Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Faculdade de Ciências Médicas Érica Peres de Barros Efeitos benéficos da rosuvastatina na estrutura renal de ratos espontaneamente hipertensos (SHR) Rio de Janeiro 2011 Érica Peres de Barros Efeitos benéficos da rosuvastatina na estrutura renal de ratos espontaneamente hipertensos (SHR) Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Clínica e Experimental, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Orientador: Prof. Dr. Jorge José de Carvalho Rio de Janeiro 2011 Érica Peres de Barros Efeitos benéficos da rosuvastatina na estrutura renal de ratos espontaneamente hipertensos (SHR) Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Clínica e Experimental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Aprovada em 26 de abril de 2011. Orientador Prof. Dr. Jorge José de Carvalho Banca Examinadora: _____________________________________________ Profª. Dra. Ana Carolina Stumbo Machado Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes – UERJ _____________________________________________ Profª. Dra. Erica Patricia Garcia de Souza Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes - UERJ _____________________________________________ Prof. Drª. Suzana Corte Real Faria Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro 2011 Dedico este trabalho a Angélica Beatriz Garcia Pinto, por me ensinar o real significado da palavra amizade. AGRADECIMENTOS Obrigado a Deus por ter me concedido esta oportunidade de conhecimento e fortalecimento pessoal. A minha família por darem todo o suporte necessário a minha educação e formação profissional. Ao professor Jorge Jose de Carvalho por toda sua ajuda profissional: a pessoa certa, no momento certo. A amiga Angélica por todo seu apoio nos bons momentos e nos momentos difíceis, por participar de todo este processo de crescimento pessoal e profissional. A todos os meus colegas do Laboratório de Ultraestrutura e Biologia Tecidual por sua colaboração no desenvolvimento deste trabalho e pela amizade. A todos que direta ou indiretamente possibilitaram a realização deste projeto de vida, principalmente aqueles que sempre duvidaram do meu esforço e competência. . A certeza do amanhã surge, quando no presente, consigo inclinar minha alma ao aprendizado do ontem e do hoje, na expectativa das minhas próprias descobertas. Silvia Nobre Lopes RESUMO BARROS, Érica Peres de. Rosuvastatina altera beneficamente destruturas glomerulares dos rins de ratos espontaneamemnte hipertensos (SHR). 2011. 43 f. Dissertação (Mestrado em Fisiopatologia Clínica e Experimental) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. A incidência de doenças renais crônicas está aumentando no mundo, e há uma grande necessidade de identificar as terapias capazes de deter ou reduzir a progressão da doença. Há crescente evidência clínica e experimental de que as estatinas poderiam desempenhar um papel terapêutico. Recentes estudos clínicos e experimentais têm mostrado que as estatinas têm "efeitos pleiotrópicos", além da modulação lipídica. Estudos têm avaliado os efeitos das estatinas sobre a progressão da doença renal crônica, mas os resultados são controversos. Estudos ultra-estruturais em humanos e em ratos demonstraram a presença de junções GAP dentro de todas as células do glomérulo e os podocitos demonstraram conter principalmente conexina-43 (Cx-43). O presente estudo tem como objetivo observar os efeitos da rosuvastatina na estrutura e ultra-estrutura renal e a expressão glomerular de Cx-43 em ratos normotensos (WKY) e em ratos espontaneamente hipertensos (SHR). O foco do estudo foi avaliar os efeitos pleiotrópicos da rosuvastatina em rins de animais hipertensos normocolesterolêmicos. Os ratos foram divididos aleatoriamente em quatro grupos: WKY-C: animais normotensos que não receberam rosuvastatina; WKY-ROS: animais normotensos que receberam rosuvastatina 20mg/kg/dia por gavagem orogástrica; SHR-C: animais hipertensos que não receberam rosuvastatina; SHR-ROS: animais hipertensos que receberam rosuvastatina, como descrito no grupo WKY-ROS. Os animais dos grupos SHR-C e SHRROS apresentaram níveis de pressão arterial maiores que os animais dos grupos WKY-C e WKY-Ros. A massa corporal dos grupos de animais não diferiram significativamente durante o experimento. Não houve diferença nos níveis sanguíneos de uréia, creatinina, ácido úrico e creatinafosfoquinase entre os animas dos grupos estudados. No entanto, houve um aumento da excreção de proteína de 24 horas nos animais do grupo SHR-C. Houve um aumento na área capsular nos animais do grupo SHR-C. Por microscopia eletrônica de transmissão observou-se que nos animais SHR-C a barreira de filtração glomerular, o diafragma de fenda e os podócitos estão alterados exibindo os vacúolos nos podócitos e pedicelos mais curtos e mais espessos. Por microscopia eletrônica de varredura, os animais SHR-C exibiram pedicelos mais afilados, curtos e tortuosos. Um aumento da imunofluorescência para Cx-43 foi observada em células epiteliais viscerais dos glomérulos dos animais do grupo WKY-ROS e nas células parietais e viscerais dos glomérulos dos animais do grupo SHR-ROS, se comparado com os grupos WKY-C e SHR-C. Em conclusão, podemos supor que o efeito pleiotrópico renal da rosuvastatina pode ser uma ferramenta terapêutica para melhorar a estrutura e conseqüentemente a função renal em indivíduos hipertensos. Palavras-chave: Hipertensão. Rim. Morfometria. Estrutura e ultraestrutura glomerular. Conexina-43. ABSTRACT The incidence of chronic renal diseases is increasing worldwide, and there is a great need to identify therapies capable of arresting or reducing disease progression. There is growing clinical and experimental evidence that statins could play a therapeutic role. Recent clinical and experimental studies have shown that statins have “pleiotropic effects”, besides modulating lipid. Studies have evaluated the effects of statins on the progression of chronic kidney disease but the results are controversial. Ultrastructural studies in both humans and rats have shown the presence of gap junctions within all the cells of the glomerulus and podocytes have been found to contain primarily connexin-43 (Cx-43). The present study aims to observe the effects of rosuvastatin on structural and ultrastructural renal morphology and on glomerular Cx-43 expression in normotensive rats and SHR. The focus of the study was to evaluate the pleiotropic action of rosuvastatin upon kidney in hypertensive normocholesterolemic animals. Rats were randomly allocated into four groups (n=8 each): WKY-C: normotensive animals no receiving rosuvastatin; WKY-ROS: normotensive animals receiving rosuvastatin 20mg/kg/day by orogastric gavage; SHR-C: hypertensive animals no receiving rosuvastatin; SHR-ROS: hypertensive animals receiving rosuvastatin, as described for WKY-ROS group. The SHR-C and SHR-ROS had increased blood pressure levels. The body mass of the animal groups did not differ significantly throughout the experiment. There were no differences in blood urea, creatinine, uric acid and CPK levels between the groups. However, there was an increasing of 24 hour protein excretion in SHR-C. There was an increasing in capsular area in SHR-C. By transmission electron microscopy it was observed that in SHR-C animals the glomerular filtration barrier, the slit diaphragm and the podocyte foot processes are altered exhibiting the vacuoles in the podocytes and the pedicels are shorter and thicker. By scanning electron microscopy the SHR-C animals shows the thinner, shorter and more tortuous pedicels. Increased Cx-43 immunofluorescence was observed at visceral epithelial cells of the glomeruli of WKY-ROS and at parietal and visceral epithelial cells of the glomeruli SHR-ROS groups if compared with WKY-C and SHR-C groups. In conclusion, we hypothesize that renal pleiotropic effect of rosuvastatin can be a therapeutic tool for improving kidney ultrastructure and, consequently, renal function in hypertensive individuals Keywords: Hypertension. Kidney. Morphometry. Glomerular structure and ultrastructure. Connexin-43. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Esquema da inibição da síntese de colesterol no fígado.............................. 14 Figura 2 Junções GAP................................................................................................ 18 Figura 3 Pressão arterial antes e durante as cinco semanas de tratamento................ 25 Figura 4 Massa corporal antes e durante as cinco semanas de tratamento................. 26 Figura 5 Proteína urinária excretada........................................................................... 28 Figura 6 a Morfometria das estruturas glomerulares..................................................... 29 Figura 6 b Morfometria das estruturas glomerulares..................................................... 30 Figura 7 Microscopia eletrônica de transmissão........................................................ 31 Figura 8 Microscopia eletrônica de varredura........................................................... 32 Figura 9 Imunofluorescência para Connexina-43 nos glomérulos............................ 34 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS % Percentual µm Micrômetro µm2 Micrômetro ao quadrado ANOVA Análise de variância C Controle CO2 Gás carbônico CPK Creatinafosfoquinase Cx Conexina dl Decilitro EUA Estados Unidos da América GAP Junção comunicante HDL Lipoproteína de alta densidade HMG CoA 3-hidroxi-3-methyl-glutaril-Coensima A kg Quilograma kV Quilovoltz L Litro LDL Lipoproteína de baixa densidade m Metro MC Massa corporal MET Microscópio Eletrônico de Trânmissão MEV Microscópio Eletrônico de Varredura mg Miligrama ml Mililitro mol Molécula NADPH Nicotinamida adenina dinucleotídeo-P nm Nanômetro P Nível descritivo PA Pressão Arterial pH Potencial de hidrogênio ROS Rosuvastatina SHR Rato espontaneamente hipertenso U Unidade UV Ultravioleta WKY Wistar Kyoto SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................... 12 REVISÃO DA LITERATURA................................................................................ 13 1.1 Origem e mecanismo de ação das estatinas............................................................ 13 1.2 Efeitos pleiotrópicos das estatinas........................................................................... 15 1.3 Estatinas e seus efeitos renais.................................................................................. 16 1.4 Junções GAP.............................................................................................................. 16 2 19 1 OBJETIVOS.............................................................................................................. 2.1 Objetivo geral............................................................................................................. 19 2.2 Objetivos específicos.................................................................................................. 19 MATERIAIS E MÉTODOS.................................................................................... 20 3.1 Animais e tratamento................................................................................................ 20 3.2 Excreção urinária, análise bioquímica do sangue e sacrifício dos animais......... 21 3.3 Morfometria.............................................................................................................. 21 3.4 Microscopia eletrônica de transmissão................................................................... 22 3.5 Microscopia eletrônica de varredura...................................................................... 22 3.6 Imunofluorescência.................................................................................................. 22 3.7 Análise dos dados ................................................................................................... 23 4 RESULTADOS......................................................................................................... 24 4.1 Pressão arterial sanguínea e massa corporal......................................................... 24 4.2 Excreção urinária e análise bioquímica de sangue............................................... 26 4.3 Morfometria.............................................................................................................. 28 4.4 Microscopia eletrônica de transmissão.................................................................. 30 4.5 Microscopia eletrônica de varredura..................................................................... 32 4.6 Imunofluorescência.................................................................................................. 33 5 DISCUSSÃO............................................................................................................. 35 6 CONCLUSÕES........................................................................................................ 39 7 RECONHECIMENTOS.......................................................................................... 40 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 41 3 12 INTRODUÇÃO Os inibidores da 3-hidroxi-3-metil coenzima A (HMG CoA) redutase, ou estatinas, são alguns dos medicamentos amplamente prescritos nos Estados Unidos (Pfefferkorn, 2011). Seus benefícios são provenientes tanto da redução nos níveis das lipoproteínas aterogênicas (LDL) quanto do aumento das lipoproteínas antiaterogênicas (HDL) (Nicholls et al., 2007). Além disso, as estatinas apresentam efeitos independentemente de sua capacidade hipolipemiante, podendo ter importante função no controle da pressão arterial devido aos seus efeitos pleiotrópicos (Wang et al., 2008; Suh et al., 2010). A incidência de doenças renais crônicas está aumentando em todo o mundo, e há uma grande necessidade de identificação de terapias capazes de impedir ou reduzir a progressão da doença. Evidências clínicas e experimentais que levam a crer que as estatinas poderiam exercer algum efeito terapêutico (Gianella et al., 2007). Além disso, existem evidências de que o efeito renoprotetor das estatinas seria devido às propriedades pleiotrópicas da droga (Gianella et al., 2007; Cormack-Aboud et al., 2009). Estudos mostraram a presença de junções GAP em todas as células do glomérulo, onde, os podócitos têm mostrado conter principalmente conexina-43 (Hanner et al., 2010). O presente trabalho teve como objetivo avaliar os efeitos benéficos do rosuvastatina sobre a expressão de conexina-43, estrutura e ultraestrutura glomerular em animais espontaneamente hipertensos. 13 1 REVISÃO DA LITERATURA 1.1 Origem e mecanismo de ação das estatinas A descoberta de inibidores da biossíntese do colesterol, capazes de reduzirem os níveis de colesterol para prevenir ou atenuar doenças cardiovasculares, levou à descrição da compactina, inibidora da HMG CoA redutase (3-hidroxi-3-methyl-glutaril-CoensimaA redutase), isolada de culturas de Penicillium citrinum e que serviu de base para a produção das estatinas (Brown et al., 1978; Kornbrust et al., 1989). Após a descoberta da campactina um análogo relacionado a sua estrutura, que difere somente na presença de um gupo metil, a lovastatina (inicialmente chamada de mevinolina) foi isolada de culturas de Aspergillus terreus. Após intenso estudo em diferentes animais esta droga foi aprovada para uso nos Estados Unidos pela “Food and Drug Administration” em 1978 (Brown et al., 1978). As estatinas são substâncias que têm capacidade de regular a síntese do colesterol no fígado e em outros tecidos, por competição com a enzima HMG CoA redutase, impedindo a formação do ácido mevalônico. Deste modo, as estatinas impedem a síntese de importantes isoprenóides, tais como farnesilpirofosfato e geranilgeranilpirofosfato, que são precursores da síntese do colesterol (Figura 1) (McGown & Brookes, 2007; Wang et al., 2008). 14 Figura 1. Esquema da inibição da síntese de colesterol no fígado: a estatina interage com o sítio de ligação da HMG Coa redutase atuando como inibidor competitivo, inibindo a síntese do colesterol (McGown & Brookes, 2007). Mais do que competir com os sítios desta enzima, estas drogas alteram sua conformação quando se ligam ao seu sitio ativo, fazendo com que as mesmas aumentem sua eficácia e especificidade (Stancu & Sima, 2001). A inibição da HMG CoA redutase, além de reduzir o colesterol intracelular, induz a ativação de uma protease que libera proteínas reguladoras do retículo endoplasmático. A conseqüente redução do colesterol LDL (lipoproteína de baixa densidade) nos hepatócitos desencadeia um aumento na expressão dos receptores hepáticos de LDL, reduzindo a quantidade de LDL circulantes (Brown & Goldstein, 1986; Álvarez et al., 1999) e seus precursores (Maron et al., 2000; Vaughan et al., 2000). 15 1.2 Efeitos pleiotrópicos das estatinas As estatinas compreendem alguns dos medicamentos mais amplamente prescritos nos Estados Unidos para tratamento de dislipidemia (Pfefferkorn, 2011). Os benefícios das estatinas, como dito anteriormente são provenientes da redução do nível das lipoproteínas aterogênicas (LDL) e do aumento do nível das lipoproteínas anti-aterogênicas (HDL lipoproteína de alta densidade) (Nicholls et al., 2007). No entanto estas drogas podem exercer efeitos independentes de sua capacidade hipolipemiante, conhecidos como efeitos pleiotrópicos, tais como os efeitos antiinflamatório, anti-proliferativo, anti-trombótico, atenuação de NADPH (Nicotinamida adenina dinucleotídeo-P) oxidase mediada pela geração de espécies reativas de oxigênio e melhoria da função vasomotora endotelial, reduzindo a mortalidade e morbidade das doenças coronarianas (Wang et al., 2008; Suh et al., 2010). Neto-Ferreira et al. (2010) descreveram que a administração de rosuvastatina é capaz de atenuar o remodelamento da ultra-estrutura aórtica em animais com hipertensão por deficiência da síntese de óxido nítrico. Além destes efeitos no sistema cardiovascular, as estatinas têm exibido efeitos no tecido muscular (Hedenmalm et al., 2010), ósseo (Chen et al., 2010) e renal (Renke et al., 2010). Embora as estatinas compartilhem o efeito hipolipemiante em comum, há diferenças dentro desta classe de drogas como a eficácia na redução dos níveis de LDL, as propriedades farmacocinéticas, interações com alimentos, e custo que podem variar amplamente, influenciando a seleção de uma estatina particular como opção de tratamento. A consciência destas diferenças bem como o conhecimento dos efeitos pleiotrópicos pode ajudar na seleção ou substituição de uma estatina para um paciente em particular (Chong et al., 2001). 16 1.3 Estatinas e seus efeitos renais Doenças cardiovasculares representam aproximadamente 50% das causas de morte em países desenvolvidos e 25% de mortes em países em desenvolvimento. Doenças cardiovasculares compreendem uma variedade de desordens que incluem doença coronária cardíaca e suas conseqüências (infarto do miocárdio, angina e insuficiência coronária) como também acidente vascular encefálico, insuficiência cardíaca congestiva, doença vascular periférica e hipertensão sistêmica (Pfefferkorn, 2011). A doença renal pode ser a causa ou a conseqüência da hipertensão essencial. A hipertensão conduz ao dano de órgãos alvo como, o coração, vasos sanguíneos, cérebro, olhos e rins, com desenvolvimento eventual de doenças cardiovasculares e renais, sendo um conhecido fator de risco para uma progressão mais rápida de falência renal (Barri, 2008; Krzesinski & Cohen, 2007) A incidência de doenças renais crônicas está aumentando em todo o mundo, e há uma grande necessidade de identificação de terapias capazes de impedir ou reduzir a progressão da doença. O tratamento atual de nefropatia crônica está limitada ao uso de inibidores de enzima conversora de angiotensina, entretanto, existe um número crescente de evidências clínicas e experimentais que levam a crer que as estatinas poderiam exercer algum efeito terapêutico (Gianella et al., 2007). Tem sido relatado que a administração de várias estatinas exibiu efeitos benéficos em vários modelos experimentais de doenças renais crônicas sugerindo que lipídios podem representar alvos terapêuticos importantes na diminuição ou até mesmo na cura de danos renais (Strippoli et al., 2008). Estudos avaliaram os efeitos das estatinas na progressão da doença renal crônica, porém os resultados são controversos (Gianella et al., 2007; Strippoli et al., 2008; Verhulst et al., 2008). 17 Embora seja difícil distinguir quais dos efeitos são dependentes ou independentes da ação hipolipemiante em testes clínicos, existem evidências de que o efeito renoprotetor das estatinas seria devido às propriedades pleiotrópicas da droga (Gianella et al., 2007; CormackAboud et al., 2009). 1.4 Junções GAP Junções GAP representam um modo no qual as células de seres vertebrados se comunicam, compartilhando íons, mensageiros secundários, pequenos metabolitos, e outras moléculas sinalizadoras. Este tipo de comunicação intercelular permite uma coordenação da atividade celular, incluindo a secreção e permitindo que células revisem o estado funcional de outras células vizinhas, uma característica crítica para a homeostase de sistemas multicelulares. Junções GAP resultam da associação de 2 hemi-canais, nomeados conexons, os quais contribuem para a sinalização de duas células adjacentes (Figura 2). Cada conexon é um conjunto de 6 proteínas de membrana, nomeadas conexinas (Cx) as quais são codificadas por uma família de pelo menos 20 membros. Uma série de estudos mostraram expressão de mRNA pertencentes a nove conexinas diferentes no rim, nomeadas Cx26, Cx30.3, Cx31, Cx32, Cx37, Cx40, Cx43, Cx45, e Cx46 (Hanner et al., 2010). 18 Figura 2: Junções GAP resultam da associação de 2 hemi-canais, nomeados conexons. Cada conexon é um conjunto de 6 proteínas de membrana, nomeadas conexinas (Cx). (Bear et al., 2002) Estudos ultra-estruturais em humanos e ratos mostraram a presença de junções GAP no citoplasma de todas as células do glomérulo. Em particular são encontradas muitas junções GAP entre as células mesangiais intraglomerulares (Taugner et al., 1978). Os podócitos e as células endoteliais também mostraram a presença de junções GAP em estudos de criofratura (Kuhn & Reale, 1975; Kuhn et al., 1975; Taugner et al., 1984). As células glomerulares e os podócitos têm mostrado conter principalmente Cx-43 (Sawai et al., 2006). Não há relato de junções GAP unindo diferentes tipos celulares, como por exemplo, células mesangiais e endoteliais (Hanner et al., 2010) 19 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral Avaliar a ação pleiotrópica da rosuvastatina em rins de animais hipertensos não colesterolêmicos. 2.2 Objetivos específicos Verificar o efeito da rosuvastatina na pressão arterial sanguínea e na massa corporal de animais normotensos e hipertensos. Verificar o efeito da rosuvastatina na excreção urinária e em parâmetros bioquímicos do sangue de animais normotensos e hipertensos. Analisar o efeito da rosuvastatina na morfometria glomerular de animais normotensos e hipertensos. Verificar o efeito da rosuvastatina na ultra-estrutura glomerular dos rins de animais normotensos e hipertensos. Verificar o efeito da rosuvastatina na expressão de Cx-43 nas células glomerulares dos rins de animais normotensos e hipertensos. 20 3 MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Animais e tratamento Este estudo foi executado conforme as diretrizes do "Cuidado e Uso de Animais de Laboratório” (United States National Institutes of Health, revisado em 1996). O manuseio e os protocolos de experimentação foram aprovados pelo Comitê de Éticas para o uso e Cuidado de Animais Experimentais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Protocolo número CEA/038/2009). Ratos Wistar-Kyoto (WKY) e ratos espontaneamente hipertensos (SHR) foram mantidos sob condições padrão (12h ciclo claro/escuro, 21±2°C, umidade de 60±10%) e receberam água e ração padrão (Nuvilab, Paraná, Brasil) ad libitum. Os animais foram comprados com dois meses de idade no Centro de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia da Universidade Federal de São Paulo (www.unifesp.br/centros/cedeme) e o período experimental começou quando os animais estavam com cinco meses de idade. Os animais foram divididos em quatro grupos (n=8 cada): WKY-C (controle) - animais normotensos os quais não receberem rosuvastatina; WKY-ROS - animais normotensos os quais receberam rosuvastatina (Crestor, AstraZeneca, Brasil) 20mg/kg/dia através de gavagem orogastrica; SHR-C (controle hipertenso) - animais hipertensos os quais não receberam rosuvastatina; SHR-ROS - animais hipertensos os quais receberam rosuvastatina, como descrito para o grupo anterior. O período experimental durou cinco semanas. A pressão arterial sanguínea (PA) e a massa corporal (MC) foram mensuradas semanalmente. A PA foi mensurada com os ratos conscientes pelo método não invasivo de pletismografia caudal (Letica LE 5100, Panlab, Espanha). 21 3.2 Excreção urinária, análise bioquímica do sangue e sacrifício dos animais Na 6ª semana de experimentação a urina de 24 horas de cada animal foi coletada em gaiola metabólica e a excreção de proteína urinária foi determinada com o Kit Uréia UV (Kovalent, São Gonçalo, Brasil). Os animais foram anestesiados com pentobarbital de sódio (150 mg/kg) e sacrificados através de excesso anestésico. O sangue dos animais foi retirado através de punção cardíaca utilizando seringa heparinizada (0,2ml). Imediatamente a uréia, creatinina, ácido úrico e creatina fosfoquinase (CPK) foram quantificados e posteriormente utilizados como biomarcadores de função renal. Depois destes procedimentos, o abdômen dos animais foi aberto, e os rins foram retirados. 3.3 Morfometria Foram analisados cinco cortes histológicos por rim, sendo utilizado o rim direito de cada um destes animais. Em cada um destes cortes foram visualizados cinco campos e em cada campo cinco glomérulos. Cada corpúsculo renal foi delineado com o objetivo de se mensurar a área capsular e conseqüentemente através de tonalidade de coloração o espaço urinário dos respectivos corpúsculos. As áreas delineadas foram mensuradas em µm2 com o programa analisador de imagem Image Pro Plus 4.5. Foram considerados como glomérulos corticais aqueles localizados até 250µm da cápsula (Ossani et al., 2009). Um total de 4.000 glomérulos foi mensurado. 22 3.4 Microscopia eletrônica de transmissão (MET) Fragmentos dos rins esquerdos foram imediatamente fixados em glutaraldeido a 2,5% (Sigma-Aldrich Laborchemikalien GmbH, Seelze, Alemanha) em solução de tampão cacodilato a 0,1M (pH 7,2) e ácido de tânico a 0,25% (Merck KGaA, Darmstadt, Alemanha), pós-fixado em tetroxido de ósmio a 1% (Sigma-Aldrich, Saint Louis, E.U.A.), e então incluidos em Epon (Embe-812, EMS, Hatfield, PA, E.U.A.). Cortes ultrafinos (60 a 70 nm) foram obtidos de áreas selecionadas com ultramicrótomo (Leica ULTRA-CUT; Leica Aktiengesellschaft, Viena, Áustria), contrastados com acetato de uranila e citrato de chumbo, e então observados em microscópio eletrônico de transmissão (MET) Zeiss EM 906 (Carl Zeiss EM 906, Oberköchen, Alemanha) a 80 kV. 3.5 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) Outros fragmentos dos rins esquerdos foram fixados em 2,5% de glutaraldeido (Sigma-Aldrich Laborchemikalien GmbH, Seelze, Alemanha) em solução Tampão cacodilato a 0,1M (pH 7,2) e pós-fixado em 1% de tetroxido de ósmio durante 30 minutos e posteriormente desidratado em acetona. Amostras foram então secas com CO2 em pontocrítico, cobertas com ouro, e observadas em um microscópio eletrônico de varredura (MEV; Carl Zeiss LEO 1450 VP, Oberköchen, Alemanha) a 15 kV. 3.6 Imunofluorescência Secções dos rins esquerdos foram fixadas em uma solução de formaldeído 1,27 mol/l em 0,1M de Tampão fosfato; pH7,2, lavadas e incubadas overnight com anticorpo primário 23 monoclonal anti-conexina-43 (anti-Cx-43) (1:20, MAB3067, Chemicon), seguido de incubação com o anticorpo secundário Fluor ®-488 (A21202, Invitrogen) e corado com Evans blue 1:5000 por 15 minutos. As secções foram montadas e observadas sob microscópio confocal de varredura a laser Zeiss LSM 510 META. 3.7 Análise dos dados Os dados foram exibidos em média±erro padrão da média. Os dados foram testados para normalidade e homogeneidade de variância, e então as diferenças entre grupos foram analisadas por análise de variância one-way ANOVA, sendo utilizado o pós-teste de Tukey. O resultado foi considerado estatisticamente significativo quando P≤0,05. (Graph-Pad Prism version 5.03, San Diego, E.U.A.). 24 4 RESULTADOS 4.1 Pressão arterial sanguínea e massa corporal A PA dos animais dos grupos WKY-C e WKY-ROS não diferiram significativamente (P>0,05) ao longo do período experimental (Figura 3). Os animais dos grupos SHR-C e SHR-ROS apresentaram um nível de PA mais elevado (de 163±15 a 202±9 e de 155±12 a 207±7 respectivamente) (P<0,05) depois das cinco semanas de experimento se comparado com o período inicial de experimentação (considerado como semana 0). Estas alterações se tornaram significativas a partir da 2ª semana de experimento. 25 Figura 3: Pressão arterial antes e durante as cinco semanas de tratamento. Abreviação: C, controle; SHR, ratos espontaneamente hipertensos; ROS, rosuvastatina 20mg/kg/dia administrado via orogástrica; WKY, ratros Wistar-Kyoto. One way ANOVA pós-teste de Tukey; P<0.001, quando: (a) vs. WKY-C, (b) vs. WKY-ROS. A MC dos animais dos grupos WKY-C e WKY-ROS não diferiram significativamente (P>0,05) ao longo do período experimental, assim como a massa dos animais dos grupos SHR-C e SHR-ROS também não diferiram (Figura 4). Porém, houve diferença entre os animais das linhagens WKY e SHR no período inicial dos experimentos (semana 0), e esta diferença permaneceu depois de cinco semanas de tratamento com rosuvastatin (P<0,01). 26 Figura 4: Massa corporal antes e durante as cinco semanas de tratamento. Abreviação: C, controle; SHR, ratos espontaneamente hipertensos; ROS, rosuvastatina 20mg/kg/dia administrado via orogástrica; WKY, ratros Wistar-Kyoto. One way ANOVA pós-teste de Tukey; P<0.001, quando: (a) vs. WKY-C, (b) vs. WKY-ROS. 4.2 Excreção urinária e análise bioquímica de sangue Não houve diferença significativa dos níveis séricos de uréia, creatinina, ácido úrico e CPK entre os animais dos grupos estudados (P>0,05) (Tabela 1). 27 Tabela 1 Efeitos da rosuvastatina nos níveis séricos de uréia, creatinina, ácido úrico e creatina fosfoquinase (CPK) dos animais dos grupos estudados Grupos Uréia Creatinina Ácido Urico CPK (n=8) (mg/dl) (mg/dl) (mg/dl) (U/I) WKY-C 45,1±1,17 0,5±0,01 1,3±0,06 876,7±131,62 WKY-ROS 44,5±0,89 0,5±0,01 1,1±0,02 662,7±73,27 SHR-C 48,3±1,10 0,5±0,01 1,3±0,09 866,8±65,72 SHR-ROS 50,8±1,39 0,4±0,01 1,3±0,11 603,0±48,70 Tabela: O sangue foi retirado por punção cardíaca de ratos e imediatamente usado para determinar os efeitos da rosuvastatina nos níveis séricos de uréia, creatina, ácido úrico e creatina fosfoquinase (CPK) utilizados como biomarcadores da função renal. Nenhuma diferença estatística foi encontrada entre os animais dos grupos estudados (P>0,05). Abreviação: C, controle; SHR, ratos espontaneamente hipertensos; ROS, rosuvastatina 20mg/kg/dia administrado via orogástrica; WKY, ratros Wistar-Kyoto. Houve um aumento significativo da excreção de proteína de 24 horas nos animais dos grupos SHR-C se comparado com os animais dos grupos WKY-C e WKY-ROS (P <0,01). Apesar dos animais do grupo SHR-ROS terem exibido uma diminuição na excreção de proteína, este resultado não foi significativo quando comparado com qualquer animal dos outros grupos (P>0,05) (Figura 5). 28 Figura 5: Proteína urinária excretada. Houve um aumentando significativo da excreção de proteína de 24 horas nos animais dos grupos SHR-C (a,b) se comparado com os animais dos grupos WKY-C e WKY-ROS. Apesar dos animais do grupo SHR-ROS terem exibido uma diminuição na excreção de proteína, este resultado não foi significativo quando comparado com qualquer animal dos outros grupos. Abreviação: C, controle; SHR, ratos espontaneamente hipertensos; ROS, rosuvastatina 20mg/kg/dia administrado via orogástrica; WKY, ratros Wistar-Kyoto. P<0,01 quando comparado a (a) e (b). 4.3 Morfometria Não houve diferença significativa (P>0,05) na área do Espaço Urinário entre os glomérulos dos animais de nenhum dos grupos estudados (Figura 6 a). 29 Espaço Urinário 25000 Área (µ m2) 20000 15000 10000 5000 S O SH R -R SH R -C S K YR O W W K YC 0 Figura 6 a: Morfometria das estruturas glomerulares. Não houve diferença significativa na área do espaço urinário entre os glomérulos dos animais de nenhum dos grupos estudados (Figura 4 a). Abreviação: C, controle; SHR, ratos espontaneamente hipertensos; ROS, rosuvastatina 20mg/kg/dia administrado via orogástrica; WKY, ratros Wistar-Kyoto. Houve um aumento significativo (P<0,05) da área capsular dos glomérulos dos animais do grupo SHR-C se comparado com os animais dos grupos WKY-C e WKY-ROS. Apesar dos animais do grupo SHR-ROS exibirem uma diminuição na área capsular dos seus glomérulos, este resultado não foi significativo quando comparado com qualquer animal dos outros grupos (P>0,05) (Figura 6 b). 30 Figura 6 b: Morfometria das estruturas glomerulares. Houve um aumento significativo da área capsular dos glomérulos dos animais do grupo SHR-C se comparado com os animais dos grupos WKY-C e WKY-ROS. Apesar dos animais do grupo SHR-ROS exibirem uma diminuição na área capsular dos seus glomérulos, este resultado não foi significativo quando comparado com qualquer animal dos outros grupos (Figura 4 b). Abreviação: C, controle; SHR, ratos espontaneamente hipertensos; ROS, rosuvastatina 20mg/kg/dia administrado via orogástrica; WKY, ratros Wistar-Kyoto. P<0,05 quando comparado a (a) e (b). 4.4 Microscopia eletrônica de transmissão O diafragma da fenda de filtração e os pedicelos se apresentam preservados na barreira de filtração glomerular nos rins dos animais dos grupos WKY-C (Figura 7 a), WKYROS (Figura 7 b) e SHR-ROS (Figura 7 d). Nos rins dos animais do grupo SHR-C (Figura 7 c) o diafragma da fenda de filtração está ausente, os podócitos se apresentaram vacuolizados e os pedicelos alterados, apresentando-se mais curtos e mais espessos. 31 Figura 7: Microscopia eletrônica de transmissão. O diafragma da fenda de filtração (setas) e os pedicelos (α) se apresentam preservados na barreira de filtração glomerular nos rins dos animais dos grupos WKY-C (a), WKY-ROS (b) e SHR-ROS (d). Nos rins dos animais do grupo SHR-C (c) o diafragma da fenda de filtração está ausente, os podócitos se apresentaram vacuolizados e os pedicelos alterados, apresentando-se mais curtos e mais espessos. (a) WKY-C, (b) WKY-ROS, (c) SHR-C, (d) SHR-ROS. Abreviação: C, controle; SHR, ratos espontaneamente hipertensos; ROS, rosuvastatina 20mg/kg/dia administrado via orogástrica; WKY, ratros Wistar-Kyoto. 32 4.5 Microscopia eletrônica de varredura Os pedicelos dos glomérulos renais dos rins dos animais dos grupos WKY-C (Figura 8 a), WKY-ROS (Figura 8 b) e SHR-ROS (Figura 8 d) se apresentaram preservados. Nos animais do grupo SHR-C (Figura 8 c) os pedicelos se apresentam mais delgados, curtos e tortuosos. Figure 8: Microscopia eletrônica de varredura. Os pedicelos (setas) dos glomérulos renais dos rins dos animais dos grupos WKY-C (a), WKY-ROS (b) e SHR-ROS (d) se apresentaram preservados. Nos animais do grupo SHR-C (c) os pedicelos se apresentam mais afilados, curtos e tortuosos. (a) WKY-C, (b) WKY-ROS, (c) SHR-C, (d) SHR-ROS. Abreviação: C, controle; SHR, ratos espontaneamente hipertensos; ROS, rosuvastatina 20mg/kg/dia administrado via orogástrica; WKY, ratros Wistar-Kyoto. 33 4.6 Imunofluorescência Houve imunofluorescência para Cx-43 nas células epiteliais viscerais dos glomérulos dos animais do grupo WKY-ROS (Figura 9 b) e em células epiteliais parietais e viscerais dos glomérulos dos animais do grupo SHR-ROS (Figura 9 d) se comparados aos animais dos grupos WKY-C (Figura 9 a) e SHR-C (Figura 9 c). 34 Figura 9: Imunofluorescência para conexina-43 nos glomérulos. Houve imunofluorescência para Cx-43 (setas) nas células epiteliais viscerais dos glomérulos dos animais do grupo WKY-ROS (b) e em células epiteliais parietais e viscerais dos glomérulos dos animais do grupo SHR-ROS (d) se comparados aos animais dos grupos WKY-C (a) e SHR-C (c). (a) WKY-C, (b) WKY-ROS, (c) SHR-C, (d) SHR-ROS. Abreviação: C, controle; SHR, ratos espontaneamente hipertensos; ROS, rosuvastatina 20mg/kg/dia administrado via orogástrica; WKY, ratros Wistar-Kyoto. 35 5 DISCUSSÃO O objetivo do presente estudo foi prover nova informação sobre o desenvolvimento do dano renal nos rins de animais hipertensos e como os efeitos pleiotrópicos da rosuvastatina são benéficos a estes animais. Em rins com lesão, o reflexo miogênico está falho, a auto-regulação renal está prejudicada, e a habilidade de prevenir a transmissão da pressão arterial sistêmica na circulação glomerular é parcialmente ou totalmente perdida. Por conseguinte, a pressão intraglomerular começa a mudar em proporção direta às mudanças na pressão arterial sistêmica (Palmer & Fenves, 2010). Remodelamentos em vasos sanguíneos expostos a níveis pressóricos aumentados levam ao desenvolvimento de nefrosclerose benigna com o passar do tempo. Porém, quando a PA excede o limiar de auto-regulação, há um aumento do risco para injuria vascular, resultando em nefrosclerose maligna aguda, e a habilidade autoregulatoria da vasculatura pré-glomerular de preservar os vasos capilares glomerulares se apresenta falha (Bidani et al., 2009). Nos animais SHR as arteríolas aferentes menos calibrosas são uma possível causa para a resistência vascular renal aumentada. A resistência vascular renal está aumentada nos animais SHR, possivelmente como resultado destas arteríolas menos calibrosas e, após o início da hipertensão, provavelmente também como conseqüência da auto-regulação fisiológica (Ren et al., 2010; Ofstad & Iversen, 2005). Foram observados através do MET que o diafragma da fenda de filtração e os pedicelos se apresentam preservados na barreira de filtração glomerular nos rins dos animais dos grupos WKY-C, WKY-ROS e SHR-ROS. Nos rins dos animais do grupo SHR-C os podócitos se apresentaram vacuolizados e os pedicelos alterados, apresentando-se mais curtos e mais espessos. A pressão intraglomerular aumentada poderia ser uma possível explicação de como a hipertensão afeta a ultra-estrutura glomerular dos rins dos animais do grupo SHR-C. 36 Para um melhor entendimento das alterações encontradas nos pedicelos, esta estrutura foi examinada utilizando MEV. Nossos experimentos mostraram que os pedicelos dos glomérulos renais dos rins dos animais dos grupos WKY-C, WKY-ROS e SHR-ROS se apresentaram preservados. Nos animais do grupo SHR-C os pedicelos se apresentam mais delgados, curtos e tortuosos. Estas observações estão de acordo com o fato de que a rosuvastatina significativamente reduz apoptose induzida em podócito, sugerindo que estatinas podem ter um efeito generalizado na sobrevida dos podócitos agindo de maneira p21-dependente. P21 citoplasmático tem sido descrito ligado à procaspase3 e assim prevenindo sua ativação, interferindo com a apoptose mediada por Fas (Cormack-Aboud et al., 2009). Alterações da barreira de filtração glomerular podem causar proteinuria (Tryggvason et al., 2006). Esta barreira possui três camadas: o endotélio fenestrado, a membrana de filtração glomerular, e os podócitos. Acredita-se que a barreira de filtração seja uma barreira seletiva, selecionando as particulas por tamanho e carga. O diafragma da fenda de filtração tem um papel importante e direto na filtração glomerular. Alguns de seus componentes protéicos estão envolvidos nos mecanismos de proteinuria (Putaala et al., 2001; Donoviel et al., 2001; Ciani et al., 2003; Roselli et al., 2004). Em nossos experimentos, observamos que componentes da barreira de filtração glomerular, como o diafragma da fenda de filtração e os pedicelos estão alterados em animais do grupo SHR-C. A proteinuria é um útil marcador de dano renal associado à hipertensão, sendo um fator de risco para a progressão da doença renal (Atkins et al., 2005; Flack et al., 2010). Houve um aumento significativo da excreção de proteína de 24 horas nos animais dos grupos SHR-C se comparado com os animais dos grupos WKY-C e WKY-ROS. Apesar dos animais do grupo SHR-ROS terem exibido uma diminuição na excreção de proteína, este resultado não foi significativo quando comparado com qualquer animal dos outros grupos. Levando em 37 conta que não houve diferença significativa dos níveis séricos de uréia, creatinina, ácido úrico e CPK entre os animais dos grupos estudados, uma possível explicação, é que as alterações estruturais começariam antes dos distúrbios bioquímicos. Portanto, os efeitos benéficos observados neste estudo são pelo menos em parte atribuíveis ao fato da rosuvastatina ter ocasionado a diminuição da proteinúria como causa da preservação da integridade dos podócitos, como mostrada por nossos resultados ultra-estruturais. A taxa de filtração de glomerular total depende da integridade estrutural e da área dos glomérulos. A mensuração da área ou volume glomerular tem sido amplamente empregada em biologia humana e experimental (Ossani et al., 2009). Em nossos experimentos observamos que não houve diferença significativa na área do espaço urinário entre os glomérulos dos animais de nenhum dos grupos estudados. Porém, houve um aumento significativo da área capsular dos glomérulos dos animais do grupo SHR-C se comparado com os animais dos grupos WKY-C e WKY-ROS. Apesar dos animais do grupo SHR-ROS exibirem uma diminuição na área capsular dos seus glomérulos, este resultado não foi significativo quando comparado com qualquer animal dos outros grupos. As junções intracelulares do tipo GAP são o resultado da associação de 2 hemicanais nomeados conexons. Cada conexon é um conjunto de 6 proteínas de membrana chamadas conexinas. Estudos ultra-estruturais realizados em humanos e ratos têm mostrado a presença de junções GAP em todas as células glomerulares e os podócitos têm mostrado conter principalmente Cx-43 (Hanner et al., 2010). Dlugosova et al. (2009) demonstraram que a hipertensão altera a expressão de Cx-43 em aorta de animais SHR. Houve um aumento da imunofluorescência para Cx-43 nas células epiteliais viscerais dos glomérulos dos animais do grupo WKY-ROS e em células epiteliais parietais e viscerais dos glomérulos dos animais do grupo SHR-ROS se comparados aos animais dos grupos WKY-C e SHR-C. O aumento da imunofluorescência para Cx-43 em WKY-ROS e SHR-ROS provavelmente indica que a 38 rosuvastatina exerceu algum efeito sobre a expressão de Cx-43 em animais hipertensos e normotensos no período estudado. Yaiota et al. (2002) descreveram um aumento precoce da expressão de Cx-43 em resposta ao dano de podócitos e concluiu que a Cx-43 é expressa nos podócitos injuriados como um epitélio integrado do glomérulo em vez de individualmente como uma célula separada. Em oposição, nossos resultados indicam que a expressão da Cx43 está presente em células de glomérulos renais que sofreram ação benéfica da rosuvastatina. Portanto, podemos então sugerir que provavelmente há uma melhora na qualidade de resposta glomerular nos animais tratados com rosuvastatina. Os resultados obtidos demonstraram que a hipertensão provoca alterações ultraestruturais glomerulares da barreira de filtração. Estas alterações relacionadas com a estrutura dos pedicelos e da membrana da fenda de filtração que podem comprometer a filtração glomerular foram preservadas com a utilização da rosuvastatina. Além da preservação destas estruturas, a rosuvastatina também proporcionou a manutenção do diâmetro normal dos glomérulos e dos espaços urinários. 39 6 CONCLUSÕES A análise dos resultados obtidos neste trabalho permite concluir que a rosuvastatina: - não altera a pressão arterial sanguínea ou a massa corporal de animais normotensos e hipertensos; - altera a excreção urinária de proteínas em animais hipertensos; - não altera parâmetros bioquímicos do sangue de animais normotensos e hipertensos; - altera a morfometria glomerular de animais hipertensos; - altera a ultra-estrutura glomerular dos rins de animais hipertensos; - altera a expressão de Cx-43 nas células glomerulares dos rins de animais normotensos e hipertensos. 40 7 RECONHECIMENTOS Este estudo foi apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação Carlos Chagas Filho que Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), de da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 41 REFERÊNCIAS Álvarez, SM; Herrera, MD; Pérez-Guerrero, C; Marhuenda, E. 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