ciência Fotos Rafael Garcia/Folha Imagem Tel.: 0/xx/11/3224-3726 Fax: 0/xx/11/3224-2285 E-mail: [email protected] Serviço de atendimento ao assinante: 0800-775-8080 Grande São Paulo 0/xx/11/3224-3090 Ombudsman: [email protected] EF A32 CBPF DOMINGO, 6 DE ABRIL DE 2008 ★ FOTO 1.44 32.29 À esquerda, César Lattes ergue placa fotográfica para de detecção de partículas em Chacaltaya, Bolívia, nos anos 1940; à direita, o estudante de física Diego Figueiredo, 23, no detector CMS BrasileirosnoLHC tentamconfirmar previsãodeLattes A MAIOR MÁQUINA DO MUNDO Conheça o LHC 8,6 km de diâmetro O QUE É >> O LHC (Grande Colisor de Hádrons) vai acelerar SUÍCA COMO É ................................................................................................ RAFAEL GARCIA ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA Quem passa pela estrada que liga Genebra (Suíça) a Cessy (França), não vê neste começo de primavera muita coisa além de vacas, plantações e os cumes brancos das montanhas. Com as estações de esqui desativadas, o clima é de calmaria na fronteira. Mas isso só na superfície. Num túnel a cem metros de profundidade, um exército de cientistas e engenheiros trabalha a todo vapor agora para construir nada menos do que “a máquina mais poderosa do mundo”, com data de inauguração prevista para junho. A estrutura colossal produzida sob liderança do Cern (Organização Européia de Pesquisa Nuclear) é o acelerador de partículas LHC (Grande Colisor de Hádrons, na sigla em inglês), responsável por experimentos que investigarão várias das questões que mais atormentam os físicos hoje. Para colocar a máquina em operação, será preciso resfriar algumas de suas peças a uma temperatura muito menor que a do inverno suíço: -271˚C, o que tornará o interior do LHC o lugar mais frio do Universo. Esvaziando o formigueiro A Folha visitou na semana passada três dos quatro detectores de partículas subterrâneos do acelerador. Foi uma das últimas chances de ver o LHC por dentro: nos próximos dias, as enormes cavernas repletas de passarelas por onde hoje técnicos e cientistas sobem e descem como se estivessem em um formigueiro se tornarão laboratórios-fantasmas, comandados remotamente e repletos de radiação letal. Partes do túnel de 27 km de circunferência já estão sendo fechadas para resfriamento —as bombas de hélio e argônio líquidos já estão funcionando. O Brasil, apesar de não ser país-membro do Cern, tem cientistas e estudantes contribuindo em quase todos os de- tectores do LHC. Um deles, de valor especial para o país, pode ajudar a explicar um fenômeno descoberto pelo físico curitibano César Lattes (1924-2005). O LHC vai usar imãs supercondutores hiperfrios para acelerar núcleos de átomos e fazê-los se chocarem entre si (daí o nome da máquina: núcleos são compostos de prótons e nêutrons, partículas da classe dos hádrons). O choque produz uma quantidade grande de energia, que então dá origem a uma série de partículas. Algumas são bastante triviais, como os elétrons. Outras não existem soltas em meio à matéria ordinária. Uma dessas partículas, prevista em teoria, é o chamado bóson de Higgs. Sua existência pode explicar por que a matéria possui massa. Partícula mitológica Vários físicos brasileiros, no entanto, estão em busca de outro fenômeno. Na caverna onde está o detector CMS (Solenóide Compacto de Múons), eles esperam encontrar um “centauro” —um ser quase tão mitológico quanto o meio-homemmeio-cavalo dos gregos. Centauro foi o nome dado por Lattes a estranhos jatos de partículas que ele detectara em montanhas da Bolívia em 1975 usando placas de um filme especial. Neste caso, as partículas incomuns não vinham de um acelerador, mas da colisão de raios cósmicos, a radiação de alta energia que chove do espaço sobre a atmosfera terrestre. Como o centauro é um evento registrado poucas vezes na natureza e nenhuma em laboratório, um grupo de físicos que inclui gregos, brasileiros e russos quer tentar usar a energia do LHC para provar que ele existe e não é um mito —e talvez explicar de onde ele vem. Usando dois subdetectores batizados de Castors, idealizados pelo grupo do físico grego Apostolos Panagiotou, físicos esperam extrair informação sobre a natureza dos centauros das colisões entre prótons. “Sem a evidência de um experimento em aceleradores”, diz o grego, fica difícil convencer outros físicos de que o fenômeno é relevante. O problema é que só um dos Castors, que ficam dentro do CMS, deve ficar pronto neste ano. Um outro, que dobraria a probabilidade de detecção dos centauros, ainda depende de financiamento. “Isso poderia ser uma ser uma possibilidade do Brasil, se nós conseguíssemos um financiamento adequado”, diz o físico Alberto Santoro, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). O brasileiro, que há dois anos tenta articular patrocínio para a construção do aparelho, diz que seu custo seria da ordem de US$ 500 mil. Pensando no custo-benefício científico, não é tão caro, comparado ao valor total estimado do LHC: US$ 8 bilhões. A missão brasileira que levou um astronauta ao espaço em 2006 gastou US$ 10 milhões, e os experimentos feitos por ele não lidavam com ciência de ponta. Sem dinheiro para o detector, o Brasil provavelmente não poderá apitar nos projetos que darão prestígio aos eventuais primeiros “criadores” de um centauro. Mesmo assim, Santoro tem contribuído para melhorar a qualidade do Castor. Seu aluno de doutorado Dilson Damião, por exemplo, participa dos testes de calibragem do primeiro detector, que entrará em operação até o fim do ano. Pizza Em princípio seria um trabalho relativamente simples, porque existe uma aparelhagem criada para isso, mas Damião está tendo de criar uma estratégia nova para a calibragem. “Depois que o detector está todo construído, você não tem mais espaço físico para fazer esse tipo de medida.” O que seria algo trivial virou um desafio tecnológico, que tem de ser superado para que um centauro dê as caras. Outros alunos de Santoro trabalham diretamente na montagem de uma parte do detector ainda não instalada. É o caso de um pesquisador incumbido de recortar peças de um papel e de uma lâmina especiais usadas pelo Castor. “Você deve imaginar que aqui no Cern tudo é feito no método mais automatizado”, diz. “Não é a opção neste momento. Eu estou cortando na mão todos eles com um rolinho de cortar pizza”, conforma-se. FRANÇA SUÍÇA Oceano prótons (partículas contidas no núcleo de átomos) Genebra Atlântico a altíssimas velocidades e fazê-los colidir entre si. Essas colisões produzem diversos outros tipos de partículas, permitindo aos físicos investigar o que FRANÇA compõe a matéria e a energia no nível mais Genebra elementar Atlas LHCb Físicos tentarão usar o megaacelerador de partículas para detectar pela 1ª vez em laboratório fenômeno visto em 1975 Pesquisador do Rio tenta obter US$ 500 mil para construir peça que dobraria chance de observação da ‘nova’ partícula, o centauro FRANÇA >> Dois feixes de prótons percorrerão um túnel circular de 27 km. Um seguirá no sentido horário, outro no anti-horário.Os dois raios têm espessura de um sétimo de um fio de cabelo SUÍÇA Genebra Alice CMS 100m de profundidade r) SPS (pré-acelerado ência r e f n u c ir 27 km de c LHC (acelerador) Físicoavalia estadode‘saúde’ dodetectorCMS ................................................................................................ DO ENVIADO A GENEBRA FOTO 2.0 21.0 O físico e ex-técnico em eletrônica Sandro Fonseca de Souza FOTO 2.0 15.0 O pesquisador Dilson Damião, que ajuda a procurar o centauro FOTO 2.0 15.0 O brasileiro Denis Damazio, na caverna do detector Atlas Um dos brasileiros que trabalham hoje no CMS, um dos detectores do LHC, teve uma trajetória incomum até chegar ao acelerador de partículas: seu ponto de contato com física de altas energias foi a medicina. Sandro Fonseca de Souza, 33, deficiente físico com dificuldade de locomoção, era técnico em eletrônica de uma empresa multinacional antes de ser mandando embora. “Quando tive de procurar emprego, então, diziam: ‘Mas você não pode carregar isso, não pode fazer aquilo’”, conta. “Foi difícil.” No momento de descrença com a profissão anterior, o carioca decidiu tentar a chance com uma velha vocação e retomou os estudos. Mesmo optando pela física, sua intenção foi trabalhar com aplicação de tecnologia na área médica e de saúde. “Na escola técnica, eu já tinha ajudado a desenvolver uma cadeira de rodas motorizada para uma amiga.” A inclinação voltou a se manifestar na graduação. “Eu fui trabalhar com a física médica, que lida com câncer e outras coisas que usam imagens médicas, e que usa muitas aplicações da física de altas energias”, conta. A área acabou levando-o ao desenvolvimento de softwares de detecção de partículas, e em algum tempo o estudante se viu num doutorado no LHC. De certa forma, é um retorno à medicina: Souza trabalha em um sofwtare que avalia a “saúde” do detector —mais precisamente, o dano de radiação das partículas sobre a máquina. Para o carioca, é uma maneira de fazer o que ele já gostava: “Ver a ciência bemaplicada”. (RG) ef DOMINGO, 6 DE ABRIL DE 2008 ciência A33 Rafael Garcia/Folha Imagem CariocabuscaantimatérianaSuíça Físico teórico larga o giz para conectar cabos e testar equipamentos eletrônicos em detector do LHC Inauguração do acelerador europeu está prevista para junho, após uma série de atrasos; no total, 34 países participam do projeto ................................................................................................ DO ENVIADO A GENEBRA Envolvendo 34 países, oficialmente, e com dezenas de outras nações colaboradoras, a construção do acelerador de partículas LHC transformou o Cern numa torre de Babel. Apesar de os funcionários dos refeitórios só falarem francês, no resto do centro de pesquisa o inglês funciona como língua franca. E promover o diálogo correto entre as “línguas técnicas” de teóricos, experimentalistas e engenheiros também não foi uma coisa trivial. O clima nos centros de experimentos às vésperas da inauguração do acelerador de partículas —prevista para junho, finalmente, após uma série de atrasos— é de otimismo, e muitos cientistas levam de lá a experiência de interagir com modos de pensar diferentes. É o caso do estudante de física Rafael Coutinho, da PUCRJ, que termina nesta semana um estágio de três meses no LHCb, um dos grandes detectores do LHC. Com toda sua formação voltada para física teórica, o universitário está à véspera de se formar com um diferencial: a oportunidade de pôr a mão na massa. Por sugestão de sua orientadora, Carla Gödel, Coutinho “largou o giz” por três meses e aceitou um estágio no qual aprendeu como funciona a eletrônica do detector, ajudando a completar tarefas rotineiras —checar cabos e conexões e testar equipamento eletrônico altamente especializado. “Cheguei aqui meio assusta- do e preocupado por não ter conhecimento quase nenhum em física experimental”, conta. “É bom ver como os dados que eu estudo são gerados. Se alguém perguntar agora ‘Sabe de onde veio esse dado?’, eu vou responder ‘Sei, eu participei disso’.” Bombas de antimatéria No Brasil, Coutinho trabalha com um problema teórico que chamado “violação da paridade de carga”. O nome técnico esconde a natureza de uma entidade que fascina muitos: a antimatéria —uma matéria igual à que conhecemos, mas com cargas elétricas invertidas. Quando se encontram, matéria e antimatéria se aniquilam, gerando grande energia. Décadas atrás, essa propriedade fascinou tanto autores de ficção científica quanto militares, mas hoje ninguém especula mais sobre “bombas de antimatéria” ou coisa do tipo. Cosmólogos afirmam que o Big Bang, a explosão primordial do Universo, gerou um bocado de antimatéria. Hoje contudo, ela não existe, e não se pode dizer que tenha sido aniquilada pela matéria, já que esta outra sobrou para contar a história. No LHCb, experimentos são projetados para descobrir como, quando e por que a antimatéria decai mais rápido do que a matéria. Isso —a tal violação de paridade— pode ter tido conseqüências na maneira como o Universo evoluiu. Se os teóricos podem se interessar pela prática, o contrário também é verdade, em alguns casos. O engenheiro eletrônico brasileiro Rafael Nóbrega, por exemplo, começou a estudar a física da paridade de cargas para seu doutorado na Universidade de Roma, que envolve o desenvolvimento de instrumentos científicos para o LHCb. “Mas ainda sou mais engenheiro do que físico”, diz. Parte da eletrônica do detector tem também a assinatura de outros brasileiros, “Três teses de mestrado de alunos brasileiros já foram completas em assuntos associados à construção e à física a ser feita com este experimento”, diz o físico Arthur Maciel, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. (RG) FOTO 1.0 12.0 O físico Rafael Coutinho