apresentado no GT6 – Discursos e Poder, do VI Congresso de Estudantes de Pós-Graduação
em Comunicação, na categoria pós-graduação. UERJ, Rio de Janeiro, outubro de 2013.
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Entretanto a comunidade também, segundo a pesquisadora, possui
características que são típicas do que é local, como as dimensões de proximidade (em
contraste com o distante) e de familiaridade (relacionada a identidades e raízes
históricas e culturais); portanto, do ponto de vista do objetivo não é possível uma
separação entre as dimensões comunitária e local.
Na dinâmica em que se desenvolvem as comunidades, e, na ausência de
canais que possam servir de porta-vozes dos seus anseios, como os veículos de
comunicação comunitários, surgem os meios de comunicação local, da mídia
comercial servindo de mediadores no diálogo entre àquela e os gestores públicos,
cada um com seus interesses.
Nesse sentido, a mídia local, passa a reproduzir a lógica dos grandes meios
de comunicação, dentro de uma estratégia comercial, entretanto, buscando
diferenciar-se em relação ao conteúdo. Como num processo de “negociação”, a mídia,
por um lado, investe na proximidade como critério de noticiabilidade e passa a
transmitir assuntos de interesse local, revestindo a programação em audiência;
enquanto a comunidade, por outro, se utiliza desse canal como instrumento de
reivindicação para dar visibilidade a suas necessidades e anseios.
Nessa perspectiva, Peruzzo (2003) enumera dentre as características da mídia
local: a) trata de assuntos de foco local ou regional; b) é susceptível a corresponder a
grupos de interesses políticos e econômicos da região; c) intenciona contribuir para
aumentar a cidadania desde que seus interesses financeiros não sejam comprometidos;
d) há casos em que produzem programas de cunho comunitário, tanto no formato
(participação popular) como nos conteúdos (problemáticas sociais); e) explora o local
enquanto nicho de mercado.
Vale ressaltar sobre o papel da mídia, enquanto instância privilegiada para
gerar visibilidades e conferir existência pública a temas que podem ser
problematizados e amplamente divulgados, independentemente do seu alcance em
termos de cobertura, porém,
[...] é necessário abandonar uma visão simplificadora da mídia como mera
difusora de informações, para o entendimento de sua lógica, seus limites e
suas possibilidades. [...] Em outras palavras é preciso entendê-la como uma
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instituição de autonomia relativa, que privilegia questões a partir de
mecanismos próprios. (MAFRA, 2006, p. 40)
O autor elucida ainda que, os recursos da mídia são fundamentais para
provocar um debate público e promover o engajamento coletivo dos sujeitos por
visibilidade na tentativa de conquistar apoio para suas causas. No caso específico do
objeto em estudo, de sensibilizar o poder público na resolução dos seus problemas.
Nesse sentido, a mídia deve funcionar como agente de vigilância e controle dos
poderes políticos e econômicos, uma vez que se configura, conforme conceito
formulado por Habermas (1994), como espaço constitutivo da esfera pública.
Sob o ponto de vista da comunidade, sem ter a quem recorrer no atendimento
de suas demandas, na medida em que o poder público se exime de suas
responsabilidades, encontra na mídia um canal para apresentar seus problemas e
cobrar soluções, criando, de certa forma, um vínculo de identidade com a emissora.
Assim, embora dentro de uma estratégia comercial, a mídia assume um compromisso
social com o telespectador que busca cada vez mais alternativas para expor seus
anseios em relação a questões que envolvem políticas públicas.
Ao tempo em que a mídia local passa a explorar esse tipo de jornalismo
funcionando como porta-voz da comunidade, oferece aos profissionais de
comunicação uma forma de repensar a prática jornalística ou uma nova forma de
contar história que afeta a vida cotidiana das pessoas. E é por meio dessa prática que a
mídia faz surgir atores sociais enlaçados por interesses comuns num cenário de
reivindicação, lamento e indignação.
Portanto, essa pesquisa pretende, de forma geral, analisar a participação dos
sujeitos envolvidos no quadro calendário (jornalistas e agentes públicos) veiculado no
Piauí TV – 1ª. edição, da Rede Clube de Teresina e, de forma específica, elucidar a
proposta do jornalismo comunitário apresentado no quadro, além de identificar as
maiores demandas apresentadas pelos telespectadores, o que evidencia os principais
problemas de natureza urbana enfrentados pela população local. O estímulo para tal
investigação veio a partir da inquietação em relação a terminologia adotada pela
emissora para enquadrar o formato do objeto em estudo.
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No Piauí, em 2012, a TV Clube passa a operar em rede com a TV Alvorada,
afiliada do centro-sul do Estado, com sede em Floriano. Essa mudança equivale dizer
que a emissora vivencia a regionalização de sua programação, ampliando a cobertura
para os municípios do Estado. Num folder divulgado por ocasião dos 40 anos da
emissora (2012) o texto enfatiza o jornalismo praticado atualmente pela rede. “Em
2012, a TV Clube completa 40 anos de fundação [...] O estado de encantamento
continua, agora, complementado pela proximidade maior com o telespectador que vê
seus desejos alcançados com o jornalismo comunitário [...]”.
O formato de jornalismo focado na comunidade é ampliado na emissora em
abril de 2013, com a implantação do quando “PI TV nos bairros” veiculado no
Telejornal PI TV – 1ª Edição. Na nova proposta, os internautas elegem um bairro de
Teresina e, posteriormente, depositam numa urna a indicação dos problemas da
comunidade que desejam ser solucionados pelas autoridades competentes, as quais
também participam do quadro. O interesse em abrir espaço para a participação dos
telespectadores visando à reivindicação de demandas imediatas, também está sendo
levado a outras emissoras locais, a exemplo da TV Cidade Verde com o quadro
“Promessa é Dívida” implantado em março de 2013 e exibido no Jornal do Piauí.
Essas observações reforçam a pertinência do tema, haja vista que põem em
evidência as tendências do jornalismo hoje praticado. Dentre eles, destacam-se os
processos de comunicação comunitária comum à sociedade contemporânea, aliados
aos avanços do conceito de cidadania que contribuem para a adoção de novos
paradigmas tanto no fazer jornalístico como no modo de consumir a informação.
Como procedimento metodológico analisa-se nove edições do quadro
Calendário, além do quadro Vistoria do Calendário, que compreende o retorno da
equipe de reportagem à comunidade um mês após a solicitação feita aos órgãos
públicos. As edições analisadas foram escolhidas de forma aleatória. Realiza-se,
ainda, entrevista com o diretor de jornalismo da emissora. Como aporte teórico
recorre-se aos autores como Bazi; Cabral; Mafra; Marques de Melo; Paiva e Peruzzo.
O regional e o local: uma necessidade da mídia globalizada
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O modelo de jornalismo televisivo direcionado aos segmentos populares
ganhou novo impulso na mídia de referência no Brasil, na década de 1990 do século
passado. Esse novo cenário se apresenta frente ao processo de globalização, o qual
acentuou, significativamente, a interconexão entre as várias nações, através do fluxo
de comunicação e informação em escala global. Porém, o caráter globalizante da
comunicação trouxe, forçosamente, dentre outras consequências, a necessidade de
aproximação dos indivíduos à sua própria realidade.
Nesse contexto, a mídia, que passara a investir nas suas operações, formando
grandes concentrações de poder econômico, através da expansão de conglomerados,
começa a dar novo direcionamento a sua programação, apostando na regionalizando
dos seus conteúdos. Dessa forma, em especial a mídia televisiva, aproxima-se e
estabelece uma identidade com o seu público e este, por conseguinte, mais do que
acesso a conteúdo em nível global, passa a receber informações próximas ao ambiente
ao qual está inserido.
Frente a esse novo cenário os veículos de comunicação da mídia de referência
assumem uma nova postura em relação a produção e distribuição de conteúdo. Essa
nova configuração representou para as emissoras de TV à época, um instrumento de
sobrevivência, um nicho de mercado voltado especialmente para os pequenos e
médios anunciantes que encontram uma programação direcionada para um públicoalvo concentrado em uma determinada área de cobertura. Portanto, além da dimensão
espacial, a regionalização da mídia implica em fatores econômicos, políticos, sociais,
culturais.
Conforme Cabral (2006) a regionalização da mídia brasileira, já era percebida
na década de 1980, tendo o rádio como precursor. Esse pioneirismo é creditado às
próprias características do meio, que tem como foco o jornalismo de proximidade, o
serviço de utilidade pública e a audiência localizada. Para a autora, esse processo foi
impulsionado pelas mudanças ocorridas nos meios de comunicação, como o crescente
número de emissoras de televisão, lançamentos de satélites domésticos, o surgimento
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das emissoras e parabólicas e em UHF, o investimento em radiodifusão e
telecomunicações e a formação de redes regionais de televisão.
Para Cabral (2006, p. 3) os conglomerados nacionais além das parcerias com
os grupos regionais, passaram a investir no jornalismo local. “Os conglomerados
nacionais midiáticos atingem quase 100% do território brasileiro. A Rede Globo, por
exemplo, está em 99,84%, o equivalente a 5.043 municípios”. Em 2008 a emissora
continua a liderar o mercado brasileiro de televisão com 121 geradoras e a cobertura
em 5.477 municípios brasileiros. Numa pesquisa divulgada em junho de 2013,
realizada pelo grupo pela Zenith Optimedia com base nas receitas publicitárias de
2011 as Organizações Globo ocupa o 17° lugar entre os maiores grupos de mídia do
mundo.
Para atingir toda a extensão do território brasileiro, a emissora se utiliza do
sistema de emissoras filiais (ou emissoras próprias) e afiliadas que, na explicação de
Bazi (2001) são “empresas associadas a uma emissora com penetração nacional de
sinal, que retransmitem a programação de rede, embora também produzam
programas, telejornais e comerciais locais”.
Os grupos de comunicação que investem em emissoras regionais apostam na
lucratividade de seus negócios. Bazi esclarece que, no caso da Globo, “em linhas
gerais o contrato de afiliação prevê a uma emissora regional receber toda a
programação local da globo, sem precisar pagar nada por isso, mas terá que dividir o
lucro da venda dos anúncios regionais e estaduais”.
O modelo de jornalismo comunitário da Rede Globo de Televisão
A proposta do texto que segue não é levantar uma discussão do que seria ou
não o jornalismo comunitário, mas apresentar, por um lado, conceitos desse segmento
jornalístico elaborados por estudiosos do assunto e, por outro, o “jornalismo
comunitário” da Rede Globo adotado pela emissora na década de 1990. Para um dos
jornalistas responsáveis pela implantação do conceito na emissora,
“Trata-se de uma proposta inovadora de se cobrir o dia-a-dia (sic) das
cidades, promovendo uma reflexão principalmente sobre o posicionamento
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dos meios de comunicação, particularmente da televisão, no trato de
questões essenciais da comunidade”. (LEVY SOARES apud FLAUSINO,
2002. P 7).
Com a proposta comunitária, a emissora abriu mais espaço para a participação
popular na sua programação tendo início nas filiais e afiliadas de cidades do interior
paulista, escolhidas pelo potencial econômico. Nesse sentido a nova diretriz e
proposta editorial para as emissoras globais eram de interagir mais diretamente com a
vida da comunidade. A partir daí a emissora passou a apostar em emissoras de outras
regiões do país, a exemplo da filial de Pernambuco, onde em 1997 foram investidos
mais de R$ 1,5 milhão em equipamentos e modernização dos estúdios.
Com o objetivo de complementar sua filosofia de envolvimento comunitário
como empresa, a Rede Globo passou a realizar campanhas e eventos atingindo vários
segmentos da sociedade, na tentativa de manter sua credibilidade e, portanto, sua
audiência, o que vai resultar em verbas publicitárias. Na maioria das vezes os eventos
são realizados nas áreas de esporte (corridas e torneios); lazer (festas e festivais) e
cultura (exposições e concursos). As campanhas de incentivo que ganham às ruas são
direcionadas mais a ações de civilidade como “Conserve a cidade limpa” e “Criança
no banco traseiro”.
Outras estratégias de comunicação são adotadas pela Rede Globo de Televisão
como forma de aproximar e conquistar mais a credibilidade junto ao telespectador
estão a inserção de temas sociais nas telenovelas e a realização de eventos educativos
como o Ação Global, Criança Esperança e o Esporte Cidadania. Há ainda na grade de
programação da emissora um conjunto de programas dentro do projeto Globo
Cidadania: Globo Educação: debate sobre o ensino regular no Brasil; Globo Ciência:
traduz conceitos de ciência e tecnologia mostrando como o conhecimento científico
pode melhorar a vida cotidiana dos telespectadores; Globo Ecologia: voltado para
temas que envolvem questões ambientais e consciência ecológica; Globo
Universidade: apresenta reportagens sobre ensino, pesquisa e extensão nas áreas das
ciências exatas, humanas e biológicas e Ação: mostra projetos de voluntariado,
educação e responsabilidade social realizados em todo o Brasil.
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No Piauí, conforme atlas da Rede Globo de Televisão (2013), a emissora está
presente em 136 municípios através do sinal transmitido pela afiliada Rede Clube
com sede em Teresina o que representa 60,71% dos 224 municípios piauienses. De
acordo com previsão do diretor de jornalismo da Rede Clube de Teresina, Paulo
Rogério Fernandes, nos próximos dois anos a emissora estará ampliando sua
cobertura para as regiões Norte e extremo Sul do Estado.
Em Teresina, a Rede Clube, a exemplo das outras afiliadas da Rede Globo,
realiza algumas ações direcionadas à comunidade em parceria com seus
patrocinadores, estabelecendo um contato mais direto com o seu público alvo. Dentre
os projetos realizados para a comunidade estão o Ação Global (ações sociais)
realizado em duas edições ao ano; o Criança Feliz (ações sociais); GP Teresina
Corrida de Rua (saúde e esporte); Eco Modas (moda e ecologia) e Cidade Junina
(cultura e lazer).
Retomando ao tema jornalismo comunitário, Marques de Melo (2004, p. 126)
defende que "[...] uma imprensa só pode ser considerada comunitária quando se
estrutura e funciona como meio de comunicação autêntico de uma comunidade. Isto
significa dizer: produzido pela e para a comunidade". Seguindo a mesma linha de
pensamento,
É aquela gerada no contexto de um processo de mobilização e organização
social dos segmentos excluídos (e seus aliados) da população com a
finalidade de contribuir para a conscientização e organização de segmentos
subalternos da população visando superar as desigualdades e instaurar
mais justiça social. (PERUZZO, (2003, p. 10).
Paiva (1998, p. 160) opina que “o que permite conceituar o jornalismo
comunitário não é a sua capacidade de prestação de serviço e sim sua proposta social,
seu objetivo claro de mobilização vinculado ao exercício de cidadania”. Por outro
lado, a autora diz que já representa um avanço os veículos da mídia comercial prestar
“informações relativas a grupos específicos, ainda que não haja o objetivo de discutilas ou interpretá-las”.
O quadro Calendário como instrumento de mediação entre as demandas sociais
e agentes públicos
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Apresentado em quatro edições semanais, o quadro Calendário foi implantado
em fevereiro de 2011 sob recomendação da Rede Globo Nordeste - da qual a afiliada
de Teresina, Rede Clube, é integrante - com o propósito de estreitar a relação entre a
emissora e a comunidade, funcionando como um elo entre as autoridades competentes
responsáveis por realizar obras e serviços na cidade e a comunidade.
O quadro possui vinheta própria, e apresenta o seguinte formato: uma equipe
de reportagem, depois de recebida a sugestão de pauta dos telespectadores solicitando
melhorias para determinado bairro, vila ou zona rural da cidade, se encaminha até o
local e, ao vivo, faz o papel de mediadora entre a comunidade e a autoridade
competente. Naquele momento, munido de um pincel e de calendário visível para
todos os telespectadores, o agente público se compromete marcando, de próprio
punho, a data em que o problema será solucionado. A reivindicação, geralmente
relacionada à obras de infra-estrutura, pode partir de representantes de associações de
moradores ou de qualquer cidadão comum.
Passada a data marcada no calendário a equipe de reportagem retorna ao local
- Vistoria do Calendário - para mostrar se o problema foi ou não solucionado. Em não
tendo sido, repórter e apresentadores voltam a cobrar da autoridade competente que,
na maioria das vezes, pede um novo prazo.
A emissora se utiliza de alguns critérios para atender determinadas
comunidades em detrimento de outras, como por exemplo, não fazer a cobertura de
solicitações idênticas na mesma semana e a atender os locais que ainda não foram
contemplados pelo quadro. A maior parte dos problemas apresentados pelos
telespectadores relaciona-se a falta de calçamento, água potável, segurança,
iluminação, sinalização de trânsito; desmatamento, construção de escolas, postos de
saúde, galerias e praças.
A este respeito, Teresina, no Estado do Piauí, assim como outras capitais do
Nordeste brasileiro, padece com a falta de políticas públicas para as áreas social e de
infra-estrutura. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), apenas 17% dos domicílios de Teresina recebem cobertura de esgotamento
sanitário - situação que se agrava nos bairros e vilas periféricas da cidade.
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Retornando ao quadro Calendário, à medida que às pessoas entram em contato
com a emissora, a equipe de produção anota o nome do telespectador, a reivindicação,
o local do problema e a data do contato. O quadro iniciou com duas inserções
semanais, porém, foi acrescentando mais duas, consequência da demanda diária que,
conforme Fernandes (2012) “[...] o retorno é enorme. A audiência do telejornal aumentou
de 23 pontos para 30 pontos, segundo a última pesquisa do Ibope [2112]. Alguns
telespectadores telefonam não para o Piauí TV, mas para o programa ‘Calendário’. Para você
ter uma ideia da força dele...”
O primeiro aspecto a ser analisado nessa pesquisa refere-se ao papel de
mediadores dos profissionais de jornalismo que participam do quadro (apresentadores
e repórteres), os quais se posicionam de forma incisiva e parcial, muito evidente na
defesa dos moradores das comunidades que estão reivindicando, a exemplo: “nós
vamos voltar aqui para verificar se as promessas que o senhor está fazendo serão
cumpridas” ou “ o cartão de visita da praça é a sujeira; ou ainda, “o quadro Calendário
esteve aqui e mostrou o sufoco da população”.
Com essa postura, o mérito na consecução dos objetivos pretendidos pela
comunidade – o atendimento a reivindicação de benefício de uso coletivo – passa a
ser atribuído à emissora. Para Peruzzo (2003, p. 21) [...] “este tipo de atitude pode
provocar a desmobilização das pessoas e de suas organizações que passam a confiar
mais na mídia do que nas suas associações na solução dos seus problemas coletivos”.
O certo é que, a postura adotada pelos profissionais de jornalismo, de cobrar
do gestor o cumprimento das ações públicas foi uma orientação da própria direção da
emissora que, segundo o diretor de jornalismo, Paulo Rogério Fernandes (2013),
percebeu a necessidade de haver uma maior proximidade dos jornalistas ao
entrevistarem às autoridades, “os repórteres mudaram o seu perfil. Hoje eles cobram
de uma maneira diferente, porque antes havia respeito e distanciamento, hoje existe
respeito, mas o distanciamento não existe mais”. E continua “o repórter não pode
admitir qualquer resposta, [...] afinal, a autoridade tem o dever de dar a resposta que o
telespectador quer ouvir e, os jornalistas, a obrigação de cobrar”.
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Para se constatar o tom incisivo e de parcialidade dos apresentadores do
quadro, analisou-se o seguinte texto no programa veiculado em 19 de julho de 2013
em que os moradores solicitam o asfaltamento de uma rua para melhorar o acesso de
cadeirantes no local: “O calçamento é de péssima qualidade e para piorar, a rua está
cheia de buracos, um tormento para cadeirantes que há anos solicitam da prefeitura o
asfaltamento da via.” Nesse texto que inicia a matéria, percebe-se a ênfase dada pela
apresentadora nos trechos péssima qualidade, cheia de buracos e um tormento, além
de, através do discurso dos telespectadores, apresentar a Prefeitura de Teresina como
ineficiente.
Outra observação em relação ao discurso dos jornalistas é o uso do termo
cidadania, como estratégia para fortalecer a imagem da emissora perante a opinião
pública, como fez o repórter da matéria do dia 19 de julho: “A luta dos moradores que
vivem na rua é por um objetivo que vai além do asfalto, é por cidadania”. Na
interpretação de Marshall (1967, p. 76) cidadania se constitui “um status concedido
àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aquêles que possuem
o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status”.
Portanto, o conceito vincula-se ao princípio da igualdade de direitos e deveres e é esta
a intenção do discurso construído pela emissora. Como diz Carvalho (2007, p. 7)
sobre o uso generalizado da palavra cidadania: “Políticos, jornalistas, intelectuais,
líderes sindicais, dirigentes de associações, simples cidadãos, todos a adotaram. A
cidadania literalmente caiu na boca do povo”.
Em relação ao papel da mídia, como instância mediadora nesse processo,
observa-se que, ao perceber a omissão do Estado em prover as condições necessárias
ao bem-estar social, individual e coletivo da população ela penetra nestes espaços e
passa a dar visibilidade as disputas e controvérsias existentes na vida social. Dessa
forma, passa a potencializar e expandir as discussões no espaço público midiático
sobre temas que podem ser problematizados e amplamente divulgados. Contudo,
Mafra (2006, p. 40) adverte que, como em qualquer jogo político, no campo da mídia
há diversas relações de interesses que se estabelecem entre os atores políticos e
agentes midiáticos. “Com sua gramática própria a mídia pode favorecer ou
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desfavorecer alguns temas, excluir ou incluir determinados acontecimentos, enquadrar
e narrar os fatos à sua maneira [...].
O que se observou em relação aos discursos dos agentes públicos é que, via de
regra, fazem referência e enaltecem a pessoa da autoridade maior, responsável pela
resolução do problema, na intenção de construir ou consolidar uma imagem positiva,
do prefeito, quando os problemas apresentados, são de responsabilidade do poder
público municipal ou do governador, quando estes pertencem a esfera estadual.
Há momentos em que o discurso pretende mostrar que existe uma posição de
superioridade na relação autoridade versus comunidade, causando, de certa forma,
uma intimidação no público participante do quadro, ao fazer referência ao
desempenho do prefeito, a exemplo da fala da Superintendente Municipal de
Transportes e Trânsito “Ainda ontem estivemos num evento em Brasília do qual foi
mostrado a nossa experiência aqui e foi muito elogiada, por sinal, o prefeito recebeu
elogios rasgados (sic) por ter aderido o (sic) projeto Vida no Trânsito” (2012).
Desta forma, nota-se uma clara intenção de minimizar o problema que está
sendo reivindicado pela comunidade (sinalização) na medida em que o prefeito é
apresentado como uma autoridade que teve sua atuação aprovada pelo centro do
poder governamental do país.
Em outros momentos há uma nítida intenção de transmitir agilidade, um
engajamento imediatista na resolução dos problemas apresentados com o propósito de
representar uma imagem de excelência administrativa, embora, o próprio quadro
Vistoria do Calendário mostre que, algumas vezes o problema não é solucionado ou
solucionado parcialmente. Assim, a participação do agente público no programa
acontece mais para justificar e reforçar uma imagem e fortalecer a marca institucional
do governo.
Na análise, observou-se ainda, o caráter pessoalista que alguns agentes
procuram imprimir em seus discursos na intenção de construir uma imagem que os
tornem referências como fontes de informação e, posteriormente, se utilizar do cargo
como “trampolim” para futuras carreiras políticas. Os discursos desses agentes
públicos são previamente construídos e estrategicamente elaborados, defendem as
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classes menos favorecidas e se comprometem em resolver outros problemas que,
sequer, foram apontados pelos moradores. Assim, vão-se divulgando interesses, ideias
e produzindo imagens tentando manipular o público para seus projetos futuros.
Por outro lado, há o perfil do agente público que se utiliza de um discurso
construído com uma linguagem técnica, dificultando o entendimento e se
posicionando estrategicamente numa postura, na qual, o telespectador de maior
interesse no conteúdo apresentado – moradores das comunidades passam a ocupar
uma posição ainda maior de passividade.
Em algumas situações os agentes públicos se utilizam de um discurso
argumentando que a administração pública já estava “trabalhando na área”, a exemplo
do que ocorreu com a solicitação de limpeza de uma praça, quando na verdade as
próprias imagens mostravam o contrário. Em outras participações, informam que a
reivindicação feita é um trabalho de rotina e que, portanto, já estava no cronograma
de intervenções do órgão, porém, em um caso particular, a moradora entrevistada
apresentou outra realidade: “a praça está esquecida, abandonada há 15 anos, que é o
período que eu moro aqui”.
Conclusão
No geral, constatou-se nessa análise a predominância de um perfil de agentes
públicos que constroem frases de efeito que permeiam seus discursos, com um
elevado grau de comprometimento em dar publicidade à autoridade municipal e/ou
estadual. Percebeu-se ainda que, embora o discurso aponte para a resolução dos
problemas apresentados pelos moradores, a estratégia utilizada na comunicação
desses agentes é a de, antes de tudo, apresentar uma realidade que gostariam que fosse
vista.
No que diz respeito às principais reivindicações feitas pelos telespectadores,
apresentadas por Rodrigues (2012) e confirmadas na pesquisa são: colocação de
calçamento e asfalto; abastecimento de água; segurança; iluminação pública nas ruas,
praças e avenidas; sinalização de trânsito; seguidas, igualmente, de limpeza de
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terrenos, ruas e praças e construção de escolas, postos de saúde e galerias. Dessa
forma, constata-se que os maiores problemas enfrentados pela população da capital,
em especial dos bairros periféricos são, respectivamente, de competência da
Prefeitura Municipal de Teresina, da distribuidora de Águas e Esgotos do Piauí S.A
(Estado); da Secretaria de Segurança Pública do Estado e das Centrais Elétricas
Brasileiras S.A - (Eletrobrás).
Sobre o jornalismo comunitário proposto no quadro Calendário observou-se
que a emissora entende o conceito como àquele pautado pela comunidade, no sentido
daquilo que é comum a um determinado grupo de pessoas, atrelado ao fator
geográfico a exemplo do que elucida Fernandes (2012) sobre o quadro “[...] ele é
apenas e tão somente feito pelos pedidos dos moradores. Não há produção nossa além
de ir aonde o telespectador ligou pedindo solução [...] o quadro Calendário é só
comunitário... Problemas de rua, buracos, limpeza pública, transporte, praças, etc. É
tudo o que atinge, diretamente, a uma comunidade, os moradores de um bairro, de
uma rua. Nunca uma pessoa, mas sim à comunidade.”
Em relação à mídia, de um modo geral, apesar de seus objetivos
mercadológicos, com interesses pela regionalização da produção e a exploração do
local para conquistar audiência, seria injusto não reconhecer que, no exercício de sua
responsabilidade social, em certas circunstâncias, funciona como instrumento de
mobilização da sociedade e como agente de vigilância e controle dos poderes em
todas as suas instâncias.
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