UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO MÔNICA MARIA DE AZEVEDO A PRODUÇÃO DE SENTIDOS PARA O BRINCAR EM UM CONTEXTO DE EDUCAÇÃO FORMAL E SUA REPERCUSSÃO NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA Niterói – RJ 2006 2 MÔNICA MARIA DE AZEVEDO A PRODUÇÃO DE SENTIDOS PARA O BRINCAR EM UM CONTEXTO DE EDUCAÇÃO FORMAL E SUA REPERCUSSÃO NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA Dissertação apresentada ao Programa de PosGraduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Campo de Confluência. Linguagem, Subjetividade e Cultura. Orientadora. Profa. Dra. Eda Maria de Oliveira Henriques Niterói – RJ 2006 3 MÔNICA MARIA DE AZEVEDO A PRODUÇÃO DE SENTIDOS PARA O BRINCAR EM UM CONTEXTO DE EDUCAÇÃO FORMAL E SUA REPERCUSSÃO NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Campo de Confluência. Linguagem, Subjetividade e Cultura. Aprovada em setembro de 2006. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________________________ Profa. Dra. Eda Maria de Oliveira Henriques – Orientadora UFF - Universidade Federal Fluminense Profa. Dra. Adelaide Alves Dias Universidade Federal da Paraíba Profa. Dra. Edwiges Zaccur UFF – Universidade Federal Fluminense Niterói – RJ 2006 4 Este trabalho é dedicado a professores, pais, educadores, enfim, a todos que, como eu, acreditam na importância de se preservar, como necessidade saudável do ser, a criança existente dentro de cada um de nós e de compreender que o brincar é a mais simples, mas também a mais rica e complexa forma de expressão dessa criança interior. Aos meus filhos, que por não terem, ainda, reprimido esta criança interior, a todo o momento, durante a execução deste trabalho, a faziam presente através de suas brincadeiras, para que eu mesma não me esquecesse disso. A todas as crianças que, ao seu modo, me encantam com o seu brincar. 5 AGRADECIMENTOS - A Deus, meu Senhor e meu Guia em todos os momentos da minha vida; - Aos meus filhos, fonte viva da minha inspiração para a confecção deste trabalho; - Ao meu amado marido, pela força, incentivo e ajuda; - Aos meus familiares, pelo apoio, compreensão e respeito aos necessários momentos de afastamento; - À Eda Henriques, minha orientadora e amiga, colega de departamento, pela paciência, força, colaboração e preciosa orientação; - À Profª Drª Edwiges Zaccur, pelos saberes compartilhados durante o curso de Mestrado e por sua colaboração e participação nas bancas de qualificação e defesa, desta dissertação; - À Profª Drª Adelaide Alves Dias, que gentilmente aceitou o convite para participar da banca de defesa deste trabalho; - A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação, pelos saberes compartilhados; - Ao Departamento de Fundamentos Pedagógicos da Universidade Federal Fluminense pela aceitação do meu pedido de afastamento para capacitação; - Aos amigos do Campo de Confluência Linguagem, Subjetividade e Cultura, pela amizade; - À direção da Escola Municipal Prof. Paulo de Almeida Campos onde a pesquisa se realizou; - À Prof. Daniele, professora da Escola Municipal Prof. Paulo de Almeida Campos, pela sua cooperação na realização da pesquisa. 6 Brincando é a maneira pela qual a criança aprende o que ninguém pode ensiná-la. (Laurence Frank) 7 SUMÁRIO I - INTRODUÇÃO ............................................................................................................11 1.1– A escolha do objeto de pesquisa .................................................................................13 1.2– Os objetivos do trabalho .............................................................................................17 1.3– Os caminhos percorridos ............................................................................................18 II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...........................................................................19 2.1– Vygotsky e o desenvolvimento da função simbólica na criança ................................21 2.2– O brincar de faz-de-conta – uma revolução entre o significado e a ação ...................28 2.3– Uma concepção precursora da linguagem escrita e sua conseqüência pedagógica............................................................................................32 2.3.1- O papel do brincar e a zona de desenvolvimento proximal ......................................36 2.3.2 – A relação entre pensamento e linguagem – um importante aspecto do desenvolvimento ................................................................................................38 2.3.3- A linguagem escrita concebida como conceito científico e desafios de sua aprendizagem ...........................................................................................................41 2.4 – Contextos sócio-institucionais e a instituição de sentidos .........................................45 2.4.1- Wertsch e os contextos sócio-institucionais .............................................................46 2.4.2- Baquero e a abordagem vygotskyana no contexto de ensino ...................................49 2.4.3- O ambiente na pedologia de Vygotsky ....................................................................51 III – METODOLOGIA ....................................................................................................54 3.1- Encaminhamento da pesquisa e observações preliminares .........................................57 3.2- O contexto da escola e seus espaços ...........................................................................58 3.3- Os sujeitos da pesquisa ...............................................................................................61 3.4- Procedimentos de coleta de dados ..............................................................................61 3.5- Procedimentos para a análise dos dados .....................................................................63 8 IV–ANÁLISES PRELIMINARES ..................................................................................65 4.1- O brincar e seus espaços na escola ..............................................................................65 4.2- O brincar e seus espaços dentro da sala de aula ..........................................................78 4.3- Conversando com a diretora da escola ........................................................................78 4.4- O brincar e as práticas pedagógicas em sala de aula ...................................................81 4.5- A entrevista com a professora da turma ......................................................................86 V – DIALOGANDO COM A ANÁLISE DE DADOS ..................................................90 VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................93 BIBLIOGRAFIA ..............................................................................................................95 ANEXO 1 – REGISTROS DE OBSERVAÇÕES ........................................................101 ANEXO 2 – ENTREVISTA COM A PROFESSORA DA TURMA .........................127 ANEXO 3 – ENTREVISTA COM A DIRETORA DA ESCOLA .............................133 9 RESUMO A pesquisa investiga a produção de sentidos para o brincar em um contexto sócio-institucional de educação formal. O foco desta pesquisa é fazer uma discussão sobre os sentidos atribuídos ao brincar tanto pela escola, através da forma como ela organiza e circunscreve esta atividade nos seus espaços, quanto pela professora através de suas práticas pedagógicas de sala de aula, em um contexto de educação formal específico. Esta discussão foi sustentada pela definição conceitual que Vygotsky realiza sobre os processos de interação e mediação, sobre a relação sentido/significado e a importância do contexto na sua constituição, enriquecida pelas contribuições de Wertsch sobre a importância dos contextos sócio-institucionais e as contribuições de Baquero em relação à mediação das práticas pedagógicas. Os instrumentos utilizados foram: observação das práticas pedagógicas em uma classe de alfabetização, observação dos usos dos espaços com possibilidades para o brincar fora da sala de aula e de entrevistas com a diretora e a professora da escola. A análise das falas da professora, como também da diretora da escola, foram realizadas através da Análise de Conteúdo, a partir da qual foram estabelecidas subcategorias de análise. O cruzamento dos dados das análises realizadas e das observações apontaram que os sentidos atribuídos ao brincar neste contexto específico de educação formal relacionam o mesmo a transgressão, perigo e normatização de conteúdo, repercutindo deste modo no desenvolvimento da função simbólica que caracteriza o processo de aquisição da linguagem escrita. Palavras-chave: brincar, contexto sócio-institucional e linguagem escrita. 10 ABSTRACT This research investigates the production of meaningful playing in a social institucional context of formal education. The focus of this research is in such a way to make a quarrel on the directions attributed when playing for the school, through the form as it organizes and circumscribes this activity in its spaces, how much for the teacher through its of pedagogical practical classroom, in a specife context of formal education. This quarrel was supported by the conceptual definition that Vygotsky carries through on the processes of interaction and mediation, on the relation sensible/meant and the importance of the context in its constitution, enriched for the contributions of Wertsch on the importance of the social institucional contexts and the contributions of Baquero in practical relation to the mediation of the pedagogical ones. The used instruments had been:observation of pedagogical practices in a literacy classroom and places outside the classroom where children can play, as well as interviews with the principal and the teacher. The analysis of the interviews was done through the Analysis of Content, from which were established subcategories of analysis. The crossing of the data analyses and observations show the different meanings attributed to playing in this specific context of formal education the same relate the trespass, danger and regulation of content, reverberating in the development of the symbolic function that characterizes the process of acquisition of the written language. Word-key: to play, social-institucional context, written language 11 I - INTRODUÇÃO A proposta deste trabalho de dissertação de Mestrado é o de realizar uma discussão e uma análise sobre a produção de diferentes sentidos para o brincar em um contexto sócioinstitucional (Wertsch, 1995) de educação formal e sua repercussão no processo de aquisição da linguagem escrita. Atualmente, uma vasta literatura documenta a importância do brincar na formação, na aprendizagem e no desenvolvimento da criança enfatizando que "o brincar é coisa séria" como afirmou Vygotsky (2000a), e necessária ao homem em qualquer idade. Neste sentido, o brincar é uma importante atividade para o desenvolvimento integral dos seres humanos, inclusive para a sua aprendizagem. O brincar, independentemente da época, da classe social e da cultura, está presente em todas as fases da vida dos seres humanos. É um processo histórico e socialmente construído sendo um ingrediente indispensável no relacionamento entre as pessoas, possibilitando o aprender a viver socialmente, o respeitar regras, o interagir de forma mais organizada com o mundo e desenvolver habilidades cognitivas. Para a criança o brincar possibilita a busca de parceiros e a exploração de objetos; a comunicação com seus pares através de múltiplas linguagens; a descoberta de regras e a tomada de decisões. Segundo Vygotsky (2000a), principal representante da Psicologia sócio-histórica, a importância do brincar sobre a aquisição da linguagem escrita está diretamente relacionada com o desenvolvimento da função simbólica, através da aquisição e uso de signos pela criança. Um dos pilares da abordagem vygotskyana é a tese de que os processos mentais só podem ser entendidos se pudermos compreender como os instrumentos e signos atuam como mediadores na relação sujeito-objeto do conhecimento. O termo signo é utilizado por Vygotsky (apud Wertsch, 1995) com o sentido de “possuidor de significado”. Os sistemas de 12 signos produzidos culturalmente são internalizados pelos sujeitos provocando transformações comportamentais e estabelecendo uma relação entre as formas iniciais e posteriores de desenvolvimento. Para o autor, o brincar de faz-de-conta possibilita à criança uma representação do mundo real, atribuindo aos objetos uma função de signo e lhes dando significado. Esta possibilidade de representação simbólica no brincar de faz-de-conta se torna, assim, o fator essencial na aquisição da linguagem escrita uma vez que, para Vygotsky (2000a), esta é “uma forma particular de linguagem num estágio precoce, atividade essa que leva, diretamente, à linguagem escrita” (p.147). Deste modo, a importância do brincar, na concepção vygotskyana da aquisição da linguagem escrita, reside na analogia que a criança percebe, ao longo do seu desenvolvimento que, assim como objetos podem simbolizar outros objetos e até pessoas, a linguagem escrita, como um sistema de signos, designa os sons e as palavras da linguagem falada. Os estudos de Vygotsky (2000a) sobre o brincar, especialmente sobre o brincar de faz-de-conta das crianças, o levaram a argumentar que nesta atividade há um limite permeável entre aquilo que é real e aquilo que é imaginário. Neste sentido, estas duas instâncias estão se influenciando reciprocamente a todo instante. Assim, levando em conta a importância do brincar para o processo de desenvolvimento e conhecimento da criança, o foco desta dissertação é fazer uma investigação sobre os sentidos atribuídos ao brincar tanto pela escola, através da forma como ela organiza e circunscreve esta atividade nos seus espaços, quanto pela professora através de suas práticas pedagógicas e analisar a repercussão destes sentidos na aquisição da linguagem escrita. Desta forma, esta discussão será sustentada pela definição conceitual que Vygotsky realiza sobre os processos de interação e mediação, sobre a relação sentido/significado e a importância do contexto na sua constituição, enriquecida com as contribuições de Wertsch (1995) sobre a importância dos contextos sócio-institucionais e as contribuições de Baquero (2001) em relação à mediação das práticas pedagógicas. É importante assinalar que do ponto de vista teórico adotado não há uma correspondência temporal no desenvolvimento da linguagem oral e o desenvolvimento da linguagem escrita, isto é, a linguagem oral começa muito antes da linguagem escrita e que, segundo Vygotsky (2000a), "as funções psicológicas sobre as quais se baseia a escrita nem terem começado a se desenvolver de fato quando o ensino da escrita tem início e este tem que se basear em processos rudimentares que mal começaram a surgir" (p.125). 13 Partindo destes princípios, os principais questionamentos da pesquisa são: 1) Que sentidos sobre o brincar são produzidos através das práticas instituídas pela escola e pela professora de uma classe de alfabetização? 2) Qual a repercussão destas produções de sentido para o brincar sobre o processo de aquisição da linguagem escrita? Tais questões centrais são permeadas pelo desafio de refletir como o brincar pode se inserir no processo de aquisição da linguagem escrita sem se tornar uma prática pedagogizada, perdendo assim seu potencial criativo e imaginativo. 1.1 – A escolha do objeto da pesquisa: A escolha do objeto da pesquisa originou-se no grande interesse despertado em disciplinas de cursos de pós-graduação lato sensu - "Alfabetização" e "Psicopedagogia" - onde o brincar esteve presente em muitas discussões, inclusive na conclusão de que o ato de brincar não é uma atividade exclusivamente infantil e que deveria ser preservada ao longo da vida adulta porque se caracteriza como uma atividade na qual o ser humano consegue ser verdadeiro, criativo e livre para se expressar. Segundo alguns psicanalistas (Winnicott, 1975; Oklander, 1980, entre outros), não só as crianças como também os adultos quando brincam, recriam a si mesmos e o mundo, dando aos objetos novas significações, transformando a realidade naquilo que realmente ela lhe parece. Deste modo, o brincar está profundamente ligado à aprendizagem e é através dele que, principalmente as crianças, descobrem o seu papel no mundo. 14 E quanta coisa se aprende brincando! Entretanto, a atividade lúdica¹ ainda tem sido tratada superficialmente e muitas lacunas de conhecimento têm ficado pelo caminho. O brincar tão importante não só para o desenvolvimento como para a saúde mental do ser humano, um espaço para a expressão mais genuína do ser, merece uma atenção especial de pais e educadores. O crescente interesse pelo brincar na escola por parte de vários autores como Kishimoto (1998), Brougère (1995), Friedmann (1996), Wajskop (1999), dentre outros, sugere a importância e a necessidade de se pesquisar o quanto esta atividade é relevante para a vida, para a aprendizagem e, segundo Vygotsky (2000a), para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores das crianças. Estando nós, professores e educadores, de maneira geral, em constante tensão entre as propostas teóricas e a nossa prática pedagógica, torna-se um desafio permanente extrair das teorias uma aplicação prática para o processo pedagógico. Assim sendo, buscamos articular teoria e prática, fazendo uma reflexão sobre o brincar infantil, o desenvolvimento das funções simbólicas da criança e a construção da linguagem escrita visando combinar a produção do conhecimento e o objetivo de prestar serviço a uma educação pública de qualidade, fortalecendo o vínculo entre a pesquisa e o compromisso social. Considerando-se que a importância do brincar seja reconhecida por pais e professores como parte do processo educativo e evolutivo, nesta perspectiva, a escola deveria ter o papel de atentar para a necessidade de atividades para as crianças que levassem em conta o brincar, ajudando-as na evolução dos seus processos psicológicos e fazendo parte na construção de seu mundo de significados. É preciso se encurtar as distâncias entre os discursos sobre o brincar infantil e o que realmente as crianças estão nos mostrando com suas brincadeiras. É preciso aceitar que a criança é uma produtora e divulgadora de sua cultura, e que o brincar é seu canal de comunicação entre o presente e o passado. ______________ ¹ É importante ressaltar que a expressão “atividade lúdica” neste trabalho está se referindo, de forma ampliada, a todas as atividades que envolvem o brincar, seja o brincar de faz-de-conta, o jogo, o brinquedo ou a brincadeira, por serem estas atividades muito próximas e, até superpostas, quase que impossível delimitar. 15 A entrada da criança no mundo do brincar de faz-de-conta inicia uma nova fase de seu desenvolvimento, uma fase em que ela se torna capaz de lidar com a realidade, com os simbolismos e com as representações. A partir deste momento, a criança não depende, necessariamente, da presença de objetos para brincar, ela criará situações de faz-de-conta e representará estes objetos ausentes, através da verbalização. Ao brincar, uma atividade cultural complexa, a criança é capaz de combinar a ficção com a realidade, isto é, brincando a criança trabalha com informações, dados e percepções da realidade, mas na forma de ficção. É através da brincadeira que a criança se coloca diante do mundo social e físico, interagindo com ele, escolhendo na realidade, a partir de observações e de sua própria vivência, as temáticas para o seu brincar. As famosas brincadeiras de faz-de-conta, além de exercitarem a imaginação que surge da ação da criança, demonstram como elas enxergam o mundo, permitindo o iniciar no mundo adulto e antever os seus diversos papéis sociais futuros. Segundo Vygotsky (2000b), este processo dialético entre a criança e o mundo tem na linguagem um dos signos mais importantes do seu desenvolvimento, constituindo-se na condição mais importante para o desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores da criança. Vygotsky (2000a) afirmava que, além da função comunicativa, a linguagem é um instrumento do pensamento. A linguagem humana é um sistema simbólico fundamental na mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento, no processo de mediação das relações sociais, por meio do qual o homem se individualiza, se humaniza, apreende e materializa o mundo das significações que é construído, através das interações, no processo social e histórico. É através do brincar, uma atividade social e cultural, que a criança constrói o mundo, muitas vezes expressando aquilo que tem dificuldades de expressar através de palavras. Por outro lado, a linguagem escrita que consiste em um sistema extremamente sofisticado de representação da realidade, se constitui como um conjunto de símbolos de segunda ordem, isto é, os símbolos escritos funcionam como designações dos símbolos verbais. De acordo com Vygotsky (2000a), a "linguagem escrita como tal é, um sistema particular de símbolos e signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento cultural da criança" (p.140), que tem como uma de suas etapas fundamentais a brincadeira de faz-de-conta. Mais que uma necessidade, o brincar de faz-de-conta contribui para o desenvolvimento desta função simbólica ou da função do signo na criança. Embora se 16 faça referência à espontaneidade da criança ao brincar, na verdade, a complexidade do brincar de faz-de-conta irá depender das experiências que, vividas pela criança, enriquecem seu repertório de vivências e nutrem seu imaginário. Para Vygotsky (2000a), as formas instituídas de construção de conhecimento, principalmente o processo de ensino/aprendizagem escolarizado, têm um papel fundamental no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Segundo o autor, os contextos sócio-institucionais são decisivos, através das interações e mediações, na produção de sentidos aos processos de conhecimento e práticas sociais. Em função da divulgação de uma vasta literatura sobre o assunto, percebemos certa influência nos discursos dos professores em relação à importância dada ao brincar, embora, muitas vezes o que se veja é a enorme dificuldade em trazer estas contribuições para a prática pedagógica, o que acaba instituindo sentidos para o brincar que podem influenciar na aquisição da linguagem escrita. Assim, a criança tem que lidar com os sentidos que as práticas pedagógicas instituídas atribuem ao brincar, não só pela professora, como também pela escola que, certamente, poderão afetar seu processo de aquisição da linguagem escrita e, por isso, a necessidade de se realizar um estudo sobre a institucionalização do sentido do brincar pelos professores e pela escola e suas conseqüências para o processo de aquisição da linguagem escrita. Embora, os Referenciais Curriculares de Educação Infantil e as Diretrizes Curriculares de Educação Infantil assinalem o brincar como um dos eixos da Educação, e a adoção das teorias de Piaget e Vygotsky na elaboração de projetos pedagógicos, pois, o elejam como atividade relevante e predominante na idade infantil, a integração do brincar em um projeto pedagógico para a aquisição da linguagem escrita continua um desafio ao qual este trabalho procurará se dedicar. Acreditando, pois, que a partir de nossas reflexões possamos contribuir para que propostas pedagógicas com relação à aquisição da linguagem escrita que levem em consideração a importância do brincar de faz-de-conta da criança possam surgir, é que nos propusemos a desenvolver esta pesquisa procurando atender aos objetivos mencionados a seguir. 17 1.2 – Os objetivos do trabalho: Os objetivos gerais da pesquisa são: - Discutir a importância do brincar para o processo de aquisição da linguagem escrita, a partir da argumentação teórica de Vygotsky e de contribuições de pós-vygotskyanos como Wertsch e Baquero. - Fazer uma reflexão sobre a produção de sentidos para o brincar em contextos sócioinstitucionais de educação e sua repercussão no processo de aquisição da linguagem escrita. - Contribuir para propostas pedagógicas de classes de alfabetização. A partir desses objetivos gerais decidimos pelos objetivos específicos de: - Sistematizar a contribuição de Vygotsky sobre a relação entre o brincar e a aquisição da linguagem escrita. - Identificar e analisar a produção de sentidos para o brincar nas práticas pedagógicas de uma classe de alfabetização. - Identificar e analisar a produção de sentidos para o brincar nas práticas e nos usos de espaços com possibilidades para brincar fora de sala de aula. - Refletir e analisar a repercussão da produção destes sentidos para a aquisição da linguagem escrita. 18 1.3 – Os caminhos percorridos: A intenção inicial da pesquisa, que se tornou mais forte após a qualificação do projeto de pesquisa, era manter o foco central de observação sobre o processo de aquisição da linguagem escrita, através do brincar das crianças, em sala de aula. Entretanto, em função das limitações dos espaços e dos usos do brincar em sala de aula, tornou-se mais difícil a manutenção deste foco de observação. A partir desta limitação, surgiram questionamentos sobre o porquê destas limitações que não se restringiam à sala de aula, mas se estendiam a outros espaços da escola, levando a pesquisadora a se perguntar sobre as conseqüências desta circunscrição institucional do brincar para a produção de sentidos sobre o mesmo e sua repercussão no processo de aquisição da linguagem escrita. Deste modo, o foco da pesquisa deslocou-se para as práticas pedagógicas de sala de aula e para o uso dos espaços com possibilidades para o brincar dentro da escola, procurando entender os sentidos atribuídos ao brincar nestes espaços e sua repercussão no processo de aquisição da linguagem escrita. Iniciou-se a pesquisa com as observações das práticas pedagógicas de sala de aula e observações dos usos dos espaços com possibilidades para o brincar, fora da sala de aula, para se verificar a existência do brincar dentro da escola. Mediante análise das entrevistas com a diretora da escola e uma professora de uma classe de alfabetização, procurou-se verificar os sentidos atribuídos ao brincar dentro da escola. O cruzamento dos dados coletados foi realizado no sentido de se verificar a produção de sentidos para o brincar neste contexto específico de educação formal e a sua repercussão no processo de aquisição da linguagem escrita, uma vez que dentro da concepção sócio-histórica de Vygotsky (que será aprofundada a seguir), o brincar tem papel essencial no desenvolvimento da função simbólica da criança, aspecto fundamental para o desenvolvimento da noção de representação da escrita. 19 II - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Antes de aprofundar o referencial teórico que sustentou este trabalho de pesquisa, é importante ressaltar que mesmo entre teóricos de uma mesma área de conhecimento ou de outra, as definições para o brincar, o jogo, o brinquedo e a brincadeira podem variar e variam. A relevância do brincar vem de longa data. Muitos filósofos destacavam o papel do brincar na educação, entretanto, é com Fröebel, o primeiro filósofo a justificar o uso do jogo (uma forma de brincar) para educar crianças pré-escolares, que este passa a fazer parte do currículo da educação, principalmente da educação infantil. Segundo sua concepção o brincar é visto como auto-atividade, expressão das capacidades da criança. ... Brincar é a fase mais importante da infância – do desenvolvimento humano neste período – por ser a auto-ativa representação do interno – a representação de necessidades e impulsos internos. ... A brincadeira é a atividade espiritual mais pura do homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquanto um todo – da vida natural interna no homem e de todas as coisas. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com o mundo... A criança que brinca sempre, com determinação auto-ativa, perseverando, esquecendo sua fadiga física, pode certamente tornar-se um homem determinado, capaz de auto-sacrifício para a promoção do seu bem e de outros... Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação. (Fröebel, 1912, apud Kishimoto, 1998). A orientação froebeliana dominou a educação infantil por cinqüenta anos até a sua modificação feita por Dewey que concebe o brincar como uma atividade livre, como uma forma de apreensão dos problemas do cotidiano. Paralelamente, na Europa, Montessori e Decroly divulgavam a importância de materiais pedagógicos que pudessem ser explorados livremente e a noção de jogos educativos como uma mistura de ação lúdica e ao mesmo tempo uma orientação para o professor com o objetivo de promover a aquisição de conteúdos, o desenvolvimento de habilidades e, 20 simultaneamente, o desenvolvimento integral da criança. Assim, foram Fröebel, Montessori e Decroly os primeiros a tentar romper com a educação essencialmente verbal e tradicionalista de suas épocas, propondo uma educação baseada na utilização de jogos e materiais didáticos que traduzissem por si a crença em uma educação natural baseada nas necessidades infantis. Na proposta freudiana, o brincar possibilita a superação de uma situação traumática e, nesta concepção, o brincar aparece na educação infantil como mecanismo de defesa de impulsos não satisfeitos. Neofreudianos como Erikson, Winnicott, entre outros, destacam a importância do brincar no desenvolvimento emocional da criança elencando-o como um elemento importante frente às pressões sócio-culturais. O brincar é a representação dos processos internos da criança e o que possibilita a compreensão do sentido dos atos infantis. Com o crescente interesse sobre a natureza psicológica do desenvolvimento infantil vários nomes como Piaget, Gesell, Erikson, Wallon, Bruner e Vygotsky ganharam destaque. Atualmente, mais especificamente com relação ao desenvolvimento da função simbólica e o papel da brincadeira, temos em evidência os representantes da psicologia psicogenética como Wallon, Piaget e Vygotsky. Que o brincar “é coisa séria” isto já está bem evidenciado pela literatura existente. Assim, diversas perspectivas teóricas como a sócio-interacionista, a cognitivista e a Psicanálise tentaram explicar a gênese da representação dramática, o faz-de-conta, na criança. Neste trabalho o termo brincar será utilizado na perspectiva estudada por Vygotsky que destaca a importância do brincar de faz-de-conta para o processo de desenvolvimento da função simbólica e da linguagem escrita. Vygotsky (2000a) indica a relevância de brinquedos e brincadeiras como indispensáveis para a criação da situação imaginária, revelando que o imaginário só se desenvolve quando se dispõe de experiências que se reorganizam. Muitos pesquisadores já confirmaram que as atividades lúdicas e, em especial o brincar de faz-de-conta, são as molas mestras na fase do desabrochar para a leitura e escrita, pensamento este compartilhado e desenvolvido por Vygotsky dentre outros autores na atualidade. É através do brincar que vão se desenvolver itens essenciais para a lecto-escrita, tais como: a emoção, a organização, a independência e a segurança pelo envolvimento com a atenção, discriminação, coordenação e tantos outros itens. Neste sentido é que o referencial teórico escolhido para fundamentar esta dissertação é a concepção sócio-histórica de Vygotsky pela sua contribuição sobre a importância do brincar de faz-de-conta para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e do processo de aquisição da linguagem escrita, acrescida da colaboração de pós-vygotskyanos 21 como Wertsch e Baquero através de suas discussões sobre a importância da mediação dos contextos sócio-institucionais na produção de sentidos para o processo de conhecimento. 2.1 – O desenvolvimento da função simbólica na criança Um dos conceitos centrais da teoria de Vygotsky (2000a) é o conceito de mediação. Este conceito nos remete ao pressuposto de que a relação do homem e o objeto do conhecimento não se dá de forma direta, mas sim, é uma relação mediada, onde os sistemas simbólicos servem de elementos de ligação entre o homem e o meio. Estes elementos de ligação ou elementos mediadores tornam a interação homem/meio mais complexa. Vygotsky (2000a) argumenta que no curso do desenvolvimento humano as relações mediadas se tornam cada vez mais freqüentes que as relações diretas. O autor distingue dois tipos de elementos mediadores dessa relação, os instrumentos e os signos. Os sistemas de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de números), assim como o sistema de instrumentos, são criados pelas sociedades ao longo do curso da história humana e mudam a forma social e o nível de seu desenvolvimento cultural (Vygotsky, 2000 a, p. 9). Citando o autor, “a analogia básica entre signo e instrumento repousa na função mediadora que os caracteriza” (p.71), ou seja, assim como os instrumentos físicos mediam a relação com o mundo, os signos também se constituem como atividade mediada. A diferença entre o instrumento e o signo deve-se a forma como estes conduzem o comportamento. Os instrumentos têm como função conduzir a ação humana sobre o objeto da atividade Os instrumentos são elementos externos ao indivíduo, criados socialmente e utilizados pelo homem para transformar a natureza e, com isso, transformar a si mesmo. Os signos, ao contrário dos instrumentos, são orientados internamente e se constituem como uma atividade de controle do próprio sujeito, portanto, uma atividade no campo psicológico, não alterando em nada o objeto na operação psicológica. Os signos, ou como Vygotsky os chamou, instrumentos psicológicos, se orientam para dentro do próprio indivíduo e servem como ferramentas auxiliares nas atividades psicológicas. 22 O processo de mediação, que ocorre a partir da utilização dos instrumentos e dos signos, é essencial no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Segundo a concepção vygotskyana, as funções psicológicas superiores têm a sua gênese na vida social, ou seja, em atividades compartilhadas com outros. O homem adquiriu traços especificamente humanos quando, através da interação social com outros, foi capaz de dominar o conhecimento incorporado na cultura humana. Um dos argumentos de Vygotsky (2000a), é o de que a aprendizagem e o desenvolvimento estão intimamente relacionados desde o início da vida, através de interações entre o meio físico e o social. Muito antes de a criança entrar na escola, passa por várias situações de aprendizagem, entretanto, se referindo especificamente ao desenvolvimento cognitivo, a aprendizagem em contextos de ensino ou o ensino escolar terá uma especificidade crucial, pois, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores dependerão da participação do sujeito em situações sociais específicas, não se desenvolvendo naturalmente a partir de processos elementares. É através do uso de instrumentos e da aquisição da linguagem como um sistema simbólico que o desenvolvimento dá um salto qualitativo muito grande. Nesse processo de interação, a linguagem desempenha um papel fundamental, pois é um signo mediador por excelência – carrega na sua essência, os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana. Para Vygotsky (2000a), há uma unidade dialética entre pensamento e linguagem. Em suas investigações Vygotsky (2001) tentou descobrir a relação interior entre pensamento e a linguagem. Segundo suas conclusões, pensamento e linguagem se originam e são constituídos no processo de desenvolvimento histórico da consciência humana e, portanto, são produtos das interações sociais. Para o autor, esses processos, pensamento e linguagem, não são processos independentes e isolados que, em algum momento do desenvolvimento, se encontram, originando o pensamento verbal. O pensamento verbal é constituído pela união entre pensamento e fala. Neste sentido, Vygotsky (2001) se opõe a abordagens teóricas cuja concepção é a de fragmentação desses dois processos. Ainda que exista um período prélingüístico do pensamento e um período pré-intelectual da fala no desenvolvimento da criança e, embora esses processos não tenham nenhum vínculo primário, ambos têm uma unidade em comum, isto é, um elemento mais simples que os une e que contém todas as propriedades necessárias à compreensão do todo que é o significado da palavra. 23 Como o próprio Vygotsky (2000b) afirma, “o significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento” (p.150). Isto significa dizer que o significado da palavra é, ao mesmo tempo, um fenômeno verbal e um fenômeno intelectual. ... o significado das palavras só é um fenômeno do pensamento apenas na medida em que o pensamento está ligado à palavra e nela materializado e vice-versa; é um fenômeno da linguagem apenas na medida em que a linguagem está ligada ao pensamento e iluminado por ele. (Vygotsky, 2001, p. 398). No dizer de Vygotsky (2001), o significado é indispensável à palavra, que sem ele, é apenas um som vazio, o que muitas vezes pode nos levar a crer que o significado seja apenas um fenômeno da fala. Entretanto, o significado da palavra se constitui um ato intelectual do ponto de vista psicológico e expressa uma generalização ou conceito. “É no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal” (Vygotsky, 2000b, p. 5). Sendo a generalização e o conceito atos do pensamento, assim, também, podemos considerar o significado da palavra como um fenômeno do pensamento. Para o autor, o significado é a parte inalienável da palavra e, desse modo, tanto pode pertencer ao domínio da linguagem quanto do pensamento. Vygotsky (2001) afirma que o significado da palavra “é a própria palavra vista no seu aspecto interior” (p.398). Em sua concepção, cada palavra é uma generalização uma vez que não se refere a um objeto isoladamente, mas sim, a um grupo ou classes de objetos. Segundo esta abordagem, além da função de comunicação, a linguagem se torna um instrumento do pensamento fornecendo conceitos e formas de organizar o real que estabelecem a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Para o autor, a atividade simbólica possui uma função organizadora que a partir do uso de instrumentos produzirá novas formas de comportamento. Vygotsky (2000a) aponta que o desenvolvimento intelectual da criança dá um salto qualitativo quando a fala e a ação se unem. A relação entre a fala e a ação é fundamental ao desenvolvimento da criança. No início do desenvolvimento, a fala acompanha a ação da criança revelando o caminho percorrido pela criança na solução de problemas. Mais tarde, a fala se desloca ao início deste processo e precede a ação da criança. A atividade prática da criança é acompanhada pela sua fala que tem o papel específico de organizar a sua ação, produzindo novas formas de comportamento. 24 ... o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem (Vygotsky, 2000 a, p. 33). Com o intuito de alcançar seus objetivos, a criança não só age como também fala. Esta fala não é somente o relato de sua ação, como também, faz parte de uma mesma função psicológica complexa, que está sendo dirigida para se atingir um determinado objetivo. Quando a fala e o uso de signos são incorporados às ações da criança, abre a possibilidade de que ela aja além do uso dos instrumentos. Com a ajuda da fala a criança controla o ambiente antes de controlar o seu comportamento, o que produzirá novas relações com este ambiente e uma organização do seu próprio comportamento. A fala da criança que inicialmente mais parece uma descrição e uma análise daquilo que está fazendo, adquire a função de planejamento dirigindo o seu comportamento para a solução de problemas. A fala adquire uma importância tão vital no desenvolvimento que se às crianças pequenas não for permitido o uso da fala, quanto mais complexa for a situação e menos direta a solução, mais difícil se torna a resolução desta situação. Utilizando-se das palavras como uma espécie de estímulo no processo de solução de problemas, a criança cria um plano de ação para a solução destes e ainda é capaz de torná-las úteis no planejamento de suas ações futuras. A fala possibilita, assim, que a criança seja ao mesmo tempo sujeito e objeto de seu próprio comportamento. A constituição das funções complexas do pensamento veiculada através das interações sociais, tem na fala o fator de maior peso nestas interações. ... a capacitação especificamente humana para a linguagem habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um problema antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento. Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais (Vygotsky, 2000a, p. 38). Ao tomar posse dos significados expressos pela linguagem, estes são aplicados pela criança, ao seu mundo de conhecimento e às suas experiências. Pela interação verbal com adultos e crianças mais velhas, a criança “reajusta” estes significados aos conceitos que predominam no grupo cultural e lingüístico do qual faz parte. É deste modo que novas 25 relações com o ambiente, bem como, novas organizações de seu próprio comportamento são produzidas. É alterando ou criando novos significados para os objetos que se desenvolve a função simbólica. ... a atividade de utilização de signos nas crianças não é inventada e tampouco ensinada pelos adultos; ao invés disso, ela surge de algo que originalmente não é uma operação com signos, tornando-se uma operação desse tipo somente após uma série de transformações qualitativas. (Vygotsky, 2000 a, p. 60). Neste processo a aprendizagem da linguagem escrita ocupa um papel de destaque para Vygotsky no processo de desenvolvimento. Como acontece em relação ao brincar, existe também a divulgação de uma vasta literatura sobre a aquisição da linguagem escrita. Ainda assim, se mantêm algumas práticas pedagógicas que a compreendem como desenvolvimento das habilidades motoras da criança, uma forma mecanicista de entender esta aquisição. Vygotsky (2000a), já em sua época, discutia e criticava o fato do ensino da linguagem escrita se basear em um ensino mecânico de como desenhar as letras e com elas formar palavras. A aquisição da linguagem escrita, entendida por Vygotsky (2000a), está intimamente relacionada ao desenvolvimento cultural da criança, já que se relaciona com o domínio de um sistema externo de meios elaborados e estruturados no processo de desenvolvimento cultural da humanidade. Esta aquisição é o resultado de um longo processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores, pois se caracteriza como o desenvolvimento de um sistema de signos extremamente complexo que designa os sons e as palavras da linguagem falada. A linguagem escrita é a conversão da linguagem falada em um sistema de signos que simboliza as entidades reais e suas relações. Tal é a sua complexidade que não se pode supor que este processo seja alcançado mecanicamente. Segundo Vygotsky (2000a), para se chegar à compreensão do desenvolvimento da linguagem escrita é preciso percorrer a história do desenvolvimento dos signos na criança. Esta compreensão não é tão fácil tendo em vista que o desenvolvimento da linguagem escrita na criança é cheio de descontinuidades e não um processo unificado de desenvolvimento, isto é, seu curso apresenta tanto evoluções como involuções o que dificulta a sua investigação. Igualmente à história do desenvolvimento cultural da criança, o desenvolvimento da linguagem escrita apresenta saltos, alterações ou interrupções no seu curso. Às vezes é como 26 se desaparecesse completamente, reaparecendo, em outro momento, não se sabe de onde, um novo curso desse desenvolvimento que, à primeira vista, parece não ter nexo algum de continuidade com o anterior. Vygotsky (2000a), em “A pré-história da linguagem escrita”, faz algumas reflexões sobre a natureza simbólica da linguagem apontando que o desenvolvimento da linguagem escrita começa quando aparecem os primeiros signos visuais na criança. A linguagem escrita, como já mencionado, é entendida como um sistema particular de signos, que envolve todo um sistema de representação simbólica da realidade, assim como outros sistemas simbólicos ou semióticos, entre eles o gesto, o jogo simbólico e o desenho, atividades de caráter representativo, ou seja, os signos são utilizados para representar significados. O autor abre a possibilidade desse processo de aquisição da linguagem escrita se ligar a estas atividades, o gesto, o desenho e o brincar, que fazem parte do desenvolvimento da função simbólica da criança. Estas atividades expressam o desenvolvimento da função simbólica na criança e representam um “continuum” desse desenvolvimento e culminam no desenvolvimento da linguagem escrita. O gesto, para o autor, corresponde ao primeiro signo visual que contém a futura escrita da criança. Assim, quando desenha, a criança tenta, através dos gestos, complementar aquilo que queria representar. Na concepção do autor, o desenho é a primeira escrita da criança. Os primeiros desenhos da criança são mais gestos do que desenhos propriamente ditos, isto é, a criança dramatiza o desenho através do gesto e os traços que desenha são complementos dessa representação gestual. Desta mesma forma, as crianças agem quando querem representar conceitos complexos ou abstratos. Assim, o desenho da criança não representa o objeto em si, mas sim suas propriedades. “El gesto es la escritura em el aire y el signo escrito es, frecuentemente, gesto que se afianza” (Vygotsky, 1995, p. 186). Outro sistema simbólico que une, segundo o autor, o gesto à linguagem escrita é o dos jogos infantis. Observando crianças brincando, podemos perceber que durante a brincadeira, alguns objetos podem representar outros, os substituindo e se convertendo em seus signos. A similaridade entre os objetos não é algo de importância para o autor, mas sim a possibilidade de representação que eles possam adquirir. O gesto da criança e o seu comportamento em relação ao objeto correspondente é que atribuirá a função de signo a este objeto dando-lhe sentido. 27 De acordo com Vygotsky (1995) podemos entender o jogo simbólico ou o brincar de faz-de-conta como um sistema de linguagem muito complexo que através dos gestos da criança informa e assinala o significado de diversos brinquedos. “O brinquedo simbólico das crianças pode ser entendido como um sistema muito complexo de ´fala` através de gestos que comunicam e indicam significados dos objetos usados para brincar” (Vygotsky, 2000a, p. 143). É através dos gestos indicativos da criança que o brinquedo e os objetos adquirem seu significado. ... para el niño que juega todo puede ser todo. La explicación la tenemos en que el objeto, por sí mismo, adquiere la función y el significado del signo gracias tan sólo al gesto que le atribuye tal significación. De aquí se desprende que el significado reside en el gesto y no en el objeto. (p. 188). No dizer de Vygotsky (2000a), assim como no desenho infantil, a representação simbólica no brinquedo é uma linguagem em estágio precoce que levará à linguagem escrita. Para ele, tanto a linguagem escrita quanto o brincar de faz-de-conta se constituem como simbolismos de segunda ordem que se tornarão, gradualmente, simbolismos diretos. O que o autor pretendeu demonstrar foi que tanto a linguagem escrita quanto o brincar de faz-de-conta são representações de relações entre objetos e situações e/ou de entidades reais. A linguagem escrita como representação dos sons e das palavras da linguagem oral e o brincar de faz-deconta como uma representação da realidade pela criança. “O brinquedo de faz-de-conta, o desenho e a escrita devem ser vistos como momentos diferentes de um processo essencialmente unificado de desenvolvimento da linguagem escrita e seria natural transferir o ensino da escrita para a pré-escola” (2000a, p.154), pois é deste muito cedo que a criança descobre a função simbólica da escrita. Embora não seja o foco desta dissertação, existe hoje em dia uma grande polêmica sobre a possibilidade de se iniciar o processo formal de aquisição da linguagem escrita na préescola que envolve autores como Montessori, Ferreiro e Teberovsky, além do próprio Vygotsky (2000a). Com relação ao domínio da escrita, o autor aponta para a importância de uma intervenção pedagógica intencional ou, em outras palavras, da mediação de outros indivíduos que compartilhem desse sistema simbólico, como o professor, por exemplo, pois a criança sozinha não tem condições de se apropriar deste sistema. 28 2.2 – O brincar de faz-de-conta – uma revolução entre o significado e a ação: Antes de falar sobre a brincadeira de faz-de-conta, inicialmente é necessário esclarecer o que Vygotsky (2000a) define como sendo brinquedo. Brinquedo, para ele, se refere ao ato de brincar de faz-de-conta, isto é, quando a criança utiliza-se de materiais para representar uma realidade ausente, momento no qual os objetos passam a assumir a função de signo. É no brinquedo que a criança cria uma situação imaginária, característica esta definidora do brinquedo. Contrariamente ao que se possa imaginar, em sua abordagem Vygotsky (2000a) afirma que o brinquedo “não é o aspecto predominante da infância” (p.133), embora se caracterize como fundamental ao desenvolvimento infantil. Segundo o autor, o brinquedo preenche as necessidades infantis. Estas necessidades incluem tudo o que é motivo para a ação. Para se entender o avanço nos estágios de desenvolvimento da criança é necessários estarmos atentos para as mudanças nas motivações, nas tendências e nos incentivos, atividades capazes de colocá-la em ação. Para o autor, durante a primeira infância a criança está presa às suas percepções imediatas e pelo que os objetos a motivam a fazer, ou seja, há uma fusão entre o significado e o que é visto. Percepção e motivação caminham juntas. Representando figurativamente esta razão, o objeto que se configura como dominante é o numerador, enquanto o significado, subordinado ao objeto, é o denominador. O objeto é o ponto central nesta razão. Quando há a separação entre o significado e o objeto real, “esta razão se inverte e o significado passa a predominar” (Vygotsky, 2000a, p. 129). É no brincar que o significado torna-se o ponto central e os objetos passam de uma posição dominante para uma subordinada. No brincar, os significados estão desligados dos objetos e ações a que estão usualmente relacionados, ou seja, a ação deixa de ser guiada pela determinação perceptual e passa a ser guiada pelo campo do significado. A ênfase é dada à ação e ao significado no brincar. Mesmo estando livre para determinar as suas ações no brincar, as ações da criança estarão subordinadas aos significados atribuídos aos objetos. A história do desenvolvimento da relação entre significado e ação é análoga à história do desenvolvimento da relação significado e objeto. No início do desenvolvimento da criança a ação é dominante, representando o ponto central, o numerador na razão. 29 Posteriormente, esta estrutura se inverte e o significado passa a ocupar o lugar central, o numerador e a ação passam para uma posição subordinada, de denominador. “A essência do brinquedo é a criação de uma nova relação entre o campo do significado e o campo da percepção visual, ou seja, entre situações no pensamento e situações reais” (Vygotsky, 2000a, p. 137). Vygotsky (2000a) aponta que é na idade pré-escolar que surgem na criança algumas tendências e desejos que não podem ser realizados de imediato. É, justamente neste momento, quando as crianças experimentam tendências irrealizáveis que surge o brincar de faz-de-conta. A tensão criada por aquilo que a criança deseja e a impossibilidade de esquecimento deste desejo ou de satisfaze-lo imediatamente é resolvida pelo envolvimento da criança num mundo ilusório e imaginário, chamado por Vygotsky (2000a) de brinquedo, onde estes desejos podem se realizar. Segundo o autor, a imaginação representante de uma atividade especificamente humana consciente surge como todas as funções da consciência, da ação. Vygotsky (1995) argumenta que é o desenvolvimento das necessidades irrealizáveis de imediato, durante os anos escolares, que possibilita o surgimento das situações de brinquedo uma vez que estas parecem surgir quando as crianças experimentam estas necessidades. É claro que nem sempre o que caracteriza uma situação de brinquedo é a presença de desejos não realizáveis, mas sim a situação imaginária que é uma característica que define o brinquedo. Vygotsky (2000a) não generalizou a idéia de que todos os desejos não satisfeitos da criança originam brinquedos e que as emoções surgidas no brinquedo signifiquem que a criança compreenda suas motivações, mas estabeleceu uma diferença entre o brincar e outras formas de atividade. No dizer do autor, é necessário compreendermos que motivações e em quais circunstâncias é criada a situação imaginária. Em “A formação social da mente”, Vygotsky (2000a) menciona a conclusão de vários pesquisadores de que o brincar que envolve uma situação imaginária é um brincar baseado em regras, isto é, não existe brincar sem regras. Para ele “a situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori” (p.124). É no brincar que a criança comporta-se de acordo com regras de comportamento que têm sua origem na situação imaginária. As regras determinarão o papel representado pela criança no brinquedo e sua relação com um objeto ou situação. Não existe situação imaginária sem regras de comportamento. Sempre que há uma situação imaginária, há regras 30 de comportamento ainda que estas regras não sejam explícitas, assim como, todo o jogo com regras, oculta uma situação imaginária. A situação imaginária só pode ser realizada se amparada em uma situação real. Vygotsky (2000a), acredita na atividade imaginária como critério de diferenciação do brincar em relação a outras atividades realizadas pela criança. A evolução do brincar das crianças é delineada pelo desenvolvimento de jogos onde há situação imaginária evidente mas suas regras estão ocultas, para aqueles jogos com regras evidentes e uma situação imaginária oculta. De qualquer modo, é incontestável a influência do brincar sobre o desenvolvimento da criança. Se para o bebê e a criança pequena, cujos comportamentos são regidos pelas condições situacionais, é totalmente impossível envolver-se em uma situação imaginária, uma vez que a criança não consegue separar o campo dos significados do campo da percepção visual imediata, ou seja, os objetos exercem uma força motivadora tal que determinam o comportamento da criança, para a criança pré-escolar que começa a agir independentemente daquilo que vê, o seu envolvimento em uma situação imaginária dirigirá o seu comportamento pelo significado da situação. Já na idade pré-escolar, segundo Vygotsky (2000a), “no brinquedo, o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das idéias e não das coisas” (p. 128), ou seja, a ação da criança que no brinquedo é regida por regras, começa a ser determinada pelas idéias e não mais pelos objetos. Como para a criança é difícil separar o pensamento (significado de uma palavra) dos objetos, será o brinquedo que oferecerá um estágio de transição entre o objeto real e o significado da palavra. Assim, o impasse causado pela necessidade de ação da criança por um lado e, por outro, a impossibilidade de executar as operações exigidas por esta ação, pode ser solucionado através da brincadeira. Como qualquer ação humana, o brinquedo é também situação de construção de significados, de indagação e de transformação dos próprios significados. Essa é a base para entendermos como "o comportamento humano passa a depender de operações baseadas em significados, onde as motivações que iniciam o comportamento estão nitidamente separadas da realização" (Vygotsky, 2000 a, p.132). É esse campo de significados que predomina no brincar. A criança aprende a atuar numa esfera cognitiva a qual vai depender de suas motivações internas. A essência do brinquedo é a criação de uma nova relação entre o campo do significado e o campo da percepção visual – ou seja, entre situações no pensamento e situações reais (Vygotsky, 2000a, p. 136-137). 31 Na brincadeira de faz-de-conta, há uma predominância no campo dos significados, pois a criança opera com o significado das coisas e não com as coisas em si, como objetos concretos e ações reais. Na brincadeira de faz-de-conta a criança aprende a criar símbolos. Entretanto, no brinquedo também são incluídos ações e objetos reais. É isso que caracteriza a natureza de transição da atividade do brinquedo, ser um estágio entre as restrições situacionais da infância e o pensamento desligado de situações reais característico do pensamento adulto. O brincar promove assim, o desenvolvimento do pensamento abstrato. Brincando, as crianças aproximam imagens a símbolos concretos que a conduzirão, posteriormente, a conceitos abstratos, atividade importante para o desenvolvimento da linguagem. Em outras palavras, quando a criança é capaz de lidar com os significados como se fossem objetos, esse fato caracteriza um estágio de transição em direção à operação com significados, ainda que esta atividade, de início, não seja consciente ou voluntária. Esta é uma etapa que permeia os significados construídos entre o objeto e o signo. ... a ação numa situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação (Vygotsky, 2000a, p. 127). Assim, na brincadeira, os objetos são deslocados de uma posição dominante para uma posição subordinada, tornando-se o seu significado o ponto central. Também é brincando que a criança apresenta um comportamento que pode não corresponder aos seus comportamentos cotidianos e age, muitas vezes, apresentando comportamentos que vão além daqueles comportamentos comuns de sua idade. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade (Vygotsky, 2000a, p. 134). No brincar, uma ação é substituída por outras ações e um objeto é substituído por outros objetos. Para brincar, as crianças não dependem, necessariamente, da presença de objetos, podem criar situações de faz-de-conta nas quais a verbalização poderá substituir o objeto ausente. A utilização de objetos para representar outros é o momento no qual os objetos assumem a função de signo, assumindo sentidos e significados, aspecto necessário para a construção da linguagem escrita. 32 Segundo o autor, “a criança é livre para determinar suas próprias ações. No entanto, em outro sentido, é uma liberdade ilusória, pois suas ações são, de fato, subordinadas aos significados dos objetos, e a criança age de acordo com eles” (Vygotsky, 2000a, p. 136). 2.3 – Uma concepção precursora da linguagem escrita e sua conseqüência pedagógica: Referindo-se especificamente a linguagem escrita, Vygotsky (2000a) nos aponta, como já foi dito, a necessidade de conhecermos "a pré-história da linguagem escrita", ou seja, a história do desenvolvimento da função simbólica da criança e sua relação com a construção da linguagem escrita. Quando a criança entra na escola, o processo de alfabetização vai introduzi-la em um plano mais elevado de linguagem, que é a linguagem escrita, reestruturando e ampliando as funções da linguagem oral no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. A função psicológica superior ou comportamento superior se caracteriza pela combinação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica. Segundo a concepção de Vygotsky (2000a), o desenvolvimento da função simbólica, desde os primeiros anos de vida da criança, é fundamental ao seu bom desempenho escolar, tendo em vista que ela passa a interagir não com os objetos e fenômenos em si, mas com suas representações, os signos. Para Vygotsky (2000a), a aquisição da escrita tem um papel fundamental no desenvolvimento cultural e psíquico da pessoa, uma vez que dominar a escrita significa dominar um sistema simbólico, extremamente complexo, de representação da realidade. Para o autor, “a palavra não é o princípio – a ação já existia antes”, e da ação à linguagem existe um número infinito de situações imaginárias construídas pela criança, que confere ao brincar a base do processo de desenvolvimento da linguagem escrita. Segundo ele, atividades como o gesto, o desenho e a brincadeira atuam como atividades preparatórias para o desenvolvimento da escrita, que devem ter espaço e tempo para serem vivenciadas. Segundo o autor, para compreendermos a linguagem escrita como um sistema de representação simbólica da realidade e uma forma de linguagem mais elaborada, é necessário compreendermos a história do desenvolvimento dos signos na criança. 33 De acordo com Vygotsky (2000a), a linguagem escrita constitui um simbolismo de segunda ordem que aos poucos se tornará um simbolismo direto, isto é, "a linguagem escrita é constituída por um sistema de signos que designam os sons e as palavras da linguagem falada, os quais por sua vez, são signos das relações e entidades reais" (p. 140). Gradualmente, ao longo do processo de desenvolvimento de funções comportamentais complexas, o domínio da linguagem escrita se converte neste sistema de signos que simbolizam as entidades reais e suas relações. Para Vygotsky (2000a), mais do que desenhar letras, a criança precisa compreender que a linguagem escrita é um sistema de signos e que dá suporte para outras atividades como a memória e a transmissão de idéias e conceitos, embora para muitos a língua escrita continue sendo um código de transcrição da língua oral, como se houvesse um isomorfismo entre estruturas sonoras e escritas. Vygotsky (2000a) já denunciava a inadequação do ensino da leitura e da escrita nas escolas do início do século XX, justamente por tratarem a escrita como um hábito motor e determinado e não como uma atividade cultural complexa. Neste sentido, Vygotsky vai ser um precursor ao mostrar que a aprendizagem da linguagem escrita deve se relacionar a uma atividade cultural e não deve ser reduzida a uma simples relação mecânica entre a fala e as letras. “Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá não como o hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem” (Vygotsky, 2000a, p. 156). Em sua abordagem, Vygotsky (2000a), evidencia, claramente, que a atividade lúdica faz parte desta pré-história da linguagem escrita. Para ele, a brincadeira de faz-de-conta além de estimular a fantasia, a criatividade, cria possibilidades para a criança construir símbolos, cenários, personagens únicos ou qualquer coisa que desejar. Contribui não só para a aquisição da linguagem estimulando a criança na interação com outras crianças e adultos, como também, para o desenvolvimento da linguagem escrita por se constituir um sistema simbólico. A aprendizagem da linguagem escrita acontece quando a criança percebe que pode desenhar não só as coisas, como também a fala. ... consideramos a brincadeira do faz-de-conta como um dos grandes contribuidores para o desenvolvimento da linguagem escrita – que é um sistema de simbolismo de segunda ordem (Vygotsky, 2000a, p. 146). 34 Vygotsky (2000a), como já mencionado, afirma que a representação simbólica no brincar é o “estágio precoce” de uma forma de linguagem que levará diretamente à linguagem escrita. Além disso, Vygotsky (2000a) nos aponta que, para que a construção da linguagem escrita ocorra, é imprescindível uma intervenção intencional. A criança por si só não é capaz de se desenvolver espontaneamente como uma pessoa alfabetizada. Para que a criança domine a linguagem escrita, é fundamental a mediação de indivíduos, principalmente, os professores alfabetizadores. A escola considerada como um espaço de co-construção de novos conhecimentos sobre o mundo deve ter uma proposta pedagógica que permita uma permanente articulação dos conteúdos escolares com as vivências e indagações das crianças sobre a realidade em que vivem. Métodos de ensino da leitura e da escrita devem implicar em operações apropriadas sobre o ambiente das crianças. Para Vygotsky (2000a), “elas devem sentir a necessidade do ler e do escrever no seu brinquedo” (p.134) porque a escrita: ... é a fala em pensamento e imagens apenas, carecendo das qualidades musicais, expressivas e de entonação da fala oral. Ao aprender a escrever, a criança precisa se desligar do aspecto sensorial da fala e substituir palavras por imagens de palavras. Uma fala apenas imaginada, que exige a simbolização de imagem sonora por meio de signos escritos (isto é, um segundo grau de representação simbólica) deve ser naturalmente muito mais difícil para a criança do que a fala oral... (Vygotsky, 2000b, p. 123). No contexto da educação escolar pressupomos uma proposta pedagógica sistematizada que mantenha como eixo norteador o brincar, o papel do educador como mediador e a construção do conhecimento. Neste sentido, o professor tem um importante papel como orientador do planejamento pedagógico e da seleção e tratamento dos conteúdos curriculares, nesta relação epistemológica da criança com o conhecimento. Isso não quer dizer que exista um método milagroso, uma receita com a qual todas as crianças são capazes de aprender ler e escrever. A utilização de brincadeiras no âmbito do espaço escolar com a devida seriedade requer que o professor reflita na e sobre a sua prática. O professor deve saber relacionar o processo de desenvolvimento infantil ao surgimento das brincadeiras, considerando que o brincar vai além das questões estritamente cognitivas, sendo, culturalmente, uma atividade humana. 35 Também não se pode pensar a escola como lugar somente de recreação ou de cuidados ou de preparação para aprendizagens futuras, mas sim, como espaço de construção de conhecimentos e de ampliação do universo simbólico das crianças. Em seu livro “A formação social da mente”, Vygotsky (2000a) propõe que a melhor maneira de se ensinar a leitura e a escrita para a criança é fazendo com que elas descubram esses conhecimentos durante as situações de brinquedo. Neste sentido, Vygotsky aponta para uma inadequação do ensino da linguagem escrita como uma técnica de transcrição ou o desenvolvimento de uma habilidade manual, além de ser uma atividade que parte de fora da criança sem se basear nas suas necessidades. ... o melhor método é aquele segundo o qual as crianças não aprendem a ler e a escrever, senão que estas duas situações se encontram em situações de brinquedo. Por isso, é necessário que as letras se convertam em elementos correntes da vida das crianças, como é a linguagem. (Vygotsky, 1987, p. 177). A seguir apresentaremos a importância do brincar na criação da zona de desenvolvimento proximal (ZDP) que, segundo Vygotsky (1987), não se assemelha a zona de desenvolvimento proximal criada em situações do cotidiano, situações de não-brincadeira. 2.3.1 – O papel do brincar e a zona de desenvolvimento proximal Em sua obra Vygotsky (2000a) dá ênfase tanto aos processos de desenvolvimento quanto aos processos de aprendizagem. Reconhece que muito antes da criança entrar na escola, ela adquire várias informações. Sendo assim, o aprendizado escolar tem uma história prévia. Entretanto, ele produz algo novo e sumamente importante no desenvolvimento da criança – a zona de desenvolvimento proximal - e a partir desse conceito, Vygotsky (2000a) determinou dois níveis de desenvolvimento, o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. Vygotsky (2000a) chama de zona de desenvolvimento proximal aquelas funções que estão presentes em estágio embrionário, que ainda não amadureceram. O autor nos chama a atenção para a diferença entre a capacidade da criança em realizar tarefas por si mesma, ou seja, o nível de desenvolvimento que se estabeleceu como 36 resultado de ciclos de desenvolvimento já completados ou consolidados característicos do nível de desenvolvimento real e, aquilo que uma criança é capaz de fazer com a ajuda de pessoas ou crianças mais experientes, característica do nível de desenvolvimento potencial. O conceito de zona de desenvolvimento proximal, criado por Vygotsky (2000a), se caracteriza como: ... a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (p. 112). O nível de desenvolvimento real define aquelas funções que já amadureceram enquanto a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que estão presentes mas, que ainda amadurecerão. Ao comparar os dois processos de desenvolvimento e de aprendizado, Vygotsky (2000a) concluiu que a progressão do processo de desenvolvimento é mais lenta do que a do processo de aprendizado. Estes dois processos não coincidem durante o curso de desenvolvimento integral da criança. Entretanto, é nesta distância entre os dois processos que resulta a zona de desenvolvimento proximal. Segundo Vygotsky (2000a), “o nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente”. (p. 113) A grande importância de se conhecer a zona de desenvolvimento proximal é permitir-nos o acesso não somente a aquilo que já foi atingido pela criança através do seu desenvolvimento, como também aquilo que está por se desenvolver, proporcionando uma visão de futuro imediato da criança como da dinâmica do seu desenvolvimento. Outra questão fundamental da teoria vygotskyana é a importância dada à interação social no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Nesse sentido, adultos e crianças mais experientes estão constantemente interferindo na zona de desenvolvimento proximal de outras crianças menos maduras, contribuindo, assim, com o seu processo de desenvolvimento. ... o aprendizado humano pressupõe uma natureza específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam”. (Vygootsky, 2000a, p. 115). 37 Do ponto de vista de sua abordagem, Vygotsky (2000a) argumenta que orientar o aprendizado para um nível de desenvolvimento já alcançado é ineficaz. Segundo o autor “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento” (p.117). Tendo em mente estes pressupostos vygotskyanos, falaremos sobre a relação entre o brincar e o processo de desenvolvimento. Se compararmos a situação do brincar com a situação escolar, podemos ter a impressão de uma atividade pouco estruturada e sem função alguma de promoção de desenvolvimento. Entretanto, Vygotsky (2000a) argumenta que o brincar influencia o desenvolvimento uma vez que cria uma zona de desenvolvimento proximal. Como já mencionado, o brincar, e aqui nos referimos especificamente ao brincar de faz-de-conta, permite que a ação da criança transite entre os objetos concretos e ações com os quais estão habituadas e a percepção de significados. Para Vygotsky (2000a), o brincar de faz-de-conta antecipa o desenvolvimento na medida em que, sendo uma situação imaginária contém regras e são estas regras é que farão com que a criança se comporte além do seu desenvolvimento. Um exemplo disso é a brincadeira de “mãe e filha”. Quando a criança encena o papel de mãe, ela está tentando exibir o comportamento correspondente a aquele que ela considera que seja o comportamento de mãe. Está atribuindo significados a este papel e dando pistas de como ela está internalizando estas regras de comportamento. O brincar de faz-de-conta ao atribuir aos objetos função de signo, se torna também uma forma de linguagem e contribui para o desenvolvimento da criança em especial para uma dimensão trabalhada por Vygotsky ao estudar a relação entre pensamento e linguagem. Deste modo, fica claro que a promoção de atividades que envolvam a criança em situações de brincadeiras, na escola, especialmente aquelas que criam situações imaginárias, pode ter uma função pedagógica por sua importância para o desenvolvimento da função simbólica e da aquisição da linguagem escrita. 38 2.3.2 – A relação entre pensamento e linguagem – um aspecto importante do desenvolvimento Começamos a apresentação deste subtítulo com uma citação de Vygotsky (2000b) que fala que “a relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa” (p.156). Quando Vygotsky (2000b) se refere à relação entre pensamento e linguagem, ele elege a questão do significado como o ponto central da sua discussão, pois, o significado das palavras representa a unidade analítica do pensamento verbal, como foi discutido no subtítulo 2.1 deste trabalho. Além disso, Vygotsky (2000b) discute também, a evolução do significado das palavras, ou seja, as mudanças que ocorrem no significado das palavras, tanto na sua estrutura quanto na sua natureza psicológica, durante o desenvolvimento da criança. Nas interações com adultos e crianças mais velhas, os significados das palavras vão sendo ajustados pela criança de maneira que se aproximem cada vez mais daqueles conceitos que predominam no seu contexto cultural e lingüístico. Inicialmente, estes ajustes feitos pela criança, estão muito relacionados a sua própria experiência pessoal, passando a sofrer influência da intervenção do educador quando a criança ingressa na escola, a partir da mediação do conhecimento já consolidado culturalmente. Aqui é importante destacar a distinção que Vygotsky faz entre sentido e significado, dois componentes do significado da palavra que, pela importância desta discussão sobre a temática apresentada, merecerá um aprofundamento como a seguir. Para o autor, o significado diz respeito ao sistema de relações estabelecido entre o objeto e a palavra e que permite a compreensão da palavra por ser compartilhado pelas pessoas que a utilizam. O sentido é a forma individual de significar uma palavra e dependerá do contexto no qual a palavra for empregada e das vivências afetivas de quem a utiliza. Citando o autor: O sentido da palavra é a soma de todos os eventos psicológicos evocados em nossa consciência graças à palavra. O significado é só uma dessas zonas do sentido, a mais estável, coerente e precisa (Vygotsky, apud Zanella, 2001, p. 77). O caráter compartilhado do significado é o que permite a comunicação e o que o caracteriza como a zona mais estável. Entretanto, o sentido, é a dimensão plural, livre, isenta de qualquer determinação mesmo aquela que é produzida socialmente. 39 Referindo-se aos estudos de Tolstoi sobre a compreensão da natureza da palavra e do significado, Vygotsky (2000b) aponta a dificuldade em se ensinar o significado de uma palavra a uma criança sem que este faça parte de um contexto lingüístico comum aos interlocutores. No contexto da criança, mesmo que o significado de uma palavra não seja, inicialmente, dominado por ela, ao ler ou ouvir esta palavra em outra frase, ela começará a construí-lo e, ao utiliza-lo por si mesma, aquele conceito ou significado já fará parte de seu repertório. O autor ao atribuir ao significado da palavra a unidade tanto do pensamento como do intercâmbio social, aponta a possibilidade de uma compreensão das relações entre o desenvolvimento do pensamento e o desenvolvimento social da criança. Ao discutir a relação entre pensamento e linguagem, o autor também nos aponta a necessidade de discutirmos o processo de internalização da linguagem que advém de sua concepção do uso da linguagem como instrumento do pensamento. Segundo Vygotsky (apud Wertsch, 1995), a internalização é a transformação de fenômenos sociais em fenômenos psicológicos. Sendo assim, a realidade social transforma a natureza do funcionamento intrapsicológico. Para o autor (apud Wertsch, 1995), existe uma relação entre a atividade externa e a interna na qual o mais importante é como os processos psicológicos internos são criados e resultam da exposição do indivíduo a formas culturais de comportamento. A criança, quando domina a fala exterior, parte de uma palavra com o sentido de uma frase inteira e depois relaciona esta palavra a outras, progredindo na formação de frases simples até as frases complexas. Esta evolução se dá partindo da parte para o todo. Com relação ao significado, “a primeira palavra da criança é uma frase completa” (Vygotsky, 2000b, p. 156), ou seja, ela parte de um todo, ou de um “complexo significativo” nas palavras de Vygotsky, para os significados das palavras, para as suas partes. Vygotsky (apud Wertsch, 1995), estudou o modo no qual tanto a estrutura como a interpretação dos signos lingüísticos dependem de suas relações com o contexto em que estes aparecem. Suas análises proporcionaram os fundamentos para sua explicação da “fala interna” ou fala interior, baseando-se em sua noção de sentido. Vygotsky (2000b) afirma que a fala interior tem uma estrutura semelhante a da fala egocêntrica, assim como ambas preenchem funções intelectuais. Entretanto, a fala egocêntrica é uma fala vocalizada e audível que desaparece durante a idade escolar quando a fala interior se desenvolve. Este tipo de fala emerge a partir da transferência de formas 40 sociais e cooperativas de comportamento para o âmbito das funções psíquicas internas e pessoais. A fala egocêntrica não permanece por muito tempo como um mero acompanhamento da atividade da criança. Além de ser um meio de expressão e de liberação da tensão, torna-se logo um instrumento do pensamento, no sentido próprio do termo – a busca e o planejamento da solução de um problema (Vygotsky, 2000b, p. 20). Em seus estudos, o autor concluiu que a fala interior é precedida pela fala egocêntrica e que esta é um estágio de desenvolvimento anterior a fala interior. Na sua concepção, a fala egocêntrica é um estágio de transição entre as funções interpsíquicas para as intrapsíquicas, isto é, da atividade coletiva e social para a atividade individual, pessoal. A fala egocêntrica, mais tarde fala interior, tem função semelhante, qual seja: “não se limita a acompanhar a atividade da criança; está a serviço da orientação mental, da compreensão consciente; ajuda a superar dificuldades; é uma fala para si mesmo, íntima e convenientemente relacionada com o pensamento da criança” (p.166). Se está voltada para a própria criança, não necessita de expressão exterior, daí a sua vocalização tornar-se desnecessária e sem sentido. Como o próprio Vygotsky afirma (2000b): “a decrescente vocalização da fala egocêntrica indica o desenvolvimento de uma abstração do som, a aquisição de uma nova capacidade: a de “pensar as palavras”, ao invés de pronunciá-las” (p.168). Isso não quer dizer que a fala interior não tenha som, sua sintaxe é que é diferente, parece desconexa e incompleta. Uma peculiaridade da fala interior é o predomínio do sentido sobre o significado. Esta discussão se torna especialmente importante no que diz respeito a importância dos contextos sócio-institucionais na construção dos sentidos. Vygotsky (2000b) argumenta que mesmo falando uma mesma língua, se as pessoas não atribuem o mesmo significado às palavras, o entendimento será impossível, ao passo que, uma única palavra poderá fazer sentido a uma multidão se esta compartilha dos mesmos significados. Para o nosso autor, as palavras ganham sentido no contexto. Se o contexto varia, isto implica uma variação também de sentido. 41 2.3.3 – A linguagem escrita concebida como conceito científico e desafios de sua aprendizagem Outra importante discussão de Vygotsky (2000b) são os seus estudos sobre o processo de formação de conceitos pelo sujeito. “A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte” (p. 72). Suas considerações a este respeito constituem uma grande colaboração para o ensino escolar em geral e para o processo de aquisição da linguagem escrita em particular. Para o autor, sem os conceitos, o conhecimento de mundo seria impossível, pois é com eles que o sujeito categoriza o mundo real e lhe confere significados. E “a palavra funciona como meio para formação do conceito e, posteriormente, torna-se seu símbolo” (Vygotsky, 1987, apud Tunes, 1995). Quando a criança descobre que cada coisa tem o seu próprio nome é quando começa o desenvolvimento do significado da palavra. Vygotsky (2000b) afirma que o conceito é um ato de generalização que com o desenvolvimento da criança passará de uma generalização elementar a uma forma mais elevada de generalizar, culminando em um processo de formação de autênticos e verdadeiros conceitos. A generalização, neste sentido, constitui “um estágio avançado do desenvolvimento do significado da palavra” (Vygotsky, 200b, p.7). Suas investigações confirmaram que os conceitos, representados psicologicamente como significados das palavras, evoluem, ou seja, possuem uma história prévia na criança. Quando a criança assimila uma nova palavra e a relaciona a um significado, é neste momento que o desenvolvimento do significado da palavra começa. Segundo Vygotsky (2000b), “o aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar” (p.107) e o grande desafio para os professores no ensino de um conhecimento sistemático para crianças em idade escolar é o de se criar uma metodologia baseada no desenvolvimento dos conceitos científicos. Na verdade, os processos de formação dos conceitos espontâneos e dos conceitos científicos se relacionam e se influenciam constantemente, fazendo parte de um único processo: o desenvolvimento da formação de conceitos. O autor, em sua abordagem teórica defende a concepção de que o desenvolvimento dos conceitos científicos não difere do desenvolvimento dos conceitos cotidianos formados pela criança e, ambos, são adquiridos e afetados por diferentes condições internas e externas, tanto dentro de sala de aula como na experiência pessoal da criança. 42 Ainda hoje, a metodologia e as teorias educacionais baseiam-se na concepção de que os conhecimentos científicos são absorvidos por compreensão e assimilação. Entretanto, o autor em referência, defende a idéia de que a formação de conceitos é muito mais de que um simples hábito mental. É “um ato real e complexo de pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento” (Vygotsky, 2000b, p.104). As aprendizagens anteriores à entrada da criança na escola referem-se aos conceitos espontâneos que são formados no cotidiano, nas relações sociais da criança no seu meio, na sua cultura. São formados durante o processo da experiência pessoal da criança frente a uma situação de confronto com uma situação concreta, isto é, se desenvolvem através da atividade prática ou da interação social imediata da criança. A criança se utiliza dessa aprendizagem adquirida no seu dia-a-dia sem estar consciente dela, pois sua atenção está voltada para o objeto ao qual o conceito se refere e nunca ao próprio ato do pensamento. A consciência ou a capacidade de definir um conceito por meio de palavras, só será adquirida pela criança mais tarde, através da aquisição de conceitos científicos que ocorrerá com sua entrada na escola. Conceitos científicos, portanto, são aqueles que se formam no processo de instrução; se formam a partir da aquisição de um sistema de conhecimento mediado pelo ensino formal, a partir da mediação entre professor e aluno e “se distinguem dos espontâneos por uma relação distinta com seu objeto e pelos diferentes caminhos que percorrem desde o momento em que nascem até que se formam definitivamente” (Vygotsky, 2000b, p. ). A aprendizagem escolar tem, assim, um papel importante e decisivo na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais. O aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar, e é também uma poderosa força que direciona o seu desenvolvimento, determinando o destino de todo o seu desenvolvimento mental. (Vygotsky, 2000b, p. 107) Vygotsky (2000b) atribui o desenvolvimento dos conceitos ou dos significados das palavras ao desenvolvimento de funções intelectuais tais como a atenção deliberada, a memória lógica, a abstração, a capacidade de fazer comparações e diferenciações. O autor argumenta que a aprendizagem de conceitos científicos é o que permitirá à criança ter uma consciência e um domínio de significados que poderão ser transferidos a outros conceitos e a outras áreas de pensamento. Sendo assim, é pouco provável o sucesso do ensino direto de conceitos a crianças muito pequenas se o desenvolvimento dessas funções intelectuais e o domínio delas ainda não tiver atingido o nível necessário. O autor argumenta 43 ainda que, nos conceitos científicos adquiridos na escola, a relação com o objeto de conhecimento é mediada por outros conceitos. O conceito cotidiano ou espontâneo abre caminho para o conceito científico e este fornece estrutura para o desenvolvimento daquele, tornando-o consciente e deliberado. Entretanto, mesmo que intimamente ligados, o desenvolvimento dos conceitos cotidianos e dos conceitos científicos seguem direções opostas: o processo de formação de conceitos cotidianos é "ascendente", isto é, se processa de baixo para cima. Os conceitos cotidianos surgem impregnados de experiência, mas de uma forma ainda não-consciente e ascendem para um conceito conscientemente definido. Os conceitos científicos surgem de modo contrário, se processam para baixo, seu movimento é "descendente". Partem de propriedades mais complexas e superiores para outras mais elementares e inferiores o que facilita a tomada de consciência e a utilização deliberada dos conceitos pela criança. Deste modo, é de extrema importância o papel exercido pelo professor, ele é o mediador entre a criança e os conceitos científicos, é aquele que interfere de maneira deliberada e consciente para favorecer a ação e reflexão dos alunos, levando-os a buscar informações e rever suas hipóteses, num processo de interação com os alunos e destes com seus pares. As formulações de Vygotsky sobre esse complexo processo de formação de conceitos ajudam os professores a encontrarem caminhos no ensino para cumprir objetivos de desenvolvimento intelectual dos alunos e, para isso, é necessário que o professor conheça que sentidos determinados conteúdos têm para o aluno, ou seja, explorar os conceitos cotidianos que o aluno traz para a sala de aula e a partir deles contribuir com o processo de apropriação de conceitos científicos. Segundo o autor, a transmissão de qualquer vivência ou conteúdo a outra pessoa só será possível se este conteúdo estiver inserido em um determinado grupo ou classe de fenômenos, ou seja, uma generalização. Também aqui é importante a discussão feita por Vygotsky (2000b) sobre a apropriação da linguagem escrita. Segundo o autor em referência, a linguagem escrita se distingue da linguagem oral tanto na sua estrutura como no seu funcionamento. A linguagem escrita, como conceito científico, “exige um alto nível de abstração” (p.123) e é justamente esta qualidade abstrata da escrita que dificulta a sua aquisição pela criança. A escrita “é a fala em pensamento e imagens apenas, carecendo das qualidades musicais, expressivas e de entonação da fala oral” (Vygotsky, 2000b, p. 123). A criança deve 44 não só substituir as palavras da linguagem oral pela escrita dessas palavras, uma forma de simbolização, como também sua escrita irá exigir uma organização e uma intencionalidade que são novas e estranhas a criança. Na escrita, a ausência de um interlocutor ou um interlocutor imaginário também representa uma situação nova para a criança causando-lhe um estranhamento e exigindo que ela seja capaz de representar para si mesma uma situação abstrata e, a partir disso, organizá-la em um texto. Além disso, como o próprio autor argumenta, os motivos para escrever a um interlocutor ausente “são mais abstratos, mais intelectualizados, mais distantes das necessidades imediatas” (p. 124). E, portanto, muito mais complexos do que os motivos encontrados na linguagem oral. Nesse sentido, Vygotsky (2000b) faz uma distinção entre a fala interior e a fala oral em relação à escrita. Em suas reflexões teóricas, afirma que o desenvolvimento da fala interior dependerá da fala oral. Entretanto, a fala interior se distinguirá desta, pois, por estar voltada para o próprio sujeito, apresenta-se de forma “condensada e abreviada”. Já a escrita, deve apresentar-se mais completa que a linguagem oral, uma vez que precisa retratar a situação o mais fielmente possível para se tornar inteligível. Aprender a escrever é ter novos modos de se comunicar, novos modos de discursar e de se relacionar com temas e significados. Passar da fala interior, reduzida e concisa, para a fala oral que é extremamente detalhada e desta para a linguagem escrita exige um grau de abstração deliberada e de uma intencionalidade que ainda é precário na criança em idade escolar, o que, segundo Vygotsky (2000b), atrasa o desenvolvimento da linguagem escrita em relação ao desenvolvimento da linguagem oral e coloca alguns desafios para a sua aprendizagem. 2.4– Contextos sócio-institucionais e a instituição de sentidos Como já discutimos em capítulos anteriores, é na atividade de interação com outros indivíduos de um mesmo grupo social e cultural que as representações da realidade se articulam em sistemas simbólicos. Nesta perspectiva, os signos são compartilhados pelos mesmos membros de um grupo social permitindo uma melhor interação social além da comunicação. 45 Para Vygotsky (2000a), os conceitos internalizados e compartilhados por indivíduos de um mesmo grupo são utilizados como signos mediadores no processo de construção de seu mundo de significados. “Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação externa” (Vygotsky, 2000a, p. 74). O sistema de signos adquirido através das ações diretas do indivíduo no mundo e as formas culturalmente determinadas servirão de instrumento no conhecimento de mundo. É no grupo no qual o indivíduo se desenvolve que são constituídas as capacidades de perceber e organizar o real relacionadas ao desenvolvimento psicológico do indivíduo. Este pensamento de Vygotsky, considerado um dos pilares de sua obra tem sua importância destacada no sentido de explicar o fato de que todos os elementos produzidos pela cultura são carregados de significados e produzem, por sua vez, indivíduos que operam psicologicamente de acordo com um modo culturalmente instituído. Entretanto, o indivíduo não opera de maneira passiva. No processo de interação o indivíduo se apodera de formas culturalmente fornecidas de maneira que as ações externas ou interpessoais se transformam em ações internas ou intrapsicológicas. ... todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica) (Vygotsky, 2000 a, p. 75). Assim, a importância atribuída por Vygotsky ao contexto na produção de sentidos será ampliada por Wertsch na sua discussão sobre contextos sócio-institucionais. 2.5 – Wertsch e os contextos sócio-institucionais Fazendo uma análise sobre questões centrais da obra de Vygotsky, Wertsch (1995) argumenta que, no entendimento do autor, só se pode compreender o indivíduo se compreendemos as relações sociais que este estabelece. Esta concepção de Vygotsky está baseada nas idéias marxistas que concebe que “a natureza psicológica humana representa a superposição das relações sociais internalizadas que se transformam em funções para o indivíduo e nas formas da estrutura individual” (tradução nossa). 46 Segundo Vygotsky (in Wertsch, 1995) a dimensão social da consciência é a primeira no tempo e de fato, enquanto a dimensão individual da consciência é derivada e secundária. Vygotsky reconhecia a importância da interação social entre os indivíduos frente a frente, entretanto, sob a influência do materialismo histórico foi induzido a reconhecer também outro nível de fenômeno social, o processo que opera ao nível de sociedade ou sócioinstitucional. Ele não negava que os indivíduos, guiados por seus próprios processos psicológicos, participassem da vida social neste nível primário de interação. No entanto, afirmava que isto não era suficiente para explicar a natureza dos processos sociais que foram denominados por Wertsch (1995) de processos sócio-institucionais. Wertsch (1995) cita que o principal interesse de Vygotsky se voltava para os processos sociais denominados “interpsicológicos”. Diferentemente de outros processos sociais, os processos interpsicológicos implicam na formação de pequenos grupos de indivíduos, geralmente duplas, implicados em uma interação social determinada e explicada em termos da dinâmica do grupo e da prática comunicativa. Discutindo a origem dos processos psicológicos superiores, Vygotsky se refere especificamente ao funcionamento interpsicológico e como este reflete na formulação da lei genética geral do desenvolvimento cultural. Argumenta que qualquer função presente no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes em dois planos distintos, conforme já foi citado em capítulos anteriores, primeiro no plano social e, depois, no plano psicológico. Aparece primeiro entre as pessoas como uma categoria interpsicológica para depois aparecer como uma categoria intrapsicológica. Esta argumentação pode ser considerada como uma lei no seu sentido estrito, entretanto, a internalização muda o processo em si, modificando sua estrutura e funções. No lugar de afirmar que os indivíduos aprendem mediante a participação no funcionamento interpsicológico, Vygotsky afirma a existência de uma conexão entre as duas dimensões ou planos de funcionamento, a interpsicológica e a intrapsicológica. Participando da mesma argumentação de Vygotsky, Wertsch (1995) afirma que o funcionamento interpsicológico está indissoluvelmente ligado ao funcionamento intrapsicológico e amplia esta discussão. Segundo Wertsch (1995), para analisarmos o funcionamento interpsicológico é preciso compreendermos como a situação é definida, isto é, como são representados ou definidos os objetos e eventos em uma determinada situação. Isto permite a compreensão de que os interlocutores podem diferir ou modificar suas representações dos mesmos objetos ou eventos. 47 As diferenças existentes se tornam extremamente importantes no entendimento do funcionamento interpsicológico ou na interação adulto-criança na zona de desenvolvimento proximal, foco de atenção de Vygotsky. Geralmente, a criança não partilha da mesma definição de um objeto ou do significado do comportamento de um adulto em um determinado evento. Mesmo que ambos estejam participando de uma mesma situação onde os objetos e eventos possam ser vistos e vivenciados por ambos, a interpretação dos objetos e eventos poderá ser totalmente diferente. Quando adultos e crianças representam aspectos muitos diferentes de uma mesma situação é necessário que se recorra a noção de intersubjetividade. Para Wertsch (1995), a intersubjetividade acontece quando há um partilhar de algum aspecto da situação, pelos interlocutores. Citando Rommetveit, cuja proposta teórica sobre o funcionamento interpsicológico se assemelha a de Vygotsky, Wertsch (1995) argumenta que a comunicação transcende o mundo particular dos interlocutores estabelecendo aquilo que ele chamou de “estados de intersubjetividade”. Diferindo da noção de que quando os interlocutores iniciam uma situação de fala eles compartilham de uma certa quantidade de conhecimentos prévios, Rommetveit, citado por Wertsch (1995), aponta que a fala é que irá impor uma determinada interpretação e criar uma realidade social temporalmente compartilhada. Somente no contexto comunicativo é que o potencial de significados das unidades lingüísticas e estruturas poderá ser definido e especificado. A base lingüística não garantirá um repertório fixo de significados compartilhados, mas sim, um acordo muito geral e parcial inerente a linguagem habitual, porque a percepção de uma situação é extremamente pessoal, podendo ser alterada. Entretanto, se duas ou mais pessoas se encontram numa situação de diálogo, entram em um “mundo social temporalmente compartilhado, estabelecido e continuamente modificado pelos atos de comunicação” (p. 171, tradução nossa). Neste sentido, num contexto comunicativo, os interlocutores podem, além de ter diferentes perspectivas, interpretar vagamente aquilo que se apresenta e aquilo que se tenta transmitir. É devido a negociação mediada ou à mediação é que o mundo social temporalmente compartilhado ou um estado de intersubjetividade é criado. Esta questão se torna importante tendo em vista que adulto e criança operam em zonas de desenvolvimento proximal diferentes e, isto, poderá trazer problemas em se estabelecer ou se manter a intersubjetividade. Cabe ao adulto encontrar a melhor maneira de comunicar-se com a criança para que esta participe, mesmo que minimamente, no funcionamento interpsicológico e defina a situação de forma “culturalmente apropriada”. 48 Segundo Wertsch (1995), “durante as primeiras fases do desenvolvimento, não é possível criar a intersubjetividade ao nível das formulações verbais e das definições abstratas da tarefa. Contrariamente, a comunicação deve basear-se em signos referidos ao próprio contexto” (p.172). Para o autor, a transição para o funcionamento intrapsicológico tem a sua base na intersubjetividade, ou seja, neste nível mínimo de compartilhamento de definição de uma situação. Quando conseguirmos identificar os pontos de compartilhamento entre adulto e criança em uma determinada situação, podemos reconhecer pontos de intersubjetividade na zona de desenvolvimento proximal. Para Wertsch (1995), “muitos destes pontos podem ser encontrados na transição do funcionamento interpsicológico ao intrapsicológico” (p.172). Participando de diferentes formas de funcionamento interpsicológico, estas diferenças irão afetar o modo pelo qual a criança participa a nível intrapsicológico na execução da tarefa. Isto quer dizer que, ao invés de compreender uma tarefa e depois executa-la, primeiro a criança participa da execução de uma tarefa a nível interpsicológico e depois reconhece e domina o significado estratégico de sua conduta. Portanto, tais afirmações apontam para a importância da constituição interpsicológica do sentido do brincar e seus efeitos para a construção da função simbólica na aquisição da linguagem escrita. 2.6 – Baquero e a abordagem vygotskyana no contexto de ensino Baquero (2001), outro autor pós-vygotskyano, em seu livro “Vygotsky e a aprendizagem escolar” apresenta algumas discussões sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem nos contextos de ensino, especialmente ligados às práticas escolares. Suas reflexões tiveram como objetivo analisar alguns trabalhos tendo como base quatro pontos de ancoragem: “a natureza e característica dos dispositivos de ensino; análise das modalidades de uso do discurso no contexto escolar; análise da construção de conhecimentos em diversos domínios do saber escolar e práticas avaliativas educativas e psicológicas” (Baquero, 2001, p.123-124). No presente trabalho de dissertação um dos pontos de interesse é a natureza e característica dos dispositivos de ensino e será sobre este ponto a nossa discussão. 49 Baquero (2001) aponta três aspectos importantes para a compreensão das práticas escolares: a assimetria dos processos de apropriação na zona de desenvolvimento proximal e a conseqüente mudança cognitiva; a definição intersubjetiva das situações e a “analisabilidade não-única” de objetivos e tarefas e a direção da mudança cognitiva. Segundo o autor, a escolarização se caracteriza como “uma atividade culturalmente organizada na qual se produzem processos específicos de apropriação” (grifo do autor, p. 144). Este é o motivo do espaço escolar ser considerado como uma “zona de construção do conhecimento”. Nesta perspectiva, o conceito de zona de desenvolvimento proximal serve à promoção, à orientação e ao controle do desenvolvimento dos sujeitos, pois é nela onde ocorrem as mudanças cognitivas. Baquero (2001) argumenta que o processo de apropriação é mútuo e seqüenciado e isto acarretará conseqüências na interpretação da prática pedagógica. A apropriação se estabelecerá nas interações e nas diferentes participações dos sujeitos que definirão a zona. Esta definição da zona é concebida por alguns autores como um tipo de “negociação” entre os sujeitos. Neste sentido, é no próprio processo de apropriação que são definidos os objetivos e condições da tarefa. Os processos de construção do conhecimento são explicados pela interrelação entre o funcionamento interpsicológico e o intrapsicológico. As relações interpsicológicas constituem uma espécie de ‘momento exterior’ do desenvolvimento cognitivo dos sujeitos nas Zonas de Construção de Conhecimento, com o qual, como se notará, a interpretação das práticas escolares, dentro do campo geral da teoria sócio-histórica, se envolve por uma relação de inerência com uma interpretação do desenvolvimento cognitivo. (Baquero, 2001, p. 145). Como já abordado anteriormente, os indivíduos atribuem sentidos diferentes a uma situação. Isto ocorre ao longo do processo de ensino ou na execução de uma tarefa. Esta característica do processo de apropriação foi enunciada por Newman et al. (in Baquero, 2001, p.145) como o problema da analisabilidade não-única. Esta assimetria tanto na compreensão das situações de ensino como na participação de definição da situação tem como elemento principal o desconhecimento por parte do aluno dos objetivos reguladores das atividades. Deste modo, “a compreensão dos objetivos ou a complexidade global de um objeto de estudo ou prática é contingente”, o que implica dizer que somente se as práticas de ensino apontarem o objeto de estudo ou o apresentarem como um objetivo específico, este poderá ser compreendido. 50 O autor também nos aponta para a cautela que se deve ter em aceitar, através do funcionamento intersubjetivo, uma interpretação diferenciada dos objetivos da atividade conjunta. Assim, a concepção da educação como “um processo pelo qual professor e criança atuam e falam juntos com um suposto objetivo comum” (p.146) pode estar ocultando a real intencionalidade deste objetivo comum, que poderá ser a normatização e regulação das práticas escolares. Citando Newman et al., Baquero argumenta que para se manter as relações sociais ou conservar o aspecto comunicativo, tanto crianças, como docentes e os próprios psicólogos se valem de um componente ficcional ou uma ‘ficção estratégica’de partilhar de tarefas com o intuito de organizar o trabalho conjunto. Quanto a direção da mudança cognitiva, Baquero (2001) atribui grande importância ao processo de escolarização, tendo em vista que: as práticas de ensino escolar podem imprimir direção ao desenvolvimento psicológico no sentido de orientar (num sentido espacial) este para certas formas de desenvolvimento (por exemplo, de sustentar concepções pré-científicas para compreender conceitualizações científicas) (p.148). Segundo Baquero (2001), as práticas pedagógicas também podem induzir uma mudança no desenvolvimento cognitivo em direções definidas. Sendo assim, a escola é vista como um dispositivo cultural que induz a formas particulares de desenvolvimento nos sujeitos ali implicados em suas práticas. Este dispositivo cultural define o espaço social de trabalho conjunto bem como estabelece a “apropriação recíproca dos sujeitos” a partir de suas relações assimétricas na definição da situação. Nas palavras de Baquero (2001), além da ficção estratégica da instituição escolar em conservar as relações sociais e a atividade conjunta, também tem o caráter de persuadir, induzir, incitar o aluno a identificar-se “com as formas de comportamento e pensamento normalizadas” (p.148), isto é, de orientar o entendimento mútuo para a aceitação de significados legitimados institucionalmente. 51 2.7 – O ambiente na pedologia de Vygotsky Neste capítulo é importante destacar que, mesmo que a criança se desenvolva estabelecendo ativamente relações com o ambiente em um contexto sócio-histórico determinado, não se pode negar que os comportamentos infantis sejam influenciados pela organização que os adultos dão ao ambiente de acordo com objetivos pessoais ou de acordo com suas próprias expectativas sócio-culturais a respeito do comportamento e do desenvolvimento infantil. Dessa forma, o tempo e o espaço escolar assumem um caráter singular como um ambiente que está preparado para um tipo específico de atividade humana – o ensinar e o aprender sistematizado. Como nos aponta Van der Veer e Valsiner (1999), embora a Pedologia à época de Vygotsky tenha se tornado um campo de disputa ideológica, o que contribuiu para o seu declínio, como campo de estudo trouxe contribuições importantes no que diz respeito à importância do ambiente para o desenvolvimento da criança. Assim, Vygotsky (apud Van der Veer e Valsiner, 1999), através de sua pedologia, estudou a maneira como a estrutura ambiental se relaciona com a organização psicológica da criança em desenvolvimento. A essência do estudo do ambiente na pedologia de Vygotsky é constituída pela sua relação com a ação, a experiência e o desenvolvimento da criança, ou seja, pela experiência que a criança tem do ambiente, organizada pelo uso de significados que são construídos socialmente. Segundo seus pressupostos: O ambiente tem uma ou outra influência sobre o desenvolvimento da criança que difere em diversas idades, porque a própria criança muda e sua relação com a dada situação também muda. O ambiente tem essa influência... através das experiências da criança, ou seja, dependendo de como a criança trabalhou em si mesma a relação interna com respeito ao tom ou qualquer outro aspecto de uma ou outra situação do ambiente. O ambiente define um ou outro desenvolvimento dependendo do nível de significado (...) que a criança reuniu para esse determinado ambiente. (Vygotsky apud Van der Veer e Valsiner, 1999, p. 342). Segundo Meneghini e Campos-de-Carvalho (2003), é importante que os ambientes infantis forneçam “elementos estruturadores como forma de promover maior desenvolvimento das habilidades infantis” possibilitando o compartilhar de conhecimentos e a construção de novos conhecimentos e significados. Tanto a criança quanto o educador possuem suas próprias significações tecidas a partir de seus próprios contextos. O ambiente social da criança possui uma grande variedade de formas consideradas pelo adulto como formas ideais, produto de um desenvolvimento, entretanto, estas formas ideais são formas adultas e a criança 52 acaba recuando frente a elas por não ter, ainda, a posse destas formas ideais. Nesse sentido, não é raro de se verificar que fica a critério tanto da escola pela sua concepção e proposta educativa quanto do professor, a organização não só do espaço físico como de todo o ambiente em si, muitas vezes impondo ao aluno uma organização baseada nestas significações. Para Meneghini e Campos-de-Carvalho (2003): Sendo o educador o maior responsável pela estruturação e reestruturação contínua dos espaços oferecidos às crianças em ambientes coletivos, seria importante que, em sua formação, tivesse contato com as várias possibilidades de organização de espaços e o que cada uma delas pode proporcionar à criança, desde que esta tenha autonomia para usar e explorar o espaço. (p. 16). As contribuições de Vygotsky e dos pós-vygotskyanos como Wertsch, Baquero, Valsiner entre outros, sobre a importância dos contextos sócio-institucionais, com destaque para os ambientes formais de educação, na constituição dos processos de conhecimento e desenvolvimento, bem como do significado e dos sentidos das palavras, nos fornecem poderosas ferramentas para o desafio de discutir e analisar na complexa realidade escolar, a produção de sentidos do brincar e a sua repercussão na aquisição da linguagem escrita. 53 III - METODOLOGIA Entende-se por metodologia o caminho percorrido pelo investigador para desvelar o seu objeto de estudo. Este caminhar inclui a abordagem teórica, as técnicas e instrumentos que possibilitem o cruzamento dos dados e a análise e a criatividade do pesquisador. Este trabalho de dissertação teve como sua base metodológica a abordagem qualitativa da pesquisa que, segundo Lüdcke e André (1986), é bastante flexível não se prendendo a métodos e técnicas estritamente experimentais, ou seja, seu objeto de estudo não foi quantificado. Nesta abordagem escolhida, o interesse está voltado para o mundo dos significados das ações e das relações humanas. Esta abordagem tem como fundamento a existência de uma “relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo do objetivo e a subjetividade do sujeito” (Chizzotti, 1991, p. 79). Com o objetivo de fazer uma discussão e uma análise sobre o tema proposto – “A produção de sentido para o brincar em um contexto sócio-institucional de educação formal e sua repercussão sobre a aquisição da linguagem escrita” – este trabalho visa estar respondendo às questões apresentadas nos objetivos específicos como forma de estar desvelando os sentidos atribuídos ao brincar em um contexto sócio-institucional de educação formal, em práticas pedagógicas em sala de aula e nos usos dos espaços fora de sala de aula e como estes sentidos podem afetar o processo de aquisição da linguagem escrita. A metodologia qualitativa de pesquisa foi escolhida por permitir um estudo da complexidade e das contradições de fenômenos singulares, assim como o conhecimento da imprevisibilidade e originalidade das relações interpessoais e sociais que atribuem significados às ações dos indivíduos e às suas relações, o que possibilita a compreensão do vínculo entre as ações pessoais e o contexto onde estas se dão. Segundo Minayo (1994): 54 ... não é apenas o investigador que dá sentido a seu trabalho intelectual, mas os seres humanos, os grupos e as sociedades dão significado e intencionalidade a suas ações e a suas construções, na medida em que as estruturas sociais nada mais são que ações objetivadas (p. 14). Neste sentido, tanto a visão do pesquisador quanto a visão compartilhada no seio de seu campo de estudo, implicam-se mutuamente neste processo de conhecimento desde o seu início quando da escolha de seu objeto de estudo até a apresentação dos resultados e a sua aplicação prática. A escolha deste tipo de método de pesquisa baseou-se também, no compartilhar da concepção de muitos teóricos de que, em ciências humanas e sociais, não há uma estabilidade constante nos fenômenos humanos como também não há estrutura e ordem fixas nas relações e vínculos sociais. No percurso orientado pelas questões a serem investigadas, muitas vezes nos colocamos frente a responsabilidade de nos tornarmos imparciais na interpretação dos fenômenos observados. Entretanto, como assinala Lüdcke e André (1986), “como atividade humana e social, a pesquisa traz consigo, inevitavelmente, a carga de valores, preferências, interesses e princípios que orientam o pesquisador” (p.3), que como membro de um determinado grupo, de uma determinada época e sociedade, reflete em seu trabalho, a sua própria visão de mundo. Nesse sentido, torna-se extremamente importante a compreensão, por parte do pesquisador, de que ele serve como veículo entre os conhecimentos acumulados numa área e novas evidências estabelecidas a partir de sua pesquisa. Suas interrogações sobre os dados existentes baseadas no seu próprio conhecimento sobre o assunto é que possibilitarão a ampliação do conhecimento sobre o fato pesquisado, revelando novas perspectivas para o seu entendimento. Nas palavras de Lüdcke e André (1986): ... não há, portanto, possibilidade de se estabelecer uma separação nítida e asséptica entre o pesquisador e o que ele estuda e também os resultados do que ele estuda (p.5). A abordagem qualitativa permite uma maior aproximação entre o pesquisador e o fenômeno a ser estudado não se prendendo a uma preocupação em estabelecer procedimentos rígidos e ou quantificáveis, mas sim, em possibilitar uma compreensão da subjetividade do fenômeno estudado. O contato direto com a situação onde o fenômeno ocorre justifica-se pelo fato de que este é influenciado pelo contexto, isto é, as circunstâncias nas quais um determinado 55 fenômeno está inserido são essenciais para o seu entendimento. Sendo assim, uma das principais características deste tipo de abordagem é permitir a compreensão das relações existentes entre os sujeitos e os acontecimentos sociais e o conhecimento dos sentidos e significados atribuídos aos objetos e às ações sociais. Todos os dados da realidade têm sua importância, cabe ao pesquisador estar atento ao maior número de elementos apresentados numa dada situação, pois, um aspecto considerado supostamente cotidiano, pode se tornar essencial na compreensão do fenômeno estudado. Portanto, neste tipo de abordagem o interesse do pesquisador deve ser maior sobre o processo, isto é, nas manifestações do objeto da pesquisa do que no produto final. Outra característica deste tipo de abordagem, que nesta pesquisa se torna especialmente importante, é a tentativa de compreender a maneira pela qual os sujeitos da pesquisa encaram as questões que estão em foco, isto é, o foco de atenção do pesquisador está voltado para o sentido que é dado às coisas e à situação, pelos sujeitos. A pesquisa qualitativa caracteriza-se também por orientar a análise de dados através de um processo indutivo, ou seja, podem não existir hipóteses ou questões definidas a priori, mas isto não implica na inexistência de uma base teórica que oriente tanto a coleta quanto a análise dos dados. O foco de interesse, que no início da pesquisa pode ser muito abrangente, torna-se mais específico à medida que a pesquisa se desenvolve. Os dados coletados são do tipo descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com o fenômeno a ser observado. 3.1 – Encaminhamento da pesquisa e observações preliminares O local escolhido para o desenvolvimento da pesquisa foi a Escola Municipal Prof. Paulo de Almeida Campos. Esta escola faz parte da rede municipal do município de Niterói – Rio de Janeiro, localizada no bairro de Icaraí e atende ao primeiro e ao segundo ciclo de escolaridade, além da EJA (Educação de Jovens e Adultos). A escolha da referida escola como lugar para o desenvolvimento desta pesquisa, deveu-se à sua localização de fácil acesso e proximidade do Campus da Universidade, como também ao fato de ceder seu espaço para o desenvolvimento de estágios e pesquisa, pelo 56 convênio mantido entre a Fundação Municipal de Educação de Niterói e diversas instituições de ensino. O contato inicial que tive com a direção da Escola Municipal Prof. Paulo de Almeida Campos aconteceu no dia 24/02/2005. Neste encontro ficou decidido que a escola abriria seu espaço para que se pudesse realizar a pesquisa. Decidiu-se, também, o dia do início das observações na escola, em qual das classes de alfabetização estas observações seriam realizadas, o tempo de duração da pesquisa (que a princípio ocorreria até junho/2005), e o horário a ser utilizado. As observações começaram a ser realizadas no dia 01/03/2005 – 3ª feira, após uma conversa informal com a diretora da escola, na qual ficaram definidos os dias de observação, segundo a minha própria escolha - todas as 3ª, 4ª e 5ª feiras, no turno da tarde que tem seu início às 13:00 horas e seu término às 17:00 horas, durante o tempo integral de aula. A turma onde estas observações foram realizadas (esta escolhida pela diretora da escola) é caracterizada como turma F1A da professora “D”, isto porque existem duas classes de alfabetização, a F1A e a F1B (nomenclatura dada pela escola) e uma de 1ª série (2º ciclo) com crianças no nível de alfabetização. Neste primeiro encontro, cheguei à escola às 12:20 horas e me dirigi à sala da direção para me apresentar pronta para o início da pesquisa. Solicitei à diretora “S”, que me apresentasse à professora “D” uma vez que nós não nos conhecíamos e ela ainda não sabia que eu iria acompanhar as suas aulas. Tudo acertado, saí da sala da direção e me dirigi ao pátio do colégio para aguardar o sinal de entrada do turno da tarde. Às 12:30 horas, começaram a chegar os primeiros alunos do turno da tarde, que chegavam mais cedo para poderem almoçar na escola. Às 12:55 horas, o sinal de entrada soou e as crianças se enfileiraram, uma após a outra, por turma e por tamanho junto das suas respectivas professoras. O portão da escola é fechado e aqueles que chegarem atrasados, tanto alunos quanto professores, têm que esperar que todos as turmas subam para suas salas para poderem entrar no colégio. Não fui formalmente apresentada à professora “D”, pois a diretora não estava presente no pátio na hora da entrada. Informei-me com uma das estagiárias do curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá quem era a professora “D” e ela me disse que estava estagiando na mesma turma em que eu desenvolveria minha pesquisa. Nos dirigimos para junto da turma e após o canto do Hino Nacional e da oração “Pai Nosso”, enquanto as outras turmas subiam para suas salas, eu me apresentei à professora, 57 explicando brevemente o objetivo da minha pesquisa. Devo acrescentar que houve boa receptividade tanto pela direção como pela professora da turma. Entrevistas gravadas com a professora e com a diretora da escola, foram agendadas em diferentes momentos da pesquisa por causa do calendário de atividades de cada uma. Na verdade, a diretora não nos deu uma entrevista particular, mas sim reuniu todas as alunas que cumpriam estágio em diferentes turmas e eu como pesquisadora, para fornecer os dados da escola. Neste encontro, apesar de não ter sido feito nenhum roteiro que norteasse a entrevista, pudemos intervir fazendo questionamentos outros que não estavam sendo abordados pela fala da diretora. A partir da entrevista com a diretora e no decorrer de minhas visitas a escola pude observar e registrar a configuração e os usos dos espaços que apresentavam possibilidade do brincar fora da sala de aula. 3.2 – O contexto da escola e seus espaços A Escola Municipal Prof. Paulo de Almeida Campos, até o ano de 2000 era uma escola estadual. No ano de 2002 ela foi municipalizada, passando a fazer parte e a receber verbas da Prefeitura de Niterói. Por fazer parte da gestão municipal, as estratégias do ensino desta escola obedecem aos critérios estabelecidos pela Fundação Municipal de Educação do município. A escola em referência atende a uma população heterogênea que varia entre a classe média e a classe média baixa, segundo palavras de sua diretora. Esta escola possui quatro andares, incluindo o andar térreo. No térreo, funciona a secretaria, a sala da direção, a sala da coordenadora e supervisora pedagógica, a cozinha, o pátio de entrada que serve também de refeitório, além de três (03) banheiros, sendo que um deles é de uso dos professores e funcionários da escola e dois (02) de uso dos alunos. A escola possui um total de dez (10) salas de aula, uma (01) sala de leitura, uma (01) sala de recursos e uma (01) sala de informática. No primeiro andar encontram-se: a sala de leitura que também funciona como uma pequena biblioteca que deveria estar sendo utilizada pelos alunos com estes propósitos, pois a sala possui diversos livros para consulta e leitura, além de televisão e vídeo. Entretanto, como 58 a professora responsável pela sala aderiu à greve dos professores do município de Niterói, esta sala somente é utilizada quando é programada alguma atividade que necessite a utilização dos aparelhos de televisão e vídeo; a sala de recursos composta de estantes onde encontramos vários materiais pedagógicos, além de brinquedos diversos como fantoches, um teatro de fantoches, bolas dentre outros que são utilizados, somente, pelas crianças portadoras de necessidades especiais (PNE`s); dois banheiros adaptados para uso das crianças PNE`s; a sala de informática composta de seis mesas com bancos e um computador por mesa, uma mesa com cadeira para a professora, um armário e um quadro-de-giz; e, quatro (04) salas de aula (Fig.1 e 2), todas com uma estante, um armário, uma mesa com cadeira para professor, aproximadamente trinta e cinco (35) mesas e cadeiras para os alunos, um quadro-de-giz e um quadro branco que serve também de mural e um porta-livros, chamado de “cantinho de leitura”, com alguns livros de estórias. O segundo andar é ocupado por seis (06) salas de aula com estrutura igual a das salas do primeiro andar e dois banheiros. O último andar (terceiro andar) desta escola, onde deveria estar funcionando uma quadra, está desativado, servindo de depósito de material e móveis que necessitam de reparos. O espaço para “lazer” e recreio é o mesmo espaço de entrada e saída de alunos onde, metade deste espaço é ocupada por mesas e cadeiras que servem de refeitório no horário de recreio. A escola não possui nenhum brinquedo infantil como balanço, casa de bonecas, escorregador, até porque não possui espaço para tal. Esta escola possui um elevador para atender aos alunos portadores de necessidades especiais (PNE’s) e do total de sete (07) banheiros que possui, como já mencionado, dois (02) são adaptados para uso exclusivo dos alunos PNE’s. 59 Fig. 1 – SALA DE AULA Fig. 2 – SALA DE AULA 60 3.3 – Os sujeitos da pesquisa Segundo Chizzotti (1991), “todas as pessoas que participam da pesquisa são reconhecidas como sujeitos que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir nos problemas que identificam” (p. 83). No presente trabalho, os sujeitos da pesquisa são: a diretora da Escola Municipal Prof. Paulo de Almeida Campos, a professora e a turma de uma das classes de alfabetização, do segundo turno desta escola. É importante observar que a escolha da classe em que a pesquisa foi desenvolvida não contou com a participação da pesquisadora, sendo escolhida e indicada pela diretora da escola que encaminhou e apresentou a pesquisadora à professora cuja prática seria observada. A pesquisa foi desenvolvida junto a uma classe de alfabetização do turno da tarde da escola em referência, que contava com uma professora e, inicialmente, 26 alunos, sendo um aluno portador de Síndrome de Down e um aluno autista. A professora não contava com nenhuma professora assistente para ajuda-la no atendimento a estas crianças, sendo de iniciativa das próprias mães a permanência junto a seus filhos, dentro de sala de aula, para ajuda-los nas tarefas escolares. As idades das crianças desta turma variavam entre cinco (05) e dez (10) anos de idade, sendo que, a criança mais velha, era repetente pela terceira vez. 3.4 – Procedimentos de coleta de dados Para proceder à coleta de dados desta pesquisa foram utilizados os seguintes instrumentos: observação e descrição dos espaços que possibilitam o brincar fora da sala de aula; entrevista aberta com a diretora da escola; observações das práticas pedagógicas utilizadas em aulas de uma classe de alfabetização e entrevista semi-estruturada com a professora da turma. Tanto a entrevista com a diretora quanto a entrevista com a professora, foram gravadas. Os espaços destacados como espaços que possibilitam o brincar fora de sala de aula foram: a sala de recursos, a sala de leitura, a sala de informática e o pátio da escola. A 61 observação destes espaços foi realizada durante o tempo que durou a pesquisa nas diversas oportunidades em que a turma se encontrava fora do espaço de sala de aula. A entrevista com a diretora foi do tipo entrevista aberta e foi um dos primeiros registros feitos. Não houve uma preparação prévia de perguntas a serem feitas, pois o dia da entrevista, o local, o horário e o que ia ser informado, ficou a critério da diretora da escola, tendo em vista a sua agenda de atividades. Esta entrevista ocorreu numa quarta-feira, dia de reunião de planejamento entre as professoras e dia em que as crianças têm seu horário de saída antecipado, em um momento anterior a reunião com as professoras. Sua fala baseou-se em caracterizar a escola, falar um pouco da história de sua municipalização e falar dos projetos da sua gestão. Mesmo não tendo um roteiro de entrevista a ser seguido e obedecendo a escolha da diretora sobre as informações a serem passadas, esta se mostrou disposta a responder quaisquer perguntas que se fizessem necessárias para a complementação de sua fala e outras informações que ela pudesse ter se esquecido de mencionar ou simplesmente omitido. As informações dadas versaram sobre assuntos gerais sobre o funcionamento da escola e a utilização de espaços que possibilitam o brincar, como a sala de recursos, bem como, o pátio da escola no horário do recreio. Cabe informar aqui que, inicialmente, esta entrevista aberta com a diretora da escola tinha apenas o objetivo de coletar dados para uma contextualização mais detalhada da escola. Porém, após uma leitura atenta de sua fala, constatou-se a importância de uma análise mais aprofundada da mesma, no que diz respeito ao uso de dois espaços por ela destacados: a sala de recursos e o pátio da escola. O registro das observações das práticas pedagógicas foi realizado durante os meses de abril, maio e junho de 2005 e, posteriormente, nos meses de outubro e novembro do mesmo ano. As observações ocorreram três vezes por semana – terças, quartas e quintasfeiras, durante o horário de aula da turma – de 13:00 às 17:00 horas – sendo que nas quartasfeiras, dia de reunião de planejamento das professoras e de aula somente até às 15:00 horas, o tempo de observação foi reduzido. A entrevista com a professora da classe de alfabetização designada para ser observada foi realizada ao final do ano letivo. A entrevista realizada foi do tipo semiestruturada com perguntas específicas sobre sua concepção sobre o brincar, e versou, principalmente, sobre o assunto específico – o brincar e sua importância no processo de aquisição da linguagem escrita. A entrevista seguiu um roteiro para a sua realização, entretanto, este roteiro não se fechou em si mesmo, permitindo ao entrevistado expor suas 62 próprias opiniões, argumentos e pontos de vista sobre o assunto sem ser induzido em suas respostas. Deste modo, a partir das respostas dadas às perguntas, novos questionamentos foram surgindo. Os principais questionamentos da entrevista foram: - (...) Para você é importante a criança brincar? Por quê? - Como você vê a brincadeira no processo de aquisição da linguagem escrita? A brincadeira faz parte deste processo? - Como você trabalha com o brincar com as crianças dentro de sala de aula? Que tipo de brincadeira você utiliza? - Como você vê a postura da escola com relação a sala de recursos que só pode ser utilizada por crianças portadoras de necessidades especiais? - Muitas vezes nós escutamos pais falando que não vão colocar a criança na préescola porque ela só vai brincar. O que você pensa disso? - Quanto a temática do brincar, você gostaria de acrescentar algo a mais que você considera importante? 3.5 –Procedimentos para a análise dos dados O procedimento para a análise do material coletado foi realizado por intermédio do cruzamento dos dados obtidos através: do registro da descrição e dos usos dos espaços que possibilitam o brincar fora de sala de aula; da entrevista aberta com a diretora da escola; do registro das observações das práticas pedagógicas em uma classe de alfabetização e da entrevista semi-estruturada com a professora da turma. O cruzamento destes dados nos permitiu uma análise sobre a produção de sentidos para o brincar nas diversas práticas instituídas dentro e fora de sala de aula e sua repercussão no processo de aquisição da linguagem escrita, tendo como suporte teórico as concepções de Vygotsky e de contribuições de pós-vygotskyanos como Wertsch e Baquero. Os espaços destacados como espaços que possibilitam o brincar fora de sala de aula foram: a sala de recursos, a sala de leitura, a sala de informática e o pátio da escola. Os dados da entrevista com a diretora da escola e com a professora da classe de alfabetização em referência neste trabalho, foram analisados através da Análise de Conteúdo que, segundo Bardin (1977), é um procedimento que permite ao pesquisador uma observação 63 mais detalhada dos significados expressos em um texto, permitindo ultrapassar uma compreensão imediata e espontânea. Aqui devemos esclarecer que quando nos referimos a texto nesta pesquisa, estamos considerando a linguagem falada dos sujeitos da pesquisa. Esta técnica de análise possibilita encontrar respostas aos questionamentos formulados durante a pesquisa, bem como, ultrapassando as aparências, clarificar o que possa estar por trás de conteúdos manifestos. A Análise de Conteúdo possibilita, assim, não somente a descrição do conteúdo, como também, a interpretação dos significados de determinados elementos no texto. 64 IV – ANÁLISES PRELIMINARES Neste subtítulo, iremos fazer uma análise preliminar dos dados obtidos através dos procedimentos referidos no item anterior. 4.1 – O brincar e seus espaços fora da sala de aula Aqui serão relacionados e descritos os espaços que apresentam possibilidades para o brincar fora de sala de aula e suas utilizações pela escola: 1) A sala de recursos A sala de recursos (Fig.3, 4 e 5), diferentemente das salas de aula, não possui mesas e cadeiras para alunos. É composta por: uma mesa com cadeira para professor, uma mesa grande com seis cadeiras, uma poltrona, três estantes de ferro onde são guardados diversos jogos pedagógicos, fantoches, material dourado e alguns outros brinquedos, um tapete emborrachado tipo quebra-cabeça com letras do alfabeto, um espelho grande em uma das paredes, um quadro-de-giz e um teatro de fantoches. Esta sala é destinada para atividades com crianças portadoras de necessidades especiais e, portanto, é vetada para a utilização por outras crianças ditas “normais” da escola. Na verdade, nem a diretora, nem a professora responsável pelas atividades da sala de recursos deixaram claro quais as atividades desenvolvidas nesta sala e quais os seus objetivos. 65 Fig. 3 – SALA DE RECURSOS Fig.4 – SALA DE RECURSOS 66 Fig. 5 – SALA DE RECURSOS 2) A sala de leitura A sala de leitura (Fig.6, 7 e 8), como anteriormente mencionado, funciona também como uma pequena biblioteca. É composta de uma estante grande de madeira onde são encontrados diversos livros e enciclopédias, muitos doados pela comunidade; de mesas e cadeiras para que os alunos possam ler ou fazer trabalhos de pesquisa individuais ou em grupo; uma televisão e um vídeo. A sala de leitura deveria estar sendo utilizada com o propósito para o qual foi criada. Na verdade, segundo informações da professora da turma, esta sala era utilizada pelos alunos nos dias de aula de informática, quando a turma era dividida e, enquanto metade da turma tinha aula na sala de informática, a outra metade permanecia na sala de leitura podendo estar manuseando ou lendo os livros ali existentes. Entretanto, como a professora responsável pela sala aderiu à greve dos professores do município de Niterói durante o período de duração da pesquisa, esta sala somente foi utilizada 67 quando alguma atividade que necessitasse a utilização dos aparelhos de televisão e vídeo foi programada, não sendo possível a observação de nenhuma outra atividade nesta sala. Fig.6 – SALA DE LEITURA Fig. 7 – SALA DE LEITURA 68 Fig. 8 – SALA DE LEITURA 3) A sala de informática A sala de informática (Fig. 9, 10 e 11), localizada também no primeiro andar da escola, é composta de seis (06) mesas para computador com bancos para duas (02) pessoas e um computador em cada mesa, uma mesa com cadeira para a professora, um armário e um quadro de giz. A professora responsável por esta sala foi recentemente transferida para esta escola e, por isso, segundo suas informações, ainda não desenvolveu um planejamento de atividades para os alunos das diversas séries da escola. 69 Fig. 9 – SALA DE INFORMÁTICA Fig. 10 – SALA DE INFORMÁTICA 70 Fig. 11 – SALA DE INFORMÁTICA 4) O pátio da escola O pátio (Fig. 12, 13 e 14) está localizado no andar térreo da escola e é uma pequena área coberta que funciona como entrada e saída do prédio da escola, bem como funciona também como área de lazer e refeitório no horário do recreio, tendo mesas e cadeiras que ocupam boa parte deste espaço. No andar térreo encontra-se o acesso a secretaria da escola, o acesso às salas da direção, da supervisão e orientação escolar, acesso a cozinha, depósito e despensa e dois banheiros para alunos. O pátio da escola também é o lugar onde os alunos alinhados por turma, quase que todos os dias, antes de iniciarem suas atividades em sala de aula, cantam o Hino Nacional e rezam a oração do Pai-Nosso. No pátio da escola encontram-se duas caixas, uma contendo diversos livros de estórias e outra contendo alguns brinquedos que na sua grande maioria são brinquedos “de 71 menina” como bonecos, bolsas, sacolas, pulseiras, dentre outros. Este material é deixado à disposição das crianças para que, no horário do recreio, elas possam pegar para brincar e não brinquem de correr. Fig. 12 – PÁTIO DA ESCOLA – ENTRADA Fig.13 – PÁTIO DA ESCOLA – REFEITÓRIO 72 Fig. 14 – PÁTIO DA ESCOLA – CAIXA DE LIVROS E CAIXA DE BRINQUEDOS Através das observações realizadas dos espaços fora da sala de aula que possibilitam oportunidades para o brincar, constatou-se que: - O brincar na sala de recursos está direcionado às crianças portadoras de necessidades especiais e é dirigido pela professora responsável pelas atividades realizadas por estes alunos, não sendo permitida a permanência nesta sala de nenhuma outra criança da escola. - Observação do dia 12/04/2005 - Foram reunidos na sala de recursos, os diversos alunos portadores de necessidades especiais das diversas turmas do turno da tarde da escola. O número de alunos presentes na sala era de dez (10) alunos e suas idades variavam entre oito (08) e doze (12) anos de idade. As necessidades especiais 73 variavam entre autistas, deficientes auditivos, portadores de Síndrome de Down, paralisados cerebrais dentre outras necessidades especiais cujo diagnóstico não era possível sem o laudo médico. A professora responsável pela sala de recursos preparou uma atividade para a comemoração da Páscoa. Tendo colocado todos os alunos sentados em um semi-círculo ao redor da mesa grande, a professora começou a atividade perguntando se alguém sabia o significado da Páscoa. Alguns alunos arriscaram palpites fazendo referência ao ovo de chocolate e ao “coelhinho”. Após uma breve explicação sobre o real significado da Páscoa, outra breve explicação sobre os símbolos da Páscoa como o ovo, o “coelhinho”, o trigo e a uva, foi dada. As crianças pareciam agitadas com a visão de um bolo de chocolate, trazido pela professora, que havia sido colocado em cima da mesa. A professora perguntou se alguém sabia cantar alguma música de Páscoa. Alguns alunos lembraram de duas (02) músicas. Então, ela propôs que todos cantassem fazendo os gestos de acordo com a música. Após cantarem as músicas lembradas e sem poder conter a agitação das crianças sob o efeito da visão do bolo de chocolate que a todo momento era mencionado, a professora propôs que eles cantassem um “Parabéns para Jesus”. Algumas crianças disputaram quem iria apagar a vela. A professora disse que todos apagariam e, um por um, na sua vez, teve sua vela acessa para que pudesse ser assoprada. Após o “Parabéns”, o bolo foi cortado e servido pela professora às crianças. Algumas crianças quiseram repetir, outras, as mais velhas, pediam para voltar para a sala de aula. Depois que todos terminaram de comer o bolo, a professora distribuiu para cada um, um saquinho com bombons de presente de Páscoa. Cada criança que recebia seu presente podia retornar para a sua sala de aula. Nenhum material existente na sala, nem jogos, nem brinquedos, foi utilizado. - A sala de leitura não estava sendo utilizada pelo fato de a professora responsável pelas atividades ter aderido a greve dos professores do município e não ter quem a substituísse. 74 Observação do dia 11/04/05 - No primeiro horário, antes do recreio, a turma foi dividida e metade dos alunos vai para a aula de informática enquanto a outra metade que deveria ir para a sala de leitura, permanece na sala de aula. O fato de as crianças não irem para a sala de leitura deveu-se ao fato de a professora responsável por esta sala ter aderido à greve dos professores da rede municipal de Niterói e não estar comparecendo às aulas. - A sala de informática não estava sendo utilizada com todo o seu potencial pelo fato de não estarem todos os computadores funcionando, o que reduzia o tempo que cada criança poderia utilizá-lo, e pelo fato de a professora ainda não ter organizado uma rotina para a realização de atividades para as séries da escola, inclusive a classe de alfabetização, nem tampouco ser permitido o uso livre deste espaço. Observação do dia 18/04/05 - Hoje, sendo segunda-feira, é dia das crianças irem para as salas de informática e de leitura. Como a sala de leitura ainda está sem professora responsável pelas atividades ali desenvolvidas, decidi por observar uma atividade na sala de informática. Hoje estão presentes vinte e três (23) alunos no total. O primeiro grupo com 13 alunos, desceu para a sala de informática e, ao chegarem na sala perceberam que dois dos cinco (06) computadores não estavam funcionando. Os alunos tiveram que se distribuir nos outros quatro (04) computadores. Cada aluno escolheu o computador e os colegas com quem gostaria de sentar sem a influência da professora. Cada computador, então, tinha que ser utilizado por, aproximadamente, três (03) alunos que se acomodaram, se apertando no banco em frente ao monitor. Os computadores já estavam ligados e com um programa, o “paint”, em execução. As crianças, cada uma no seu tempo de utilizar o computador (por aproximadamente quinze (15) minutos), manuseavam somente o mouse e tentavam criar desenhos na tela, ora usando o mouse como lápis, ora usando como 75 borracha para apagar aquilo que não queriam que permanecesse no desenho, alteravam a cor dos desenhos, rabiscavam. Algumas crianças preferiam escrever o seu primeiro nome com letra cursiva, uma vez que o teclado não podia ser utilizado, diversas vezes e de todas as cores possíveis. O tempo foi pequeno para que cada aluno tivesse a chance de desenvolver algum desenho ou alguma escrita mais elaborada. A professora responsável pela sala de informática não interferiu na atividade dos alunos como também não deu nenhuma orientação do que os alunos poderiam fazer. Ela estava envolvida em uma outra atividade de planejamento de aulas durante o tempo em que a turma permaneceu na sala de informática. Ela informou que ainda estava selecionando alguns programas e jogos específicos para as diversas séries da escola, para que as crianças utilizassem nos dias de aula. A única intervenção da professora aconteceu quando os alunos tinham que se revezar entre si para utilizar o computador. Ao final de cinqüenta (50) minutos, a professora mandou os alunos voltarem para as salas de aula para que o outro grupo pudesse utilizar o computador. O outro grupo com dez (dez) alunos veio ocupar a sala de informática e a mesma atividade realizada pelos alunos do grupo anterio,r foi desenvolvida agora por este outro grupo. - O brincar no pátio da escola no horário do recreio, é vigiado tanto pelas professoras como demais funcionários da escola que impedem que brincadeiras de correr como piquepega, polícia e ladrão, pique-esconde dentre outras, se realizem. Quando algum aluno é flagrado correndo, este é colocado sentado em um canto do pátio e aí permanece até o término do recreio, o que o impede também de brincar de qualquer outra brincadeira que não precise correr. Observação do 31/03/05 – No retorno do recreio, a supervisora da tarde, vai de sala em sala avisar (mais uma vez), que o pátio não é lugar para se correr e que a partir de amanhã, quem for pego 76 correndo no pátio, seja na hora da entrada ou na hora do recreio, vai ser colocado sentado em um canto e só poderá levantar para voltar para a sala de aula. Observação do dia 07/04/05 - “D” começa a aula conversando sobre o recreio das crianças e explicando-lhes o porque é proibido de correr no pátio. Fala sobre a reportagem do Jornal Nacional do dia anterior que noticiava a morte de uma lutadora de boxe por causa de um soco na cabeça. Também conta um caso real e pessoal sobre uma amiga de sua mãe, que faleceu menina ao bater com a cabeça em uma árvore durante uma brincadeira de pique-pega. - As crianças, embora tentem burlar a vigilância das professoras e funcionários da escola em diversas ocasiões, não podem escolher livremente sobre o que querem brincar. Observação do dia 01/03/05 – Depois que merendam, as crianças ensaiam algumas brincadeiras de correr, de rodopiar e são repreendidas pelas professoras e funcionários do colégio porque este tipo de brincadeira não é permitido. O que aparece de forma recorrente nestas observações é que os espaços com possibilidades para o brincar fora da sala de aula ou são sub-utilizados como o caso da sala de leitura e a sala de informática, ou são espaços de uso restrito e normas rígidas como é o caso da sala de recursos e do pátio da escola, o que parece não favorecer o desenvolvimento de atividades livres, criativas, imaginativas, características do brincar de faz-de-conta. O relato e a análise de algumas respostas da diretora sobre o uso destes espaços pode fornecer mais dados sobre as questões acima delineadas. 77 4.2 – O brincar e seus espaços dentro da sala de aula A sala de aula, como já foi descrito, não possui brinquedos ou jogos, apresentando apenas um “cantinho de leitura” com alguns livros de estória para que as crianças utilizem nos momentos em que não estão realizando nenhuma tarefa ou quando a professora está em alguma outra atividade como corrigindo os cadernos de casa ou os livros e não está trabalhando nenhum conteúdo. Segundo informação da professora, os livros de estória estão “sumindo”. Tem crianças que pedem para levar para casa e não devolvem. Não existe nenhum controle no empréstimo e na devolução destes livros. Dentro deste espaço não é desenvolvida nenhuma atividade relacionada com o brincar de faz-de-conta da criança pela professora. Este brincar aparece como atividade “paralela” às atividades da professora. 4.3 – Conversando com a diretora da escola Cabe aqui reiterar a explicação de que o objetivo inicial da entrevista aberta com a diretora da escola era a coleta de dados para uma contextualização mais aprofundada da escola, mas ao reler e analisar o conteúdo da mesma constatou-se a sua relevância para a discussão da identificação e análise da produção de sentidos em relação ao uso da sala de recursos e ao uso do pátio da escola. Como a diretora, então, não fez menção ao uso de outros espaços, estes não se encontram aqui presentes como categorias de análise. Entrevista realizada em Maio/05 - A diretora resolveu reunir as estagiárias e eu como pesquisadora, neste dia, para passar as informações sobre a escola que ela “sabia” que nós iríamos precisar. (...)nós estamos funcionando aqui desde 2002 e nunca houve respeito com a sala de recursos que existe na planta. (...) Essa sala de recursos, ela não foi inaugurada ainda, entendeu, e eu não posso aceitar que outros professores tenham espaço. (...)se eu começar a abrir para outros professores levarem seus alunos lá, vão “detonar” com certeza. ... 78 (...)não é justo que outra criança venha e quebre esse espelho, desmonte o material didático, entendeu. Eu acho isso. (...)lá em baixo tem duas caixas, uma com livrinhos e outra com brinquedos que as crianças podem pegar na hora do recreio. Correr eu não deixo mesmo e nós todos, professores, coordenadores, nós adultos, não podemos deixar que as crianças corram porque se uma criança se machucar sou eu é que vou responder a um processo. Assim, os dados da entrevista com a diretora da escola foram analisados através da Análise de Conteúdo, como mencionamos anteriormente, e, após se fazer uma leitura criteriosa de sua fala, elegeu-se duas (02) categorias de análise em função da importância de seu conteúdo para a temática deste trabalho, com o objetivo de perceber os sentidos atribuídos pela diretora ao uso dos seguintes espaços: 1) uso da sala de recursos e 2) uso do pátio da escola. A seguir, estaremos apresentando as subcategorias encontradas na fala da diretora da escola sobre o uso destes espaços: CATEGORIAS SUBCATEGORIAS - [...] nunca houve respeito com a sala de recursos que existe na planta; - [...] não foi inaugurada ainda [...] - [...] eu não posso aceitar que outros professores tenham espaço; O uso da sala de recursos - [...] algumas professoras [...] pediram até para usar a sala de recursos e eu não autorizei [...]; - [...] se eu começar a abrir para outros professores [...], vão “detonar” [...]; - [...] ela nunca foi respeitada; - [...] não é justo que outra criança venha e quebre [...], desmonte [...]; 79 CATEGORIAS SUBCATEGORIAS O uso da sala de recursos - [...] eu já tive professoras [...] que queriam entrar, [...]. - [...] tem duas caixas, uma com livrinhos e outra com brinquedos que as crianças podem pegar [...]; - Correr, eu não deixo mesmo [...]; O uso do pátio da escola - [...] não podemos deixar que as crianças corram [...]; - [...] se uma criança se machucar sou eu é que vou responder a um processo; - Então, eu não deixo mesmo (correr). Como já mencionado, a entrevista com a diretora foi do tipo semi-aberta. Isto se deveu ao fato de que a diretora não informou previamente o dia em que estaria disponível para realizar a entrevista, impossibilitando que perguntas fossem formuladas previamente. Sua fala discorreu sobre informações que ela julgara relevantes sobre a escola, embora estas informações tenham se revelado muito ricas para uma reflexão sobre o uso de espaços como a sala de recursos e o pátio da escola. Devido ao fato de seu pouco tempo disponível ao nos dar esta entrevista, poucas foram as perguntas que surgiram a partir de sua fala. A partir da análise de conteúdo da fala da diretora, no que diz respeito à categoria de análise “o uso da sala de recursos”, as subcategorias elencadas indicam, claramente, a restrição do uso da sala de recursos apenas por alunos portadores de necessidades especiais (PNE´s). Ao se referir a possibilidade do uso desta sala por outras crianças ditas “normais” com expressões como “detonar”, “desmonte”, “quebre”, parece estar relacionando a possibilidade do uso dos brinquedos e dos materiais existentes nesta sala, portanto, do brincar, com destruição e uso inadequado dos materiais. No caso da categoria “o uso do pátio da escola”, as expressões recorrentes “eu não deixo mesmo (correr), “se uma criança se machucar”, parece indicar uma ação contundente da diretora na restrição ao brincar que envolva a ação de correr, que nesta perspectiva está 80 remetendo a situações perigosas. Assim, quando a diretora da escola em sua fala parece atribuir sentidos aos usos de espaços de brincar fora da sala de aula que remetem a destruição e perigo, parece estar bem longe do sentido do brincar de faz-de-conta discutido por Vygotsky, que concebe o mesmo como criador de zona de desenvolvimento proximal e, portanto, de desenvolvimento. 4.4 – O brincar e as práticas pedagógicas em sala de aula A pesquisa foi desenvolvida junto a uma classe de alfabetização do turno da tarde da escola já citada, que contava com uma professora e, inicialmente, 26 alunos, sendo um aluno portador de Síndrome de Down e um aluno autista. A professora não contava com nenhuma professora assistente para ajuda-la no atendimento a estas crianças, sendo de iniciativa das próprias mães a permanência junto a seus filhos, dentro de sala de aula, para ajuda-los nas tarefas escolares. As idades das crianças desta turma variavam entre cinco (05) e dez (10) anos de idade, sendo que, a criança mais velha, era repetente pela terceira vez. Como já mencionado anteriormente, a escolha da turma onde a pesquisa se desenvolveu, obedeceu ao critério de escolha da direção da escola, não contando com a participação da pesquisadora. Neste subtítulo serão destacados trechos das observações realizadas em sala de aula de uma classe de alfabetização, cujos relatos na íntegra estão no Anexo 1. A análise das observações das práticas pedagógicas e suas relações com o brincar procuraram destacar os seguintes pontos: 1) A existência de uma rotina na organização das atividades diárias da turma; Observação do dia 01/03/05 - A professora começa a aula perguntando aos alunos se eles sabem que dia é hoje, alguns acertam outros se confundem com o dia da semana. Depois de esclarecidas as dúvidas, ela escreve no canto direito do quadro de giz, o dia do 81 mês (01/03/2005) e o dia da semana (3ª feira) e diz aos alunos que vai começar a fazer a “rotina do dia”. Observação do dia 03/03/05 - A professora começa a rotina do dia, fazendo as perguntas de sempre: o dia do mês, da semana, como o tempo está; faz a contagem do número de meninos e meninas e, como sempre, o número de meninos superou o de meninas. Hoje estão presentes oito meninos e seis meninas. Observação do dia 14/04/05 - Hoje, “D” ao começar a fazer a rotina do dia com a contagem de meninos e meninas, aproveitou para dar uma aula de matemática, introduzindo a noção de dezena e de dúzia. Através destes registros pode-se observar que existe uma rotina na organização das atividades diárias da turma e esta rotina é sempre estipulada pela professora sem a participação dos alunos. Como se pode constatar, às vezes, atividades de rotina são utilizadas para a introdução de atividades pedagógicas. As práticas pedagógicas relacionadas ao brincar ou às atividades lúdicas são sempre dirigidas pela professora com uma diretividade que deixa pouco espaço para uma maior participação da criança e, neste sentido, o brincar aparece associado a formas de sistematização do conteúdo. 2) As práticas relacionadas ao brincar ou as atividades lúdicas dirigidas pela professora Observação do dia 01/03/05 - “D”(...) distribui folhas mimeografadas para as crianças com as tarefas que eles deverão fazer: circular todas as letras E de um versinho; desenhar três coisas que comecem com a letra E, e cobrir e copiar diversas formas de se escrever a letra E (maiúsculo, minúsculo, letra de forma e letra cursiva). (...) A maioria das crianças faz suas tarefas, não sem conversarem entre si, ou andarem pela sala ao que a professora chama a atenção mandando que eles voltem aos seus lugares e que calem a boca. 82 Quando a professora manda que as crianças façam tarefas que, de algum modo estão relacionadas a atividades lúdicas, como desenhar, ler estórias e brincar, as mesmas estão relacionadas a atividades de cunho pedagógico para se trabalhar o conteúdo, não valorizando e nem aproveitando o seu aspecto criativo, criador que a capacidade simbólica permite durante o brincar. Observação do dia 08/03/05 - “D” diz a “Jf” que ele terá que refazer a tarefa, pois pintou além das figuras que começavam com a letra E, as outras figuras e fala não só para ele, como para a turma toda que eles não podem fazer aquilo que querem, mas sim, aquilo que foi explicado na tarefa. Nesta observação percebemos que, mesmo as atividades que, em princípio seriam lúdicas, o pintar, por exemplo, que deveria ser livre, passam por uma normatização da professora. A criança não está livre para pintar ao seu modo, mas sim do jeito que a professora concebe como correto. Observação do dia – 31/03/05 - Neste dia, “D” conversa com as crianças e pede que tragam brinquedos de casa para brincarem na hora do recreio. Combina com as crianças que, se cumprirem todas as tarefas da semana, nas sextas-feiras ela dará um tempo de meia hora antes da saída para que as crianças possam brincar dentro da sala de aula. Após a conversa ela passa de mesa em mesa corrigindo as tarefas das crianças. “Ms” diz que o pai dele comentou que a professora passa muito dever de casa e que ela é que deveria ir para a casa dele para ensina-lo a fazer o dever. O brincar tem sido mediado pela professora como forma de prêmio pelo “bom” comportamento dos alunos e o cumprimento das tarefas, quando esta propôs que se os alunos cumprissem as rotinas da semana e se comportassem bem teriam “o direito” de brincarem com os brinquedos trazidos de casa, nas sextas-feiras, durante a última meia hora antes da saída. Os brinquedos trazidos de casa para a escola, como por exemplo, bonecas, motos, carros, pião, etc, não perdem a função de objetos da brincadeira como também, fazem parte da 83 brincadeira de faz-de-conta das crianças, mas não fazem parte das atividades pedagógicas da professora. Aqui o brincar ou a sua possibilidade, aparece circunscrito às atividades determinadas pela professora. O brincar em um sentido mais livre e criativo, possibilitando a criação de uma situação imaginária que se aproximaria ao faz-de-conta como é compreendido por Vygotsky, é visto como recompensa ao bom comportamento não fazendo parte das atividades pedagógicas propostas. 3) Atividades relacionadas ao brincar espontâneo das crianças. Observação do dia 01/03/05 - “M” assovia, batuca na mesa, é repreendido várias vezes pela professora, até ser ameaçado de ficar sem recreio por não estar fazendo a tarefa. Ele responde a professora: - Ah, tia, eu estou brincando... Podemos verificar, nesta observação que, embora o batucar e o assoviar possam não ser vistos como brincar pela professora, é assim que o aluno define o seu comportamento que, para ele, é importante pela entonação da sua fala – como uma brincadeira. Segundo Vygotsky, é incorreto conceber o brincar como uma atividade sem propósito. Assim, a atitude da criança é determinada por sua motivação, pelas circunstâncias de sua atividade e determinará suas próprias ações. Observação do dia 08/03/05 - “Rt”, que terminou de fazer as suas tarefas, brinca com “F” (portador de Síndrome de Down) como se fosse professor. Começa perguntando a “F” – “qual a forma geométrica da terra?”. “F” não responde e “Rt” diz que é “redonda”, além de começar a explicar que a Terra possui mais água do que terra e de que quando aqui é dia, no Japão é noite. A professora não interfere porque não se dá conta da brincadeira. Nesta situação observada, a brincadeira de professor/aluno desencadeada por um dos alunos da turma se dá desvinculada das atividades orientadas pela professora. Este tipo de 84 brincadeira apresenta todos os elementos do brincar de faz-de-conta segundo a concepção de Vygotsky (2000a), no qual a criança assume comportamentos e papéis para além de sua fase de desenvolvimento. Como já mencionado, na concepção vygotskyana o brinquedo proporciona o aparecimento da ação imaginativa, a criação de intenções voluntárias, o planejamento da vida real e motivações volitivas que, mais uma vez aqui, passa desapercebido pela professora e é vivido como atividade “paralela” às atividades pedagógicas. Observação do dia19/04/05 - “Vc”, “Lo” e “Re” se levantam e vão, ao mesmo tempo, apontar seus lápis conversando animadamente enquanto o fazem. “D”(a professora) reclama que eles estão se atrasando e atrasando os colegas também ao que “Lo” responde que eles estão “fazendo uma reunião”. “D” chama a atenção dizendo que os lápis já deveriam ter sido apontados antes e manda que eles retornem aos seus lugares. Aqui cabe ressaltar que o apontar o lápis se torna uma brincadeira de faz-de-conta porque assume uma dimensão de “reunião”, entretanto, a professora não vê o comportamento dos alunos como uma brincadeira, mas sim, como um “mau” comportamento, um comportamento que estava atrapalhando a sua aula. A professora reconhece a importância do brincar, entretanto o brincar espontâneo das crianças não tem sido aproveitado, bem como a professora não tem exercido o papel de mediadora nesse brincar de seus alunos. Situações de faz-de-conta são apresentadas pelas crianças, entretanto, aparecem em momentos em que a professora ou está dando uma explicação sobre o conteúdo, ou as crianças estão envolvidas na realização de alguma atividade e, por isso, estas situações não são aproveitadas como mediadoras da aquisição da linguagem escrita, sendo vividas como “paralelas” à situação de aprendizagem. As brincadeiras que envolvem o faz-de-conta como o brincar de professor/aluno e o fazer uma “reunião” surgem como forma de burlar as atividades organizadas pela professora e são vistas por esta como uma interrupção ou desvio de suas propostas. Percebemos que o brincar nas atividades pedagógicas da professora está circunscrito e normatizado pela forma da professora trabalhar o conteúdo. 85 4.5 – A entrevista com a professora da escola Os dados da entrevista com a professora da classe de alfabetização, como já mencionado, assim como os dados da entrevista com a diretora da escola, também foram analisados através da Análise de Conteúdo, com o objetivo de perceber a concepção da professora sobre o brincar e sua importância no processo de aquisição da linguagem escrita. É necessário ressaltar que, para análise da fala da professora, as categorias de análise foram definidas previamente, a partir de sua centralidade para a temática deste trabalho. Neste sentido, elegeu-se duas (02) categorias de análise: 1) brincar e 2) a relação entre o brincar e a aquisição da linguagem escrita. A partir da definição das categorias e da análise criteriosa das respostas da professora à entrevista, levantou-se subcategorias com a finalidade de identificar os sentidos atribuídos pela professora ao brincar e a sua importância na aquisição da linguagem escrita. O registro na íntegra das respostas da professora à entrevista, encontra-se no Anexo deste trabalho (Anexo 2). A seguir apresentaremos as categorias e subcategorias retiradas da entrevista com a professora: CATEGORIAS SUBCATEGORIAS - estar livre de preconceitos; - recriar a realidade; - criar imaginário; - meio de introduzir conteúdo; Brincar - improvisar; - arriscar; - não preocupação com o erro ou com o acerto; - contação de estórias; - fazer parte do imaginário; - aprender mais rapidamente e facilmente; 86 CATEGORIAS SUBCATEGORIAS - exercícios que desafiam; - criar; - otimizar a hora do recreio; Brincar - não ser direcionado; - fantasiar; - criar regras; - resolução de problemas de convivência; - é muito importante. - [...] tem sempre uma brincadeira; - [...] não existe um ambiente fora da sala de aula onde a gente possa explorar a questão do lúdico com mais liberdade; - [...] ficamos muito presas à sala de aula, [...]; - [...] a critério do professor dentro de sala de aula; - [...] falta um pouco no profissional o conhecimento maior [...]; A relação entre o brincar e a aquisição da linguagem escrita - [...] as crianças [...] estão muito mais voltadas para a questão do brincar [...]; - [...] criar um imaginário para que isso facilite o aprendizado delas [...]; - fazer desse brincadeira; aprendizado uma grande - [...] a brincadeira ajuda muito neste processo; - [...] brincadeira e esse improvisar [...]; - [...] passar para o próprio papel o que ela (a criança) quer; [...] aprender através do brincar. 87 O que podemos perceber a partir de uma análise criteriosa da fala da professora em relação à categoria de análise “brincar”, foi a recorrência de algumas palavras como criar, recriar, imaginário, fantasiar, o que demonstra que, para a professora, o brincar é uma atividade que está relacionada a atividades livres, criativas, contendo elementos que são importantes, segundo a concepção do brincar de faz-de-conta de Vygotsky, inclusive a criação de regras pela criança, que está implícita em toda a brincadeira, embora a expressão “criar um imaginário para que isso facilite o aprendizado delas”, dá margem a uma ambigüidade, a uma não clareza se este “criar” seria uma iniciativa da criança ou da professora. Na categoria “a relação entre o brincar e a aquisição da linguagem escrita” o que observamos foi que esta relação é feita pela professora relacionando-a ao ambiente. Assim, houve a recorrência da menção da não existência de um “ambiente fora da sala de aula” onde se possa explorar esta relação, o fato de se ficar “presa à sala de aula” e a “critério da professora dentro da sala de aula”. A professora também percebe que essa relação entre o brincar e a aquisição da linguagem escrita, pode facilitar o aprendizado, o que é reafirmado nas subcategorias “aprender através do brincar” e “brincar ajuda neste processo”. O que se pode constatar é que a professora, embora reconheça no brincar elementos importantes para o desenvolvimento do simbolismo na criança, ao relacionar este brincar a aquisição da linguagem escrita ressalta como problema o fato da restrição do espaço de sala de aula, não percebendo que a sala de aula também pode ser um espaço para o brincar, a imaginação, a criação. Assim, em sua prática pedagógica dentro de sala de aula, esta mesma professora, contrariamente a importância que parece dar ao brincar, parece ter dificuldade de propiciar a manifestação do brincar das crianças. age de forma contrária ao reconhecimento da importância do brincar para a aquisição da linguagem escrita. Se o brincar, neste contexto institucional específico, tem tantas restrições fora da sala de aula, dentro de sala de aula que, na concepção da professora parece ser o lugar por excelência da sistematização do conteúdo, este brincar pode adquirir um sentido ainda mais restrito. 88 V – DIALOGANDO COM A ANÁLISE DE DADOS A partir da análise dos dados realizada, podemos perceber que, quanto aos espaços com possibilidades para o brincar, aspectos normativos e restritivos estão presentes tanto fora de sala de aula, quanto na organização das práticas pedagógicas da professora. Assim, a própria prática pedagógica da professora é afetada no sentido de que se nos lugares onde existem possibilidades para o brincar este é restrito, muito mais restrito será dentro de sala de aula que para a professora parece ser por excelência lugar de sistematização e transmissão de conteúdo. É necessário que se compreenda que o sentido, como uma formação complexa e dinâmica na rede de significações da criança, está relacionado às condições de interlocução e podem se modificar de acordo com os diferentes contextos. Mesmo que os sentidos estejam articulados tanto pela interpretação do adulto quanto pela resposta da criança, eles são determinados por contextos diferentes, o da criança e o do adulto. A produção de sentidos para o brincar é algo que parece se estender de fora da sala de aula para dentro da sala de aula. A forma como a escola está produzindo e instituindo sentidos para o brincar através do uso de seus espaços dentro e fora da sala de aula, parece estar relacionando-o a uma forma de burlar as regras e não de criação de regras condição, segundo Vygotsky (2000 a) favorecida pelo brincar. O brincar espontâneo da criança fora de sala de aula adquiriu um sentido de transgressão às regras instituídas neste contexto escolar sendo, por este motivo, passível de controle e punição. Dentro de sala de aula, onde está atrelado à transmissão de um conteúdo, parece se afastar do sentido do brincar de faz-de-conta, como é compreendido por Vygotsky, que propicia uma nova relação entre ação e significado, onde o significado torna-se o ponto central e determina a ação, ou seja, a ação está subordinada ao significado. Nesta perspectiva o que se deixa de lado são os significados produzidos pela própria criança. 89 Enquanto fora da sala de aula o brincar parece adquirir o sentido de destruição e perigo, na sala de aula o sentido do brincar está associado ao ensino/aprendizagem de conteúdo e, portanto, submetido à organização e normatização. Deste modo, se o brincar assume um outro sentido para a criança, dará origem a um outro tipo de comportamento ou ação, que neste caso específico pode se tornar uma transgressão, passível de punição. Embora o brincar seja, reconhecidamente, importante para a professora no desenvolvimento da imaginação e da criação quando se relaciona com a aquisição da linguagem escrita, emerge na sua fala a questão da restrição ao espaço da sala de aula, que é visto como inadequado e insuficiente a esta relação. Cabe aqui destacar que, de acordo com a abordagem teórica de Vygotsky, não se pode negar a importância dada ao ambiente no desenvolvimento e organização da estrutura psicológica da criança. Vygotsky argumenta, inclusive, que o desenvolvimento da criança depende do nível de significado atribuído ao ambiente. O que se constata é que as formas de organização deste contexto específico de educação formal estão estruturadas de maneira a impor à criança uma organização baseada em significações adultas, dificultando que a criança mesmo, desenvolva suas próprias significações, ou pelo menos, incorporando estas significações ao processo de aquisição da linguagem escrita. Também a proposta pedagógica da professora insinua que o imaginário deva ser “dado às crianças”. Segundo Vygotsky (2000b), o desenvolvimento da imaginação, como um processo psicológico novo, surge no brincar, na ação da própria criança. O brincar é definido pela situação imaginária criada pela criança. Ignorando ser o imaginário uma disposição pessoal da criança para agir de modo simbólico nas situações de brincadeira, a professora pode acabar por se afastar como figura de mediação, interação e interlocução, ignorando seu importante papel como “parceira” no processo de desenvolvimento da criança e, conseqüentemente, também no processo de aquisição da linguagem escrita, uma vez que ela será a mediadora entre a criança e a representação da linguagem oral. Brincar é fundamental para o desenvolvimento da função simbólica da criança e de sua capacidade de abstração o que contribui para a sua compreensão da escrita como um sistema simbólico de representação da realidade. A discussão de Vygotsky sobre o desenvolvimento da função simbólica da criança atribui, não só à brincadeira de faz-de-conta, como também ao gesto e ao desenho, o seu potencial de desenvolvimento. Na situação específica de sala de aula que fora observada, estes “recursos” são utilizados de forma normatizada, relacionados diretamente ao conteúdo, desconsiderando o seu potencial de 90 desenvolver a função simbólica, fator essencial para o ensino da linguagem escrita, além de desenvolver na criança a capacidade de fazer escolhas conscientes. Para Vygotsky (2000 a), “desenhar e brincar deveriam ser estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem escrita das crianças” (p. 157). A organização e as práticas pedagógicas de um tipo de linguagem para outro, ou seja, do desenhar e brincar para a linguagem escrita, deveria estar despertando na criança uma necessidade intrínseca de incorporar a escrita como necessária e relevante para a sua vida. Vygotsky (2000 a) argumenta que tanto o brincar como a instrução escolar “criam zonas de desenvolvimento proximal e em ambos os contextos a criança elabora habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis que passará a internalizar” (p.173). Neste sentido, segundo a abordagem teórica adotada, mais do que ensinar a escrita das letras, deve-se ensinar a linguagem escrita como forma de representação da linguagem oral. Em conseqüência disto, as atividades ou tarefas que não fazem sentido para as crianças, pela sua não participação nas escolhas e pelas restrições impostas ao brincar, podem estar produzindo sentidos ao brincar que parecem não favorecer o que Vygotsky (2000 a) chamou de “complexo processo de transição de um tipo de linguagem escrita para outro”. Isto porque no brincar de faz-de-conta, os objetos adquirem a função de signo e, portanto, se constituem em uma forma de linguagem. 91 VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS A discussão de Vygotsky sobre a importância dos contextos na produção de sentidos nos leva a pensar no processo de aquisição da linguagem escrita em um contexto sócioinstitucional de educação formal. As contribuições de Wertsch ampliam esta discussão destacando a importância de se compreender os vários aspectos de uma determinada situação e como estes aspectos podem mediar sentidos para a compreensão de objetos ou eventos. Neste trabalho percebemos que tanto as práticas pedagógicas como o uso dos espaços dentro e fora da sala de aula, tornam-se aspectos importantes de uma situação de aquisição da linguagem escrita e produzem sentidos sobre o brincar. Se o brincar é importante ao desenvolvimento da função simbólica do homem e favorece a sua capacidade de lidar com os significados, desde a mais tenra idade a criança deveria estar experienciando esta possibilidade nos mais diversos momentos de sua vida. Dessa forma, torna-se necessário realizar uma reflexão sobre a importância do desenvolvimento da função simbólica no brincar e sua relação com o processo de aquisição da linguagem escrita, como também, dos sentidos produzidos nos contextos de educação formal para o estabelecimento desta relação. Na pesquisa realizada o que se constatou é que o brincar fora da sala de aula é relacionado a destruição e perigo e, na sala de aula, é circunscrito e normatizado pela transmissão do conteúdo, o que parece produzir sentidos em relação ao brincar imaginativo e espontâneo da criança como transgressão, ao burlar as regras instituídas. Nesse caso, o próprio burlar e transgredir pode tornar-se uma brincadeira, embora não favoreça uma aproximação da função simbólica do brincar com a função simbólica da escrita. Assim, a contribuição deste trabalho passa pela contribuição que Vygotsky dá para uma visão que hoje é bastante difundida sobre a concepção da linguagem escrita não como uma atividade mecânica, mas como uma atividade cultural. Para isso ele vai destacar a 92 importância da função simbólica e de seu desenvolvimento através de atividades como o gesto, o desenho e o brincar. Quando a escola não viabiliza o uso dos seus espaços de brincar nem na sala de aula nem fora dela, a possibilidade do brincar na sua característica imaginativa e simbólica está deixando de utilizar um importante instrumento de auxílio para a compreensão da função simbólica da escrita que, segundo Vygotsky, permite não só trabalhar com os objetos concretos mas, com a representação deles, ou seja, realizando uma releitura dos próprios objetos. Portanto, está deixando de utilizar um poderoso recurso de aproximação da função e da estrutura da linguagem escrita, contribuindo para a concepção da criança de que a necessidade da linguagem escrita é do professor e da escola e não dela, produzindo também uma possível dissociação entre o “brincar da escola” e o brincar de faz-de-conta da criança. Um importante desafio que parece se colocar é o de incluir o imaginativo, o novo, o criativo, o inesperado, que fazem parte do brincar de faz-de-conta, às práticas pedagógicas o que, necessariamente, obriga a rever aquilo que Baquero (2001) chamou de a “natureza e característica dos dispositivos de ensino”, que de um modo geral tem se pautado por aspectos como reprodução, controle e normatização. Embora a criança, levada pela própria necessidade e importância do brincar encontre formas de manifestação do seu brincar de fazde-conta, estas parecem não ser consideradas importantes no processo de aquisição da linguagem escrita. O não considerar o brincar de faz-de-conta da criança neste processo retoma a discussão de Baquero (2001) sobre o perigo do afastamento e da não compreensão da criança dos objetivos da escola. Nesta perspectiva, não só este afastamento precisa ser repensado como também os próprios objetivos da escola na sua dimensão de promotora de desenvolvimento humano. 93 BIBLIOGRAFIA Obras citadas BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Portugal: Edições 70, 1977. LÜDKE, M., ANDRÉ, M. E.D. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MENEGHINI, Renata e CAMPOS-DE-CARVALHO, M. I. Arranjo espacial na creche: espaço para interagir, brincar isoladamente, dirigir-se socialmente e observar o outro. Psicologia: Reflexão e crítica. v.16, n.2, 2003. MOLL, Luis C. Vygotsky e a educação – implicações pedagógicas da psicologia sóciohistórica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. MOYLES, Janet R. 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Vygotski – contexto, contribuições à psicologia e o conceito de zona de desenvolvimento proximal. Itajaí: UNIVALI, 2001. 98 ANEXOS 99 ANEXO 1 REGISTROS DAS OBSERVAÇÕES - Observação do dia 01/03/2005 As observações começaram a ser realizadas no dia 01/03/2005 – 3ª feira, após uma conversa informal com a diretora da escola, na qual ficaram definidos os dias de observação, segundo a minha própria escolha - todas as 3ª, 4ª e 5ª feiras, no turno da tarde que tem seu início às 13:00 horas e seu término às 17:15 horas, durante o tempo integral de aula, e a turma onde estas observações seriam realizadas (esta escolhida pela diretora da escola), turma F1A da professora “D”. Na escola onde a pesquisa está sendo realizada existem duas classes de alfabetização, a F1A e a F1B (nomenclatura dada pela escola) e uma de 1ª série (2º ciclo) com crianças no nível de alfabetização. Neste primeiro encontro, cheguei à escola às 12:20 horas e me dirigi à sala da direção para me apresentar pronta para o início da minha pesquisa. Solicitei à diretora “S”, que me apresentasse à professora “D” uma vez que nós não nos conhecíamos e ela ainda não sabia que eu iria acompanhar as suas aulas. Tudo acertado saí da sala da direção e me dirigi ao pátio do colégio para aguardar o sinal de entrada do turno da tarde. Alguns alunos do turno da manhã, ainda permaneciam na escola aguardando os seus responsáveis para busca-los. Podiam brincar “livremente”, entretanto a única brincadeira de que não podiam brincar era qualquer uma que precisasse correr. O argumento usado para a 100 proibição deste tipo de brincadeira é o fato de que o espaço do pátio é muito pequeno e boa parte dele é ocupada por mesas e cadeiras que são utilizadas na hora do almoço por professores, funcionários e alunos, assim como na hora do recreio. Além disso, as crianças das classes de alfabetização que “são muito pequenas” (fala da diretora) poderiam ser machucadas pelos maiores em suas brincadeiras. Às 12:30 horas, começaram a chegar os primeiros alunos do turno da tarde, que chegavam mais cedo para poderem almoçar na escola. Às 12:55 horas, o sinal de entrada soou e as crianças se enfileiraram, uma após a outra, por turma e por tamanho junto das suas respectivas professoras. O portão da escola é fechado e aqueles que chegarem atrasados, tanto alunos quanto professores, têm que esperar que todos as turmas subam para suas salas para poderem entrar no colégio. Não fui formalmente apresentada à professora “D”, pois a diretora não estava presente no pátio na hora da entrada. Informei-me com uma das estagiárias do curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá quem era a professora e ela me disse que estava estagiando na mesma turma em que eu desenvolveria minha pesquisa. Nos dirigimos para junto da turma e após o canto do Hino Nacional e da oração “Pai Nosso”, enquanto as outras turmas subiam para suas salas, eu me apresentei à professora, explicando brevemente o objetivo da minha pesquisa. Devo acrescentar que fui muito bem recebida, tanto pela direção como pela professora da turma. Subimos para o segundo andar da escola, para a sala nove e eu me coloquei sentada ao fundo da sala, junto à mesa da professora. A professora, ajudada por mim e pela estagiária, arrumou as carteiras em seis círculos, de seis carteiras cada, e deixou que os alunos escolhessem os seus lugares. Os círculos não foram totalmente preenchidos pois, alguns alunos estavam atrasados e outros, os portadores de necessidades especiais (PNE’s), estavam na sala de recursos. Esta sala ainda não é conhecida por mim, como também não sei o trabalho que é feito com estes alunos nesta sala. A turma F1A tem um aluno autista e um portador de Síndrome de Down, cujas mães permanecem em sala de aula com eles, além de um aluno cujo diagnóstico é o de distúrbio de comportamento, que faz tratamento através de medicação para se acalmar. A professora começa a aula perguntando aos alunos se eles sabem que dia é hoje, alguns acertam outros se confundem com o dia da semana. Depois de esclarecidas as dúvidas, ela escreve no canto direito do quadro de giz, o dia do mês (01/03/2005) e o dia da semana (3ª feira) e diz aos alunos que vai começar a fazer a “rotina do dia”. Escreve no quadro de giz a rotina: 101 Rotina - Letra E - Recreio - Matemática - Dever de casa - Saída - Escolha do ajudante do dia Na rotina a professora faz no quadro de giz o desenho de três conjuntos: um de meninas - representado pelo símbolo triângulo, o de meninos – representado pelo círculo e o conjunto de meninos mais as meninas (triângulos mais círculos). A turma tem mais meninos do que meninas, mas uma das crianças diz que se contarem conosco, eu e a estagiária, poderia ser que o conjunto de meninas fosse maior. A professora coloca em votação a possibilidade de nos incluir no conjunto das meninas, mas isso não foi aceito pela maioria formada de meninos. Pela primeira vez, percebi que a aparente indiferença quanto a minha presença, pois ninguém questionou a presença de uma pessoa estranha na sala, era uma percepção errada. As crianças já haviam percebido que o conjunto de meninas se contasse comigo, estaria ganhando um reforço. A professora conta juntamente com a turma o número de meninos e meninas, colocando o número de símbolos referentes a cada sexo dentro de cada conjunto e depois junta todos os símbolos num único conjunto que forma a turma. Neste dia, tínhamos sete meninas na turma (incluindo a professora) e onze meninos. Os meninos vibram com a derrota das meninas. A escolha do ajudante é feita pela professora, e o ajudante escolhido de hoje é “J” (06 anos). Este menino chorava muito ao chegar a escola e continuava chorando na sala de aula e, quando tive uma oportunidade, eu lhe perguntei o porquê do choro. Ele respondeu que não gostava de ir à escola e sentia saudade da mãe. Perguntei-lhe se ele gostaria que eu ficasse ao seu lado, ao que ele respondeu que sim e parou de chorar. “D” explica, então, que eles agora irão fazer um trabalho sobre a letra E e distribui folhas mimeografadas para as crianças com as tarefas que eles deverão fazer: circular todas as letras E de um versinho; desenhar três coisas que comecem com a letra E e cobrir e copiar diversas formas de se escrever a letra E (maiúsculo, minúsculo, letra de forma e letra cursiva). Ela explica cada exercício, um de cada vez, mas como o ritmo das crianças não é o mesmo, aqueles que acabam antes, vão até a professora para saber o que tem que fazer depois. 102 A maioria das crianças faz suas tarefas, não sem conversarem entre si, ou andarem pela sala ao que a professora chama a atenção mandando que eles voltem aos seus lugares e que calem a boca. Durante este tempo, ela aproveita para corrigir os deveres de casa. O aluno cujo diagnóstico é distúrbio de comportamento, “M” (08 anos), dá um chute na porta para abri-la e entra acompanhado dos outros alunos PNE’s e suas mães. Eles estavam na sala de recursos. “D” pára tudo o que está fazendo, dá a folha para os três e repete a explicação da tarefa. “T” e “F” fazem seus trabalhos com a ajuda de suas mães. A estagiária vai ajudar “M” com sua tarefa. “M” assovia, batuca na mesa, é repreendido várias vezes pela professora, até ser ameaçado de ficar sem recreio por não estar fazendo a tarefa. Ele responde a professora: - Ah, tia, eu estou brincando... Com raiva, ele amassa a folha e a joga no chão junto com o lápis e a borracha. “D” grita com ele e ele a xinga. Toca o sinal para o recreio e ele é o primeiro a sair correndo da sala. Todos formam uma fila, do mesmo modo que fizeram na entrada, para descerem para o recreio. Nem todas as crianças comem da merenda fornecida pela escola, alguns trazem seus lanches de casa que é repartido com seus colegas mais próximos. Depois que merendam, as crianças ensaiam algumas brincadeiras de correr, de rodopiar e são repreendidas pelas coordenadora e auxiliares do colégio porque este tipo de brincadeira não é permitido. Pela rotina montada pela professora, após o recreio eles deveriam fazer um trabalho de matemática. Entretanto, como estava muito calor e as crianças muito suadas e agitadas, ela muda a rotina e diz que vai contar-lhes uma história. Conta a História da Lesma e quando acaba a leitura, faz perguntas como: quem gostou da história?, quem já viu uma lesma?, o que a lesma gostava de fazer na história? e diz que vai dar um trabalho que eles vão gostar. O trabalho é distribuído e traz o desenho de um caracol pontilhado que eles deveriam ligar e depois colorir. Quando todos os alunos acabam de fazer a tarefa, a professora que já corrigiu os deveres de casa e já colou o dever para o dia seguinte, pega a folha e explica o que eles têm que fazer no dever de casa. Entrega a cada aluno a sua pasta com o caderno de tarefas de casa. Os alunos PNE’s saem antes dos outros alunos. O restante aguarda o sinal da saída para, novamente, entrar em fila para descerem para ir embora. As crianças, durante a saída, não ficam soltas no pátio do colégio, ao contrário, ficam sentadas, ainda em fila, esperando os seus responsáveis. Depois que a última criança é entregue ao seu responsável, a professora despede-se e vai embora. 103 - Observação do dia 02/03/2005 Depois de todo o ritual de entrada: canto do Hino Nacional, oração do “Pai Nosso” e de subirmos para a sala, a professora faz as mesmas perguntas sobre o dia do mês, da semana e antes de fazer a rotina, explica que hoje, sendo 4ª feira, é o dia que eles saem às 15:00 horas e não tem recreio, porque depois da saída dos alunos, toda 4ª feira é dia de reunião de planejamento com a orientadora pedagógica e com a diretora da escola. No quadro de giz ela desenha, novamente, os três conjuntos representantes da quantidade de meninos e meninos e a quantidade de alunos no total. A professora é chamada para conversar com a mãe de um dos alunos, “Jt” e desce. A supervisora do turno a substitui, terminando de fazer a contagem entre meninos e meninas. Mais uma vez o número de meninos é superior ao número de meninas e um dos alunos, “R”, diz que vai ser sempre assim porque os homens são melhores, mais fortes e mais inteligentes que as mulheres. A supervisora ignorou o comentário do aluno e passou a explicar a tarefa que seria um exercício de revisão da letra A. As crianças se envolvem com a tarefa, sempre conversando entre si e circulando pela sala. Hoje, “M” não pára dentro de sala, não faz a tarefa e quando pede para ir ao banheiro, deixa a torneira da pia totalmente aberta o que acaba alagando o banheiro masculino, o corredor e as escadas da escola. As crianças acabam de fazer a tarefa, as pastas com os deveres de casa são entregues e a professora explica o que é para ser feito. Toca o sinal de saída. Os alunos formam a fila e descem acompanhados pela professora e a estagiária. Quando todos já tinham ido embora, elas voltaram para a sala e nós três fomos para a reunião de planejamento. Chegamos um pouco atrasadas e perdemos a primeira parte da reunião que foi a fala da diretora da escola que quer implantar um projeto na escola chamado “Superando dificuldades”, para aqueles alunos que não conseguem acompanhar os colegas em sala de aula. A proposta é que as professoras dividam a turma em grupos daqueles que acompanham as aulas, outro daqueles que apresentam dificuldades e outro daqueles que não conseguem acompanhar. As professoras argumentam que elas estão há muito pouco tempo com as crianças para fazerem essa divisão, mas no final acabam concordando, pedindo um pouco mais de tempo para poderem fazer essa separação. 104 A orientadora pedagógica distribui para as professoras das classes de alfabetização o plano de curso que elas deverão cumprir durante os quatro bimestres do ano. A reunião acaba com alguns informes às 17:30 horas. - Observação do dia 03/03/05 Como de costume, o sinal de entrada do turno da tarde soou às 12:55 horas para que as crianças se arrumassem em fila. Após o ritual de canto do Hino Nacional e da oração “Pai Nosso”, sempre observados pelas professoras quanto a sua postura, em fila, abrindo a boca somente para cantar e rezar e com as mãos para baixo, fomos para a sala de aula. Ao chegarmos em sala, percebemos que a arrumação estava diferente e, por isso, as crianças tiveram que aguardar do lado de fora da sala, até arrumarmos as carteiras em pequenos círculos. Hoje, a professora não deixou que os alunos escolhessem seus lugares e foi agrupando-os de acordo com sua vontade. Um dos alunos não quis sentar no grupo no qual a professora o havia colocado e preferiu ficar de pé, mesmo a professora argumentando que ele ia cansar. Ainda se tentou negociar a troca de algum aluno de grupo para que ele se sentasse no grupo que queria, mas não teve jeito. A professora começa a rotina do dia, fazendo as perguntas de sempre: o dia do mês, da semana, como o tempo está; faz a contagem do número de meninos e meninas e, como sempre, o número de meninos superou o de meninas. Hoje estão presentes oito meninos e seis meninas. Desde que cheguei, reparei que “J”, que sempre chegava chorando à escola e continuava chorando na sala de aula, hoje não chorou. Ele se enturmou com o “R” e parece que se sente seguro perto dele. Quando comentei o observado com a professora, ela me disse que achava que “J” tinha medo dos meninos que são muito maiores que ele e se sentia ameaçado por ser o menor da turma (em tamanho). A professora pede que os alunos coloquem as pastas com os deveres de casa em cima de sua mesa e as agendas para que ela coloque o aviso de sua ausência nesta 6ª feira. A professora me pede para escolher um número de 1 a 24 para que seja escolhido o ajudante do dia. Escolho o número 13 que corresponde ao aluno “M”. A professora diz que 105 eu fiz uma escolha muito boa e especial, tentando aumentar a auto-estima de “M” que é considerado a criança “problema” da turma. A rotina das atividades do dia é feita. A professora informa que hoje eles irão aprender uma letra nova, a letra I. É distribuída a folha de atividade da letra I. A apresentação da letra I é feita através de um versinho, como as letras anteriores. O i está no índio, na Iara e na Ilana, na ilha e na injeção, na igreja e no irmão. A atividade consistia em circular todas as letras I do versinho, além de copiar as várias formas de se escrever a letra I, maiúscula e minúscula, letra de forma e letra cursiva, até o final da linha e de desenhar três coisas que começassem com a letra I. “M”, parece estar mais calmo hoje e a professora informa que é efeito do remédio que ele toma. Enquanto as crianças fazem a tarefa, a professora corrige os trabalhos de casa e cola os avisos nas agendas. O sinal do recreio bateu, mas nem todas as crianças acabaram de fazer a tarefa. A professora pede que coloquem o estojo em cima da folha para ela não voar e manda que formem a fila para descerem para o recreio. “J” e “R” não se misturam com as outras crianças na fila da merenda, pois trouxeram seus lanches de casa e os repartem. Na volta para a sala de aula, “L” que é filho da responsável pela portaria do colégio e uma criança de 10 anos que já foi expulso de três outras escolas antes, começa a ir de mesa em mesa para pegar lápis de cor, caneta hidrocor, implicar com outros colegas, “mexer” com o “M”, que hoje está quieto. “D” perde a paciência com ele e diz que não vai aturar “palhaçada” de gente que só quer atrapalhar. Ele faz careta, a xinga de chata e vai para o seu lugar. Mesmo assim, continua atrapalhando os outros alunos. “T” e “Jt” que estão sentados no mesmo grupo se desentendem e “T” dá um tapa na cara de “Jt” que se defende batendo também no colega. A professora aparta a briga e como foi informada que foi “T” que a começou, diz que ele vai ficar sem recreio. O sinal do recreio bate, as crianças descem, mas “T” permanece na sala comigo que estou fazendo as minhas anotações. De repente, ele se levanta e sai da sala correndo, descendo para o recreio. Permaneci na sala e soube pela 106 professora que quando “T” chegou no pátio, ela o chamou e fez queixa dele para a professora vice-diretora. “T” ficou com raiva da professora e a socou no braço várias vezes até ser repreendido pela vice-diretora. “M”, após o recreio, abaixou a cabeça sobre a mesa e dormiu até o final da aula. As crianças terminam de fazer suas tarefas. A professora ensina a música dos indiozinhos para a turma cantar. Outra folha mimeografada é entregue com outras atividades sobre a letra I. “D” explica cada uma das tarefas. As crianças conversam, trocam materiais entre si, mas fazem seus trabalhos. A professora recolhe as tarefas já terminadas, entrega as pastas com os deveres de casa e as agendas e explica o dever de casa. O sinal de saída toca. As crianças se enfileiram do lado de fora da sala para descerem. Hoje, havia determinado que escolheria as crianças que iria observar, mas a escolha está muito difícil. Uma escolha aleatória pode deixar de lado a oportunidade de observar outras crianças que seriam melhor aproveitadas na pesquisa. Enfim, desisti de fazer uma seleção. Vou tentar observar os comportamentos da turma como um todo. Não posso deixar de registrar que estou surpresa com os comportamentos das crianças que estão sendo observados. Percebo que as professoras são carinhosas com as crianças quando elas as procuram “necessitando de um carinho, de uma atenção”. Entretanto, o que tenho percebido é que há uma total falta de limites das crianças, fora e dentro da escola. Se o limite é dado fora da escola, é na base da surra, o que na minha opinião, reforça a imitação desta situação na escola. Acredito que isso pode contribuir para que as crianças se tornem muito agressivas também. - Observação do dia 08/03/05 A rotina da entrada é repetida, mas hoje a diretora da escola está presente e percebe que algumas crianças estão mascando chiclete. Antes de começarmos a cantar o Hino Nacional, diz para aqueles que estão mascando chiclete o joguem fora. Fomos para a sala de aula e a rotina do dia começou a ser feita pela professora, fazendo uma referência especial para o dia de hoje – “Dia Internacional da Mulher”. 107 Hoje as carteiras não foram agrupadas em círculos. Estão arrumadas uma atrás da outra e as crianças escolhem onde querem sentar. A rotina de tarefas do dia é feita: tarefa de recordação da letra E e tarefa sobre a letra I. “Jf” é o escolhido para ser o ajudante do dia. Hoje estão presentes nove meninas e treze meninos e mesmo sendo o Dia Internacional da Mulher, os meninos que são a maioria, não querem que eu e a estagiária sejamos contadas. A atividade de recordação da letra E é distribuída e a professora começa a explicar o que é para ser feito. “D” chama a atenção de “R” porque ele e “Rt” estão brincando de lutar com os lápis como se fossem espadas. “Jf” também é repreendido por estar virado para trás e não estar prestando atenção à explicação. “V” conversa muito com as amigas “B” e “T” e não consegue encontrar a palavra “ema” em sua folha. “B” é quem a ajuda. “Jf” termina e vai mostrar a sua tarefa à professora. “D” diz a “Jf” que ele terá que refazer a tarefa, pois pintou além das figuras que começavam com a letra E, as outras figuras e fala não só para ele, como para a turma toda que eles não podem fazer aquilo que querem, mas sim, aquilo que foi explicado na tarefa. “Jf” volta ao seu lugar com outra folha da tarefa, mas continua fazendo o dever errado. “B”, “V” e “J” terminam a tarefa com tudo certo. “V” teve a ajuda da amiga “B”. “B” faz três desenhos de coisas começadas pela letra E e os desenhos nos surpreendem por estarem maravilhosos. A professora comenta que assim é que vamos percebendo as aptidões de cada um. “Rt”, que terminou de fazer as suas tarefas, brinca com “F” (portador de Síndrome de Down) como se fosse professor. Começa perguntando a “F” – “qual a forma geométrica da terra?”. “F” não responde e “Rt” diz que é “redonda”, além de começar a explicar que a Terra possui mais água do que terra e de que quando aqui é dia, no Japão é noite... O sinal do recreio bateu. Em fila as crianças descem para o recreio. Ao voltarmos do recreio, a professora manda que as crianças abaixem as cabeças sobre a mesa, apaga a luz e pede que respirem fundo para se acalmarem e diminuir o calor. Após alguns minutos, a professora resolve ler uma história – “Zé Grandão, o urso curioso”. “Jf”, “B”, “V” e “J”, que no recreio brincaram de correr, estão mais calmos e menos suados. A folha com a tarefa sobre a letra I é distribuída e explicada. “J” que se sentou na primeira carteira da fila do meio, entre “M” e “T”, não pára de brincar com a carteira e de se virar para trás para conversar. “D” está sempre chamando a sua atenção. 108 “V” grita que acabou a tarefa de cobrir o pontilhado da letra I. “B” também é uma das primeiras a acabar. “V” ajuda “H” a achar a palavra lápis para poder circular a letra i. “D” mostra uma figura de alguma coisa que começa com a letra i e pergunta quem sabe o que é. “V” é a primeira a responder. A figura se trata de uma ilha. “M”, mais uma vez, não pára na sala de aula. Sai a hora que quer, faz a tarefa na hora que quer, quando chamam a sua atenção ele responde, xinga e joga tudo no chão. “D”, que gritava com ele e não obtinha o resultado esperado, hoje mudou sua postura. Na hora em que ele jogou a sua tarefa no chão dizendo que não ia fazer mais nada, ela o agarrou pelo braço, o tirou da carteira e o fez abaixar para pegar o lápis, a borracha e a tarefa. Ele pegou tudo, mas ao mesmo tempo se deitou no chão e só levantou quando quis. Os deveres de casa são entregues e explicados, as tarefas restantes sobre a letra i são recolhidas. O sinal de saída bateu. Mais um dia de “caos” se acabou. - Observação do dia 09/03/05 Hoje é quarta-feira, dia das crianças saírem cedo, às 15:00 horas, para que as professoras façam a sua reunião de planejamento. A rotina de entrada foi repetida, sem nenhum acontecimento que tenha chamado atenção. Chegamos à sala de aula e a tivemos que arrumar, pois as carteiras estavam em círculo e a professora queria que estivessem uma atrás da outra. Arrumamos a sala e a professora determinou os lugares de cada aluno. O motivo para tal comportamento foi o de separar aqueles alunos que “criam mais problemas” dos outros. A rotina do dia foi feita e o ajudante escolhido foi “T1”. Hoje a proposta da professora foi de fazer uma pesquisa sobre a letra A. Cada criança recebeu uma revista para recortar as várias formas de letra A que encontrassem. “B” e “V” informam que não trouxeram as tesouras. emprestadas para os alunos que não tem. A estagiária vai à secretaria pedir tesouras 109 “B” mostra para “Ln” que trouxe um batom. “L” diz que também tem um, mas “B” lhe diz que o seu é mais bonito porque tem a tampa colorida. Todas as meninas passam o batom que “B” trouxe. “Th” está sempre atrasada nas suas tarefas. “B” e “V” que são amigas de “Th” a ajudam a procurar as letras na sua revista. Hoje, resolvi tirar fotos das crianças e a professora não se opôs. Todas queriam ser fotografadas, umas mais de uma vez. Tirei várias fotos para meu diário de campo. O tempo “passou depressa”. Logo bateu o sinal de saída. A professora comenta que gostou de ter dado a atividade de pesquisa para a turma e que teve receio de que a turma se “alvoroçasse” quando pedi para fotografá-los. Hoje não tivemos a reunião de planejamento e sim uma reunião com duas representantes do Comando de Greve. Os professores do município de Niterói resolveram entrar em greve, mas algumas escolas/professores não aderiram. Uma destas escolas é a escola Prof. Paulo de Almeida Campos. As representantes do Comando estiveram na escola com o objetivo de convencer as professoras de pararem de trabalhar como forma de pressão à Prefeitura. Muitas se negaram a parar por vários motivos como, por exemplo, corte do ponto, suspensão do pagamento por parte da prefeitura, perda dos benefícios adquiridos. Uma das professoras que diz ter mais de vinte anos de magistério, diz não acreditar mais no movimento de greve. Alega que os pais das crianças as acusam de não quererem trabalhar, por isso, além dela ser contra a greve ela sugere que a mesma reunião que o Comando está fazendo com os professores, que façam convocando os pais para esclarecerem o motivo da greve – o não cumprimento da prefeitura dos acordos feitos desde a última gestão. As representantes dizem que os professores da escola é que deveriam fazer isso e se, ainda assim, não concordarem com a greve, deveriam comparecer às assembléias para votarem contra o movimento, pois a decisão é tomada de acordo com a maioria. Fim da reunião. - Observação do dia 10/03/05 Todo o ritual de entrada é repetido antes de subirmos para a sala de aula. 110 Chegando a sala de aula, “B” diz que hoje é o aniversário dela, a professora lhe dá os “Parabéns” desejando-lhe felicidades. Começa a rotina do dia. “D” informa que fez um planejamento para hoje que não sabe se poderá cumprir porque hoje é o dia que as crianças deverão tirar as fotos para os passes nos ônibus. “Jf” começa a aula implicando com “J” dizendo que ele tem quatro anos por causa do seu tamanho. “J” diz que tem seis anos, mas como é um dos mais baixos da turma, “Jf” continua dizendo que ele só tem quatro anos o que o aborrece muito. “B” mostra que trouxe o batom. Ela e “V” passam o batom para tirarem a foto. A rotina do dia é feita e “D” informa que eles aprenderão uma letra nova – a letra O. “Ln” é a escolhida a ajudante do dia. Hoje, os meninos concordaram em nos incluir, eu e a estagiária, na contagem entre meninos e meninas, mas mesmo assim o número de meninos e meninas se iguala (13). A turma é chamada para tirar as fotos (13:50 horas). A professora avisa que não quer se aborrecer com ninguém e que espera que todos sejam educados, esperando a sua vez de ser fotografado. A turma fica em alvoroço. “D” tem que mostrar sua autoridade e diz que só vai chamar aqueles que estiverem sentados. Chama uma criança de cada vez, deixando “M” por último para ir de mãos dadas com ela. Menos de dez minutos depois que a turma desceu, voltaram, pois outras turmas também foram chamadas ao mesmo tempo e a bagunça estava grande. Esta turma será chamada mais tarde de novo. A professora distribui a folha com as tarefas do dia, apresentando a letra O. Os alunos PNE’s são chamados para tirarem as fotos. Quando voltam, “D” resolve mandar os alunos de uma fileira de cada vez para serem fotografados. A letra é apresentada com um versinho: O o está na ovelha, no olho e na orelha, nos óculos e no Olavo, no ouro e no Otávio. “D” explica o que as crianças devem fazer na tarefa. “Jf” termina de fazer a tarefa e mostra para “D”. Ao voltar para o seu lugar, passa por “Ln” e “V” e implica com elas. 111 “M” que já saiu da sala várias vezes, volta com uma garrafinha de água, bebe e começa a fazer gargarejo com ela. “Jf” o imita. “D” chama a atenção dos dois e comenta comigo que o pior não é ter o “M” na turma, mas é ter na turma crianças que imitam o comportamento dele. Cada criança que vai terminando de fazer a tarefa, a entrega para a professora. “D” devolve a tarefa para “B” porque ela se esqueceu de fazer o O maiúsculo. “Jf” também tem a sua tarefa devolvida porque não escreveu o seu nome corretamente, escreveu pela metade, e também não escreveu o O maiúsculo. “L” se oferece para ajudar “V” a fazer a sua tarefa, pois ela está com dificuldade, a professora concorda. “D” tinha a intenção de fazer um trabalho de recordação da letra I. Entretanto, com o fato das crianças terem que sair para tirar as fotos, esta tarefa não pode ser cumprida. “D” diz, então, que vai fazer uma charadinha para ver quem descobre do que ela está falando. Faço parte do corpo humano. Preciso estar sempre limpinha. Começo com a letra O. Estou grudada na sua cabecinha. Quem responde a charadinha é “R” que diz – orelha. Sugiro a ela que mostre que mudando apenas uma das letras, teremos outra palavra – ovelha. Ela escreve a palavra no quadro e pergunta às crianças que letrinha deveria ser mudada para se escrever ovelha. “B” é quem responde, dizendo que tem que mudar o r pelo v. “D” pede que as crianças pensem em coisas que comecem com a letra O As palavras do versinho são repetidas. Então sugiro a ela, que pense na data que está se aproximando, a Páscoa, e perguntar o que nós ganhamos na Páscoa, todos respondem ovo. Neste dia, e a partir de hoje, todas as 5ª feiras terei que sair às 16:30 horas, pois começam minhas aulas na universidade às 17:00 horas. No final da aula, enquanto a professora devolvia as pastas com os deveres de casa e entregava os crachás (carteirinha da escola), ela colocou uma estorinha cantada no gravador para as crianças ouvirem. 112 - Observação do dia 29/03/05 Hoje, por estar muito calor, a diretora mandou que as turmas subissem para as salas de aula, mesmo sem terem cantado o hino e rezado, como de costume. Chegando à sala de aula, as meninas se reúnem, conversando baixinho, o que desperta o interesse dos meninos que as chamam de fofoqueiras. A professora se dirige a mim e me informa que ontem (28/03/05), as crianças aprenderam uma nova letra – o M. A professora informa que a apresentação da nova letra foi feita através da história “O macaco e a velha”. Todas as crianças queriam me contar como foi a história, mas a professora disse para que eles mantivessem segredo sobre o que aconteceu para depois me fazerem uma surpresa. Hoje, a rotina é feita pela estagiária: contagem de meninos e meninas e o número total de alunos presentes. Rotina: - Dever do macaco - Recreio - Caderno meia-pauta - Dever de casa - Saída - Escolha do ajudante do dia A professora entrega a folha com o dever do macaco que continha o versinho: Maneco é nome de menino Ou é nome de macaco. Mas este macaco é mico, E todo mico é macaco levado. A professora lê o versinho pausadamente e explica às crianças que elas devem encontrar e circular a palavra macaco e depois colorirem a figura do macaco que está na folha. Nem todas as crianças conseguem acabar de fazer a tarefa antes do horário do recreio. 113 No retorno do recreio, a professora distribui os cadernos meia-pauta e revistas para as crianças e pede que eles recortem as letras que formam a palavra macaco, colem no caderno e desenhem um macaco. Enquanto as crianças “trabalhavam”, a professora colava os deveres de casa nos cadernos e corrigia os deveres anteriores. Esta tarefa durou até o final da aula. Quando o sinal de saída tocou, a rotina de formar a fila para descerem e ficarem sentados no pátio esperando seus responsáveis foi repetida. - Observação do dia 30/03/05 Hoje também não cantamos o hino e nem rezamos. Depois de formadas as filas por turma, a coordenadora mandou que os professores subissem com seus alunos. Hoje, além de ser o dia em que as crianças saem mais cedo, a turma F1A tem reunião de pais. A estagiária faz a rotina e a professora começa a trabalhar com as crianças os encontros vocálicos, mas logo é chamada para participar da reunião. A estagiária fica responsável pela turma e começa a explicar a tarefa deixada pela professora para que os alunos fizessem. O fato da professora não estar na sala de aula foi o suficiente para que o “caos” se instalasse. Os meninos implicavam com as meninas, brigavam entre si, e eu, mesmo sem saber se estava fazendo o correto, tive que intervir para poder controlar a turma. A reunião de pais acabou e a coordenadora mandou buscar a turma que desceu somente acompanhada pela estagiária. - Observação do dia 31/03/05 O ritual de entrada é repetido. Na sala de aula a rotina é feita pela professora. 114 Rotina: - Matriz do M - Recreio - Revisão das vogais - Dever de casa - Saída - Escolha do ajudante “B” traz alguns livros para “D” contar histórias para eles. “B” e “Ln” trocam segredinhos. “Fl” implica com “Mc”. Aliás, “Mc” a única menina negra da sala, não se envolve nas brincadeiras das meninas por nunca ser chamada. “D” faz uma breve recordação das vogais e dos encontros vocálicos. Recorda a família do M (ma – me – mi – mo – mu – mão), fazendo perguntas a cada um dos alunos individualmente. “D” fala sobre os “pedaços” das palavras e como esses pedaços formam as palavras quando estão em uma ordem. Explica também que as palavras arrumadas uma após a outra formam uma frase. A frase trabalhada é: Maneco é um macaco. Para mostrar como as palavras são formadas por pedaços, a professora bate palmas e pede que os alunos a acompanhem, ao pronunciar cada palavra. A folha de tarefa é entregue para as crianças, onde elas tinham que descobrir onde estava a palavra macaco na frase e colocar os “pedaços” da palavra dentro de quadradinhos. “Mc” que terminou rapidamente a sua tarefa, ajuda a “L” a encontrar a palavra em sua folha. No caderno meia-pauta, a professora trabalha a família da letra M em letra cursiva, nas formas maiúscula e minúscula. Toca o sinal do recreio e as crianças já sabem que devem se enfileirar, do lado de fora da sala, para descerem para o pátio. No retorno do recreio, a supervisora da tarde, vai de sala em sala avisar (mais uma vez), que o pátio não é lugar para se correr e que a partir de amanhã, quem for pego correndo no pátio, seja na hora da entrada ou na hora do recreio, vai ser colocado sentado em um canto e só poderá levantar para voltar para a sala de aula. Quando a supervisora sai da sala, a mãe de “T” (autista) pergunta a “D” se a escola não poderia dispor de alguém para fazer recreação com os alunos na hora do recreio, pois isso evitaria a correria. “D” explica que ela entende os dois lados: o da escola porque não tem espaço e nenhum profissional para trabalhar com as crianças (como um professor de educação física, por exemplo), e o lado das crianças porque saem da Educação Infantil e caem dentro da escola onde não pode isso, não pode aquilo... 115 Sabe que eles são crianças ainda e precisam brincar, mas, infelizmente, não se pode agir diferente porque senão as professoras enlouquecerão. Neste dia, “D” conversa com as crianças e pede que tragam brinquedos de casa para brincarem na hora do recreio. Combina com as crianças que, se cumprirem todas as tarefas da semana, nas sextas-feiras ela dará um tempo de meia hora antes da saída para que as crianças possam brincar dentro da sala de aula. Após a conversa ela passa de mesa em mesa corrigindo as tarefas das crianças. “Ms” diz que o pai dele comentou que a professora passa muito dever de casa e que ela é que deveria ir para a casa dele para ensina-lo a fazer o dever. Hoje “M” faltou à aula e o dia está transcorrendo mais tranqüilamente, entretanto, “T1” começa a fazer batucada debaixo da mesa com o lápis. “D” tenta conversar com ele para que ele não continue a batucar, mas ele não quer nem olhar para ela. “D”, então, tira a folha de tarefa dele e o manda abaixar a cabeça. O sinal de saída tocou, a rotina de saída foi repetida. - Observação do dia 06/04/05 O ritual de entrada é feito e subimos para a sala de aula. Como hoje é quarta-feira e as crianças sairão cedo, “D” propõe que, ao invés de fazerem a rotina, façam logo a tarefa para não perderem muito tempo. A tarefa consistia em recortar as letras das palavras “Nemo” e “mar”, filme assistido pelas crianças na 2ª feira (04/04/05), colarem no caderno meia-pauta, desenharem e colorirem o peixinho no mar. Hoje, após a saída das crianças e enquanto as professoras estarão na reunião de planejamento, a diretora da escola se reunirá com as estagiárias, algumas alunas do IEPIC (Instituto de Educação Prof. Ismael Coutinho) e comigo como pesquisadora, para dar as informações sobre a caracterização da escola. Hoje é o último dia de estágio da estagiária que acompanhava nossa turma, mas outra estagiária já está escalada para acompanhar o trabalho na turma F1A. 116 - Observação do dia 07/04/05 Ritual de entrada cumprido fomos para a sala de aula. “D”, enquanto recolhe as pastas com os cadernos de casa, deixa as crianças conversarem livremente. “B”, “Ln” e “Vc” brincam com um coelhinho de pelúcia e um celular de brinquedo. “Ln” mostra para “Lo” que trouxe uma boneca bebê. “Ms” implica com “Th” imitando tudo o que ela faz e depois virando as pálpebras para cima, o que lhe dá uma aparência muito feia. Os meninos começam a imitar o comportamento de “Ms” para “meterem medo nas meninas”. “Mc” não participa das conversas e brincadeiras das outras meninas. “L” dorme, pelo terceiro dia consecutivo, com a cabeça sobre a mesa. “D” pergunta se as crianças trouxeram os brinquedos de casa conforme o combinado, mas pede que os brinquedos continuem guardados até a hora do recreio. Algumas crianças dizem que seus pais não deixaram eles trazerem seus brinquedos. “D” diz que vai pedir à secretaria do colégio para fazerem um bilhetinho para os pais autorizando as crianças a levarem os brinquedos. “D” começa a aula conversando sobre o recreio das crianças e explicando-lhes o porque é proibido de correr no pátio. Fala sobre a reportagem do Jornal Nacional do dia anterior que noticiava a morte de uma lutadora de boxe por causa de um soco na cabeça. Também conta um caso real e pessoal sobre uma amiga de sua mãe, que faleceu menina ao bater com a cabeça em uma árvore durante uma brincadeira de pique-pega. “D” aproveita para dizer que em todos os lugares existem regras que devem ser cumpridas, como por exemplo, os lugares na fila. Todas as crianças começam a falar sobre casos de acidentes que viveram ou souberam e a professora diz que a diretora quer evitar que este tipo de acidente ocorra dentro da escola. “D” diz que conversando nós vamos aprender muita coisa dentro da sala de aula e que vai conversar muito com eles durante o ano todo. Por conta da conversa com as crianças, não deu tempo para se fazer nenhuma tarefa antes do recreio. “D” faz a rotina, um pouco antes do sinal do recreio tocar. A tarefa feita após o recreio era de colorir o peixinho “Nemo” e escrever seu nome. As crianças interagiam livremente trocando seus materiais, lápis de cor, hidrocor. “D” aproveita a tarefa para colocar em dia as correções das tarefas de aula e dos cadernos de casa. Esta tarefa durou até o final da aula. 117 - Observação do dia 11/04/05 Hoje, mesmo sendo segunda-feira, resolvi ir para a escola para fazer as observações, porque a semana será mais curta devido aos feriados da Semana Santa. Não tinha conhecimento de que a professora “D” estava doente e tinha avisado à escola que não iria dar aula. Os alunos da turma chegavam normalmente e também seus responsáveis não eram avisados que a professora não iria. Como acabou o estágio da “J” e os dias de estágio de “Bi” serem terças, quartas e quintas-feiras, e “por não ter na escola ninguém que pudesse assumir a turma”, a diretora pediu que eu assumisse a turma sozinha. No primeiro horário, antes do recreio, a turma foi dividida e metade dos alunos vai para a aula de informática enquanto a outra metade que deveria ir para a sala de leitura, permanece na sala de aula. O fato de as crianças não irem para a sala de leitura deveu-se ao fato de a professora responsável por esta sala ter aderido à greve dos professores da rede municipal de Niterói e não está comparecendo às aulas. Fiquei, então, com nove alunos dentro de sala de aula e propus que fizéssemos uma brincadeira. Escrevi as palavras “macaco” e “Maneco”, separei-as em “pedacinhos” (sílabas), escrevi a família do M e fui chamando um a um dos alunos, para tentarem formar outras palavras com os “pedacinhos” que já conheciam. No início os alunos se mostraram receosos em não saberem escrever as palavras solicitadas, mas como adoram escrever no quadro de giz, principalmente as meninas, logo concordaram com a “brincadeira”. Ficaram espantados quando perceberam que já podiam escrever outras palavras como: cama, coma, cone, caneca, mane, caco, coco, coca, caneco. Esta “brincadeira” durou, aproximadamente quarenta e cinco minutos e o primeiro grupo que tinha ido para a aula de informática retornou para a sala, enquanto os que estavam na sala desceram para a aula de informática. Tentei fazer a mesma atividade com o segundo grupo, entretanto, não obtive a mesma resposta dessa vez. O segundo grupo, formado pela maioria de meninos, queria, todos ao mesmo tempo, escrever no quadro de giz e, além disso, a minha proposta não agradou muito a este grupo. Dos dez alunos que estavam em sala, apenas quatro alunos quiseram ir ao quadro escrever uma das palavras solicitadas. Enquanto isto, aqueles que não quiseram participar da atividade, começaram a correr dentro de sala de aula, a tentarem chutar uns aos outros e eu tive que me impor para conseguir controla-los. Devo confessar que foi um alívio quando tocou o sinal do recreio. No recreio fui à direção para saber se já tinham conseguido alguém para assumir a turma. A resposta foi negativa. Então, conversei com a direção que não iria assumir a turma 118 no segundo horário caso os alunos que são difíceis de serem controlados mesmo pela professora permanecessem em sala. A diretora se comprometeu a dar uma atividade para eles fora da sala e pediu que eu continuasse com a turma. Sugeri, então, que a caixa de leitura e a caixa de brinquedos que ficam no pátio da escola fossem levadas para a sala para que as crianças pudessem brincar. A sugestão foi aceita e eu pude observa-los brincando livremente. Os meninos brincavam de montar castelos e cidades com blocos de madeira, enquanto as meninas, brincavam com os bichinhos de pelúcia, bonecas e acessórios como bolsas, escova e pentes de cabelo como se estivessem num salão de beleza. Infelizmente, fui pega de surpresa e neste dia não levei a máquina fotográfica para registrar as brincadeiras. Meia hora antes da saída, a direção mandou algumas folhas xerox, com tarefas para as crianças fazerem. Resolvi que não ia interromper as brincadeiras naquele momento e deixei a tarefa como dever de casa. Fomos convidados pela professora da turma F1B a assistirmos o filme “Spirit” que é a história de um cavalo. O filme foi emocionante a ponto de fazer algumas crianças chorarem. Voltamos para a nossa sala. Quando o sinal de saída tocou, pedi que as crianças guardassem os brinquedos e se preparassem para descer. Enquanto eles se organizavam em fila, recebi um bilhetinho com um desenho de uma das alunas e um dos meninos disse que gostou de mim como professora. Foi muito bom receber este elogio. Nunca antes tinha assumido uma turma de crianças, porque fiz formação geral e minha graduação foi em Psicologia, mas os cursos de pós-graduação, como já foi dito, despertaram o meu interesse pelo “mundo infantil”. Entendi, também, o que já ouvi de algumas professoras ao final de um dia de trabalho: “A gente tem que matar um leão por dia...”. - Observação do dia 12/04/2005: Foram reunidos na sala de recursos, os diversos alunos portadores de necessidades especiais das diversas turmas do turno da tarde da escola. O número de alunos presentes na sala era de dez (10) alunos e suas idades variavam entre oito (08) e doze (12) anos de idade. As necessidades especiais variavam entre autistas, deficientes auditivos, portadores de Síndrome de Down, paralisados cerebrais dentre outras necessidades especiais cujo diagnóstico não era possível sem o laudo médico. A professora responsável pela sala de 119 recursos preparou uma atividade para a comemoração da Páscoa. Tendo colocado todos os alunos sentados em um semi-círculo ao redor da mesa grande, a professora começou a atividade perguntando se alguém sabia o significado da Páscoa. Alguns alunos arriscaram palpites fazendo referência ao ovo de chocolate e ao “coelhinho”. Após uma breve explicação sobre o real significado da Páscoa, outra breve explicação sobre os símbolos da Páscoa como o ovo, o “coelhinho”, o trigo e a uva, foi dada. As crianças pareciam agitadas com a visão de um bolo de chocolate, trazido pela professora, que havia sido colocado em cima da mesa. A professora perguntou se alguém sabia cantar alguma música de Páscoa. Alguns alunos lembraram de duas (02) músicas. Então, ela propôs que todos cantassem fazendo os gestos de acordo com a música. Após cantarem as músicas lembradas e sem poder conter a agitação das crianças sob o efeito da visão do bolo de chocolate que a todo momento era mencionado, a professora propôs que eles cantassem um “Parabéns para Jesus”. Algumas crianças disputaram quem iria apagar a vela. A professora disse que todos apagariam e, um por um, na sua vez, teve sua vela acessa para que pudesse ser assoprada. Após o “Parabéns”, o bolo foi cortado e servido pela professora às crianças. Algumas crianças quiseram repetir, outras, as mais velhas, pediam para voltar para a sala de aula. Depois que todos terminaram de comer o bolo, a professora distribuiu para cada um, um saquinho com bombons de presente de Páscoa. Cada criança que recebia seu presente podia retornar para a sua sala de aula. Nenhum material existente na sala, nem jogos, nem brinquedos, foi utilizado. - Observação do dia 14/04/05 O ritual do canto do Hino Nacional foi interrompido três vezes, porque a diretora que estava presente, dizia estar ouvindo conversas entre os alunos. Depois de concluído o ritual de entrada, a diretora elogiou os alunos dizendo que devemos ter civismo e amar a nossa Pátria. Hoje, “D” ao começar a fazer a rotina do dia com a contagem de meninos e meninas, aproveitou para dar uma aula de matemática, introduzindo a noção de dezena e de dúzia. Este primeiro momento durou até a hora do recreio. O recreio transcorreu sem nenhuma observação importante. Após o recreio, a professora começou a trabalhar a família da letra C, dizendo que era uma família incompleta (ca – co – cu) e que para se completar precisava do 120 “que” e do “qui” (ca – que – qui- co – cu). Esta explicação durou até o fim da aula com as crianças fazendo algumas sugestões de palavras que continham estes fonemas. Não houve nenhuma observação importante que merecesse registro. - Observação do dia 18/04/05 Hoje, sendo segunda-feira, é dia das crianças irem para as salas de informática e de leitura. Como a sala de leitura ainda está sem professora responsável pelas atividades ali desenvolvidas, decidi por observar uma atividade na sala de informática. Hoje estão presentes vinte e três (23) alunos no total. O primeiro grupo com 13 alunos, desceu para a sala de informática e, ao chegarem na sala perceberam que dois dos cinco (06) computadores não estavam funcionando. Os alunos tiveram que se distribuir nos outros quatro (04) computadores. Cada aluno escolheu o computador e os colegas com quem gostaria de sentar sem a influência da professora. Cada computador, então, tinha que ser utilizado por, aproximadamente, três (03) alunos que se acomodaram, se apertando no banco em frente ao monitor. Os computadores já estavam ligados e com um programa, o “paint”, em execução. As crianças, cada uma no seu tempo de utilizar o computador (por aproximadamente quinze (15) minutos), manuseavam somente o mouse e tentavam criar desenhos na tela, ora usando o mouse como lápis, ora usando como borracha para apagar aquilo que não queriam que permanecesse no desenho, alteravam a cor dos desenhos, rabiscavam. Algumas crianças preferiam escrever o seu primeiro nome com letra cursiva, uma vez que o teclado não podia ser utilizado, diversas vezes e de todas as cores possíveis. O tempo foi pequeno para que cada aluno tivesse a chance de desenvolver algum desenho ou alguma escrita mais elaborada. A professora responsável pela sala de informática não interferiu na atividade dos alunos como também não deu nenhuma orientação do que os alunos poderiam fazer. Ela estava envolvida em uma outra atividade de planejamento de aulas durante o tempo em que a turma permaneceu na sala de informática. A única intervenção da professora aconteceu quando os alunos tinham que se revesar entre si para utilizar o computador. Ao final de cinqüenta (50) minutos, a professora mandou os alunos voltarem para as salas de aula para que o outro grupo pudesse utilizar o computador. O outro 121 grupo com dez (dez) alunos veio ocupar a sala de informática e a mesma atividade realizada pelos alunos do grupo anterior foi desenvolvida agora por este outro grupo. A única diferença entre os dois grupos foi o número de alunos por computador. - Observação do dia 19/04/05 Hoje as turmas subiram para as salas de aula sem cantar o Hino Nacional ou rezarem o Pai-Nosso. Ao chegarem na sala de aula, “D” diz que hoje não vai perder muito tempo com a rotina porque tem muito o que fazer: ver filme, fazer a avaliação de português, etc. Começa a rotina como o de costume, fazendo a contagem de meninos e meninas. Hoje, no momento da contagem entre meninos e meninas, o número de alunos de ambos os sexos é igual. Vale lembrar que ontem (18/04/05), começaram as avaliações de história e geografia. “D” aproveita para trabalhar com os alunos os dias da semana. Não houve nenhuma atividade diferente para trabalhar este conteúdo, a não ser a noção de “ontem”, “hoje” e “amanhã”. Após feita a rotina, “D” pede que os alunos peguem seus lápis e lápis de cor para fazerem os “testes” de português. “D” distribui os testes. “Vc”, “Lo” e “Re” se levantam e vão, ao mesmo tempo, apontar seus lápis conversando animadamente enquanto o fazem. “D” reclama que eles estão se atrasando e atrasando os colegas também ao que “Lo” responde que eles estão “fazendo uma reunião”. “D” chama a atenção dizendo que os lápis já deveriam ter sido apontados antes e manda que eles retornem aos seus lugares. A avaliação de português, que foi feita passo-a-passo pelas crianças com a orientação da professora, durou até a hora do recreio sem que tenha terminado. Após o recreio a avaliação foi finalizada e “D” verificou que não havia tempo para que as crianças assistissem ao filme que estava programado. Resolveu contar uma historinha - “Esta dor tem outro nome” - para preencher o tem pó até a hora da saída. A saída aconteceu no horário e sem ocorrências significativas. 122 - Observação do dia 20/04/05 Hoje a entrada foi como de costume, sem nenhuma observação diferente a ser feita. Ao chegarmos na sala de aula, “D” começa a aula dizendo que precisa ter uma conversa com as crianças. “D” começa a conversa dizendo que não está satisfeita com o comportamento que as crianças estão apresentando. Se diz “infeliz” porque está sendo obrigada a ser uma pessoa que não é. Diz que é uma pessoa alegre, que gosta de brincar, mas que não pode fazer isto porque eles não sabem respeitar os momentos de brincar e de ficarem atentos para as explicações que ela está dando. Diz que tem saído da escola com muita dor-de-cabeça por estar se aborrecendo e tendo que gritar com eles para que eles fiquem quietos. Esta conversa sobre o comportamento que as crianças estão apresentando durou até a hora do recreio. Após o recreio a avaliação de Ciências teve o seu início e durou até a hora da saída. - Observação do dia 27/04/05 A entrada obedeceu a rotina da escola – foi cantado o Hino Nacional e rezada a oração do Pai-Nosso. Hoje “D” não fez a rotina costumeira com os alunos. Informou que aqueles que já tinham feito todas as avaliações iriam pintar a capa das provas e aqueles que tivessem deixado de fazer alguma avaliação, fariam hoje. Pediu que os alunos pegassem os lápis de cor e distribuiu folhas mimeografadas com um desenho para que as crianças pudessem colorir. Hoje as crianças puderam se movimentar livremente pela sala, embora algumas vezes era chamada a atenção deles, pelo barulho que estavam fazendo o que atrapalhava os colegas que ainda estavam fazendo as avaliações. “D” chama “Th” e “Re” para junto de sua mesa para fazerem as provas que não fizeram. “Re” reclama que terá que fazer duas avaliações porque faltou por motivo de doença. “L” dorme sobre a mesa enquanto “D” explica para “Th” e “Re” as avaliações. 123 - Observação do dia 09/05/05 Hoje as turmas subiram para as salas de aula sem cantarem o Hino ou fazerem a oração. Hoje é dia de aula de informática e como a sala de informática não comporta a turma toda, além de estar com três dos seus computadores quebrados, a turma foi dividida e enquanto metade da turma tinha aula de informática, a outra metade permaneceu na sala de aula fazendo a rotina com a professora. Aproximadamente uma hora depois os alunos que estavam na sala de informática voltaram para a sala de aula e os que estavam em sala foram para a aula de informática. “D” aproveitou este tempo antes do recreio para corrigir os deveres de casa e colar os deveres para o dia seguinte. Após o recreio, “D” entregou o livro de português para que as crianças fizessem as atividades propostas com a letra “U”. Foi interessante perceber que algumas crianças estão lendo palavras com famílias de letras que a professora ainda não trabalhou em sala de aula. Após a atividade do livro, “D” montou uma cruzadinha no quadro de giz para que as crianças pudessem completar as palavras com as letras que estavam faltando, a partir de suas “dicas”. Houve a participação de todos, embora o controle da “brincadeira” estivesse com a professora. A aula terminou com o término da “brincadeira” de cruzadinha com a distribuição dos deveres de casa. - Observação do dia 11/05/05 Mantida a rotina de entrada. Hoje foi o primeiro dia em que observei a proposta do Projeto Superando Dificuldades ser colocada em prática. Houve a troca de sala dos alunos que apresentam dificuldades em matemática e outras disciplinas. “D” ficou com os alunos que apresentam, segundo suas professoras, dificuldades em português, além de seus próprios alunos que também, segundo ela, apresentam esta dificuldade. 124 “D” elaborou um “jogo” com tampinhas de garrafas de refrigerante com etiquetas coladas com diversas letras. Um número determinado de tampinhas com as etiquetas com letras era colocado em um saco plástico e cada aluno recebia um saco com estas tampinhas para que, a partir da indicação da professora, montasse a palavra que estava sendo pedida. Esta “brincadeira” se assemelhava a um ditado sem que a criança precisasse escrever, mas sim, montasse a palavra com as tampinhas. 125 ANEXO 2 ENTREVISTA COM A PROFESSORA DA TURMA Esta entrevista é parte integrante da dissertação desenvolvida no Programa de Pósgraduação – Mestrado em Educação da Universidade Federal Fluminense com o título “A instituição de sentidos para o brincar da criança e sua repercussão no processo de aquisição da linguagem escrita”, e foi realizada com a professora aqui denominada “D”, professora de uma classe de alfabetização da Escola Municipal Prof. Paulo de Almeida Campos do município de Niterói – Rio de Janeiro, ao final do período letivo de 2005. 1) (“D”) pra você é importante a criança brincar? Por quê? Prá mim é muito importante a brincadeira no processo de aprendizagem da criança, porque quando a criança brinca, ela está livre de preconceitos, ela não está preocupada com o fato se ela está errando ou se ela está acertando, ela recria a realidade através da brincadeira, né... E quando a gente brinca com a criança e cria esse imaginário na criança, você pode ir introduzindo coisas do conteúdo e ela vai aprendendo sem perceber que está aprendendo. Principalmente no processo de aprendizagem da leitura e da escrita é muito importante você criar esse imaginário na criança através de estórias que você vai contando. Você vai introduzindo os fonemas e a criança vai pegando numa brincadeira ou noutra, entendeu... Toda a parte da própria linguagem e da escrita, da própria leitura e da escrita... Você vai brincando com a criança, você vai criando... Eu crio muitas estórias, brincadeiras, né... Através disso ela vai aprendendo sem perceber 126 2) Como você vê a brincadeira no processo de aquisição da linguagem escrita? A brincadeira faz parte deste processo? Eu acho que a brincadeira ajuda muito neste processo porque quando a criança... Quando não é permitido à criança o brincar, ela se cobra muito. A fase de alfabetização e a fase de aquisição da leitura e da escrita já são fases que, para a criança, ela é muito cobrada. A família cobra esse aprendizado, a escola cobra e a sociedade cobra. Então, se você não permite a essa criança improvisar, arriscar, entendeu, ela vai se tornar uma criança muito tolhida dentro dessa aprendizagem. Quando você favorece essa brincadeira e esse improvisar dela, quando para ela escrever é algo prazeroso, algo onde ela não está preocupada com o que ela está errando, com o que ela está acertando e sim com o fato de ela passar para o próprio papel o que ela quer, entendeu, aquilo ali faz parte do imaginário, aquilo ali ela está jogando para o papel sem a preocupação de que você vai ter aquele papel de tolher, de dizer aqui está errado ou aqui está certo. Ela vai aprender muito mais rapidamente, muito mais facilmente. 3) Como você trabalha com o brincar com as crianças dentro da sala de aula? Que tipo de brincadeira você utiliza? Eu sempre gostei de trabalhar, principalmente com a alfabetização, com bastante brincadeira, onde eu conseguisse trazer as crianças, através da brincadeira para a questão do aprendizado, para que elas pudessem aprender através do brincar. Sempre que eu vou introduzir algum fonema novo, ou alguma coisa assim, eu sempre conto uma estória, né... Então não é nada solto, aquilo sempre está ligado com alguma coisa, tem sempre uma brincadeira, tem sempre um barulhinho diferente. Então eu trouxe as tampinhas, eu acho que você pode presenciar, não é? Nós trabalhávamos com bingo, entendeu? Eu trazia muitos, até mesmo exercícios que desafiavam elas e isso elas levavam muito para o lado da brincadeira. Mas aqui, é uma escola com muito pouco espaço físico que dificulta muito a questão das brincadeiras, porque não existe um ambiente fora da sala de aula onde a gente possa explorar a questão do lúdico com mais liberdade. Nós ficamos muito presas à sala de aula, onde o espaço é restrito. A questão mesmo do ditado, era um momento onde eles podem arriscar na escrita, onde não há cobrança mais rígida sobre a forma com que eles estão escrevendo. Eu sempre digo que eles vão escrever da maneira que eles sabem, da maneira que eles acham correto, entendeu... Tentando prestar atenção no que está sendo falado ou no que nós já 127 aprendemos, deixando bem livre. Quando há alguma dificuldade maior, eu procuro criar algo que motive eles a prestar atenção nesta dificuldade e a destacar ela, mas de forma lúdica, brincando, criando algo, alguma estória, alguma brincadeira em cima daquilo para que eles aprendam sem que haja aquela questão de decorar, de memorizar, entendeu. Acho que quando a criança vai para a alfabetização a escola tenta... Parece que a criança deixou de ser criança e tenta enquadra-la dentro de um sistema que ela não está preparada para aquilo. Eu, sinceramente acho que a alfabetização deveria estar incluída na Educação Infantil e não no Ensino Fundamental. É, porque eu acho que no espaço da Educação Infantil há necessidade de brincar e não há a questão do tempo... Há um respeito muito maior do professor em relação à criança, entendeu? A própria estrutura do Ensino Fundamental faz com que o professor tenha uma postura diferenciada da criança. A cobrança é muito grande do professor. Ele tem que dar conta daquela criança no final do ano... A criança tem que saber escrever. A questão da ludicidade, de como isto deveria ser trabalhado, ficava muito a critério do professor dentro de sala de aula. A escola, além de não ter um espaço físico para a criança brincar, também não proporciona atividades lúdicas para as crianças. Houve uma tentativa, durante algum tempo, de disponibilizar livrinhos e alguns jogos no momento do recreio, mas não existia, lá não existe nenhum tipo de balanço, nem de escorrega, nem de casinha, nem brinquedo que eles possam fazer uso no momento do recreio e o espaço também é muito reduzido. Há uma preocupação grande em não se correr para a criança não se machucar, devido a algumas pilastras que existem, né... Eles ficam, porque o recreio é junto, é num espaço que fica junto ao refeitório, então, ainda tem as mesas do refeitório, com o espaço reduzido o que dificulta este brincar. 4) Como você vê essa postura da escola com relação a sala de recursos que só pode ser utilizada por crianças portadoras de necessidades especiais? Olha, é uma questão muito difícil. Por um lado você restringir um espaço para um determinado tipo de criança é complicado. Por outro, também, você precisaria ter alguém ali responsável que desse conta das atividades dentro daquela sala de aula. Ali tem muitos materiais maravilhosos que poderiam ser usados por todas as crianças. Eu acho que, inclusive, poderiam auxiliar até as crianças com dificuldades, as minhas crianças principalmente. O problema é que ali, só podem ir as crianças que já são diagnosticadas, que já têm um laudo de uma necessidade especial. É muito complicado dar uma opinião assim. 128 Eu acho, sinceramente, que aquilo ali tem que ser um espaço aberto a todos. Mas também sei que dentro de uma escola municipal, uma escola pública, fica difícil se abrir o espaço sem que haja um controle maior sobre os materiais porque isso acaba se perdendo, acaba se destruindo. Então, eu sei, que a escola de repente não abriu isso, no intuito até de preservar o que está ali dentro para que fosse usado pelas crianças que realmente precisariam daquilo. O que eu acho ideal é que tivesse um espaço, um centro vamos dizer assim, um centro de multimeios com uma professora, onde as crianças seriam levadas ali em grupos, que se tivesse um horário determinado onde elas pudessem estar trabalhando as diferentes habilidades delas, porque os materiais que tem ali dentro trabalham as diferentes habilidades. Trabalham as habilidades visuais, trabalham as habilidades sensórias, trabalham as habilidades motoras, trabalham as habilidades auditivas. Existem bolas grandes, existem materiais específicos para se treinar o tato com deficientes visuais e se tivesse essa sala com professor, num horário onde, não somente as crianças diagnosticadas com necessidades especiais pudessem usar, como qualquer outra criança que apresentasse alguma dificuldade pudesse ser levada para lá com um profissional que soubesse utilizar esse determinado material para poder sanar essa dificuldade dessa criança. Também é muito complicado você entregar um material ao professor sem que ele esteja habilitado a usar. Então, se o profissional não souber como usar esse determinado material, vai se perder o propósito. Tem que ter um profissional que saiba dar valor aquilo e, principalmente, que saiba usar. 5) Muitas vezes nós escutamos pais falando que não vão colocar a criança na pré-escola porque ela só vai brincar. O que você pensa disso? É, mas a realidade não é essa. A gente sabe muito bem que não é essa. A Educação Infantil tem uma visão diferenciada, mas existem muitas questões que são trabalhadas. A própria convivência com outras crianças, o repartir, o respeito ao ouvir, não é?. A própria rotina escolar a criança aprende já na Educação Infantil. Uma criança que passa pela Educação Infantil, ela não sente essa transição de uma forma tão brusca. Apesar de ser brusca, no Ensino Fundamental a estrutura escolar meio que priva a criança desse brincar, desse lúdico. O que não deveria, porque a criança não deixou de ser criança. Toda a matéria, todo o conteúdo pode ser dado, mas eu acho que falta um pouco no profissional o conhecimento maior de como interagir o conteúdo com o lúdico. Na Educação infantil tudo que você ensina você tem que ter uma brincadeira. Existe uma ligação com o lúdico. Você vai 129 ensinar uma cor então você começa cantando uma música, contando uma estória, entendeu. Eu acho que isso, no Ensino Fundamental se perde com a falta de tempo que se tem para isso. Há uma priorização muito grande com o conteúdo e muita coisa, que muitas vezes são repetidas ao longo desses quatro (04) anos, porque muitas vezes a criança dá uma coisa na primeira série, aí chega na segunda e dá de novo, chega na terceira dá de novo, chega na quarta dá de novo. Então, se houvesse uma separação melhor desses conteúdos, e não esse exagero de conteúdos, eu acho que o profissional teria mais tempo para fazer essa ponte. A gente sabe que muitas dessas coisas que são priorizadas, nem sempre têm uma importância, é tão primordial que não se possa ser deixada um pouco de lado. Eu acho que muitas vezes não... As crianças são muito infantis e estão entrando na escola cada vez mais cedo e cada vez mais é cobrado delas. A gente sabe que a questão aqui fora está cada vez mais competitiva. A rede pública também não pode largar de mão porque senão ela vai criar um abismo muito grande em relação a rede particular. Mas todas as crianças que freqüentam a classe de alfabetização, seja na rede pública, seja na rede particular estão muito mais voltadas para a questão do brincar do que com a questão do conteúdo. Então, por isso, é que você tem que fazer, criar esse imaginário nelas, para que o conteúdo seja dado da melhor forma possível. Uma professora que chegue e fique lá: b/a=ba; b/e=be, simplesmente a criança não aprende porque aquilo ali é muito maçante, muito cansativo. Você tem que criar nelas um novo imaginário onde elas possam fugir daquilo ali e ver aquilo com outros olhos. Por isso que, muitas vezes eu sempre que introduzia um fonema novo, alguma coisa assim, eu contava uma estória. Quando eu dava alguma coisa eu procurava relacionar com algo, como aquela questão dos dois erres, lembra? Que os dois erres eram irmãos e não se separavam. Eu procuro criar um imaginário para que isso facilite o aprendizado delas e fazer desse aprendizado uma grande brincadeira. 6) Quanto a temática do brincar, você gostaria de acrescentar algo a mais que você considera importante? Muitas escolas têm maior preocupação com o conteúdo, em fazer com que a criança aprenda, né... E essa brincadeira se a ela fosse dado maior valor desde a Educação Infantil, onde a criança pudesse improvisar mais... Eu acho também importante que essa brincadeira nem sempre seja direcionada, porque quando há o foco do adulto, quando há a visão do adulto, a criança já se tolhe. A criança precisa brincar também, longe dos olhos do adulto, onde ela crie sua própria brincadeira, ela fantasie sem essa supervisão. O brincar é muito 130 importante. Hoje em dia as crianças estão perdendo um pouco essa brincadeira livre, né... Existe uma preocupação muito grande de um adulto estar direcionando isso, estar controlando essa brincadeira. É a brincadeira do playground que é controlada, tem que estar sobre a supervisão de um adulto. É a questão da violência onde a criança não pode brincar na rua com seus próprios coleguinhas e vizinhos, onde ela vai experimentar, onde vão surgir problemas e ela vai ter que resolver seus próprios problemas. Existe sempre a supervisão de um adulto que nem sempre, mas às vezes, pode ter uma direção que pode privilegiar uns e não privilegiar outros, né... Enquanto a criança está brincando sozinha, ela própria cria suas regras. Existe a importância da criança criar as suas regras. É lógico que, a princípio, a gente tem que dar um direcionamento nisso, mas depois, existe a necessidade de deixar essa criança livre para que ela crie suas regras, para que ela saiba resolver os problemas de convivência que vão surgindo dentro da sua brincadeira. A partir deste momento outros assuntos foram falados e eu percebi que era o momento de encerrar a entrevista. Eu agradeci a colaboração da professora, nos despedimos e encerramos a entrevista. 131 ANEXO 3 CONVERSA COM A DIRETORA DA ESCOLA Esta conversa com a diretora da Escola Municipal Prof. Paulo de Almeida Campos, aconteceu em Maio/2005, numa quarta-feira – dia de planejamento, e não foi uma entrevista com o dia marcado. A diretora resolveu reunir as estagiárias e eu como pesquisadora, neste dia, para passar as informações sobre a escola que ela “sabia” que nós iríamos precisar. O fato deveu-se a sua falta de tempo em atender a cada uma de nós individualmente. Por não ter sido uma entrevista marcada, fui pega de surpresa e não formulei antecipadamente as perguntas do que gostaria de saber embora a diretora tenha aberto espaço para que se perguntasse o que quiséssemos. Segue a transcrição da conversa: - Gente, boa tarde... Nós estamos reunidas, creio que seja com o mesmo objetivo, porque vocês todas são estagiárias, algumas da Estácio, outras do IEPIC (Instituto de Educação Prof. Ismael Coutinho)... Tem alguma outra faculdade aqui presente? - UFF (Universidade Federal Fluminense)... - UFF... Muito bem... O que aqui nós temos para passar é o seguinte: a localização da escola, a zona que vocês já sabem e o número de salas aqui que são dez (10), dez (10) salas, número de banheiros, são sete (07) banheiros, o espaço de lazer é dividido com o refeitório, são nove (09) professores regentes em sala de aula no turno da tarde, nove (09) professores regentes no turno da manhã... Temos três (03) turnos de informática – primeiro, segundo e 132 terceiro turno, três (03) salas de leitura – primeiro, segundo e terceiro turno... Qualquer pergunta pode levantar o braço que eu retorno, eu respondo, ta? - É só falar um pouco mais devagar... - Então ta... Quer que eu volte atrás alguma coisa... Uma (01) secretária, três (03) agentes, três (03) coordenadores de turno – primeiro, segundo e terceiro turno e 4 serventes que são funcionários da Klin. - Quantas salas de recursos? - Duas (02) de recursos. À noite ainda não tenho... Três (03) salas de leitura, três (03) de informática, seis (06) merendeiras, uma (01) secretária, três (03) agentes administrativos, três (03) coordenadores de turno – primeiro, segundo e terceiro turno, uma (01) diretora e uma (01) adjunta mais os quatro (04) serventes que são funcionários da Klin e um (01) vigia. Ainda não coloquei as professoras regentes da EJA, né? São cinco (05) as professoras regentes. Horário de funcionamento: manhã, tarde e noite. A escola funciona nos três turnos. Querem colocar os horários? Precisam dos horários? Não, né? Número de alunos por classe... Eu tenho na alfa vinte e cinco (25) alunos. Por quê eu tenho vinte e cinco (25) alunos? Porque em cada alfa, que é o primeiro ano de escolaridade, porque a Prefeitura trabalha com ciclos... Então, aqui a alfa é o primeiro ano de escolaridade, a primeira (1ª) série é o segundo ano de escolaridade e por aí vai, né... Nós trabalhamos aqui com o primeiro e o segundo ciclos. Não existe aqui o terceiro e o quarto ciclos e porque está na Carta Regimento, aliás, está fora da normalidade, porque eu tenho vinte e dois (22) PNE´s com laudo à tarde. O que é PNE? Portadores de Necessidades Especiais com laudo e nós sabemos que tem vários aí sem laudo. Então, eu tenho na alfabetização de três (03) a quatro (04) PNE´s em cada turma. Vocês que estão estagiando, depois nós vamos conversar sobre o estágio de vocês que é observação, outras estão na observação com prática e outras que já estão na prática ... E tem turma até com trinta e nove (39) alunos. Eu tenho um terceiro ano de escolaridade com trinta e oito (38), trinta e sete (37), trinta e nove (39) alunos, ta? Na parte da manhã... Agora pergunta por quê? Porque as matrículas vêm de uma herança bem para trás e a direção... Eu estou aqui na direção desde fevereiro do ano passado (2004), então, as matrículas desse ano é que foram feitas na minha gestão, ta bom? Porque a pré-matrícula é feita em outubro/novembro... Então foram feitas em 2003, ta? Eu comecei na direção em Fevereiro 133 como indicada. Em abril eu pedi para ter eleição. Eu obtive noventa e oito por cento (98%) dos votos. Tipo de clientela – vocês já devem ter percebido que a nossa clientela não é a de classe média baixa... é classe média e tem até alta aqui, ta?... Tem filhos de médicos, tem de dentistas e também tem crianças... tem a clientela também (indicou com o dedo a classe baixa). Tempo da escola – esta escola, em 2000, ela foi municipalizada. Ela era uma escola estadual – Escola Estadual Prof. Paulo de Almeida Campos. No ano 2000, ela foi municipalizada... - Quem foi Paulo de Almeida Campos? - Foi um professor... Lá em baixo tem um quadro com as informações dele. Se você quiser depois eu posso até tirar um xerox, mas eu não posso hoje de maneira nenhuma. O planejamento está correndo lá e eu tenho que ir para lá... Porque toda quarta-feira do mês tem no planejamento a fala administrativa e, geralmente, é a minha fala. Então, em 2002 esta escola se tornou municipal. Esta escola caiu devido ao cupim que deu no solo quando era estadual. Na época do ex-prefeito, ele alugava um ônibus, e eu peguei essa época quando ela foi municipalizada... Nós funcionávamos dentro de um CIEP, depois foi alugada uma casa aqui atrás da Beira Mar e ele construiu esse colégio já com a verba do município de Niterói. Nós nos mudamos para cá em 2002, quando saiu... Quando a escola se tornou municipal. Tiveram que interditar o prédio e alugar uma casa... Engraçado como que o cupim dá no solo e o prédio aqui do lado continua de pé. Eu não sei se vocês já repararam, aqui ao lado tem uma rede... Cai muita coisa aqui desse edifício... Reboco. Eu já mandei vários ofícios para lá e eles não dão a mínima... As estratégias do ensino vêm do município. Aqui é uma gestão municipal e ninguém tem autonomia de chegar aqui e fazer o que bem entender não. Nós temos que cumprir... - Não é uma gestão democrática? - Eu sou democrática... E, assim, me dou muito bem com a Fundação, respeito a hierarquia... Se existe uma hierarquia, nós temos que respeitar. Ser democrático é respeitar os outros, entendeu? Então, nós temos que respeitar a liberdade dos outros. O envolvimento dos pais e da comunidade com a escola, é ótimo. Agora... Na escola existia um Projeto Político Pedagógico que foi feito pela supervisora e não teve a participação nenhuma das professoras nem da comunidade. Esse ano (2005), a direção tentou fazer, realmente, uma Proposta 134 Político Pedagógica com os pais e com os professores, discutindo cada item. Então, por isso, nós ainda não fechamos... Tanto que nós estamos parados em currículo. Ciclo não tem o que discutir porque o município de educação de Niterói, composto em ciclos, não tem como discutir uma coisa que já é lei... E nós fizemos aqui, começamos a fazer o diagnóstico. - Isso seria discutido com os pais? - Seria não, já foi discutido. Já fiz até a tabulação. Logo no início foram convidados, nos três (03) turnos, os responsáveis para virem. Então, os pais vieram e a proposta do colégio foi a seguinte: a escola que temos, a escola que queremos... Não, não é bem isso não... Eu proponho, eu solicito, eu preciso. Então os pais receberam uma folha de papel ofício com três (03) dobraduras que eles mesmos fizeram. Eu proponho, eu solicito, eu preciso... e nós fizemos uma tabulação aí, que vai entrar dentro do Projeto Político Pedagógico. Estamos fazendo com os professores e com os alunos também nós já fechamos. Já fizemos a tabulação com os alunos também... Partiram do Projeto Político Pedagógico. Então há uma preocupação da direção atual de que todos participem do Projeto Político Pedagógico, entendeu? Os pais, os alunos e os professores. Como os professores sempre são a parte mais complicada, participante... É rica, é que está demorando um pouquinho. Nós também temos esse lado... Nós pedimos que a Fundação viesse, através da coordenadora de Necessidades Especiais, que ela entrasse no Projeto Político Pedagógico também, porque isso é novo. A inclusão está nova dentro da Fundação, né? Então eu necessito que ela venha entrar ... E também estamos construindo na EJA, porque o Projeto Político Pedagógico da EJA não pode ser igual do Ensino Fundamental, é outra realidade. Então, também os alunos da noite, os professores da noite, estão entrando junto no PPP. Já tem alguma coisa pronta que já foi discutido ... Está prontinha. - Os alunos participam das discussões, das decisões? - Participam, eles participam. Pelo menos a orientação que nós temos é essa. Agora mesmo eles estão assistindo a um filme lá – “Planejamento Tim-Tim por Tim-Tim”. É um filme que investe sobre essa discussão, entendeu. Toda quarta-feira a gente trás ou sobre avaliação, sobre currículo, entendeu. Temos projetos? Temos. Temos projeto de Coordenador Mirim, temos projeto que funciona toda quarta-feira que é o Superando Dificuldades. As professoras se dividem entre si e colocam uma sala de matemática, sala de 135 português, oficina de inglês, oficina de arte e até mesmo a oficina de filmes ou alguma coisa assim. Então, por exemplo, elas agora, as professoras do quarto ano de escolaridade que seria a terceira série, elas estão planejando numa dessas salas, porque todas elas trabalham de manhã, então, elas estão escolhendo um livro e um roteiro que elas vão passar para o turno da tarde, entendeu. Elas já estudaram, elas foram lá e escolheram o livro que a escola poderia comprar e elas pegaram o livro para poder planejar e isso muda de semana para semana. Então uma fala para outra: - Olha, eu tenho dez (10) alunos em português, a outra fala em interpretação, entendeu. Então elas continuam na mesma sala, só que em cada sala vai ter uma plaquinha – Português, matemática e artes. Tem sido um pouco tumultuado por causa da greve. Por exemplo, a sala de leitura, a professora está em greve, então não está tendo esta troca. - Mas, isso é depois do horário? - Não, dentro do horário. Quarta-feira é o dia de planejamento e eles tem aula de 13:00 às 15:00 e, nesse horário, eles têm essa aula de reforço. De manhã está sendo normal e quem dá aula de inglês é uma voluntária. A menina é aluna de inglês e ela ficou voluntária e eles estão adorando. As professoras do São Vicente, elas dão aula aqui de Educação Artística. Temos aqui também outros projetos como o Viva..., que não é Projeto da Fundação. É um projeto que eu corri atrás e está acontecendo aqui desde o ano passado e tem tido muito sucesso o Projeto Superando Dificuldades. - Isso funciona a tarde também? - A tarde também. Só a noite que não funciona - Eu queria saber como funciona a sala de recursos. A sala de recursos atende aos alunos com necessidades especiais e esta sala está aberta a outros alunos? - Olha gente, deixa eu explicar uma coisa para vocês, este colégio quando ele foi feito, ele foi feito para receber as crianças com necessidades especiais. Só que nós estamos funcionando aqui desde 2002 e nunca houve respeito com a sala de recursos que existe na planta. Este ano, ela começou a funcionar, mas para isso, eu tive que acabar com duas (02) turmas, porque ela funcionava ali dentro com trinta (30) alunos e eu tive que distribuir esses 136 alunos para respeitar o espaço da criança. Essa sala de recursos, ela não foi inaugurada ainda, entendeu, e eu não posso aceitar que outros professores tenham espaço. Agora mesmo, o colégio preocupado com as professoras, comprou grande quantidade de livros, entendeu, para que elas tenham recursos para as atividades, para coisas novas e elas vão lá e pegam e levam para casa e não voltam mais esses livros. O vendedor passou aqui, - Mas “S”, você já comprou este livro..., e nós fomos lá, procuramos e não achamos um livro sequer. E tem algumas professoras que já me pediram até para usar a sala de recursos e eu não autorizei porque está sendo feito um inventário, com tudo o que foi comprado ali, e ali dentro tem vários tipos de jogos, entendeu. Então, se eu começar a abrir para todas, amanhã as crianças com necessidades especiais, e os jogos são específicos, entendeu... Claro que outras crianças podem usar... - Eu vi fantoches, vi palco para teatro... - É, aquilo ali foi doado pela comunidade e eu tinha em casa fantoches de dedinho e eu trouxe com algumas estorinhas para usar. Mas se eu começar, antes de inaugurar a sala... Eu já convidei a Fundação, a coordenação pra vir pra orientar as professoras que estão dentro da sala de recursos e não têm curso, como as professoras que estão como ajudantes e que também não têm, entendeu... Então, se eu começar a abrir para outros professores levarem seus alunos lá, vão “detonar” com certeza. Empréstimo de livro no ano passado, eu fiquei surpresa com uma professora que emprestou não sei quantos livros que não foram devolvidos e aí, como fica a escola? - Você disse que essa escola foi feita para atender a alunos com necessidades especiais... - Não, alunos normais, com inclusão de alunos com necessidades especiais, entendeu. A escola é normal, só que ela foi feita, foi adaptada para receber a inclusão. Ela tem elevador, tem banheiro adaptado... - Tem elevador? - Tem elevador e tem banheiro adaptado também, entendeu. Tanto que eu tenho um fato aqui, quando os pais vieram elaborar o Projeto Político Pedagógico junto comigo, uma 137 professora, uma só entre essas todas que eu tenho, colocou que esse banheiro não poderia ser usado por outras crianças a não ser as com necessidades especiais. Presta bem atenção, eu tenho trezentos e cinqüenta alunos só num turno, imagina estas crianças subindo e descendo escadas toda hora para ir a outros banheiros... E as crianças aqui, de manhã, onde eu tenho seis alunos PNE`s vão ficar com dois banheiros à disposição, trancados? Porque na inclusão a gente tem que trabalhar o seguinte: nós temos que respeitar o direito, claro, de quem é cadeirante... Olha, vai usar o banheiro lá de baixo porque eles têm prioridade. A prioridade aqui é essa. - Essa sala de recursos, ela já existe há quanto tempo? - Não, querida, ela já existe desde que foi feito o prédio, na planta, mas ela nunca foi respeitada. Esse ano, a comunidade doou uma estante para a sala de leitura, eu peguei as estantes que estavam na sala de leitura e joguei nessa sala que está na planta, entendeu. Com o dinheiro do PDF, eu comprei vários jogos e a Fundação também mandou alguns, entendeu. Mas estou lutando para comprar computador... Não sei se você viu, metade da sala tem tapete para as crianças rolarem. Eu e uma mãe, mãe de uma criança autista conseguimos um espelho para a criança trabalhar o corpo. Agora, não é justo que outra criança venha e quebre esse espelho, desmonte o material didático, entendeu. Eu acho isso. Agora por exemplo, uma professora que é ajudante, que também tem dentro da sala professora ajudante que acompanha a criança PNE, ela pegar essa criança que tem a hora dela ali, com certeza. Mas eu já tive professoras com as outras crianças que queriam entrar, entendeu. - Então, o objetivo não é estender para outras crianças participarem, só mesmo para quem é PNE? - Por isso ela tem o nome de sala de recursos. Agora, eu acho que não é bem isso, que não é o objetivo da escola. Eu acho que por enquanto, tudo novo tem que ser trabalhado, por exemplo, segunda e terça feira as crianças não cantaram o hino a tarde, porque tem que ser trabalhado o respeito, o riso, o patriotismo, tudo dentro de sala-de-aula. Porque não adianta só botar o hino, não é assim... O que é uma sala de recursos? Tem que ser trabalhado. A escola está aberta a qualquer espaço físico, mas não pode ser assim, destruir em um mês. - Eu ouvi dizer que estavam fazendo uma quadra de futebol... 138 - Não, não estão fazendo, ta. Existe, na planta, um projeto que o último andar é uma quadra de futebol. Já fui procurada por engenheiros e arquitetos mandados pela Fundação para eu mostrar o projeto e é um crime, porque essa escola por dentro está toda rachada. No Carnaval eu fiquei aqui, passei meu Carnaval junto com os peões para consertar isso aí e eu creio que o nosso prefeito vai fazer isso sim, já é um projeto no município de Niterói, preencher o espaço físico que não tem nenhuma atividade, entendeu. Alguma pergunta? - Qual é a participação da comunidade, eles ajudam a pagar isso? - Não. Olha só, a comunidade de Icaraí é uma comunidade de classe média alta, ta, então, geralmente eles doam, entendeu. Vão fazer uma mudança e não querem mais uma estante, eles doam. Pelo menos, na minha gestão, eu nego qualquer tipo de envolvimento com dinheiro. Eu não autorizo pai e mãe a pedirem dinheiro para comprar presente para a professora, para comprar presente para a criança. Não existe isso aqui no Paulo de Almeida Campos. Quando existe, é sem eu saber. Então, a comunidade pode doar o que quiser. Eles doam mesmo, até professor doa. Eu tenho aqui um vídeo doado pelo professor Miguel, entendeu. Eu tenho aquele carrinho que foi doado por um agente, entendeu. E a comunidade doa. As enciclopédias, todinhas, vieram da comunidade. Se não querem mais, me perguntam se eu quero. Quero. Aliás, hoje eu tenho que ir buscar uma. A comunidade ajuda muito e eu quero é isso. Enquanto eu estiver aqui, eu quero a comunidade trabalhando junto comigo. Isso aqui é um órgão público e é direito de todos. Eu quero isso, isso e muito mais... O que eu ainda não falei? A entidade mantenedora é o Governo Municipal de Niterói. Estamos em situação legal tanto com o Governo do Estado quanto do município formando uma Comunidade Municipal. Vocês sabem o endereço daqui? É Rua General Pereira da Silva, número 50. Não é Rua Moreira César, ta. Rua General Pereira da Silva, número 50 – Icaraí – Niterói – Rio de Janeiro. Funciona em três turnos, isso eu já falei pra vocês, do primeiro ao quinto ano de escolaridade do ensino fundamental, possui vinte e três turmas sendo nove no turno da manhã, nove no turno da tarde e cinco no turno da noite – EJA – Educação de Jovens e Adultos, com 650 alunos entre seis (06) e quatorze (14) anos de idade nos dois primeiros turnos e 127 a partir de quatorze (14) anos no terceiro turno. O total que a escola pode suportar é 276 alunos no primeiro turno, 234 alunos no segundo turno, 137 alunos no terceiro turno, perfazendo um total de 637 alunos. Contamos, ainda, com trinta e quatro (34) professores, duas (02) supervisoras... Ah! Esqueci de colocar gente, coloquem lá... 139 Lamentavelmente, me perdoem, são duas (02) supervisoras e duas (02) orientadoras educacionais. Lembra que eu coloquei professoras, agentes... - Duas supervisoras e o que mais? - Duas orientadoras. O município fornece toda a infra-estrutura para o funcionamento da escola, os profissionais, a merenda e a manutenção. O estabelecimento possui para funcionar: uma (01) dispensa, uma (01) sala de recursos, uma (01) sala de informática, uma (01) sala de leitura, sete (07) banheiros, uma (01) cozinha, um (01) gabinete, uma (01) sala para o SOE e um (01) almoxarifado. Na realidade, em 2005, o Ensino Fundamental possui quatro (04) turmas no segundo ano de escolaridade... Interessa isso pra vocês?... Primeira série, cinco (05) turmas no terceiro ano de escolaridade, quatro (04) turmas no quarto ano de escolaridade e três (03) turmas no quinto ano de escolaridade. Total de alunos atendidos – seiscentos e cinqüenta (650) alunos matriculados até março de 2005; trezentos (300) alunos pela manhã, trezentos e vinte e três (323) à tarde e cento e vinte e sete (127) à noite. Isso aqui foi feito em Março. Avaliação e acompanhamento – interessa saber como se faz a avaliação? A avaliação se faz durante o ano letivo, através de acompanhamento constante e sistemático das ações pedagógicas, propostas e construídas pelo coletivo, de maneira que sempre que se fizer necessário, se faça uma reflexão e uma reformulação. Realidade desejada – caracterização real da escola – uma escola totalmente democrática visando construir uma proposta de ação política e pedagógica de modo que venha a proporcionar à comunidade escolar uma educação integral, de qualidade, visando conquistar a formação de cidadãos pensantes, conscientes de seus direitos e deveres recíprocos, cada um como um elo na construção de um país melhor. Diagnóstico do Projeto Político Pedagógico – através de tabulação e análise dos dados coletados como indicadores baseados em debates, em análises e interpretação de pesquisa escolar em que a comunidade... Metodologia – o tratamento metodológico dos diferentes conteúdos deverá garantir a articulação entre as experiências dos educandos e o saber do processo de ensino/aprendizagem, buscando superar novas situações a sua vivência escolar. Marco referencial caracteriza-se pela realidade social e global. Quem está gravando quer fazer alguma pergunta? - Professora, aqui na escola não tem brinquedos para as crianças brincarem. Então do que elas podem brincar na hora do recreio? 140 - Se vocês ainda não perceberam, lá em baixo tem duas caixas, uma com livrinhos e outra com brinquedos que as crianças podem pegar na hora do recreio. Correr eu não deixo mesmo e nós todos, professores, coordenadores, nós adultos, não podemos deixar que as crianças corram porque se uma criança se machucar sou eu é que vou responder a um processo. Eu já soube de casos que a diretora foi processada porque uma criança caiu e bateu com a cabeça em uma pilastra. O pai dela que era advogado processou a diretora. Então eu não deixo mesmo. Ninguém vai ser processado, só eu, a diretora. Neste momento da entrevista, a diretora foi chamada pela coordenadora pedagógica para assumir a reunião de planejamento com as professoras e encerrou a entrevista.