Estudo do Efeito do Processo Executivo de Estacas em Maciços Arenosos através de Modelos Reduzidos de Laboratório com Diferentes Escalas Camille Almeida Pessanha UENF, Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil, [email protected] Paulo César de Almeida Maia UENF, Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil, [email protected] Milton Pereira Soares Júnior UENF, Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil, [email protected] RESUMO: Este estudo tem como objetivo avaliar o efeito do processo executivo de estacas através de modelos reduzidos de laboratório com diferentes escalas. Foram feitos três modelos reduzidos em escalas diferentes de estacas cravadas, que representam um dos principais métodos construtivos de estacas. Os modelos foram submetidos a provas de carga estáticas em um tanque onde podem ser simulados maciços de fundação arenosos, que são característicos de regiões como Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, entre outras. Os resultados apresentados mostram que os métodos de previsão de capacidade de carga que mais se aproximam dos resultados das provas de carga são os de Meyerhof, principalmente a solução para solos granulares. As escalas que obtiveram resultados mais representativos de capacidade de carga foram a pequena e a grande, já na comparação do recalque, a escala média teve resultados semelhantes na previsão e no ensaio de prova de carga. PALAVRAS-CHAVE: Modelos Reduzidos, Provas de Carga, Estacas. 1 INTRODUÇÃO A engenharia de fundações vem evoluindo constantemente em busca de novos elementos de fundação, que possuam alta produtividade, ausência de vibrações e ruídos na execução, elevada capacidade de carga e controle de qualidade durante a execução da estaca, entre outros aspectos (ALMEIDA NETO, 2002). Existe hoje uma variedade muito grande de estacas para fundações. Os principais métodos construtivos são os das estacas cravadas, escavadas, hélice contínua e hélice de deslocamento. As estacas cravadas podem ser de madeira, aço e concreto; e são introduzidas no solo por dois métodos de cravação: por percussão ou prensagem. São largamente usadas em todo o mundo possuindo como vantagens em relação às concretadas no local um maior controle de qualidade tanto na concretagem, que é de fácil fiscalização quanto na cravação, além de poderem atravessar correntes de águas subterrâneas o que com as estacas moldadas no local exigiriam cuidados especiais (VELLOSO E LOPES, 2010). Para avaliar o comportamento de uma fundação profunda de forma real são realizadas provas de carga, que podem ser feitas por ensaios de carga estática ou carga dinâmica, segundo as normas brasileiras NBR 12131 e NBR 13208, respectivamente. A dificuldade de se atingir a ruptura dos elementos de fundação nos ensaios estáticos fez com que, diversos métodos de extrapolação da curva carga vs recalque fossem sugeridos pelos pesquisadores. Porém, os modelos reduzidos podem ser considerados um meio barato e fácil de construir e podem ser ensaiados até a ruptura sem prejuízos (MELO, 2011). Portanto, o objetivo deste trabalho é reproduzir o processo executivo de um dos tipos de estacas mais utilizados, as estacas cravadas, através de modelos reduzidos de diferentes escalas ensaiados em um tanque de areia. A partir das análises das provas de carga estáticas realizadas nestes modelos, é possível prever a capacidade de carga e o recalque, e posteriormente avaliar se os resultados podem ser comparados com a literatura ou a escala real das fundações. Assim, garantimos uma melhor adequação dos parâmetros de previsão de carga última e recalque adotados em projetos, gerando uma redução de custos, e aumento de segurança e conforto em obras civis (MAGALHÃES, 2005). esquema construtivo do tanque e do sistema de reação pode ser visto nas Figuras 1 e 2. O material escolhido para representar o maciço de fundação foi a areia densa, muito encontrada nas regiões de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, entre outras. 2 METODOLOGIA Figura 1. Esquemático do tanque e do sistema de reação. 2.1 Geral Na metodologia para o estudo do processo executivo das estacas em modelos reduzidos de diferentes escalas destacam-se cinco etapas, que foram executadas na seguinte ordem: 1ª) Realização de ensaios para caracterização e obtenção de parâmetros de resistência e densidade da areia; 2ª) Cravação das estacas pré-moldadas de concreto no tanque de areia; 3ª) Realização de ensaios de prova de carga estática de carregamento rápido, segundo a NBR 12131; 4ª) Interpretação das provas de carga e resultados de capacidade de carga última e recalque de cada estaca. 5ª) Comparação dos resultados obtidos nos ensaios com os métodos racionais, encontrados na literatura. 2.2 Material Utilizado no Tanque O tanque utilizado nesta pesquisa foi construído no Campus da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF, com dimensões de 1,40 m de diâmetro e 2,50 m de comprimento. O Figura 2. Foto do tanque tirada em Setembro de 2012. 2.3 Ensaios de Campo e Laboratório Inicialmente, a areia utilizada no tanque passou por ensaios de campo e laboratório para sua caracterização. Determinou-se a densidade da areia no tanque e em seguida, foram feitos ensaios de caracterização, como Granulometria, Difração de Raio-X (DRX) e Espectroscopia Dispersiva de Raios-X (EDX); além do ensaio de Cisalhamento Direto. 2.4 Processo Executivo das Estacas em Modelos Reduzidos O tipo de estaca considerada nesta pesquisa envolve um dos principais métodos construtivos: a cravação. Foram feitos três modelos reduzidos em escalas diferentes (pequena, média e grande). As seguintes escalas e dimensões de estacas foram consideradas: Pequena: 1,5 cm de diâmetro e 60 cm de comprimento; Média: 3,6 cm de diâmetro e 130 cm de comprimento; Grande: 6 cm de diâmetro e 200 cm de comprimento. A relação de diâmetro e comprimento utilizada foi na faixa entre 1/33 e 1/40, pois é uma relação intermediária entre as estacas curtas e as esbeltas. Atualmente, a maioria das obras de fundações da cidade de Campos dos Goytacazes utiliza relações próximas a essa. O material utilizado para a confecção das estacas foi o graute, um concreto de alta resistência com agregados finos, alta fluidez e de baixa retração. O processo executivo das estacas prémoldadas de concreto foi feito com um equipamento de cravação especial, com peso e altura de queda adequada para cada escala (Figura 3). 2.5 Ensaios de Prova de Carga no Tanque Posteriormente, foram realizadas provas de carga do tipo estática de carregamento rápido. A instrumentação das estacas ensaiadas foi feita através de extensômetros e as cargas aplicadas no topo da estaca com macaco hidráulico foram medidas com o sistema de célula de carga, o que permite uma maior precisão dos resultados. Os ensaios em escala pequena foram feitos através de plataforma cargueira, pela sua baixa capacidade de carga. A Figura 4 ilustra a prova de carga na estaca em escala média, utilizando macaco hidráulico. Figura 4. Ensaio de prova de carga. Para cada escala, foram feitas duas provas de carga. As estacas foram dispostas no tanque respeitando a distância mínima de três vezes o diâmetro da maior escala (d=6cm). 2.6 Métodos de Previsão de Capacidade de Carga e Recalque Figura 3. Cravação da estaca grande. Entre os métodos estáticos de capacidade de carga, encontramos os métodos racionais ou teóricos, que utilizam soluções teóricas de capacidade de carga e parâmetros do solo; e os semiempíricos, que se baseiam em ensaios in situ de penetração (CPT e SPT). Nos métodos estáticos, é considerado o equilíbrio entre a carga aplicada, o peso próprio da estaca e a resistência oferecida pelo solo. Esse equilíbrio é expresso por: Qult + W = Qp,ult + Ql,ult (1) onde: Qult é a capacidade de carga da estaca; W é o peso próprio da estaca; Qp,ult é a capacidade de carga da ponta; Ql,ult é a capacidade de carga do fuste. Nesta pesquisa, foram utilizados para critério de comparação dos resultados dos ensaios, os métodos racionais ou teóricos. Para a resistência de ponta foram consideradas as soluções de Terzaghi e Meyerhof, de acordo com as fórmulas a seguir: Qp,ult = 1,2 c Nc + γ L Nq + 0,6 γ B/2 Nγ (2) Qp,ult = c Nc + Ks γ L Nq + γ B/2 Nγ (3) 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1 Ensaios de Campo e Laboratório A determinação da densidade da areia foi feita em três pontos, dois deles a uma profundidade de 0,20 a 0,30 centímetros e um deles de 0,35 a 0,45 centímetros. A densidade relativa de campo de 1,807 g/cm3 e a umidade de 5,0% foram encontradas através da média entre os três pontos. A partir destes resultados, buscou-se restituir a mesma densidade em laboratório para o ensaio de cisalhamento direto. Na análise por espectrometria dispersiva de raios-X, os resultados são apresentados na forma de óxidos. Observa-se na Tabela 1 que os maiores valores encontrados são de óxidos de silício, alumínio e potássio. Em menores porcentagens encontram-se os óxidos de ferro (III), de enxofre, de cálcio e de titânio. Tabela 1. Composição química da areia utilizada. Solução para solos granulares: Qp,ult = Ks γ L Nq Elemento Porcentagem (4) onde: c é a coesão; B é o diâmetro da estaca; L é o comprimento da estaca; γ é o peso específico do solo; Ks é o coeficiente de empuxo do solo contra o fuste na zona de ruptura próximo a ponta e varia de 0,5 para areia fofa a 1,0 para areia densa; Nc, Nq e Nγ são fatores de capacidade de carga e dependem do ângulo de atrito do solo. O método de previsão de recalque utilizado foi baseado na Teoria da Elasticidade, uma contribuição de Poulos e Davis, com a seguinte definição: w = Q Io / E B onde: w é o recalque em mm; Q é a carga de ruptura da estaca; Io é o fator de influência; E é o módulo de elasticidade; B é o diâmetro da estaca. SiO2 Al2O3 K2O Fe2O3 SO3 CaO TiO2 77,093% 11,951% 4,990% 1,942% 1,922% 1,153% 0,408% A areia é caracterizada pelo ensaio de Difração de Raio-X como uma areia quartzoza, com presença de ortoclásio, caulinita e resquícios de anatásio, como mostrado na Figura 5. O anatásio justifica a presença de Ti (Titânio) na eflorescência. (5) Figura 5. Resultados do DRX da areia utilizada. Através do ensaio de granulometria podemos perceber que o material é composto basicamente por areia e pouco pedregulho fino. Pelo sistema unificado de classificação dos solos (USCS), a areia é classificada com SP, ou seja, areia mal graduada, areia pedregulhosa, com pouco ou nenhum fino. O gráfico relativo à distribuição granulométrica pode ser visto na Figura 6. As tensões de ruptura, o ângulo de atrito e a coesão estão indicados nas Tabelas 2 e 3, respectivamente. Tabela 2. Tensões de ruptura. Ponto v (kPa) 01 12 02 25 03 50 max (kPa) 14 26 44 Tabela 3. Parâmetros da envoltória de ruptura. ɸ’ 38,9° c’ 0 kPa 3.2 Provas de Carga As provas de carga realizadas nesta pesquisa foram estáticas de carregamento rápido, de acordo com a NBR 12131. A Tabela 4 mostra a relação de estacas ensaiadas. Tabela 4. Descrição das estacas ensaiadas. Figura 6. Curva granulométrica da areia utilizada. O ensaio de cisalhamento direto foi executado com tensões normais de 12, 25 e 50 kPa, com velocidade constante de 0,38 mm/min. As curvas obtidas no ensaio de cisalhamento direto foram as vs. deslocamento horizontal e deslocamento vertical vs. deslocamento horizontal. A partir destas curvas, traçou-se a envoltória de ruptura, de onde foram obtidos os parâmetros como: tensões de ruptura, ângulo de atrito e coesão. A Figura 7 mostra a envoltória de ruptura do material utilizado. Estaca Escala Diâmetro Profundidade E01 E02 E03 E04 E05 E06 Pequena Média Grande Pequena Média Grande 1,5 cm 3,6 cm 6cm 1,5 cm 3,6 cm 6 cm 60 cm 130 cm 200 cm 60 cm 130 cm 200 cm Os resultados dos ensaios à compressão foram obtidos através de curvas carga vs. recalque, como mostra a Figura 8. Em todos os ensaios, as estacas foram levadas à ruptura. Figura 8. Curva carga vs. recalque da estaca E03. Figura 7. Envoltória de resistência da areia utilizada. A capacidade de carga de ponta das estacas foi comparada aos métodos de previsão de Terzaghi e Meyerhof (Solução Geral e para Solos Granulares). A relação Qp,ult/Pu foi calculada para cada elemento isolado e os valores de média, desvio padrão e coeficiente de variação estão apresentados nas Tabelas 5, 6 e 7. Tabela 5. Comparação dos resultados de com o método de Terzaghi. Estaca Qp,ult (Kg) Pu (Kg) Qp,ult / Pu E01 18,96 12 1,58 E02 191,29 60 3,19 E03 791,96 400 1,98 E04 18,96 10 1,90 E05 191,29 80 2,39 E06 791,96 320 2,47 Média 2,25 Desvio Padrão 0,57 Coef. de Variação 0,25 Tabela 6. Comparação dos resultados com o método de Meyerhof. Estaca Qp,ult (Kg) Pu (Kg) Qp,ult / Pu bem grande na escala média, mas nas escalas pequena e grande, a variação foi menor. O método de Meyerhof se aproximou mais dos resultados experimentais, principalmente a solução para solos granulares, que utiliza diferentes valores de coeficiente de empuxo de acordo com a densidade da areia. As menores relações Qp,ult/Pu foram encontradas para as escalas pequenas e grandes (E01 e E03), assim como o menor coeficiente de variação foi encontrado no método da Solução para solos granulares. Os resultados experimentais de recalque foram comparados às previsões calculadas pelo método de Poulos e Davis, como mostrado na Tabela 8. Tabela 8. Comparação dos recalques com a contribuição de Poulos e Davis. Estaca Wc (mm) Wexp (mm) Wc/Wexp E01 1,45 1,62 0,90 E02 3,33 11,27 0,30 14,53 8,97 1,62 E01 11,73 12 0,98 E03 E02 101,10 60 1,68 E04 1,45 2,01 0,72 E03 406,97 400 1,02 E05 3,33 3,02 1,10 E04 11,73 10 1,17 E06 14,53 5,66 2,57 E05 101,10 80 1,26 Média 1,20 1,27 Desvio Padrão 0,80 Média 1,23 Coef. De Variação 0,67 Desvio Padrão 0,25 Coef. de Variação 0,21 E06 406,97 320 Tabela 7. Comparação dos resultados com a Solução para Solos Granulares. Estaca Qp,ult (Kg) Pu (Kg) Qp,ult / Pu E01 11,50 12 0,96 E02 97,97 60 1,63 E03 392,50 400 0,98 E04 11,50 10 1,15 E05 97,97 80 1,22 E06 392,50 320 1,23 Média 1,20 Desvio Padrão 0,24 Coef. de Variação 0,20 Estes resultados de recalque mostraram uma variação elevada, que pode ser notada pelo coeficiente de variação calculado. Esta variação pode ter sido devido às diferenças entre os parâmetros de cálculo e os utilizados no modelo. Como são utilizados modelos reduzidos, foi considerado também o efeito escala destas estacas. Os recalques calculados para as escalas grandes tiveram maior variação dos recalques obtidos nos ensaios. E a escala média (E05) foi a que mais se aproximou dos valores encontrados pelo método de Poulos e Davis. 4 Os resultados de capacidade de carga obtidos nos ensaios e calculados de acordo com o método de Terzaghi tiveram uma variação CONCLUSÕES De acordo com os resultados obtidos, podemos concluir que os métodos de previsão de capacidade de carga que mais se aproximam dos resultados das provas de carga são o de Meyerhof, principalmente a solução para solos granulares. O método de Meyerhof utiliza o coeficiente de empuxo do solo Ks, que mostra um diferencial nos valores pois permite considerar a areia como densa ou fofa. E também possui uma solução específica para solos granulares, que é o material utilizado nesta pesquisa. As escalas que obtiveram resultados mais representativos de capacidade de carga foram a pequena e a grande (E01 e E03). Já na comparação do recalque, a escala média (E05) teve resultados semelhantes de ensaio de prova de carga e previsão de Poulos e Davis. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a CAPES pelo financiamento do primeiro e segundo autor, respectivamente. REFERÊNCIAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas (2006). Estacas – Prova de carga estática - Método de ensaio. Designação da norma: ABNT – NBR 12131/2006. ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas (2007). Estacas – Ensaios de carregamento dinâmico. Designação da norma: ABNT – NBR 13208/2007. Almeida Neto, J. A. (2002). Análise do desempenho de estacas hélice contínua e ômega – Aspectos executivos. Dissertação de Mestrado, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. 193p. Magalhães, P. H. L. (2005). Avaliação dos Métodos de Capacidade de Carga e Recalque de Estacas Hélice Contínua via Provas de Carga. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília. 270p. Melo, L. R. T. (2011). Monitoração de Modelos Físicos Reduzidos para Investigação do Comportamento de Estruturas em Escala Real. Dissertação de Mestrado, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo. 261p. Poulos, H. G. & Davis, E. H. (1980). Pile Foundation Analysis and Design. New York, John Willey and sons, 397 p. Velloso, D. A.; Lopes, F. R. (2010). Fundações, Volume 2: Fundações Profundas – Nova Edição, São Paulo, Oficina de Textos 2010. 569p.