FERREIRA, Jorge Luis. A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, v. 3, nº 6, p. 180-195, 1990. • Jorge Ferreira ao referir-se ao governo Vargas afirma que “construído a partir de um golpe político-militar e, portanto, carente de legitimidade, o regime inaugurado por Vargas em 1930 disseminou por toda a sociedade uma produção de cunho político e cultural que afirmava a necessidade histórica do novo governo. • Para os trabalhadores, em particular, o Estado nos anos 30 e 40 tornou-se produtor de bens materiais e simbólicos, a fim de obter deles a aceitação e o consentimento ao regime político. • Para isso, o novo governo patrocinou uma política pública voltada exclusivamente aos operários, instituindo, assim, novas relações entre Estado e classe trabalhadora”. FERREIRA, Jorge Luis. A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, v. 3, nº 6, p. 180-195, 1990. • Com base na formulação de uma legislação social e trabalhista, fundamentada na ideologia da outorga, e na valorização do trabalhador como socialmente necessário, elevando-o à condição de cidadão (Castro Gomes, 1982), o Estado teceu sua autoimagem, induzindo os trabalhadores a identificarem-no como o guardião de seus interesses materiais e simbólicos. FERREIRA, Jorge Luis. A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, v. 3, nº 6, p. 180-195, 1990. • Nesse contexto, este artigo procura explorar um elenco de questões difíceis. Como a política pública implementada pelo Estado repercutiu entre os trabalhadores e que resposta obteve? Teriam o operário, o desempregado e o trabalhador de salário mínimo reproduzido em palavras exatamente aquilo que a doutrina oficial pregava? O apoio que os pobres • manifestavam a Vargas corresponderia ao mesmo apoio que Vargas esperava deles? Seria correto afirmar que a população pobre e trabalhadora passou a interpretar sua realidade social a partir das novas idéias dominantes, passivamente e sem críticas? Qual, enfim, o impacto que a política estadonovista causou as pessoas comuns daquela época? FERREIRA, Jorge Luis. A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, v. 3, nº 6, p. 180-195, 1990. • Para fundamentar sua análise Jorge Ferreira, toma parte das cartas enviadas por trabalhadores, ao Presidente Vargas. Ferreira assume que, mesmo em um regime autoritário há espaços para contestação. É assim que lê essa correspondência, observando que há uma clara apropriação pelos missivistas, dos discursos oficiais, o que pode ser lido como uma estratégia para expressar as suas demandas e para reivindicar a solução dos problemas apontados. Diz o autor: • “Ao escreverem o que pensavam, as pessoas comuns na época de Vargas nos deixaram, por meio da Secretaria da Presidência da República, um valioso artefato cultural. Por ele, o historiador pode compreender o comportamento coletivo e a maneira como os trabalhadores receberam e reagiram ao projeto político-ideológico no Estado varguista”. FERREIRA, Jorge Luis. A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, v. 3, nº 6, p. 180-195, 1990. • É possível, contudo, argumentar que o aparato hegemônico da época teria sustentado um conformismo generalizado; que a aceitação ao projeto dominante, por parte desses setores, se daria por razões de subordinação intelectual; além da incapacidade desses setores de formularem um projeto próprio, autônomo e alternativo ao poder. Sem negar a importância do conceito gramsciano de hegemonia, acreditamos, porém, que ele precisa ser relativizado, evitando-se uma abordagem totalizadora e instrumental. Procuramos, aqui, seguir a interpretação de Thompson (1979:60), para quem o processo de hegemonia não impede as pessoas de defenderem seus interesses, de buscarem saídas alternativas, de procurarem brechas nas regulamentações autoritárias e de perceberem os limites impostos. As tensões na esfera do trabalho • Porem, essa análise de Ferreira não leva em consideração que a gestão do Estado no mercado de trabalho urbano, a partir da legislação social, no início dos anos 1930 não foi consensual, recebendo críticas tanto de parte da burguesia industrial quanto dos segmentos organizados dos trabalhadores, de tendências anarco-sindicalistas, comunistas e católicos que entendiam essas medidas como ingerência do Estado em suas organizações , uma vez que para ter acesso às leis sociais, era exigida a filiação dos trabalhadores aos sindicatos oficiais. Esse posicionamento ocorreu logo após a decretação das primeiras leis - dos 2/3 (12/12/1930) e sindical (19/3/1931)– que não foram discutidas com esses segmentos, o que provocou descontentamentos e muitas críticas. Essas leis interferiam na composição do mercado de trabalho, por exigir 2/3 de trabalhadores nacionais nas empresas e por oficializar os sindicatos, além de exigir atestado ideológico para compor suas diretorias (Consultar: SILVA, Zélia Lopes. A domesticação dos trabalhadores nos anos 30.São Paulo: Marco Zero, 1990). As tensões na esfera do trabalho • A burguesia através de suas entidades de classe apresentou suas objeções e reivindicou que o governo formasse uma comissão com a presença de representantes dos trabalhadores, das “classes produtoras” e do governo para avaliar os textos que regulamentariam a jornada de trabalho, o trabalho da mulher e do menor, o descanso semanal, as férias, como era intenção do governo Lindolfo Collor (primeiro) Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio; após ampla negociação, a partir de encontros tensos em São Paulo, com as lideranças dos industriais e dos trabalhadores de várias categorias o governo forma uma comissão que teria dois meses para examinar os textos dos decretos sobre os assuntos aludidos. As leis sociais • Tais articulações permitiram a aprovação de várias leis, em 1932, com o aval da burguesia que enviou para compor a Comissão oficial, representantes com larga experiência e militância no CIB – Centro Industrial do Brasil, como Walter Golis que discutiram os anteprojetos e enviam às suas bases para aprovação. Já os trabalhadores não tiveram a mesma sorte. Foi a partir dessas estratégias que foram aprovadas as várias leis sob a pressão dos trabalhadores em greve em São Paulo, em resposta aos problemas da conjuntura de crise econômica e das alterações propostas pelo governo, que feriam os seus princípios teóricos, tais como a formalização de leis: • Jornada de trabalho de 8 horas para a indústria -4/5/1932 (Decreto 21.363) • Carteira Profissional – Decreto n. 21.175, de 21/3/1932 • Descanso semanal – apenas o domingo • Trabalho do menor – 3/11/1932 – Decreto n. 22.042 • Férias – • Trabalho de mulher nos estabelecimentos industriais e do comercio – 17/5/1932 (Decreto n.21.417-A) • Turnos de trabalho > diurno – de 5 às 22horas; • > noturno – de 22 às 5 horas. Memorial de reivindicações dos têxteis – 12/5/1932 • As leis foram aprovadas sob intensa agitação operária em São Paulo, com greve em várias categorias , com pautas unificadas de reivindicações, posicionando-se sobre o processo em curso, a saber: • “1. Que seja efetivado o dia de 8 horas de trabalho diário; • 2. aumento de 20% em geral sobre os vencimentos atuais de contramestres para baixo; • 3. que seja abolido todo o serviço extraordinário além de 8 horas; • 4. para igual serviço, igual salário; • 5. para cada vaga que houver nos estabelecimentos e nas seções sejam aceitos os profissionais ou diaristas do sexo masculino que se apresentarem; • 6. que seja posto em vigor nas fábricas o código referente aos menores; • 7. cumprimento da lei de férias; • 8. abolição da caderneta estadual do trabalho e Carteira Profissional, que servirem de arma ao patronato contra o operariado, e que sejam substituídas por comissões nas fábricas; • 9. reconhecimento da União dos Operários das Fábricas em Tecidos e das Comissões Operárias de Fábricas, nomeadas em reuniões livres de operários das diversas fábricas, em seus sindicatos; Memorial dos grevistas/maio de 1932 • 10. para os operários das turmas seja concedido um descanso de meia hora com as máquinas paradas, dentro de oito horas de serviço, e que nenhum operário possa trabalhar em duas turmas ou mesmo horas a mais nas mesmas, no mesmo dia; • 11. para as terceiras turmas, seja pago 50% a mais da primeira e segunda turmas, de idêntico serviço; • 12. pagamento a cada 5 e 20 de cada mês, imediatamente vencida a quinzena; • 13. férias de três semanas antes e quatro depois do parto, para as mulheres, com pagamento integral; • 14. abolição das mensalidades obrigatórias dos grêmios esportivos internos das fábricas; • 15. uma diária de 4$000 para os desempregados, que deverá ser paga pelo governo e os patrões; • 16. abolição de multas; • 17. pagamento integral dos dias que estiverem em greve;” • (OESP, 12/5/1932). In: SILVA, Zélia Lopes da. A domesticação do trabalhadores nos anos 30. São Paulo:Marco Zero, 1990, p. 117) A legislação sobre a mulher • Destacarei a problemática referente ao trabalho da mulher, pela polêmica que ela explicita: acirra os ânimos entre as partes em litígio e mobiliza a opinião pública. • O texto do anteprojeto definia que a duração do trabalho feminino ocorreria entre 5 e 22 horas, sendo proibido nos estabelecimentos comerciais e industriais a partir deste horário. Era também proibido o trabalho feminino em serviços insalubres e perigosos. • Em relação à mulher grávida, a lei faculta o afastamento do trabalho no nono mês de gravidez sem que por isso perca o direito ao seu lugar tanto em estabelecimentos comerciais quanto industriais. Assegura à mulher grávida o licenciamento remunerado (metade do seu salário –art.9º) de quatro semanas, após o parto, proibindo o seu retorno antes desse prazo. • Em caso de aborto natural, que deverá ser comprovado, a mulher terá direito a um repouso de duas semanas, e durante esse tempo, receberá um auxílio correspondente a metade de seus salários (Art. 10º). • Além dessas garantias, a mulher que amamentar o próprio filho terá direito a dois descansos diários especiais de meia hora cada um, durante os seis primeiros meses que se segurem ao parto (Art.11º). • Aos empregadores, é proibido despedir a mulher grávida, pelo simples fato da gravidez e sem motivo que justifique a dispensa (Art. 12º). As leis sociais • O Sindicato Patronal das Industrias Têxteis do Estado de São Paulo não aponta nenhuma objeção ao anteprojeto. Afirma que “as concessões feitas à mulher grávida já haviam sido objeto de estudos do sindicato e não representam nenhuma inovação, pois que já são de uso corrente nas industrias”. • Em relação a proibição do trabalho noturno, observa que “isto não virá afetar o trabalho fabril, uma vez que as turmas noturnas são exceção e ainda no geral prescindem da colaboração das mulheres”. • O texto final altera o art. 9º que definia o licenciamento da mulher grávida. Segundo o Decreto 21.417-A é estipulado um período de quatro semana antes e quatro após o parto, incorporando parte das sugestões do movimento sindical, que além dessa sugestão propõe o pagamento integral de seu salário, ponto não incorporado no decreto (SILVA, 1990, p. 87). Balanço • Em resumo, os trabalhadores, enquanto classe organizada, não participam do processo de feitura da legislação trabalhista (o que os obriga a definir o seu espaço de barganha através do confronto direto). Os sindicalistas criticam a farsa de participação na elaboração dos anteprojetos de lei, alegando que, apesar das promessas do ministério em consultar os interessados, no caso os operários e os patrões, unicamente estes últimos foram ouvidos, conforme prova a circular da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, de 15 de janeiro de 1932. O protesto não deve ser interpretado, como uma reivindicação para participar das comissões oficiais, pois, exceto a UTG (comunista), os sindicatos signatários do telegrama eram anarco-sindicalistas, contrários a existência de leis regulando as relações de trabalho. Balanço • “O fato é que muitas das reivindicações do movimento sindical são incorporadas nos textos de leis apenas como princípios. A jornada de “oito” horas de trabalho, um dos pontos reivindicados, é implementada como princípio pois deixa assegurado o recurso a sua ampliação para dez horas, através do pagamento da hora suplementar. O mesmo ocorre em relação ao trabalho do menor e da mulher, cuja proibição durante o período noturno era exigida pelo movimento sindical. Aceita-se que ambos “não trabalhem” durante esse período, mas, para isso, reformula-se a definição dos turnos que passam a ter início às 5 horas e o término às 22 horas, podendo assim usá-los sem a menor restrição. No tocante à mulher, o movimento sindical reivindica que esta, quando licenciada por motivo de gestação, seja remunerada integralmente. O texto promulgado estipula remuneração proporcional, mas aceita a sugestão do movimento sindical quanto ao tempo de licenciamento por motivo de gestação” (SILVA, 1990, p. 93/94). FERREIRA, Jorge Luis. A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, v. 3, nº 6, p. 180-195, 1990. • Voltando ao texto de Ferreira, ele demarca os seus pressupostos para encaminhar sua análise. Diz o autor: • “As enunciações discursivas dos trabalhadores na época de Vargas demonstram como eles aceitavam o discurso oficial e as concepções dominantes do mundo. Todavia, essas formas de expressão em nenhum momento significavam conformismo, passividade ou resignação. • Em primeiro lugar, esse aparente conformismo fazia parte de uma estratégia de vida para alcançarem seus objetivos. Vivendo em difíceis situações existenciais, com baixos salários e reduzida oferta de empregos, ao recorrerem ao Estado, produtor de toda uma • legislação que os beneficiava materialmente e formulador de um discurso que assumia suas dificuldades, os trabalhadores procuravam uma alternativa a mais em suas vidas que, como estratégia, não poderia ser subestimada” (p. 7). FERREIRA, Jorge Luis. A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, v. 3, nº 6, p. 180-195, 1990. • Em segundo lugar, as pessoas comuns apresentavam em seus escritos, implicitamente, formas de críticas ao estado de coisas que viviam, criando contraargumentos que tinham como base e matriz as idéias dominantes. • Finalmente, quando os trabalhadores manipulavam todo o arcabouço doutrinário e prático do Estado varguista, selecionavam aquilo que poderia beneficiálos - a legislação, os discursos sobre a família, o trabalho, o progresso, o bem-estar, etc. - e deixavam de lado todo o aparato autoritário, repressivo e excludente. FERREIRA, Jorge Luis. A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, v. 3, nº 6, p. 180-195, 1990. • Não é casual que em seus escritos não fizessem referências à repressão política, às prisões arbitrárias, à tortura policial, etc. E não por desconhecimento, pois sabiam o que se passava, apenas omitiam por estratégia. Nesse caso, como afirma Thompson, “quando o povo busca uma legitimação do protesto, recorre amiúde às regras paternalistas de uma sociedade mais autoritária e seleciona entre elas aquelas partes melhor pensadas para defender seus interesses do momento” (1979:45). FERREIRA, Jorge Luis. A cultura política dos trabalhadores no primeiro governo Vargas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, v. 3, nº 6, p. 180-195, 1990. • Percebendo os limites impostos e selecionando a legislação e a doutrina estadonovista em benefício próprio, ao mesmo tempo que deixavam de lado todo o aparato coercitivo e excludente, os personagens criavam estratégias de vida que as usavam para avançar. O que procuravam, na verdade, era “se virarem” num quadro de dificuldades provenientes de um modelo de dominação social que lhes negava os direitos mais elementares à vida (FERREIRA, p. 7). Ferreira explora essas questões a partir das correspondências vindas de todo o país e de setores diferenciados dos trabalhadores, tomando tais escritos como representativos de sua dimensão de classe. FERREIRA – Considerações Finais • A partir da análise dessas fontes chega as seguintes conclusões: • “As dificuldades que os trabalhadores enfrentavam nos anos 30 e 40 eram de toda • ordem: mercado de trabalho muito restrito, falta de oportunidades, insegurança nos empregos, baixos salários, alta do custo de vida, famílias numerosas, etc. Ter um emprego que assegurasse ao menos a alimentação da família, eis o objetivo primeiro do trabalhador. • É neste quadro que o Estado varguista se impõe, assumindo a responsabilidade de • minorar essas dificuldades, reconhecendo os trabalhadores como parceiros legítimos no cenário político e produzindo uma legislação que lhes proporcionasse ganhos efetivos. Diante de tamanhas dificuldades, os trabalhadores não ficaram indiferentes ao discurso e aos ganhos materiais produzidos pelo novo Estado. O fato de as pessoas comuns escreverem a Vargas relatando suas dificuldades, elogiando o presidente e pedindo algum benefício era o reconhecimento de que o Estado pós-30 estava produzindo ganhos, materiais e simbólicos, e abrindo novas alternativas e oportunidades que os trabalhadores não descartavam como • estratégia de vida - ainda mais se lembrarmos que não encontramos qualquer correspondência com o mesmo teor em poder da Secretaria no período anterior ao de Vargas. FERREIRA – CONSIDERAÇÕES FINAIS • É o que fizeram os personagens citados anteriormente e um número incontável de trabalhadores daquela época. Era uma estratégia de lutar dentro do sistema político, aproveitando as oportunidades que se abriam. Lembremos que as alternativas de oposição frontal ao regime eram muito restritas e, inclusive, perigosas. • Os trabalhadores nos anos 30/40 podem ter aceitado o projeto político estatal, consentido na implementação de formas autoritárias de poder, e mesmo ter depositado sua confiança naquilo que os “de cima” diziam. Entretanto, a aceitação de determinadas formas de poder não impedia os trabalhadores de identificarem seus problemas de classe, apontarem as soluções que convinham a seus interesses e lutarem por elas. Dentro dos padrões políticos e culturais da época, as pessoas comuns davam novos e diferentes significados aos códigos, normas e valores autoritários e, de acordo com suas experiências, procuravam redirecioná-los em seu próprio benefício, ao mesmo tempo que omitiam as regras excludentes e autoritárias. FERREIRA – CONSIDERAÇÕES FINAIS • Ao fazerem a leitura do discurso hegemônico dessa forma, abriam brechas no aparelho político autoritário e procuravam saídas alternativas num quadro político e social onde essas • mesmas alternativas eram bastante escassas. • A análise por este prisma não implica subestimar a eficiência do discurso varguista, minimizando sua repercussão entre os trabalhadores. Ao contrário, as manifestações de apoio • destes últimos à política pública implementada pelo Estado demonstram que o discurso varguista não apenas foi eficiente, como obteve, inclusive, certo sucesso. Queremos enfatizar, porém, que o apoio manifestado pela população não era exatamente o que o governo almejava. FERREIRA – CONSIDERAÇÕES FINAIS • Quando os trabalhadores explicavam sua realidade social, apresentavam uma forma peculiar e própria de captar o discurso autoritário, decodificá-lo e reinterpretá-lo a seu modo. • Se os trabalhadores assumiram o discurso estadonovista, e daí sua eficácia, não se tratava de simples reprodução. Longe de repetirem mimética e mecanicamente o discurso dominante, repensavam-no, reformulavam-no e filtravam-no, fazendo com que fosse contado e vivido de acordo com os seus parâmetros culturais de mundo, como também de acordo com as suas condições imediatas de vida. FERREIRA – CONSIDERAÇÕES FINAIS • O conjunto de imagens produzidas pelos trabalhadores não pode ser reduzido a uma cópia malfeita, caracterizando-se esses indivíduos como meros reprodutores do pensamento dominante. É certo que as pessoas comuns tinham informações dos acontecimentos políticos e da doutrina estatal, utilizando-as quando contavam sua realidade social; mas, quando o faziam, usavam tais informações em proveito próprio, trabalhando por suas demandas. O discurso dominante chegou e ficou, mas de uma certa maneira: instrumentalizado. FERREIRA – CONSIDERAÇÕES FINAIS • Vistas de cima, porém, as enunciações dos trabalhadores podem sugerir apenas um conformismo generalizado. Mas conformismo e passividade muitas vezes estão nos olhos de quem os vê. O fato de escreverem ao presidente da República já demonstra que eles não estavam passivos ou resignados. O apoio e a confiança que depositavam em Vargas, aqui, são entendidos como aceitação a um estado de coisas que fugia a seu controle. Aceitavam, pois naquele momento não havia alternativas e, além disso, seu intuito não era apenas o de exaltar gratuitamente Vargas, mas, sim, dar um passo à frente, avançar, conseguir um emprego, um aumento salarial ou melhorar de vida. A aceitação do regime, enfim, não implicava necessariamente resignação ou conformismo” (p. 14/15).