No início da alvorada o número de congadeiros e de acompanhantes da
Festa ainda era bastante reduzido. A presença aí era sobretudo de
mulheres, que como em nenhum outro momento anterior da Festa
dançaram com tanta evidência, os passos eram bastantes
extravagantes, com grandes deslocamentos em torno da banda e com
muito riso. Não havia nenhuma criança e nenhum fiscal no início da
alvorada.
Do cruzeiro caminha,os até o pátio da Igreja, que logo foi deixado
para que fosse-mos rumo a Rua José Soares da Rocha. Neste
deslocamento foi cantado: “É de manhã cedo, é de madrugada/
Levanta cedo, missa cantada/ É de manhã cedo, já rompeu aurora/
levanta cedo, é as quinze horas.” (músicas comunicantes).
Neste percurso cantou-se também sobre a disposição das estrelas no céu
naquele momento, cantou-se sobre as “três estrelas” e em outro momento
sobre a estrela Dalva anunciando o amanhecer do dia.
Da José Soares da Rocha fomos para a Avenida, que serviu de acesso para
a Elisa Ladeira e para a Batalha Neto, ruas que nos possibilitaram que
chegássemos até a Selina Ladeira. Neste momento se cantava: “Tá na rua
debaixo, tá no fundo da horta/ A polícia me prende olê, lê, a Rainha me
solta.” Fomos um pouco mais adiante que a casa de Juquito e retornamos
pela Batalha Neto e pela Elisa Ladeira até chegarmos à Avenida, onde
como apresentado na travessia do DRP pára-se para fazer uma
manifestação em frente a casa de Seu Expedito, fiscal da banda. A casa
possuía um pequeno altar ornado com velas e a imagem de Nossa Senhora
do Rosário. Após a manifestação, não muito demorada, cantou-se: “Dona
da casa até já, até outro dia./ A Senhora do Rosário fique em sua
companhia.” Houve ainda manifestação na casa de um ex-fiscal, mais aí não
havia um altar.
Pela maioria das ruas por que
passamos havia cartazes
anunciando um festival de som
automotivo que ocorreu no
distrito no mesmo dia da Festa.
Apesar de o som não ter
chegado a atrapalhar o evento
diretamente, há elementos aí
que podemos apontar em torno
da disputa pelo lugar festivo, já
que a Festa não disputa somente
espaços, mas também pessoas
(penso).
Deixamos a Avenida para caminharmos sentido a Rua Maria Brígida.
De lá fomos para a parte mais elevada do distrito percorrida pela
Festa; passamos pela casa de João e subimos a Rua São José. Nesta
rua cantou-se uma música específica para este Santo. Retornando à
parte mais plana do distrito, fomos até a casa da irmã de Seu Dola
(ponto de referência dos Rei e Rainha que repassaram a coroa no
último ano e que hoje moram no Rio de Janeiro). Nesta casa foi
servido um grande café da manhã para todos que acompanhavam a
alvorada. Neste momento não se dividiu espaço entre quem era da
banda e quem a acompanhava. Deste lugar a banda retornou até a
casa de Seu Zeca, onde foi realizado o mesmo ritual de finalização
de mais uma etapa do evento festivo.
Neste momento a quantidade de mulheres acompanhando a banda
era ainda maior. Era considerável aí também o número de pessoas
embriagadas, tanto homens como mulheres.
Terminada a alvorada já eram mais de sete horas. Neste momento
as pessoas se dispersaram novamente para que, por volta das onze
da manhã, todos voltassem para a Festa.
Momentos antes da Festa acabei por ficar junto à várias mulheres
da família de Seu Dola. Num momento em que me encontrava junto à
Cláudia (nora de Seu Dola) e mais uma moça também da família elas,
comentavam sobre a “mancada” que deram próximo ao fiscal da
banda ao dizerem que quem faz a alvorada na verdade são as
mulheres, pois nesta hora os homens já estão cansados e são elas
que sustentam o evento. Cláudia disse que iria na Festa de Airões só
para poder dançar na banda, que é mista.
Contei então sobre a “banda de Belo Horizonte” e elas disseram
ter achado muito bacana a idéia de uma banda de mulheres; quando
contei que lá os homens é que desempenhavam as funções de
cozinheiros da Festa elas acharam extraordinário. Elas contaram
já ter ouvido falar de bandas de mulheres. Questionaram entre si
se daria certo a criação de uma banda com esta composição em
São José do Triunfo. Uma respondeu que não tinha certeza se
daria certo, mas que desconfiava que sim, por serem as mulheres
mais organizadas, com mais compromisso e menos envergonhadas
para apresentações em público.
A Festa se iniciou por volta do meio dia, num ritual bastante semelhante aos
outros dois outros momentos ocorridos deste o dia anterior.
O primeiro deslocamento ocorrido pela banda durante a Festa se deu em
função do almoço. A banda se dividiu em duas neste momento: os que
tinham vestimentas da cor azul foram almoçar na casa de D’Lourdes; e
os de vestimenta rosa foram para a casa de José Faustino Adão
(Noêmia). Segui estes últimos, para a casa onde já se encontrava uma
banda de músicos de São Miguel do Anta que participariam da Festa.
Na foto ao lado eles estão
vestidos de vermelho. O único
representante de vestimenta
azul neste lugar era Fuck, que
parecia ter uma função de
alta hierarquia, já que o Rei
Congo, o Rei do Meio e o
Capitão da Banda haviam ido
para a casa de D’Lourdes. O
reinado de rapazes seguiu
também os de vestimenta
rosa e as moças os de
vestimenta azul.
Após o almoço a banda de vestimenta azul veio ao encontro da de rosa para que
pudessem juntos ir buscar em suas casas o Reinado Festeiro para o início da
missa. Neste momento tive de deixar a Festa.
“Quem comanda a narração
não é a voz: é o ouvido.”
Ítalo Calvino, “As cidade Invisíveis”.
Referências Bibliográficas:
BENJAMIN, Walter. O Narrador. In: LOPARIC, Zeljko; FIORI, Otília B. (Org). Os
Pensadores XLVIII: Textos Escolhidos. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1975. p. 6381.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL,
1983.
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Neste percurso cantou-se também sobre a disposição