A classe média como realidade e como ficção Classes, estratificação e conflito na estruturação das desigualdades sociais Elísio Estanque Centro de Estudos Sociais – Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra – Portugal www.ces.uc.pt http://boasociedade.blogspot.com XVII Encontro da APHES, Lisboa, UNL, 16-17 Nov 2007 1. Desigualdades, estratificação e mobilidade Classes, estruturas e oportunidades Funcionalismo: mobilidade individual e meritocracia Modelos de análise: Erik O. Wright e P. Bourdieu Estado, mercado de trabalho e inovação tecnológica O crescimento da «classe média» Mobilidade social e mudança estrutural Recomposição e mobilidade de curto alcance Segmentação e fragmentação Reprodução e reconversão das posições de classe Tendências na sociedade portuguesa 2. Estrutura de classes e mobilidade Matriz das localizações de classe de 4 países (modelo Erik Wright), 1996 Recursos em meios de produção Proprietários Assalariados 1.Capitalistas/ Burguesia 4.Gestores Qualificados 7.Gestores SemiQualif. 10.Gestores Não Qualif Portugal 0,8% EUA 1,8% Suécia 0,7% Espanha 2.Pequenos Empresários Portugal 2,6% EUA 3,9% Suécia 4,4% Espanha 2,5% 5. Superv. Qualificados Portugal 1,2% EUA 6,2% Suécia 4,0% Espanha 8.Superv SemiQualif Portugal EUA Suécia Esp (7+10) 11. Superv Não Qualif. Portugal EUA Suécia Esp. (1+2) 3.Pequena Burguesia Portugal 1% Portugal 0,8% Portugal 5,3% > 0 R.O. EUA 3,7% EUA 6,8% EUA 6,9% (autorid) Suécia 3,8% Suécia 3,2% Suécia 3,1% Espanha 1,7% Espanha Esp (8+11) 4,4% 6.Técnicos Não 9.Trabalh 12. Proletários Gestores SemiQualif 7,1% 6,0% 4,8% 3,2% Portugal 22,6%* EUA 6,9% Suécia 5,4% Espanha 23,8% * 12,4% PB Agr Portugal EUA Suécia Espanha + 3,6% 3,4% 6,8 % 4,0% Portugal EUA Suécia Espanha >0 5,8% 12,2% 17,8% 18,5% Portugal EUA Suécia Espanha 2,6% 2,3% 2,5% 4,7% 46,5% 39,9% 43,5% 37,2% + _ – Recursos em Qualific/ Credênciais Portugal N = 1101; EUA N = 1487; Suécia N = 1179; Espanha N = 3161 (Gonzalez, 1991). Comparação país – Região do calçado Distribuição da força de trabalho pela matriz das localizações de classe (amostras nacional e região de SJM, 1996) Recursos em meios de produção Proprietários Não proprietários (assalariados) 1.Capitalistas/ Burguesia 4.Gestores Qualificados 7.Gestores SemiQual. 10.Gestores NãoQual. Portugal 0,8% Região 2,3% 2.Pequenos Empresários Portugal 2,6% Região 0,7% 5. Supervisores Qual Portugal 1,2% Região 0,3% 8.Supervisores Semiqual. Portugal 2,6% Região 2,7% 11.Supervisore s Não Qual. + 3.Pequena Burguesia Recursos Portugal 0,8% >0 OrganiPortugal 1,0% Região 0,0% Portugal 5,3% zacionais Região 0,3% Região 2,7% 6.Técnicos Não 9.Trabalh. 12. Proletários Gestores SemiQual. Portugal 22,6%a) Região 19,1% b) Portugal Região Portugal Região 7,1% 7,0% + a)PBAgr.12,4 % b)PBAgr. 6,4% 3,6% Portugal 0,7% Região 5,8% Portugal 46,5% 4,0% Região 60,2% _ >0 Credenciais/Qualificações _ Mobilidade intergeracional Mobilidade social intergeracional com base na classe do pai (1996) (Região de SJM) Categoria de classe do pai (em coluna) Categoria de classe actual 1. 2. 5. TOTAIS Emprega -dores Peq. Burg Proletários classe actual 1. Empregadores 28,0 24,0 0,0 4,0 44,0 10,9 2. Peq. Burguesia 9,1 50,0 2,3 0,0 38,6 19,1 3. Gestores/Superv 14,3 0,0 14,3 0,0 71,4 6,1 4. Técn/ Trab SQ 40,0 30,0 0,0 10,0 20,0 4,3 5. Proletários 2,9 21,9 3,6 1,5 70,1 59,6 TOTAIS classe pais 9,1 26,5 3,5 1,7 59,1 100 (em linha) 3. 4. Gestores Técn+Trs /Superv SmQual Percepção das desigualdades Opinião sobre as desigualdades sociais nos últimos 10 anos, no país e na região de SJM (1996) Opiniões comparadas País/ Região Categorias de classe Mais acentuadas PAÍS REG Menos acentuadas PAÍS REG Iguais PAÍS REG 1. Patrões 37,8 34,6 47,6 42,3 14,6 23,1 2. Peq. Burguesia 44,0 36,4 40,4 41,8 15,6 21,8 3. Gestores/Superv 60,6 60,0 28,4 30,0 11,0 10,0 4. Técn/ Trab SQ 61,0 66,7 26,2 25,0 12,8 8,3 5. Proletários 54,7 39,1 27,6 46,8 17,7 14,1 TOTAIS 52,5 40,9 31,9 43,1 15,6 16,0 Subjectividades emancipatórias e conservadoras Comparação entre atitudes de valência emancipatória e de valência conservadora, para o país e a região SJM (%s de concordância) Afirmações Categoria de classe A) Se isso fosse possível, os empregados deveriam participar na escolha dos directores e gestores B) Se lhes fosse dada uma oportunidade, trabalhadores poderiam gerir as empresas sem precisarem dos patrões C) Para fazer baixar a criminalidade os tribunais deveriam dar penas mais pesadas aos criminosos D) Uma das principais razões da pobreza é porque muitas pessoas pobres não querem trabalhar PAÍS REG PAÍS REG PAÍS REG PAÍS REG 1. Patrões 47,1 33,3 21,5 3,4 75,6 83,3 75,6 75,6 2. Peq. Burguesia 66,7 39,5 29,7 1,9 79,6 90,8 79,6 79,6 3. Gestores/Superv 65,6 58,8 31,7 10,0 61,1 75,0 61,1 61,1 4. Técn/ Trab SQ 78,1 72,7 40,4 36,4 44,9 61,5 44,9 44,9 5. Proletários 71,4 60,6 51,3 30,3 65,1 81,1 65,1 65,1 68,4 55,0 40,7 23,2 66,4 81,9 66,4 66,4 TOTAIS Atitudes perante a corrupção Atitudes perante a corrupção, 4 países (2000) “Para se chegar ao topo é preciso ser-se corrupto” (%s concordância e discordância) Categorias de Classe PORTUGAL Conc. SUÉCIA CANADÁ REP. CHECA Disc. Conc. Disc. Conc. Disc. Conc. Disc. Empregadores 52,3 40,0 24,4 59,2 22,7 64,2 30,6 44,8 Pequena Burguesia 40,4 50,0 20,0 46,7 20,0 64,0 23,8 45,4 Gestores 29,0 58,1 10,0 68,4 13,5 60,7 29,3 39,0 Supervisores 48,5 41,5 29,4 46,7 19,4 58,6 -- 44,6 Trab. Semi-Qualif. 41,9 43,0 26,7 45,0 17,9 66,4 40,2 27,9 Proletários 46,8 44,0 23,8 39,7 22,8 52,0 40,2 28,9 44,5 44,5 19,9 46,6 18,6 59,6 36,1 34,5 Totais País (Brasil: 38% de concordância) Percepção das contradições e clivagens sociais Percepção dos conflitos de interesses na sociedade (%)* PORTUGAL SUÉCIA Pobres e ricos 76,7 35,0 34,7 29,3 Classe trabalhadora e classe média 63,2 12,6 14,1 9,4 Directores e trabalhadores 87,8 33,2 --** 38,5 O topo e a base da sociedade 86,5 64,6 52,3 44,8 Jovens e idosos 62,6 19,5 27,1 21,6 Conflitos entre: CANADÁ REP. CHECA * %s correspondem ao somatório das respostas afirmando existirem conflitos “fortes” e “muito fortes” entre esta lista de oposições dicotómicas. Percepção da mobilidade social Percepção subjectiva da mobilidade social (%) Categorias de Classe: Subiu Desceu Estacionário Empregadores 30,8 29,2 40,0 Pequena Burguesia 35,1 23,7 41,2 Gestores 25,0 18,8 56,3 Supervisores 43,6 13,9 42,6 Trab. SQualif. 46,0 9,6 44,4 Proletários 38,8 17,4 43,8 TOTAIS 35,8 20,5 43,8 Identificações de classe, por categoria de classe Classe subjectiva, segundo a categoria de classe (%) Tipologia da classe subjectiva Categorias de Classe Classe Baixa Classe Trab Média Baixa Média MédiaAlta Alta Empregadrs 3,1 41,5 15,4 36,9 3,1 0,1 P. Burguesia 17,9 49,5 10,5 22,1 0,0 0,0 Gestores 0,0 15,6 6,3 68,8 9,4 0,2 Supervisores 2,0 32,0 26,0 39,0 1,0 0,0 Técn/ Trab SQ 2,1 47,6 13,4 33,2 3,7 0,0 Proletários 6,9 56,0 15,1 21,6 0,5 0,0 TOTAIS 11,3 40,6 16,7 28,9 2,3 0,2 Democratização do acesso à universidade Origens de classe dos estudantes da UC, 2000-2005 Tipologia de Classes 1999 2005 Empregadores 18,9 20,0 Trabalhadores Conta Própria 12,0 13,7 Gestores 7,6 12,9 Supervisores 14,7 15,9 Técnicos Não-Gestores/ Trabs Semi-qualificados 13,7 9,4 Trabs. Não-qualificados 33,1 28,0 100 (1499) 100 (2575) Total (N) 3. Síntese e conclusão As classes médias como “zonas de amortecimento” da luta de classes e do conflito social. Os fluxos de mobilidade social são de curto alcance, mais do que mobilidade, são resultantes da mudança estrutural. O seu impacto social – como realidade objectiva e referência simbólica – estende-se muito para além da estrutura produtiva e modela as representações, ambições e expectativas de amplos sectores de trabalhadores. Quanto mais nos aproximamos dos estratos superiores da pirâmide social maior é a dificuldade de subida – a distinção e a exclusão. Mesmo os poucos que sobem por mérito fecham as portas atrás de si erguendo novas barreiras que excluem os que vêm atrás. Quem está nos estratos mais baixos tende a tomar como “grupo de referência” os seus semelhantes ou as gerações passadas que viviam ainda pior – a «classe média» imaginada.