O caminho das trevas
RELIGIÃO, DEMONIZAÇÃO E CULTURA EM UMA PERSPECTIVA LIGEIRA
O começo

Desde o princípio, a cristandade sempre se viu ameaçada pelo Diabo,
grande inimigo de longo tempo atrás. À medida em que ia se
constituindo, as faces das ameaças também se multiplicavam e
mudavam; na verdade, o Mal e o Diabo não eram coisas dadas e
herdadas do judaísmo. Tudo isso veio através de um processo de
construção inserido em uma longa duração. O sabá das bruxas não
nasceu por si só, assim como as bruxas e o próprio Diabo. Eles foram
criados, e associados ao cristianismo; antes, eram partes de outras
crenças e religiões. Vejamos, pois, os caminhos desses elementos.
O culto xamânico da natureza

As formas mais primitivas e básicas de religião tem a ver com o temor da
morte e do além – a religião é uma forma de conviver e apaziguar esse
medo.

Por outro lado, é também modo de conviver com necessidades
imediatas da vida cotidiana, como proteção, cura, e busca de auspícios
que tragam prosperidade. No início, bem no princípio, a arqueologia
mostra vestígios de uma realidade onde o homem se encontra muito
associado à natureza, onde reside o sagrado; a crença, então, é feita
para interagir com ela. Nesse xamanismo, homem e animal andam
juntos, e convivem e interagem com a natureza.
Religião da
natureza
A INTERAÇÃO BÁSICA DA
RELIGIÃO VEM, EXATAMENTE,
DA
RELAÇÃO
HOMEMNATUREZA; O CULTO AO
ANIMAL, AO CLIMA E ÀS
FORÇAS DA NATUREZA.
Uma primeira
representação
Pintura rupestre do paleolítico, caverna de
Trois-Frères, Ariège, França. A reparar o fato
de que estar vestido e trajado como o
animal pode trazer, em termos mágicos e
xamanísticos, diversas características ao
feiticeiro-dançarino: atrair abundância de
caça, ou ainda nas colheitas, a julgar pelas
representações fálicas. Dependendo da
forma como interpretarmos a figura,
podemos entender a vestimenta também
como forma de incorporar e vivenciar as
forças do animal representado.
Imagens
xamânicas
Seguem representações associadas ao
mesmo tema: o mimetismo animal que, a
certa forma, pode ser associado ao
xamanismo e a esta religião arcaica da
Natureza. Aqui, uma representação de
um bode ou carneiro, da Mesopotâmia.
Entidades
cornudas
Prosseguindo
no
mesmo
tema,
encontramos
aqui
mais
uma
representação de entidade. Os chifres,
vale
lembrar,
significam
também
potência, força e virilidade – assim como
é entre os animais.
Transe e êxtase
Uma das características mais importantes
desta religião arcaica, xamânica, está
ligada ao transe e ao êxtase – onde o
xamã desloca-se de seu corpo para viajar
por outras dimensões e pela natureza, ou
mesmo para o reino dos mortos. Ou,
como mais tarde quiseram os inquisidores,
para o sabá
Uma outra forma
de se enxergar o
vôo
Como pudemos observar no ultimo slide,
existem diversas interpretações para os
elementos de culto xamânicos, inclusive o
transe e o “vôo”: se não para o mundo
natural, então para o mundo dos mortos – e
para o sabá, numa cerimônia de culto ao
demônio.
Um processo de
construção
sempre ativo:
Uma iconografia
do mal
As diferentes faces do mal ou:
o processo de demonização
de religiões estranhas

A Cristandade sempre se viu ameaçada
pelo grande Inimigo: Satã estaria disposto
a todo para desorganizar a obra perfeita
de deus, e a harmonia de sua Cidade –
destruindo também a Cidade dos
Homens. Até chegarmos ao momento de
formação, crença e repressão em seus
agentes – dentre os quais encontramos
as bruxas – devemos recuar muito no
tempo.
Má convivência
com deuses
alheios
Uma das principais formas de defesa e de
expansão do cristianismo, ao contato
com outras religiões, foi sempre a
demonização da alteridade; através
disso, afirmava sua santidade. Assim, no
contato com as religiões asiáticas e do
Oriente Próximo, muitas características
dessas divindades – como no caso dessa
divindade mesopotâmica alada – foram
assimiladas a representações do mal
O demônio
assassino
Pazuzu. Mesopotâmia. Gênio do mal.
Homicida. Dentro da hierarquia infernal
cristã –muito semelhante à hierarquia
celestial – um demônio menor, levado às
telas de cinema como possessor de
garotinhas inocentes nos EUA
Demonização
do paganismo
Lilitu, deusa suméria ligada à morte, luxúria e
feminilidade. Na tradição hebraica, Lilith
(assim nomeada) teria sido a primeira bruxa,
a grande traidora do mundo, e perdição do
homem, pelos mesmos atributos. Há quem
diga, em seriados de televisão, que foi
também a primeira vampira.
Um demônio
pastoril
Pan, entidade pastoril e agrária romana.
Iconograficamente, seus chifres e pés de
bode foram, posteriormente, “pegos
emprestados” na construção da
iconografia do Diabo cristão
INFERNO
Gravura florentina do século XV, que
mostra o diabo, o inferno e todas as
punições que aguardam aos pecadores
Antes da bruxa

Assim como o Diabo é uma imagem construída, assim é também para
aqueles que o ajudam na sua batalha contra a Cristandade: entre essas
pessoas, a bruxa. O que veremos, a seguir, é uma pequena mostra de
como diversos elementos de religiões alienígenas, pagãs ou mesmo
ameríndias acabaram por ser demonizados. Foram incorporados, na pior
forma, ao cristianismo.
Uma “bruxa”
antiga e
ambígua: Hecate
Deusa ambígua, grega, representada com
três faces: tanto era a deusa da morte, a
protetora das colheitas, das encruzilhadas, e
também a responsável por encaminhar as
almas. Tanto podia ser, também, a rainha
dos infernos e senhora da morte. Era
invocada, na Antiguidade, para todo tipo de
magia.
Dioniso, deus do
excesso
Dioniso/Baco. Deus do vinho, da festa e
dos excessos de todo e qualquer tipo. As
bacanalia, festas realizadas em sua
homenagem, acabaram mais tarde
ficando associadas à promiscuidade
existente no sabá das bruxas.
Trebaruna.
Deusa celtibera, aqui em representação
fantasiosa e xamânica. Trebaruna fazia
parte do panteão ibérico cultuado antes
da conquista romana – e mais tarde,
incorporado à religião dominante. Deusa
da caça, da guerra e da morte.
Download

O caminho das trevas