DISCIPLINA: Drogas e Cultura
Aula 2: História Social, (im)passes e perspectivas
– Risco(s) e prazer(es); sombra(s) e luz(es)
Docente: Henrique Willer de Castro
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O que são drogas?
“Substâncias químicas, que se incorporam no
organismo humano, com características
farmacológicas que atuam fundamentalmente
no
nível
psicotrópico,
porém
cujas
consequências
e
funções
operam
basicamente a partir das definições sociais,
culturais e econômicas dos grupos sociais
que as utilizam” (ROMANÍ, 2000: 28).
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As drogas possibilitaram o percurso humano,
a construção humana, já que o sofrimento
seria insuportável.
Sentido figurado: coisa ruim, de pouco valor.
O termo envolve significações subjetivas e
negativas: “demonização do drogado”.
Forma de pertencimento, relacionamento,
estar no mundo.
Droga enquanto uma substância inerte: nem
boa, nem ruim. (CMT: “Não é a droga que faz
o sujeito, mas é o sujeito quem faz a droga”.)
Idéia recorrente de que a droga é um objeto
ativo que tem vida própria.
 Toda
cultura, e toda revolução
cultural, invariavelmente conta
com suas drogas, que ajudam a
definir o espírito de um tempo
(zeitgeist),
de
um
“povo”
(volkgeist) e de um lugar.
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Alucinógenos e tabaco na Amazônia (“A Ayahuasca
é para todo mundo, mas nem todo mundo é para a
Ayahuasca”).
Jurema no nordeste (“Juremeiros” – sangue índio e
negro): catimbó / transe profundo.
Romance “Iracema” (J. Alencar): É descrito como
bebida de cor esverdeada, que deixavam os índios
em estado de transe, propiciando-lhes sonhos
agradáveis. Iracema era filha do pajé, guardiã do
suco da jurema.
O uso de bebidas fermentadas e as caiunagens:
“culturas de embriaguez”.
O fenômeno deve ser visto mais como uma euforia
socialmente
compartilhada que como uma
profunda embriaguez (...) “Se é que há embriaguez,
esta é alegre animada e comunicativa, e não
solitária, triste ou mesquinha”.
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A falta desta cerveja seria interpretada como incesto
social. É como se as pessoas não falassem em outra
coisa: a tal bebedeira é esperada ansiosamente.
Todos ficam de olho na grande canoa que contém a
bebida, brindam, e, enfim, bebem; deixando
transparecer a apologia – central em suas culturas –
ao estado ébrio.
Concepções indígenas sobre substâncias psicoativas
– plantas como seres humanos com subjetividade,
agência e intencionalidade.
Arqueólogos possuem evidências de uso de maconha
e plantas psicodélicas em datas próximas a 3 mil
anos antes de Cristo.
Os Vedas, considerados os mais antigos textos
espirituais do mundo, fazem referência ao Soma, um
lendário preparado psicoativo que aparenta ser feito
com base no cogumelo Amanita muscaria, de grande
poder alucinógeno.
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Em todos
os continentes, poderosos
preparados vegetais foram a base de
importantes
estruturas
espirituais.
Ayahuasca, paricá e san pedro na América do
Sul. Cogumelos, peiote, Salvia divinorum na
América Central. Maconha na Índia. Iboga no
oeste africano. Preparados similares ao chás
ayahuasqueiros para ingestão de DMT
(dimetiltriptamina)
no
Oriente
Médio.
Opiácios na China. Culto de fungos
psicoativos entre os gregos antigos. E uma
longa lista de inebriantes, estupefacientes e
psicodélicos que, ao longo da história, foram
achando seus lugares entre lares, bares,
templos, becos e alcovas.
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Henrique Carneiro (Núcleo de Estudos
Interdisciplinares sobre Psicoativos - NEIP):
“O uso de drogas evoca significados mais
profundos do que um hedonismo químico ou
um uso psicoterapêutico, mas remete a uma
crescente plasticidade da subjetividade
humana que se espelha em diversos meios
técnicos para buscar a alteração de si, dos
estados da consciência, cognição, afetividade
e humor”.
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Hegemonia dos modelos biomédicos ou
legais.
Terapêutica centrada no indivíduo
Campo analítico para ciências humanas e/ou
sociais
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“O século XX foi o momento em que esse
consumo alcançou a sua maior extensão
mercantil, por um lado, e o maior
proibicionismo oficial por outro. Embora
sempre tenham existido, em todas as
sociedades, mecanismos de regulamentação
social do consumo das drogas, até o início do
século XX não existia o proibicionismo legal e
institucional internacional” (CARNEIRO, p.2)
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“O tabaco, traficado pelos jesuítas, após uma
resistência inicial dos protestantes e dos
orientais, foi aceito e valorizado, juntando-se ao
álcool, ao açúcar, ao café, ao chá e ao chocolate
para constituírem o universo das drogas oficiais
da vida cotidiana moderna, enquanto outros,
como os cactos e cogumelos alucinógenos
americanos foram proibidos pela Igreja no
período colonial, assim como os derivados do
ópio, da coca e da maconha, a partir do século
XX, conheceram o estatuto da proscrição, nas
diversas formas de proibicionismo” (Carneiro,
p.3).
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“No século XX, encontramos o estatuto de
uma proibição formal de certas substâncias e
a aceitação de outras. A discriminação das
substâncias obedece a injunções culturais e
econômicas. Embora o álcool tenha sido
vítima da primeira lei seca norte-americana
(1920), ele em geral é tolerado nas
sociedades ocidentais, assim como o tabaco,
enquanto
substâncias
reconhecidamente
mais inócuas como os derivados da canábis
mantém-se sob interdição” (CARNEIRO, p.4).
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“Comentando sobre o açúcar e o tabaco, o
cubano Fernando Ortiz escreve que “o açúcar,
que foi um artigo de luxo, hoje é uma
necessidade; o tabaco, que foi necessidade
religiosa e médica, passou a ser, se assim se
pode dizer ainda que paradoxalmente, ‘um luxo
vulgar’. Esta “vulgarização do luxo” é uma das
características da história do comércio mundial
na época moderna e a América foi uma das
fontes de novos hábitos e de novos produtos
que, desde uma origem restrita e de consumo
suntuário, alcançaram o estatuto de confortos
indispensáveis da vida moderna” (CARNEIRO, p.
11).
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Início do século XIX: beber demasiado não
era doença. No máximo, uma prova de mau
caráter ou de falta de controle.
“A embriaguez não suprimia a vontade,
aliás, não se distinguia entre desejo e
vontade de beber; não havia um vocabulário
que expressasse a existência de uma
compulsão, de uma escravidão à bebida ou
alguma outra droga” (CARNEIRO: 2002, 3).
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Escalada crescente na intervenção do
Estado sobre a disciplinarização dos corpos,
a
medicalização
das
populações,
recenseadas estatisticamente de acordo aos
modelos epidemiológicos para os objetivos
da eugenia social e racial, a “higiene
social”e a “profilaxia moral”.
Mulheres e a maternidade eram alvos
especiais – nascimentos regulados – evitar
os riscos de procriação de bêbados,
homossexuais, viciados, loucos, etc…Biopoder
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Virgínia Berridge: “A novidade do século XIX
não são os conceitos de vício, dependência
ou embriaguez, já existentes, mas a
conjunção de forças políticas, culturais e
sociais que deu hegemonia a esses conceitos”
(1994: 17 – grifo meu).
Após o século XIX: modelo orgânico da
doença superado por um modelo psicológico
– Willian Collins (1919) – noção de “doença da
vontade” (adição – addiction) – na Roma
antiga, designava o cidadão livre que fora
reduzido à escravidão por dívidas não pagas.
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Os hábitos se expandiam: tabaco, opiáceos,
café, chá, chocolate, mate, coca, cola
seduziam as populações mundiais.
A
indústria
química
e
farmacêutica,
especialmente na Alemanha, isolava e
produzia princípios ativos de plantas.
Século XX: o grande século das drogas
As drogas impregnam o imaginário do século
XX: ambivalência entre a) passagem para o
paraíso através da felicidade em pílulas, e
b)paradigma do vício, da escravização
extrema a uma mercadoria.
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John B. Watson (1878 – 1958): fundador da
escola do behaviorismo na psicologia norteamericana.
Publicitário: “Pegue um Lucky Strike ao invés de
um
doce”popularização
dos
cigarros,
principalmente entre o público feminino.
Outro exemplo emblemático: James Duke –
doação de 4 milhões de dólares ao Trinity
College / Duke University – Exploração do tabaco
Sintoma tanto da importância desta droga na
ascensão econômica dos E.U.A, quanto da
legitimidade cultural de certos comportamentos
viciosos e compulsivos na sociedade capitalista
contemporânea.
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Freud: eterna fuga do desprazer....Daí a utilização
dos “amortecedores de preocupações”....
“O serviço prestado pelos veículos intoxicantes na
luta pela felicidade e no afastamento da desgraça é
tão altamente apreciado como um benefício, que
tanto indivíduos quanto povos lhes concederam um
lugar permanente na economia de sua libido”
(1978: 142)
“A virtude é quando se tem a dor seguida de prazer;
o vício, quando se tem o prazer seguido de dor”
(Margaret Mead)
Vulnerabilidade: aplicação no contexto da epidemia
da aids (múltiplas dimensões, conseqüências e
impactos sociais) ;
Idéia de grupos de risco e de comportamentos de
risco.
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Proliferação de diversos comportamentos
considerados de risco
Grande ambivalência existente nas formas
através das quais os riscos são representados e
vivenciados nas sociedades ocidentais atuais.
Faz-se necessário compreender a noção de
risco através dos diferentes significados que ela
acumula, a depender de valores históricos e
culturais referentes a diferenças de classe, de
regiões e de grupos que estruturam a
sociedade.
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Sociedade do excesso: zeitgeist.
Balandier (1994): excesso de códigos, de
imagens, de valores e de referências, marcado
pelo novo, pelo inédito e pela mudança.
Excesso que produz, por um lado, referências
instáveis e incerteza e, por outro, necessidade
de identificação e de enraizamento.
Para Augé (1994), os tempos atuais poderiam
ser definidos pelo excesso factual, espacial e de
individualização das referências.
Cada vez mais, vem sendo deixado ao próprio
indivíduo a tarefa de se situar no mundo.
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Para os jovens, atualmente, viver o momento de
passagem, da infância à idade adulta, sem uma
cosmologia ou um universo de reconhecimento
comum, torna-se ainda mais incerto e complexo.
Os universos de reconhecimento comuns previnem e
interpretam a desordem, portanto, as incertezas e
perigos próprios dos momentos de mudança e dos
acontecimentos, sobretudo aqueles ligados à vida e
à morte: o sexo, a procriação, o nascimento, as
doenças, os infortúnios.
Diferentemente
dos
rituais
das
sociedades
tradicionais, que instrumentalizam melhor os
sujeitos
para
vivenciaram
as
mudanças
e
interpretarem os perigos, os rituais atuais são
pulverizados, surgem e desaparecem ao sabor da
moda, proporcionando aos jovens, desta forma,
apenas ilhas de segurança.
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Eles não os preparam para os momentos de
passagem e de mudança e, com dificuldades,
possibilitam a transmissão da herança de uma
geração a outra (Domingues: desencaixe /
reencaixe).
Rene Chair: “A herança está sem testamento a cada
geração”
Balandier (1994): os jovens seriam levados a
tornarem-se
seus
próprios
produtores
de
significações, construindo-as, em certo sentido,
num tipo de bricolage, através de seus próprios
recursos e sob o impulso das circunstâncias, das
necessidades imediatas e das influências recebidas.
Eles se tornariam, assim, os artesãos-bricoleur de
suas próprias práticas e representações do mundo.
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A ambivalência, somada ao excesso e à
rapidez das mudanças, tem sido também
marca de nossa época. No domínio dos riscos
e perigos, nossa sociedade, apesar de
obcecada com a segurança, faz com que
riscos proliferem nas mais diferentes formas.
Segundo Le Breton (1991), o risco expressa a
relação, inconsciente e ambígua, do homem
com a morte.
Ordália antiga, como estrutura antropológica
da necessidade inconsciente do homem de se
relacionar com a morte e, ao mesmo tempo,
com o sentido da vida.
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Le Breton: Hoje, os rituais ordálicos seriam mais
individuais do que coletivos, dependendo,
portanto, muito mais das circunstâncias, dos
pequenos grupos e do próprio indivíduo e
menos das tradições coletivas. A ordália se
encontraria, em germe, de forma mais ou menos
atenuada, em várias práticas juvenis: nos rachas
de carro e de moto, nas competições, na prática
dos esportes radicais, nas brigas de grupos ou
gangues urbanas, no skate. Palavras como
adrenalina, radical, hard tornam-se cada vez
mais recorrentes no vocabulário juvenil.
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“Queremos sentir a existência bater no peito”
Analogia: jovens skatistas, por aqueles
envolvidas em brigas de gangues ou por
usuários de drogas.
A relação com o risco nos tempos atuais: um
jogo do homem com seu inconsciente, por
meio do qual se trata de produzir ou de
provar para si próprio o valor da sua
existência, já que o social e o cultural estão,
cada vez menos, conseguindo fazê-lo de
forma satisfatória.
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A ordália de outrora ressurge adquirindo caráter
individual, muito embora ignorada por quem a
pratica, porque subjaz inconsciente. Desta
forma, o risco, sempre implicado em uma
relação com a morte, não aparece como fruto
da vontade consciente, mas sim, como jogo
simbólico do homem com seu próprio
inconsciente (Le Breton, 1991, p. 14).
Jogo pleno de ambivalências no qual risco e
segurança se confundem. Só uma sociedade
que busca segurança pode valorizar o risco.
Grato pela escuta e
participação!
Henrique Willer de Castro
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História social das drogas