VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. A PROPOSTA DO JORNALISMO COMUNITÁRIO DO QUADRO CALENDÁRIO DA REDE CLUBE DE TERESINA Resumo Analisa-se a proposta do jornalismo comunitário e a participação dos sujeitos envolvidos - jornalistas e agentes públicos - no quadro Calendário, do telejornal PI TV 1ª Edição, veiculado na Rede Clube de Teresina. No quadro, os telespectadores, ao tempo em que pautam a emissora, reivindicam melhorias para suas comunidades dialogando diretamente com agentes públicos. Utiliza-se as técnicas de revisão de literatura, entrevista e análise de conteúdo. Os resultados apontam diferentes perfis dos agentes públicos; a parcialidade dos jornalistas na defesa dos telespectadores e a utilização do termo comunitário associado ao fator geográfico. Palavras-chave: jornalismo comunitário; televisão; Rede Globo; Rede Clube. Comunidade e mídia local: uma relação de dependência Compreender o significado de comunidade na sociedade pós-moderna é, entender que ele vai além do espaço territorial – bairro ou cidade - onde um grupo de pessoas está inserido. Comunidade também não pode ser confundida, com segmentos éticos, religiosos, de gêneros ou acadêmicos. “Ela pressupõe a existência de elos mais profundos e não meros aglomerados urbanos” (PERUZZO, 2003 p. 6) As características da comunidade, embora tenham assumido novas feições, linguagens e interpretações ao longo do tempo, são marcadas pelo “[...] sentimento de pertença; participação; interação; objetivos comuns; interesses coletivos acima dos individuais; identidades; cooperação; confiança; cultura comum etc”. (PERUZZO, 2003, p. 7). Esses elementos podem aparecer com maior ou menor intensidade numa determinada comunidade e em outra não, vai depender das particularidades de cada uma delas. ______________________ 1 Trabalho apresentado no GT6 – Discursos e Poder, do VI Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UERJ, Rio de Janeiro, outubro de 2013. www.conecorio.org 1 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. Entretanto a comunidade também, segundo a pesquisadora, possui características que são típicas do que é local, como as dimensões de proximidade (em contraste com o distante) e de familiaridade (relacionada a identidades e raízes históricas e culturais); portanto, do ponto de vista do objetivo não é possível uma separação entre as dimensões comunitária e local. Na dinâmica em que se desenvolvem as comunidades, e, na ausência de canais que possam servir de porta-vozes dos seus anseios, como os veículos de comunicação comunitários, surgem os meios de comunicação local, da mídia comercial servindo de mediadores no diálogo entre àquela e os gestores públicos, cada um com seus interesses. Nesse sentido, a mídia local, passa a reproduzir a lógica dos grandes meios de comunicação, dentro de uma estratégia comercial, entretanto, buscando diferenciar-se em relação ao conteúdo. Como num processo de “negociação”, a mídia, por um lado, investe na proximidade como critério de noticiabilidade e passa a transmitir assuntos de interesse local, revestindo a programação em audiência; enquanto a comunidade, por outro, se utiliza desse canal como instrumento de reivindicação para dar visibilidade a suas necessidades e anseios. Nessa perspectiva, Peruzzo (2003) enumera dentre as características da mídia local: a) trata de assuntos de foco local ou regional; b) é susceptível a corresponder a grupos de interesses políticos e econômicos da região; c) intenciona contribuir para aumentar a cidadania desde que seus interesses financeiros não sejam comprometidos; d) há casos em que produzem programas de cunho comunitário, tanto no formato (participação popular) como nos conteúdos (problemáticas sociais); e) explora o local enquanto nicho de mercado. Vale ressaltar sobre o papel da mídia, enquanto instância privilegiada para gerar visibilidades e conferir existência pública a temas que podem ser problematizados e amplamente divulgados, independentemente do seu alcance em termos de cobertura, porém, [...] é necessário abandonar uma visão simplificadora da mídia como mera difusora de informações, para o entendimento de sua lógica, seus limites e suas possibilidades. [...] Em outras palavras é preciso entendê-la como uma www.conecorio.org 2 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. instituição de autonomia relativa, que privilegia questões a partir de mecanismos próprios. (MAFRA, 2006, p. 40) O autor elucida ainda que, os recursos da mídia são fundamentais para provocar um debate público e promover o engajamento coletivo dos sujeitos por visibilidade na tentativa de conquistar apoio para suas causas. No caso específico do objeto em estudo, de sensibilizar o poder público na resolução dos seus problemas. Nesse sentido, a mídia deve funcionar como agente de vigilância e controle dos poderes políticos e econômicos, uma vez que se configura, conforme conceito formulado por Habermas (1994), como espaço constitutivo da esfera pública. Sob o ponto de vista da comunidade, sem ter a quem recorrer no atendimento de suas demandas, na medida em que o poder público se exime de suas responsabilidades, encontra na mídia um canal para apresentar seus problemas e cobrar soluções, criando, de certa forma, um vínculo de identidade com a emissora. Assim, embora dentro de uma estratégia comercial, a mídia assume um compromisso social com o telespectador que busca cada vez mais alternativas para expor seus anseios em relação a questões que envolvem políticas públicas. Ao tempo em que a mídia local passa a explorar esse tipo de jornalismo funcionando como porta-voz da comunidade, oferece aos profissionais de comunicação uma forma de repensar a prática jornalística ou uma nova forma de contar história que afeta a vida cotidiana das pessoas. E é por meio dessa prática que a mídia faz surgir atores sociais enlaçados por interesses comuns num cenário de reivindicação, lamento e indignação. Portanto, essa pesquisa pretende, de forma geral, analisar a participação dos sujeitos envolvidos no quadro calendário (jornalistas e agentes públicos) veiculado no Piauí TV – 1ª. edição, da Rede Clube de Teresina e, de forma específica, elucidar a proposta do jornalismo comunitário apresentado no quadro, além de identificar as maiores demandas apresentadas pelos telespectadores, o que evidencia os principais problemas de natureza urbana enfrentados pela população local. O estímulo para tal investigação veio a partir da inquietação em relação a terminologia adotada pela emissora para enquadrar o formato do objeto em estudo. www.conecorio.org 3 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. No Piauí, em 2012, a TV Clube passa a operar em rede com a TV Alvorada, afiliada do centro-sul do Estado, com sede em Floriano. Essa mudança equivale dizer que a emissora vivencia a regionalização de sua programação, ampliando a cobertura para os municípios do Estado. Num folder divulgado por ocasião dos 40 anos da emissora (2012) o texto enfatiza o jornalismo praticado atualmente pela rede. “Em 2012, a TV Clube completa 40 anos de fundação [...] O estado de encantamento continua, agora, complementado pela proximidade maior com o telespectador que vê seus desejos alcançados com o jornalismo comunitário [...]”. O formato de jornalismo focado na comunidade é ampliado na emissora em abril de 2013, com a implantação do quando “PI TV nos bairros” veiculado no Telejornal PI TV – 1ª Edição. Na nova proposta, os internautas elegem um bairro de Teresina e, posteriormente, depositam numa urna a indicação dos problemas da comunidade que desejam ser solucionados pelas autoridades competentes, as quais também participam do quadro. O interesse em abrir espaço para a participação dos telespectadores visando à reivindicação de demandas imediatas, também está sendo levado a outras emissoras locais, a exemplo da TV Cidade Verde com o quadro “Promessa é Dívida” implantado em março de 2013 e exibido no Jornal do Piauí. Essas observações reforçam a pertinência do tema, haja vista que põem em evidência as tendências do jornalismo hoje praticado. Dentre eles, destacam-se os processos de comunicação comunitária comum à sociedade contemporânea, aliados aos avanços do conceito de cidadania que contribuem para a adoção de novos paradigmas tanto no fazer jornalístico como no modo de consumir a informação. Como procedimento metodológico analisa-se nove edições do quadro Calendário, além do quadro Vistoria do Calendário, que compreende o retorno da equipe de reportagem à comunidade um mês após a solicitação feita aos órgãos públicos. As edições analisadas foram escolhidas de forma aleatória. Realiza-se, ainda, entrevista com o diretor de jornalismo da emissora. Como aporte teórico recorre-se aos autores como Bazi; Cabral; Mafra; Marques de Melo; Paiva e Peruzzo. O regional e o local: uma necessidade da mídia globalizada www.conecorio.org 4 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. O modelo de jornalismo televisivo direcionado aos segmentos populares ganhou novo impulso na mídia de referência no Brasil, na década de 1990 do século passado. Esse novo cenário se apresenta frente ao processo de globalização, o qual acentuou, significativamente, a interconexão entre as várias nações, através do fluxo de comunicação e informação em escala global. Porém, o caráter globalizante da comunicação trouxe, forçosamente, dentre outras consequências, a necessidade de aproximação dos indivíduos à sua própria realidade. Nesse contexto, a mídia, que passara a investir nas suas operações, formando grandes concentrações de poder econômico, através da expansão de conglomerados, começa a dar novo direcionamento a sua programação, apostando na regionalizando dos seus conteúdos. Dessa forma, em especial a mídia televisiva, aproxima-se e estabelece uma identidade com o seu público e este, por conseguinte, mais do que acesso a conteúdo em nível global, passa a receber informações próximas ao ambiente ao qual está inserido. Frente a esse novo cenário os veículos de comunicação da mídia de referência assumem uma nova postura em relação a produção e distribuição de conteúdo. Essa nova configuração representou para as emissoras de TV à época, um instrumento de sobrevivência, um nicho de mercado voltado especialmente para os pequenos e médios anunciantes que encontram uma programação direcionada para um públicoalvo concentrado em uma determinada área de cobertura. Portanto, além da dimensão espacial, a regionalização da mídia implica em fatores econômicos, políticos, sociais, culturais. Conforme Cabral (2006) a regionalização da mídia brasileira, já era percebida na década de 1980, tendo o rádio como precursor. Esse pioneirismo é creditado às próprias características do meio, que tem como foco o jornalismo de proximidade, o serviço de utilidade pública e a audiência localizada. Para a autora, esse processo foi impulsionado pelas mudanças ocorridas nos meios de comunicação, como o crescente número de emissoras de televisão, lançamentos de satélites domésticos, o surgimento www.conecorio.org 5 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. das emissoras e parabólicas e em UHF, o investimento em radiodifusão e telecomunicações e a formação de redes regionais de televisão. Para Cabral (2006, p. 3) os conglomerados nacionais além das parcerias com os grupos regionais, passaram a investir no jornalismo local. “Os conglomerados nacionais midiáticos atingem quase 100% do território brasileiro. A Rede Globo, por exemplo, está em 99,84%, o equivalente a 5.043 municípios”. Em 2008 a emissora continua a liderar o mercado brasileiro de televisão com 121 geradoras e a cobertura em 5.477 municípios brasileiros. Numa pesquisa divulgada em junho de 2013, realizada pelo grupo pela Zenith Optimedia com base nas receitas publicitárias de 2011 as Organizações Globo ocupa o 17° lugar entre os maiores grupos de mídia do mundo. Para atingir toda a extensão do território brasileiro, a emissora se utiliza do sistema de emissoras filiais (ou emissoras próprias) e afiliadas que, na explicação de Bazi (2001) são “empresas associadas a uma emissora com penetração nacional de sinal, que retransmitem a programação de rede, embora também produzam programas, telejornais e comerciais locais”. Os grupos de comunicação que investem em emissoras regionais apostam na lucratividade de seus negócios. Bazi esclarece que, no caso da Globo, “em linhas gerais o contrato de afiliação prevê a uma emissora regional receber toda a programação local da globo, sem precisar pagar nada por isso, mas terá que dividir o lucro da venda dos anúncios regionais e estaduais”. O modelo de jornalismo comunitário da Rede Globo de Televisão A proposta do texto que segue não é levantar uma discussão do que seria ou não o jornalismo comunitário, mas apresentar, por um lado, conceitos desse segmento jornalístico elaborados por estudiosos do assunto e, por outro, o “jornalismo comunitário” da Rede Globo adotado pela emissora na década de 1990. Para um dos jornalistas responsáveis pela implantação do conceito na emissora, “Trata-se de uma proposta inovadora de se cobrir o dia-a-dia (sic) das cidades, promovendo uma reflexão principalmente sobre o posicionamento www.conecorio.org 6 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. dos meios de comunicação, particularmente da televisão, no trato de questões essenciais da comunidade”. (LEVY SOARES apud FLAUSINO, 2002. P 7). Com a proposta comunitária, a emissora abriu mais espaço para a participação popular na sua programação tendo início nas filiais e afiliadas de cidades do interior paulista, escolhidas pelo potencial econômico. Nesse sentido a nova diretriz e proposta editorial para as emissoras globais eram de interagir mais diretamente com a vida da comunidade. A partir daí a emissora passou a apostar em emissoras de outras regiões do país, a exemplo da filial de Pernambuco, onde em 1997 foram investidos mais de R$ 1,5 milhão em equipamentos e modernização dos estúdios. Com o objetivo de complementar sua filosofia de envolvimento comunitário como empresa, a Rede Globo passou a realizar campanhas e eventos atingindo vários segmentos da sociedade, na tentativa de manter sua credibilidade e, portanto, sua audiência, o que vai resultar em verbas publicitárias. Na maioria das vezes os eventos são realizados nas áreas de esporte (corridas e torneios); lazer (festas e festivais) e cultura (exposições e concursos). As campanhas de incentivo que ganham às ruas são direcionadas mais a ações de civilidade como “Conserve a cidade limpa” e “Criança no banco traseiro”. Outras estratégias de comunicação são adotadas pela Rede Globo de Televisão como forma de aproximar e conquistar mais a credibilidade junto ao telespectador estão a inserção de temas sociais nas telenovelas e a realização de eventos educativos como o Ação Global, Criança Esperança e o Esporte Cidadania. Há ainda na grade de programação da emissora um conjunto de programas dentro do projeto Globo Cidadania: Globo Educação: debate sobre o ensino regular no Brasil; Globo Ciência: traduz conceitos de ciência e tecnologia mostrando como o conhecimento científico pode melhorar a vida cotidiana dos telespectadores; Globo Ecologia: voltado para temas que envolvem questões ambientais e consciência ecológica; Globo Universidade: apresenta reportagens sobre ensino, pesquisa e extensão nas áreas das ciências exatas, humanas e biológicas e Ação: mostra projetos de voluntariado, educação e responsabilidade social realizados em todo o Brasil. www.conecorio.org 7 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. No Piauí, conforme atlas da Rede Globo de Televisão (2013), a emissora está presente em 136 municípios através do sinal transmitido pela afiliada Rede Clube com sede em Teresina o que representa 60,71% dos 224 municípios piauienses. De acordo com previsão do diretor de jornalismo da Rede Clube de Teresina, Paulo Rogério Fernandes, nos próximos dois anos a emissora estará ampliando sua cobertura para as regiões Norte e extremo Sul do Estado. Em Teresina, a Rede Clube, a exemplo das outras afiliadas da Rede Globo, realiza algumas ações direcionadas à comunidade em parceria com seus patrocinadores, estabelecendo um contato mais direto com o seu público alvo. Dentre os projetos realizados para a comunidade estão o Ação Global (ações sociais) realizado em duas edições ao ano; o Criança Feliz (ações sociais); GP Teresina Corrida de Rua (saúde e esporte); Eco Modas (moda e ecologia) e Cidade Junina (cultura e lazer). Retomando ao tema jornalismo comunitário, Marques de Melo (2004, p. 126) defende que "[...] uma imprensa só pode ser considerada comunitária quando se estrutura e funciona como meio de comunicação autêntico de uma comunidade. Isto significa dizer: produzido pela e para a comunidade". Seguindo a mesma linha de pensamento, É aquela gerada no contexto de um processo de mobilização e organização social dos segmentos excluídos (e seus aliados) da população com a finalidade de contribuir para a conscientização e organização de segmentos subalternos da população visando superar as desigualdades e instaurar mais justiça social. (PERUZZO, (2003, p. 10). Paiva (1998, p. 160) opina que “o que permite conceituar o jornalismo comunitário não é a sua capacidade de prestação de serviço e sim sua proposta social, seu objetivo claro de mobilização vinculado ao exercício de cidadania”. Por outro lado, a autora diz que já representa um avanço os veículos da mídia comercial prestar “informações relativas a grupos específicos, ainda que não haja o objetivo de discutilas ou interpretá-las”. O quadro Calendário como instrumento de mediação entre as demandas sociais e agentes públicos www.conecorio.org 8 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. Apresentado em quatro edições semanais, o quadro Calendário foi implantado em fevereiro de 2011 sob recomendação da Rede Globo Nordeste - da qual a afiliada de Teresina, Rede Clube, é integrante - com o propósito de estreitar a relação entre a emissora e a comunidade, funcionando como um elo entre as autoridades competentes responsáveis por realizar obras e serviços na cidade e a comunidade. O quadro possui vinheta própria, e apresenta o seguinte formato: uma equipe de reportagem, depois de recebida a sugestão de pauta dos telespectadores solicitando melhorias para determinado bairro, vila ou zona rural da cidade, se encaminha até o local e, ao vivo, faz o papel de mediadora entre a comunidade e a autoridade competente. Naquele momento, munido de um pincel e de calendário visível para todos os telespectadores, o agente público se compromete marcando, de próprio punho, a data em que o problema será solucionado. A reivindicação, geralmente relacionada à obras de infra-estrutura, pode partir de representantes de associações de moradores ou de qualquer cidadão comum. Passada a data marcada no calendário a equipe de reportagem retorna ao local - Vistoria do Calendário - para mostrar se o problema foi ou não solucionado. Em não tendo sido, repórter e apresentadores voltam a cobrar da autoridade competente que, na maioria das vezes, pede um novo prazo. A emissora se utiliza de alguns critérios para atender determinadas comunidades em detrimento de outras, como por exemplo, não fazer a cobertura de solicitações idênticas na mesma semana e a atender os locais que ainda não foram contemplados pelo quadro. A maior parte dos problemas apresentados pelos telespectadores relaciona-se a falta de calçamento, água potável, segurança, iluminação, sinalização de trânsito; desmatamento, construção de escolas, postos de saúde, galerias e praças. A este respeito, Teresina, no Estado do Piauí, assim como outras capitais do Nordeste brasileiro, padece com a falta de políticas públicas para as áreas social e de infra-estrutura. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 17% dos domicílios de Teresina recebem cobertura de esgotamento sanitário - situação que se agrava nos bairros e vilas periféricas da cidade. www.conecorio.org 9 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. Retornando ao quadro Calendário, à medida que às pessoas entram em contato com a emissora, a equipe de produção anota o nome do telespectador, a reivindicação, o local do problema e a data do contato. O quadro iniciou com duas inserções semanais, porém, foi acrescentando mais duas, consequência da demanda diária que, conforme Fernandes (2012) “[...] o retorno é enorme. A audiência do telejornal aumentou de 23 pontos para 30 pontos, segundo a última pesquisa do Ibope [2112]. Alguns telespectadores telefonam não para o Piauí TV, mas para o programa ‘Calendário’. Para você ter uma ideia da força dele...” O primeiro aspecto a ser analisado nessa pesquisa refere-se ao papel de mediadores dos profissionais de jornalismo que participam do quadro (apresentadores e repórteres), os quais se posicionam de forma incisiva e parcial, muito evidente na defesa dos moradores das comunidades que estão reivindicando, a exemplo: “nós vamos voltar aqui para verificar se as promessas que o senhor está fazendo serão cumpridas” ou “ o cartão de visita da praça é a sujeira; ou ainda, “o quadro Calendário esteve aqui e mostrou o sufoco da população”. Com essa postura, o mérito na consecução dos objetivos pretendidos pela comunidade – o atendimento a reivindicação de benefício de uso coletivo – passa a ser atribuído à emissora. Para Peruzzo (2003, p. 21) [...] “este tipo de atitude pode provocar a desmobilização das pessoas e de suas organizações que passam a confiar mais na mídia do que nas suas associações na solução dos seus problemas coletivos”. O certo é que, a postura adotada pelos profissionais de jornalismo, de cobrar do gestor o cumprimento das ações públicas foi uma orientação da própria direção da emissora que, segundo o diretor de jornalismo, Paulo Rogério Fernandes (2013), percebeu a necessidade de haver uma maior proximidade dos jornalistas ao entrevistarem às autoridades, “os repórteres mudaram o seu perfil. Hoje eles cobram de uma maneira diferente, porque antes havia respeito e distanciamento, hoje existe respeito, mas o distanciamento não existe mais”. E continua “o repórter não pode admitir qualquer resposta, [...] afinal, a autoridade tem o dever de dar a resposta que o telespectador quer ouvir e, os jornalistas, a obrigação de cobrar”. www.conecorio.org 10 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. Para se constatar o tom incisivo e de parcialidade dos apresentadores do quadro, analisou-se o seguinte texto no programa veiculado em 19 de julho de 2013 em que os moradores solicitam o asfaltamento de uma rua para melhorar o acesso de cadeirantes no local: “O calçamento é de péssima qualidade e para piorar, a rua está cheia de buracos, um tormento para cadeirantes que há anos solicitam da prefeitura o asfaltamento da via.” Nesse texto que inicia a matéria, percebe-se a ênfase dada pela apresentadora nos trechos péssima qualidade, cheia de buracos e um tormento, além de, através do discurso dos telespectadores, apresentar a Prefeitura de Teresina como ineficiente. Outra observação em relação ao discurso dos jornalistas é o uso do termo cidadania, como estratégia para fortalecer a imagem da emissora perante a opinião pública, como fez o repórter da matéria do dia 19 de julho: “A luta dos moradores que vivem na rua é por um objetivo que vai além do asfalto, é por cidadania”. Na interpretação de Marshall (1967, p. 76) cidadania se constitui “um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aquêles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status”. Portanto, o conceito vincula-se ao princípio da igualdade de direitos e deveres e é esta a intenção do discurso construído pela emissora. Como diz Carvalho (2007, p. 7) sobre o uso generalizado da palavra cidadania: “Políticos, jornalistas, intelectuais, líderes sindicais, dirigentes de associações, simples cidadãos, todos a adotaram. A cidadania literalmente caiu na boca do povo”. Em relação ao papel da mídia, como instância mediadora nesse processo, observa-se que, ao perceber a omissão do Estado em prover as condições necessárias ao bem-estar social, individual e coletivo da população ela penetra nestes espaços e passa a dar visibilidade as disputas e controvérsias existentes na vida social. Dessa forma, passa a potencializar e expandir as discussões no espaço público midiático sobre temas que podem ser problematizados e amplamente divulgados. Contudo, Mafra (2006, p. 40) adverte que, como em qualquer jogo político, no campo da mídia há diversas relações de interesses que se estabelecem entre os atores políticos e agentes midiáticos. “Com sua gramática própria a mídia pode favorecer ou www.conecorio.org 11 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. desfavorecer alguns temas, excluir ou incluir determinados acontecimentos, enquadrar e narrar os fatos à sua maneira [...]. O que se observou em relação aos discursos dos agentes públicos é que, via de regra, fazem referência e enaltecem a pessoa da autoridade maior, responsável pela resolução do problema, na intenção de construir ou consolidar uma imagem positiva, do prefeito, quando os problemas apresentados, são de responsabilidade do poder público municipal ou do governador, quando estes pertencem a esfera estadual. Há momentos em que o discurso pretende mostrar que existe uma posição de superioridade na relação autoridade versus comunidade, causando, de certa forma, uma intimidação no público participante do quadro, ao fazer referência ao desempenho do prefeito, a exemplo da fala da Superintendente Municipal de Transportes e Trânsito “Ainda ontem estivemos num evento em Brasília do qual foi mostrado a nossa experiência aqui e foi muito elogiada, por sinal, o prefeito recebeu elogios rasgados (sic) por ter aderido o (sic) projeto Vida no Trânsito” (2012). Desta forma, nota-se uma clara intenção de minimizar o problema que está sendo reivindicado pela comunidade (sinalização) na medida em que o prefeito é apresentado como uma autoridade que teve sua atuação aprovada pelo centro do poder governamental do país. Em outros momentos há uma nítida intenção de transmitir agilidade, um engajamento imediatista na resolução dos problemas apresentados com o propósito de representar uma imagem de excelência administrativa, embora, o próprio quadro Vistoria do Calendário mostre que, algumas vezes o problema não é solucionado ou solucionado parcialmente. Assim, a participação do agente público no programa acontece mais para justificar e reforçar uma imagem e fortalecer a marca institucional do governo. Na análise, observou-se ainda, o caráter pessoalista que alguns agentes procuram imprimir em seus discursos na intenção de construir uma imagem que os tornem referências como fontes de informação e, posteriormente, se utilizar do cargo como “trampolim” para futuras carreiras políticas. Os discursos desses agentes públicos são previamente construídos e estrategicamente elaborados, defendem as www.conecorio.org 12 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. classes menos favorecidas e se comprometem em resolver outros problemas que, sequer, foram apontados pelos moradores. Assim, vão-se divulgando interesses, ideias e produzindo imagens tentando manipular o público para seus projetos futuros. Por outro lado, há o perfil do agente público que se utiliza de um discurso construído com uma linguagem técnica, dificultando o entendimento e se posicionando estrategicamente numa postura, na qual, o telespectador de maior interesse no conteúdo apresentado – moradores das comunidades passam a ocupar uma posição ainda maior de passividade. Em algumas situações os agentes públicos se utilizam de um discurso argumentando que a administração pública já estava “trabalhando na área”, a exemplo do que ocorreu com a solicitação de limpeza de uma praça, quando na verdade as próprias imagens mostravam o contrário. Em outras participações, informam que a reivindicação feita é um trabalho de rotina e que, portanto, já estava no cronograma de intervenções do órgão, porém, em um caso particular, a moradora entrevistada apresentou outra realidade: “a praça está esquecida, abandonada há 15 anos, que é o período que eu moro aqui”. Conclusão No geral, constatou-se nessa análise a predominância de um perfil de agentes públicos que constroem frases de efeito que permeiam seus discursos, com um elevado grau de comprometimento em dar publicidade à autoridade municipal e/ou estadual. Percebeu-se ainda que, embora o discurso aponte para a resolução dos problemas apresentados pelos moradores, a estratégia utilizada na comunicação desses agentes é a de, antes de tudo, apresentar uma realidade que gostariam que fosse vista. No que diz respeito às principais reivindicações feitas pelos telespectadores, apresentadas por Rodrigues (2012) e confirmadas na pesquisa são: colocação de calçamento e asfalto; abastecimento de água; segurança; iluminação pública nas ruas, praças e avenidas; sinalização de trânsito; seguidas, igualmente, de limpeza de www.conecorio.org 13 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. terrenos, ruas e praças e construção de escolas, postos de saúde e galerias. Dessa forma, constata-se que os maiores problemas enfrentados pela população da capital, em especial dos bairros periféricos são, respectivamente, de competência da Prefeitura Municipal de Teresina, da distribuidora de Águas e Esgotos do Piauí S.A (Estado); da Secretaria de Segurança Pública do Estado e das Centrais Elétricas Brasileiras S.A - (Eletrobrás). Sobre o jornalismo comunitário proposto no quadro Calendário observou-se que a emissora entende o conceito como àquele pautado pela comunidade, no sentido daquilo que é comum a um determinado grupo de pessoas, atrelado ao fator geográfico a exemplo do que elucida Fernandes (2012) sobre o quadro “[...] ele é apenas e tão somente feito pelos pedidos dos moradores. Não há produção nossa além de ir aonde o telespectador ligou pedindo solução [...] o quadro Calendário é só comunitário... Problemas de rua, buracos, limpeza pública, transporte, praças, etc. É tudo o que atinge, diretamente, a uma comunidade, os moradores de um bairro, de uma rua. Nunca uma pessoa, mas sim à comunidade.” Em relação à mídia, de um modo geral, apesar de seus objetivos mercadológicos, com interesses pela regionalização da produção e a exploração do local para conquistar audiência, seria injusto não reconhecer que, no exercício de sua responsabilidade social, em certas circunstâncias, funciona como instrumento de mobilização da sociedade e como agente de vigilância e controle dos poderes em todas as suas instâncias. Referências bibliográficas CABRAL, Eula D T. Valorização do local: a meta dos grupos midiáticos é o lucro, não a cidadania. Disponível em <http://www2.metodista.br/>. Acesso em: 12 jun. 2013. CARVALHO, José. M de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. FERNANDES, Paulo. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. 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