ciência
Fotos Rafael Garcia/Folha Imagem
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CBPF
DOMINGO, 6 DE ABRIL DE 2008 ★
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1.44
32.29
À esquerda, César Lattes ergue placa fotográfica para de detecção de partículas em Chacaltaya, Bolívia, nos anos 1940; à direita, o estudante de física Diego Figueiredo, 23, no detector CMS
BrasileirosnoLHC
tentamconfirmar
previsãodeLattes
A MAIOR MÁQUINA DO MUNDO
Conheça o LHC
8,6 km de diâmetro
O QUE É
>> O LHC (Grande Colisor de Hádrons) vai acelerar
SUÍCA
COMO É
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RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA
Quem passa pela estrada que
liga Genebra (Suíça) a Cessy
(França), não vê neste começo
de primavera muita coisa além
de vacas, plantações e os cumes
brancos das montanhas. Com
as estações de esqui desativadas, o clima é de calmaria na
fronteira. Mas isso só na superfície. Num túnel a cem metros
de profundidade, um exército
de cientistas e engenheiros trabalha a todo vapor agora para
construir nada menos do que “a
máquina mais poderosa do
mundo”, com data de inauguração prevista para junho.
A estrutura colossal produzida sob liderança do Cern (Organização Européia de Pesquisa
Nuclear) é o acelerador de partículas LHC (Grande Colisor de
Hádrons, na sigla em inglês),
responsável por experimentos
que investigarão várias das
questões que mais atormentam
os físicos hoje.
Para colocar a máquina em
operação, será preciso resfriar
algumas de suas peças a uma
temperatura muito menor que
a do inverno suíço: -271˚C, o
que tornará o interior do LHC o
lugar mais frio do Universo.
Esvaziando o formigueiro
A Folha visitou na semana
passada três dos quatro detectores de partículas subterrâneos do acelerador. Foi uma
das últimas chances de ver o
LHC por dentro: nos próximos
dias, as enormes cavernas repletas de passarelas por onde
hoje técnicos e cientistas sobem e descem como se estivessem em um formigueiro se tornarão laboratórios-fantasmas,
comandados remotamente e
repletos de radiação letal. Partes do túnel de 27 km de circunferência já estão sendo fechadas para resfriamento —as
bombas de hélio e argônio líquidos já estão funcionando.
O Brasil, apesar de não ser
país-membro do Cern, tem
cientistas e estudantes contribuindo em quase todos os de-
tectores do LHC. Um deles, de
valor especial para o país, pode
ajudar a explicar um fenômeno
descoberto pelo físico curitibano César Lattes (1924-2005).
O LHC vai usar imãs supercondutores hiperfrios para
acelerar núcleos de átomos e
fazê-los se chocarem entre si
(daí o nome da máquina: núcleos são compostos de prótons e nêutrons, partículas da
classe dos hádrons).
O choque produz uma quantidade grande de energia, que
então dá origem a uma série de
partículas. Algumas são bastante triviais, como os elétrons.
Outras não existem soltas em
meio à matéria ordinária.
Uma dessas partículas, prevista em teoria, é o chamado
bóson de Higgs. Sua existência
pode explicar por que a matéria
possui massa.
Partícula mitológica
Vários físicos brasileiros, no
entanto, estão em busca de outro fenômeno. Na caverna onde
está o detector CMS (Solenóide
Compacto de Múons), eles esperam encontrar um “centauro” —um ser quase tão mitológico quanto o meio-homemmeio-cavalo dos gregos.
Centauro foi o nome dado
por Lattes a estranhos jatos de
partículas que ele detectara em
montanhas da Bolívia em 1975
usando placas de um filme especial. Neste caso, as partículas
incomuns não vinham de um
acelerador, mas da colisão de
raios cósmicos, a radiação de
alta energia que chove do espaço sobre a atmosfera terrestre.
Como o centauro é um evento registrado poucas vezes na
natureza e nenhuma em laboratório, um grupo de físicos que
inclui gregos, brasileiros e russos quer tentar usar a energia
do LHC para provar que ele
existe e não é um mito —e talvez explicar de onde ele vem.
Usando dois subdetectores
batizados de Castors, idealizados pelo grupo do físico grego
Apostolos Panagiotou, físicos
esperam extrair informação sobre a natureza dos centauros
das colisões entre prótons.
“Sem a evidência de um experimento em aceleradores”,
diz o grego, fica difícil convencer outros físicos de que o fenômeno é relevante.
O problema é que só um dos
Castors, que ficam dentro do
CMS, deve ficar pronto neste
ano. Um outro, que dobraria a
probabilidade de detecção dos
centauros, ainda depende de financiamento. “Isso poderia ser
uma ser uma possibilidade do
Brasil, se nós conseguíssemos
um financiamento adequado”,
diz o físico Alberto Santoro, da
Uerj (Universidade do Estado
do Rio de Janeiro). O brasileiro,
que há dois anos tenta articular
patrocínio para a construção do
aparelho, diz que seu custo seria da ordem de US$ 500 mil.
Pensando no custo-benefício
científico, não é tão caro, comparado ao valor total estimado
do LHC: US$ 8 bilhões. A missão brasileira que levou um astronauta ao espaço em 2006
gastou US$ 10 milhões, e os experimentos feitos por ele não
lidavam com ciência de ponta.
Sem dinheiro para o detector, o Brasil provavelmente não
poderá apitar nos projetos que
darão prestígio aos eventuais
primeiros “criadores” de um
centauro. Mesmo assim, Santoro tem contribuído para melhorar a qualidade do Castor.
Seu aluno de doutorado Dilson
Damião, por exemplo, participa
dos testes de calibragem do primeiro detector, que entrará em
operação até o fim do ano.
Pizza
Em princípio seria um trabalho relativamente simples, porque existe uma aparelhagem
criada para isso, mas Damião
está tendo de criar uma estratégia nova para a calibragem.
“Depois que o detector está todo construído, você não tem
mais espaço físico para fazer
esse tipo de medida.”
O que seria algo trivial virou
um desafio tecnológico, que
tem de ser superado para que
um centauro dê as caras.
Outros alunos de Santoro
trabalham diretamente na
montagem de uma parte do detector ainda não instalada. É o
caso de um pesquisador incumbido de recortar peças de um
papel e de uma lâmina especiais usadas pelo Castor. “Você
deve imaginar que aqui no Cern
tudo é feito no método mais automatizado”, diz. “Não é a opção neste momento. Eu estou
cortando na mão todos eles
com um rolinho de cortar pizza”, conforma-se.
FRANÇA
SUÍÇA
Oceano
prótons (partículas contidas no núcleo de átomos)
Genebra
Atlântico
a altíssimas velocidades e fazê-los colidir entre si.
Essas colisões produzem diversos
outros tipos de partículas,
permitindo aos físicos
investigar o que
FRANÇA
compõe a matéria
e a energia no
nível mais
Genebra
elementar
Atlas
LHCb
Físicos tentarão usar o megaacelerador de partículas para
detectar pela 1ª vez em laboratório fenômeno visto em 1975
Pesquisador do Rio tenta
obter US$ 500 mil para
construir peça que dobraria
chance de observação da
‘nova’ partícula, o centauro
FRANÇA
>> Dois feixes de
prótons percorrerão
um túnel circular de
27 km. Um seguirá no
sentido horário, outro
no anti-horário.Os dois
raios têm espessura de
um sétimo de um
fio de cabelo
SUÍÇA
Genebra
Alice
CMS
100m
de profundidade
r)
SPS (pré-acelerado
ência
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u
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27 km de c
LHC (acelerador)
Físicoavalia
estadode‘saúde’
dodetectorCMS
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DO ENVIADO A GENEBRA
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O físico e ex-técnico em eletrônica Sandro Fonseca de Souza
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O pesquisador Dilson Damião, que ajuda a procurar o centauro
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O brasileiro Denis Damazio, na caverna do detector Atlas
Um dos brasileiros que trabalham hoje no CMS, um dos
detectores do LHC, teve uma
trajetória incomum até chegar
ao acelerador de partículas: seu
ponto de contato com física de
altas energias foi a medicina.
Sandro Fonseca de Souza, 33,
deficiente físico com dificuldade de locomoção, era técnico
em eletrônica de uma empresa
multinacional antes de ser
mandando embora. “Quando
tive de procurar emprego, então, diziam: ‘Mas você não pode
carregar isso, não pode fazer
aquilo’”, conta. “Foi difícil.”
No momento de descrença
com a profissão anterior, o carioca decidiu tentar a chance
com uma velha vocação e retomou os estudos. Mesmo optando pela física, sua intenção foi
trabalhar com aplicação de tecnologia na área médica e de
saúde. “Na escola técnica, eu já
tinha ajudado a desenvolver
uma cadeira de rodas motorizada para uma amiga.”
A inclinação voltou a se manifestar na graduação. “Eu fui
trabalhar com a física médica,
que lida com câncer e outras
coisas que usam imagens médicas, e que usa muitas aplicações
da física de altas energias”, conta. A área acabou levando-o ao
desenvolvimento de softwares
de detecção de partículas, e em
algum tempo o estudante se viu
num doutorado no LHC.
De certa forma, é um retorno
à medicina: Souza trabalha em
um sofwtare que avalia a “saúde” do detector —mais precisamente, o dano de radiação das
partículas sobre a máquina. Para o carioca, é uma maneira de
fazer o que ele já gostava: “Ver a
ciência bemaplicada”. (RG)
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DOMINGO, 6 DE ABRIL DE 2008
ciência
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Rafael Garcia/Folha Imagem
CariocabuscaantimatérianaSuíça
Físico teórico larga o giz para conectar cabos e testar equipamentos eletrônicos em detector do LHC
Inauguração do acelerador
europeu está prevista para
junho, após uma série de
atrasos; no total, 34 países
participam do projeto
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DO ENVIADO A GENEBRA
Envolvendo 34 países, oficialmente, e com dezenas de
outras nações colaboradoras, a
construção do acelerador de
partículas LHC transformou o
Cern numa torre de Babel. Apesar de os funcionários dos refeitórios só falarem francês, no
resto do centro de pesquisa o
inglês funciona como língua
franca. E promover o diálogo
correto entre as “línguas técnicas” de teóricos, experimentalistas e engenheiros também
não foi uma coisa trivial.
O clima nos centros de experimentos às vésperas da inauguração do acelerador de partículas —prevista para junho, finalmente, após uma série de
atrasos— é de otimismo, e muitos cientistas levam de lá a experiência de interagir com modos de pensar diferentes.
É o caso do estudante de física Rafael Coutinho, da PUCRJ, que termina nesta semana
um estágio de três meses no
LHCb, um dos grandes detectores do LHC. Com toda sua
formação voltada para física
teórica, o universitário está à
véspera de se formar com um
diferencial: a oportunidade de
pôr a mão na massa.
Por sugestão de sua orientadora, Carla Gödel, Coutinho
“largou o giz” por três meses e
aceitou um estágio no qual
aprendeu como funciona a eletrônica do detector, ajudando a
completar tarefas rotineiras
—checar cabos e conexões e
testar equipamento eletrônico
altamente especializado.
“Cheguei aqui meio assusta-
do e preocupado por não ter conhecimento quase nenhum em
física experimental”, conta. “É
bom ver como os dados que eu
estudo são gerados. Se alguém
perguntar agora ‘Sabe de onde
veio esse dado?’, eu vou responder ‘Sei, eu participei disso’.”
Bombas de antimatéria
No Brasil, Coutinho trabalha
com um problema teórico que
chamado “violação da paridade
de carga”. O nome técnico esconde a natureza de uma entidade que fascina muitos: a antimatéria —uma matéria igual à
que conhecemos, mas com cargas elétricas invertidas.
Quando se encontram, matéria e antimatéria se aniquilam,
gerando grande energia. Décadas atrás, essa propriedade fascinou tanto autores de ficção
científica quanto militares,
mas hoje ninguém especula
mais sobre “bombas de antimatéria” ou coisa do tipo.
Cosmólogos afirmam que o
Big Bang, a explosão primordial
do Universo, gerou um bocado
de antimatéria. Hoje contudo,
ela não existe, e não se pode dizer que tenha sido aniquilada
pela matéria, já que esta outra
sobrou para contar a história.
No LHCb, experimentos são
projetados para descobrir como, quando e por que a antimatéria decai mais rápido do que a
matéria. Isso —a tal violação de
paridade— pode ter tido conseqüências na maneira como o
Universo evoluiu.
Se os teóricos podem se interessar pela prática, o contrário
também é verdade, em alguns
casos. O engenheiro eletrônico
brasileiro Rafael Nóbrega, por
exemplo, começou a estudar a
física da paridade de cargas para seu doutorado na Universidade de Roma, que envolve o
desenvolvimento de instrumentos científicos para o
LHCb. “Mas ainda sou mais engenheiro do que físico”, diz.
Parte da eletrônica do detector tem também a assinatura de
outros brasileiros, “Três teses
de mestrado de alunos brasileiros já foram completas em assuntos associados à construção
e à física a ser feita com este experimento”, diz o físico Arthur
Maciel, do Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas. (RG)
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O físico Rafael Coutinho
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