- 7ª Visita Diagnóstico Rápido Participativo - Mapeamento com as mulheres Ao chegarmos a casa de Seu Zeca para realizar o mapeamento junto às mulheres, estas ainda não haviam se reunido para o evento. Em função disso, pudemos acompanhar os primeiros instantes do ensaio antes de iniciarmos mais esta etapa do DRP. Durante estes primeiros momentos de ensaio pudemos conversar um pouco com Eliana, filha de Seu Zeca, e outras mulheres que acompanhavam o ensaio da banda. Neste momento, cenas interessantes se constituíram. Primeiramente uma das mulheres ali presentes relatou como seu pé coça para dançar quando a banda toca. Falamos de uma banda feminina existente em Belo Horizonte e fizemos alguns questionamentos sobre a questão de só homens participarem da banda em São José do Triunfo. As mulheres fizeram explicações de que tudo sempre havia sido daquela forma por ali. Eliana disse conhecer uma banda mista. Ela nos contou que o Congado de São José do Triunfo está ajudando o grupo de Congado de Santana do Divino, do município de Rio Doce, a remontar sua banda de Congo. Este grupo, que é misto em sua constituição, estará presente na festa do Fundão neste ano para ver como funciona a festa no distrito. Eliana disse já ter estado presente em Santana do Divino para contribuir em algumas questões para este reavivamento da Festa. A foto é de um grupo de meninas que durante o ensaio andava de bicicleta pelas ruas do distrito e de vez em quando iam até o quintal de Seu Zeca para ver seus irmãos, pais e amigos dançarem. No mapeamento estavam presentes Dona Regina (esposa de Seu Dola), Dona Ana (esposa de Seu Zeca), Eliana (filha de Seu Zeca), Dona Maria José (Rainha Conga) e uma senhora que acompanhava Dona Maria. Além delas, pedi a Dona Ana que convidasse Noêmia, esposa do Rei festeiro que repassará a coroa neste ano, e Dona Maria do Nascimento, irmã de Seu Zeca e de Seu Dola; estas não compareceram. Dalva me acompanhou nesta etapa do diagnóstico. Iniciamos o mapeamento explicando sua intenção, embora as mulheres já possuíssem algumas noções de seu sentido, já que os homens haviam tecido algumas considerações sobre seu mapeamento. Ao pedirmos para gravar o evento, as mulheres não apresentaram resistência, só fizeram alguns comentários sobre a possibilidade delas falarem coisas erradas que ficariam gravadas, tudo isso sempre com um tom bem humorado. Dona Maria José disse achar que ela falaria “muita batata”. “Sirlene diz que eu não sei conversar não, mas eu já conversei até com ministro. Como diz Tia Alair, eu não sei ler mas eu sei conversar... (risos)”. Após ter dito que a intenção do mapeamento era que elas me apresentassem o distrito de São José do Triunfo a partir da Festa do Rosário e seus eventos, as “guardiãs da memória” mostraram um pouco de dificuldade para representar num mapa o que havíamos pedido, principalmente em relação à questão temporal. Elas ficaram confusas: não sabiam se tentavam uma representação do distrito da maneira tal qual se configura hoje ou se representariam as mudanças que ocorreram ao longo do tempo naquele espaço. Pedi que elas tentassem fazer um pouco das duas coisas: primeiramente disse que era para elas ficarem a vontade quanto a forma de fazer isto; e como permaneceu ainda certa confusão, sugeri que elas desenhassem o mapa do distrito como é hoje e nisto narrassem as modificações por que passou o distrito. Dona Maria José questionou, ao pedirmos que se falasse sobre a formação e as transformações no distrito, se não haveria “uma pessoa de mais idade pra falar pra gente” sobre a questão. Começaram então a lembrar de pessoas já falecidas que participaram de data anterior do Congado em São José do Triunfo; citaram o nome de Compá Tranquilino; Adão, que era do distrito; Seu Firmino, Rei Congo que vinha de Viçosa para ali; e Zé Felipe. A Rainha Conga era quem explicitamente comandava a fala, era ela quem dava rumo para a conversa, embora Eliana tentasse sempre acompanhá-la e fazer comentários em torno de suas falas. Quando falaram no nome de Zé Felipe, começaram a falar dos convites que este fazia para que as pessoas fossem até Viçosa assistir o Congado. Neste momento começaram a falar da Igreja do Rosário que existiu em Viçosa, “e era uma Igreja petitinha do Rosário na Pracinha do Rosário”. Eliana disse isto com tanta segurança que deu impressão de que ela havia conhecido a Igreja antes de ser derrubada, o que era improvável por sua idade, então questionei se ela havia conhecido a Igreja, ela respondeu com um ar de que não fazia a menor diferença ter visto ou não a Igreja para que esta estivesse em sua memória: “ – Não, o povo é que conta.” Dona Maria falou mais sobre a Igreja: “ – É, era uma Igreja pequenininha, feita de ripa. Lá tinha Santa Efigênia, São Benedito e a Senhora do Rosário”. Questionei sobre o motivo da derrubada da Igreja, Dona Maria disse que foi em função da construção da pracinha, por vontade do prefeito. Perguntei sobre o posicionamento do padre, Dona Maria respondeu que: “ Para deixar Viçosa mais bonita, né meu filho?! Pra deixar Viçosa mais bonita desmanchou a Igreja. Agora, cadê os santos que desapareceu tamém? Os santos desapareceu, porque Santa Efigênia e São Benedito você não sabe onde é que está. É preto, né!!! (risos dela). O Senhor dos Passos fica lá na Igreja dos Passos. A Nossa Senhora do Rosário diz que tá lá na Santa Clara, quem falou comigo é uma moça que mora lá, mas eu não tenho certeza.”. Dona Regina questiona à Dona Maria sobre a Nossa Senhora do Rosário que existe na Igreja Matriz. Esta última diz saber da existência dela, mas diz que a outra era mais... Dona Regina é quem completa: “ – Preparada.” Deixei a conversa rolar solta o quanto deu, pois as informações que surgiam eram bastante relevantes, a partir de certo momento, porém, todas começaram a falar juntas e tive de sutilmente levá-las até a confecção do mapa. Expliquei novamente o que gostaríamos de fazer. Dona Maria disse que de quando a Festa começou no distrito, ela não poderia dizer muita coisa, porque nesta época ela só tinha dois anos. “ Sabe porquê eu sabia que tinha dois anos? Porque... a mamãe sempre falava assim: ‘- O primeiro Rei do Fundão foi meu pai.’ Padrim Jovendir, nosso avô. A Edite tinha oito meses. Então... Edite é de fevereiro, a festa foi em novembro, eu tinha dois anos, e o primeiro Rei aqui foi nosso avô. ” Eliana então diz: “ – Quer dizer que vocês nasceram no meio do Congado? Eu pensava que era depois que vocês já tava tudo formado com mais de uns vinte anos é que tinha começado o Congado.” Dona Maria respondeu: “ – Nãããão! Seu pai, seu pai não, essa menina aqui... Regina! Quando Tio Gustinho foi Rei, na última Festa aqui, ela (a Festa) parou um tempo; Dola não era nascido. Acho que levou um mês ou dois mês Dola nasceu. Quando seu avô passou a Festa para um homem lá do Buieié, né? E o do Buieié enterrou a Festa. Eu tinha nove anos, fiz 79 anos outro dia, quando Tio Gustinho morreu”. Dona Maria conta que, no Fundão, a Festa se iniciou em 1931, embora ela já acontecesse anteriormente em Viçosa. Neste ano a Festa ainda era “dançada” nestes dois lugares, e depois passou a ser dançada somente em São José do Triunfo. Dona Maria diz que o Congado deixou de ser dançado simultaneamente nos dois lugares há 61 anos, o que ela lembra tão precisamente em função da data de seu casamento, em 1946 (em minhas contas). O interessante neste mapeamento foi que pouquíssimas perguntas necessitaram ser feitas, já que as próprias mulheres se encarregavam de fazer questionamentos à Dona Maria José. “Aqui, depois que esta Festa teve enterrada, que eis num tava mais fazendo Festa do Rosário, aí depois teve aquela que Chico de Cesário foi Rei Festeiro, foi ele que desenterrou a Festa?” Ao questionamento de Dona Ana Dona Maria respondeu afirmativamente que Chico de Cesário juntamente com Dona Maria Rosa desenterraram a Festa. Eliana lembra que neste período foi ela a bandeireira. Dona Maria fez observação neste momento que a primeira Rainha, juntamente com Compá Juvendir, foi Chica Singoa (Francisca Singoa); Dona Maria diz que depois dele ela não lembra quem foram os outros festeiros. “Mamãe num trazia nóis aqui, né!” Ela disse lembrar-se de João Virgílio, mas depois há um espaçamento de reinados que ela não se recorda. Lembra-se de Tio Gustinho para cá, embora ela se recorde mais das princesas, que iam com maior freqüência à sua casa. Eliana interrompe para fazer lamentações quanto a inexistência de fotos daquela época, o que impediu que eles tenham registros de tudo por que o Congado já passou. Nesta hora, a mulher que acompanhava Dona Maria foi solicitada para confirmações do que estava sendo falado. Ela disse lembrar por ter sido bandeireira. A fala de Dona Maria José não deixava claro quando ela estava falando de reis permanentes e reis festeiros; ela parecia fazer confusões também entre as bandeireiras e as princesas da festa. Ao tentarmos iniciar o mapeamento ficou nítido que para algumas das mulheres a dimensão tempo precedia à espacial. Mesmo explicando que a intenção era construir um mapa, quando pedi que elas apontassem qual era o ponto mais importante para o desenho, Dona Maria apontou que era a novena, “É isso, né? Cê qué sabê o que começa primeiro, no primeiro dia é a novena e são nove dias de novena”. Perguntei onde acontecia a novena, elas apontaram então que era na Igreja. Pedi alguém que desenhasse, ninguém se dispôs. Quando começamos o mapa a noção espacial tornou-se mais evidente na fala das mulheres. Na verdade, o que parece ter se tornado mais nítido foi a indissociabilidade entre as dimensões de espaço e tempo, falas como “Antigamente aqui era só mato”, ou “Agora a gente sai daqui e vai pra Igreja”, corroboram com isto. Quanto à Igreja, elas apontaram que esta sempre esteve no mesmo lugar, o cruzeiro é que teve pequenos deslocamentos. A novena acontece sempre na Igreja, com exceção de um ano que “encomendaram” uma novena em ocasião do alcance de graças por uma pessoa do Fundão, a pedido da Rainha festeira daquele ano. A Festa só passou a iniciar-se a partir da casa de Seu Zeca recentemente, anteriormente o evento tinha seu início na Igreja. Depois de desenhada a Igreja foi decidido que se desenharia a casa de Seu Zeca e Dona Ana. Depois de desenhado estes dois pontos a Rainha ordenou: “ – Agora desenha a rua de um lugar a até o outro! Pronto, agora desenha em segundo lugar a casa do Rei Congo. Aí tem o resto das ruas”. Pedi então que elas desenhassem as ruas percorridas pela alvorada. Dona Maria foi quem se habilitou, no percurso desenhado ela destacou a casa do Rei e da Rainha festeiros deste ano. Ela disse que não iria desenhar a casa do Príncipe e da Princesa porque senão ficaria muita coisa, disse que tinha muito o que desenhar, mas impaciente disse que o papel não seria suficiente. Além do que, como salientado por ela, os dançadores moram cada um em lugar diferente. Pedi que elas mostrassem no mapa como ocorreria a Festa deste ano, Dona Maria foi quem explicou: “– Quando for no sábado, sete horas da noite, nós saímos daqui com a bandeira e nós vamos em procissão até a Igreja. Aí depois tem a levantação do mastro, tem os fogos, depois vai para casa da Rainha tomar o café. Aí no outro dia de manhã tem a alvorada, que saí daqui as quatro horas da manhã. Sai daqui e vai até o cruzeiro; do cruzeiro até a Igreja, anda por todas as ruas e traz a bandeira para aqui de novo.” Daí elas comentam que, por o distrito ter crescido muito, seria interessante que este ano a alvorada andasse por menos ruas.