PORTUGAL IMPORTA TALENTO E MIRA BRASIL
21 de dezembro de 2006
Folha de São Paulo
País decola no esporte com naturalizações de imigrantes e atletas de ex-colônias;
brasileiros estão entre os procurados
Depois de Deco no futebol, europeus registram Luciana Diniz, que defendeu o Brasil no
hipismo, e colecionam feitos de sua nova política
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma carta acaba de chegar às mãos de dirigentes brasileiros.
O remetente é José Vicente Moura, presidente do Comitê Olímpico Português. O assunto: a
oficialização de uma transferência de atleta, prática deflagrada por sua administração que
não pára de render títulos e criar celeuma no esporte.
No documento que enviou ao Comitê Olímpico Brasileiro, Moura informa que registrou
mais uma competidora nascida fora Portugal nas suas seleções.
Trata-se de Luciana Diniz-Knippling, que vestiu uniforme verde-amarelo no hipismo
durante os Jogos de Atenas-2004.
Sobrinha de Abílio Diniz, dono da rede de supermercados Pão de Açúcar, a amazona possu i
cidadania portuguesa e vive na Europa. É a situação que o cartola batiza de "ideal" para
agir. "Eu não faço aliciamento de atletas, não saio por aí oferecendo dinheiro em troca de
uma naturalização. Sou apenas favorável a buscarmos esportistas que tenham alguma
ligação com Portugal e que estejam dispostos a nos representar", explica Moura à Folha.
Ele acredita que tal garimpo de talentos é a única forma de transformar sua nação numa
referência, já que boa parte da população não tem "um biótipo ideal para o esporte".
Assim, Moura passou a atuar em duas frentes: procurar prodígios entre a população de
imigrantes e acompanhar atletas de ex-colônias que tenham alguma ligação com o seu país.
"Eles nos completam morfologicamente. Foi assim que nosso futebol se desenvolveu.
Temos o Deco, do Brasil, e muitos outros. É assim que podemos crescer também no mundo
olímpico", alega.
Resultados impactantes já apareceram. Em Atenas, o país levou a prata nos 100 m, a prova
mais badalada do atletismo, com Francis Obikwelu.
Natural da Nigéria, o corredor estava insatisfeito com o tratamento que recebia na África.
Como vivia e treinava em Portugal, consultou dirigentes sobre a possibilidade de uma
transferência em 2001.
Menos de três anos depois, já empunhava a bandeira da nova pátria no pódio olímpico.
Casos como este chamam a atenção do Comitê Olímpico Internacional. Para evitar uma
livre negociação de competidores, a maioria dos esportes estabelece períodos de carência
para a troca de seleções -atletas precisam ficar, por exemplo, dois ou quatro anos sem vestir
o uniforme do país natal.
Luciana Diniz não compete pelo Brasil desde a última Olimpíada, considera o período de
afastamento cumprido e já fala como membro da seleção portuguesa. "Eles me ofereceram
ótimas condições. Foi uma proposta irrecusável. Meus avós são de lá, tenho ligação com o
país e recebi o apoio de que preciso", diz a atleta, 80ª colocada no ranking mundial.
Ela agora aguarda apenas assinatura de Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, para
não ter nenhum tipo de problema jurídico para saltar em Pequim. Questionado pela Folha
se concederia ou não a autorização final à amazona, o comitê relatou que ainda "não
deliberou sobre o assunto".
Competidores de elite com passagem por outras delegações, como o caso da brasileira, não
são os únicos que interessam aos portugueses. Em categorias de base, a varredura também é
disseminada.
Prova disso são os resultados obtidos por duas promessas em 2006. Vitaly Efimov não tem
nome nem cara de português. Louro, olhos claros, imigrou com os pais da Rússia quando
tinha 15 anos. Aprendeu com a mãe, uma ex-campeã soviética de tênis de mesa, os macetes
com a bolinha e a raquete. Aos 18, já brilha. É o campeão dos Jogos da Lusofonia, que
reúne países de língua portuguesa.
O outro destaque é Nelson Evora, que deixou a Costa do Marfim para se tornar, sob a
bandeira de Portugal, campeão europeu júnior do salto triplo.
Frase
"Sou contra roubar ou comprar atletas de outros países. Nós aproveitamos talentos que
querem nos representar"
JOSÉ VICENTE MOURA
presidente do Comitê Olímpico Português
NO FUTEBOL, PAÍS PREPARA "NOVO DECO"
Tido como exemplo pelo Comitê Olímpico Português de como a utilização de forasteiros
pode fazer o esporte crescer, o futebol já prepara novas apostas que nasceram em terras
distantes.
De acordo com o órgão que comanda o esporte em Portugal, o treinador brasileiro Luiz
Felipe Scolari já elegeu um outro conterrâneo para vestir a camisa da seleção.
Trata-se do zagueiro Képler Laveran Lima Ferreira, conhecido como Pepe. Sua história é
idêntica à de tantos outros que fazem do país europeu um dos destinos mais procurados por
boleiros do Brasil -somente neste ano, 142 atletas conseguiram negociações com clubes
locais.
O defensor de 21 anos, 1,87 m e 81 kg, alagoano de Maceió, obteve a sua transferência em
2001. Sua primeira parada foi o Marítimo, da Ilha da Madeira. Com boas atuações, chegou
ao Porto, atual campeão nacional, e deu entrada no processo para obter nova cidadania.
Agora, pode ter chance de repetir um enredo bem parecido ao vivido por Deco, o astro do
Barcelona que saiu de São Bernardo do Campo para fazer sucesso além -mar.
Em março de 2003, quando já era o maior ídolo do Porto, Deco conseguiu seu passaporte
português. O processo de expedição do documento foi acelerado porque, naquele mês,
Scolari enfrentaria o Brasil em amistoso.
A situação causou mal-estar entre os portugueses, que não viam com bons olhos a chegada
de um forasteiro. Deco, porém, mostrou logo seus predicados. Naquele duelo contra o
Brasil, fez o gol derradeiro nos 2 a 1 que marcaram a primeira vitória da seleção portuguesa
sobre a brasileira desde 1966.
Aos poucos, o país aprendeu a reverenciá-lo. E, três anos depois, descobriu que a prática de
buscar talentos no exterior não é incomum. Na última Copa, 64 dos 736 jogadores
defenderam países diferentes dos quais nasceram. Só 9 dos 32 times não tinham forasteiros.
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