Conferência Internacional - Cultura Pirata II
Lisboa, Biblioteca Nacional, 25 de Outubro
de 2012 (Org. ICS-UL)
Paulo Serra
LabCom – UBI
(www.labcom.ubi.pt)
O papel da tecnociência no processo
de reificação do simbólico
TÍTULO (provisório)
“E o pirata sou eu?” Considerações tempestivas
sobre a questão da publicação científica
Declaração de interesses: um certo
ideal da SI
“A autodeterminação informacional, o livre
acesso ao conhecimento e à cultura e a proteção
da privacidade são os pilares da sociedade de
informação do futuro. Apenas nesta base pode
emergir uma ordem democrática global que
garanta a justiça social e a autodeterminação”.
“Somos contra o segredo, a compartimentação e o
pensamento competitivo errado no sector público.
Pretendemos usar o conhecimento livremente
comunicável para tornar o sector público mais
eficiente, mais transparente e mais gerível.
Particularmente no domínio da ciência, a atribuição
de fundos deve ser condicionada à publicação livre
do conhecimento obtido (acesso livre).”
Tempos modernos
“A ciência deixou de ser a ocupação de
gentlemen curiosos ou de mentes engenhosas
suportados por patronos ricos, para se tornar
uma indústria suportada por grandes
monopólios industriais e pelo Estado. (…) A
aplicação da ciência coloca [ainda] outros
problemas.” (Bernal, 1939)
• Transformação dos cientistas em assalariados,
separados dos seus meios de produção (os
instrumentos científicos, cada vez mais caros e
raros) e tornados elos de uma “cadeia” de
produção que deixaram de controlar,
• Especialização crescente da atividade científica;
• Submissão cada vez maior das ciências e dos
cientistas aos interesses governamentais
(nomeadamente militares) e industriais
• Progressiva perda do monopólio da
investigação pelas Universidades, em
detrimento dos diversos institutos de pesquisa
governamentais e privados.
• A regra passa a ser não o “comunismo”
(Bernal, 1939, Merton, 1942) mas a reserva
ou segredo e a patente
Zyklon B
Hiroshima
A reificação total?
“Escrever poesia depois de Auschwitz é bárbaro. E
isso corrói mesmo o conhecimento do porquê de se
tornar impossível escrever poesia hoje. A reificação
absoluta, que pressupôs o progresso intelectual
como um dos seus elementos, prepara-se agora
para absorver toda a mente. A inteligência crítica
não pode enfrentar este desafio enquanto se
confinar na contemplação auto-satisfeita.” (Adorno,
Prisms, 1955, p. 34)
•
O ethos da ciência
“A finalidade institucional da ciência é a extensão do
conhecimento certificado. Os métodos técnicos utilizados
com vista a este fim fornecem-nos a definição relevante de
conhecimento: predições empiricamente confirmadas e
logicamente consistentes. Os imperativos institucionais
(mores) derivam da finalidade e dos métodos. (…)
O ethos da ciência moderna compreende quatro conjuntos
de imperativos institucionais – universalismo, comunismo,
desinteresse e ceticismo organizado.” (Merton, 1942)
• Universalismo – a questão do autor; contraste
com a literatura – hoje e no passado (Foucault,
1969); os autores múltiplos
• Desinteresse – enquanto tal, a instituição
científica não é movida por outros interesses que
não o da verdade e o do bem público
• Ceticismo organizado – o caráter
“falsificacionista” da ciência (Popper); o conflito
dos paradigmas (Kuhn)
• Comunismo (comunalismo):
“As descobertas substantivas da ciência são um produto
da colaboração social e são atribuídas à comunidade.
Constituem uma herança comum na qual a equidade do
produtor individual é severamente limitada. Uma lei ou
teria epónima não entra na posse exclusiva do seu
descobridor e dos seus herdeiros, nem os mores lhes
concedem direitos especiais de uso e disposição. Os
direitos de propriedade em ciência são reduzidos ao
mínimo por razões da ética científica.” (Merton, 1942)
“A conceção institucional da ciência como parte
do domínico público está ligada ao imperativo
da comunicação dos resultados [publicação]. O
segredo é a antítese desta norma; a
comunicação completa e aberta é imperativa.”
(Merton, 1942)
“O comunismo do ethos científico é
incompatível com a tecnologia como
“propriedade privada” numa economia
capitalista. (…) As patentes proclamam os
direitos exclusivos de uso e, frequentemente, de
não uso. (…) Como medida defensiva, alguns
cientistas patentearam o seu trabalho para se
assegurarem de que ele é disponibilizado para
uso público. Einstein, Millikan, Compton,
Langmuir registaram patentes.” (Merton, 1942)
As formas de publicação científica
• A partir do século XVII – com a fundação do
Journal des Sçavans e da Philosophical
Transactions, ambos em 1665 – o artigo de
revista foi-se tornando o meio predominante
da publicação científica, sobrepondo-se ao
livro, ao mesmo tempo que as cartas entre
cientistas continuavam a ter o seu relevo
(Garfield, 1979, 1980; Banks, 2009).
• É ainda no século XVII, com a publicação das
revistas pelas academias, que surge o sistema de
refereeing ou avaliação por pares (Zuckerman &
Merton, 1973).
• A revista cientifica especializada torna-se comum
no século XVIII, e o artigo de revista tal como o
conhecemos, com as suas citações e referências,
toma lugar no século XIX (Garfield, 1980).
A cientometria (o ISI)
• A indexação por citação surgiu para responder à
necessidade de gerir e distribuir, de forma mais
eficaz, a literatura científica resultante da
explosão da investigação científica no pós-II
Guerra Mundial (cf. V. Bush e o Memex)
• Os estudos para a elaboração do sistema de
Citation Indexing decorrem, fundamentalmente,
ao longo dos anos 1950 e 1960.
• O índice de citação como instrumento de
gestão da ciência:
“Quantitativas, objetivas e fundamentais,
estas medidas [taxas de citação] são
instrumentos úteis na gestão da ciência (…)
no sentido geral de alocação de recursos e
de medição de progressos. (Garfield, 1979,
p. 62)
• Avaliação dos cientistas por análise de citação (cf. caso
português):
“O uso da análise de citações para produzir
medidas ou indicadores de performance
cientifica gerou uma quantidade considerável de
discussão. (…) a discussão torna-se
particularmente intensa quando o tema é o uso
destas medidas para avaliar pessoas, seja
como indivíduos seja em pequenos
grupos
formais, tais como os departamentos nas
instituições académicas”. (Garfield, 1979)
O sistema da publicação científica
• O imperativo ético (Merton) e a necessidade de publicar
(Garfield) fizeram emergir uma espécie de capitalismo ao
contrário, em que o produtor tem de pagar ao
distribuidor que, assim, ganha de duas formas: do
próprio produtor, que tem de pagar a sua edição (sempre
ou quase sempre); do consumidor, que tem de pagar
também.
• Para além disso, o editor fica geralmente com os “direitos
de autor”, que nunca pagou (antes recebeu); e o autor, se
quiser ler os seus artigos, tem de pagar como os outros.
• Quanto às universidades e outras instituições
de investigação, também elas pagam de dois
modos: aos seus investigadores, para
produzirem investigação que possam publicar;
aos conglomerados que detêm as revistas
(Elsevier, IGI Global, etc.) para que os seus
investigadores possam ter acesso aos artigos
que pagaram para publicar nessas revistas.
• Neste contexto, há que perguntar onde está de
facto a “pirataria”: se naqueles que exploram, e
de forma múltipla, o trabalho dos outros
(cientistas, universidades); ou naqueles que
conseguem fazer o download de um artigo ou de
um livro e partilhá-lo…
• Aqui (só?), a “pirataria” não atenta propriamente
contra os direitos do autor, mas contra o
monopólio da editora e as restrições que ele
impõe.
• Não admira, assim, que nos últimos tempos
tenha crescido, no seio dos cientistas e das
próprias universidades, um movimento contra
este sistema e de defesa do acesso livre às
publicações científicas.
10/02/2012 -09h38
Cientistas boicotam a maior editora de
periódicos do mundo
SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO
Atualizado em 02/03/2012 às 10h47.
•
piracy_cultures\harvard_revistas.pdf
Publicação na ciência
Harvard pede aos seus cientistas para
publicar em revistas de conteúdo livre
26.04.2012 - 17:52 Por Lusa, PÚBLICO
O caso da BOCC
• É um dos projetos mais antigos do LabCom da
UBI: foi fundada em 1997, por António Fidalgo
• Prossegue um triplo objetivo: selecionar, reunir e
publicar, numa lógica de total abertura, os textos
dos investigadores nacionais e internacionais da
área de Ciências da Comunicação
• Edição em LateX
• Mirrors em Portugal (Universidade Fernando
Pessoa), em Espanha (Universidad Rey Juan
Carlos) e no Brasil (Universidade Federal
Fluminense, Universidade dos Sinos).
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Hits
Country
1 322202 45.04% Brazil
2 140719 19.67% US Commercial
3 130202 18.20% Unresolved/Unknown
4 66537 9.30% Portugal
• Em 21 de Outubro de 2012 a BOCC incluía, nas
suas trinta temáticas (mais as Atas da
Sopcom), 4095 textos – artigos, dissertações e
teses -, de 2130 autores das principais
universidades portuguesas e brasileiras, e
também já de algumas universidades
espanholas, havendo 204 instituições
referenciadas.
Daily Avg
Month
Hits Files Pages Visits
Oct 2012 23874 17847 5301 1634
Sep 2012 23847 17801 5005 1565
• O nosso credo:
Cremos na democracia do download
Cremos que vale a pena trocar o copyright pela
visibilidade pública da nossa investigação e dos
nossos investigadores
Cremos que o que é público deve ser devolvido ao
público
Download

Conferência Internacional - Cultura Pirata II Lisboa, Biblioteca