Ana Cristina Silva
UIPCDE – Unidade de Investigação
em Psicologia Cognitiva, do
Desenvolvimento e da Educação
A aquisição da literacia:
Percursos e Desafios Perdidos
A aquisição da literacia decorre de uma condição tripartida entre:
•Um certo objecto da aprendizagem: a linguagem escrita.
•Um sujeito aprendiz - com a forma particular como se vai
apropriando desse objecto.
•As condições didácticas.
A linguagem escrita
A escrita permite-nos comunicar
mensagens.
Cada mensagem tem uma estrutura
subjacente à natureza do suporte.
Essa estrutura reflecte as várias
funções culturais do texto escrito
O funcionamento da linguagem
escrita, enquanto código de
comunicação, inclui ainda um
conjunto de dimensões extra
alfabéticas que organizam a
legibilidade de um texto,
nomeadamente a orientação da
escrita, a pontuação, maiúsculas,
parágrafos, etc.
Os sistemas de escrita alfabética combinam:
Princípios fonográficos
Princípios semiográficos
Apropriação das utilizações funcionais
As crianças vão-se apropriando das finalidades da
escrita e vão descobrindo como os diversos tipos
de suportes correspondem a diferentes conteúdos.
Constroem pouco a pouco
um projecto pessoal de leitor
Experiências de literacia
Experiências ricas em literacia tem consequências na
apropriação infantil de conceitos relacionados com a
codificação escrita, nomeadamente em relação às
letras, aos sons e às palavras (Morrow, 1997).
“Ao cabo de um instante compreendi: era o livro que falava. Dele
saíam frases que me causavam medo: eram verdadeiras
centopeias, formigavam de sílabas e letras, estiravam os ditongos,
faziam vibrar as consoantes duplas: cantantes, nasais
entrecortadas de pausas e suspiros, ricas em palavras
desconhecidas, encantavam-se por si próprias e por seus
meandros sem se preocuparem comigo”
Sartre
Compreensão do princípio alfabético
•A consciência de unidades silábicas desenvolve-se mais ou
menos espontaneamente;
Consciência
Fonológica
•A capacidade para analisar as palavras nos seus segmentos
fonémicos, não se desenvolve naturalmente;
• As tarefas que avaliam a consciência fonémica são difíceis
para a maior parte das crianças em idade pré-escolar.
Algumas competências de análise do oral elementares facilitam
a entrada no mundo da escrita enquanto que outras mais
complexas, como a segmentação ou manipulação das unidades
fonémicas, só se desenvolvem com a aquisição da literacia.
Escritas inventadas
As escritas não convencionais infantis anteriores à escolarização
formal são um instrumento potenciador do desenvolvimento da
consciência dos segmentos orais das palavras.
Escritas infantis
Escritas Pré-silábicas: As crianças começam por utilizar, nas suas
produções escritas, sequências de letras que imitam a imagem que
construíram para as palavras, atribuindo-lhes um valor
comunicativo.
Escritas silábicas: As crianças começam a estabelecer uma relação
entre unidades do oral e unidades do escrito, tendo como base as
sílabas, uma vez que estas unidades são perceptivamente mais
salientes do que os fonemas.
Escritas silábicas com fonetização: As crianças começam a
mobilizar letras com valor fonético convencional no quadro da
hipótese silábica.
Escritas silábico-alfabéticas e alfabéticas: As crianças progridem no
sentido de representarem nos seus escritos todos, ou quase todos,
os fonemas das palavras.
Exemplos de escritas infantis
URSO
Escritas pré-silábicas
RATO
URSO
Escritas silábicas
RATO
URSO
Escritas silábicas com fonetização
RATO
Relação entre escritas inventadas e consciência fonémica
O desenvolvimento da consciência fonémica consiste numa
conquista conceptual ligada aos progressivos conhecimentos
que as crianças vão construindo sobre a linguagem escrita a
partir do seu envolvimento em situações de escrita
(Ouzoulias, 2001; Vernon & Ferreiro, 1999).
Algumas conclusões
As habilidades fonológicas parecem progredir em concomitância com os
conhecimentos infantis sobre a escrita até à compreensão do princípio alfabético,
podendo as crianças, à entrada para a escola, estarem em momentos evolutivos
muito diferentes.
A diferenciação que encontramos nas crianças de idade pré-escolar em relação aos
seus conhecimentos sobre a estrutura da linguagem escrita apresenta inevitáveis
consequências no modo como as crianças vão integrar a informação proporcionada
pelas estratégias de ensino.
O entendimento do princípio alfabético constitui o suporte conceptual para o
desenvolvimento de operações de descodificação na leitura e para o posterior
progresso infantil na escrita, nomeadamente em relação ao domínio da ortografia.
Aquisição da ortografia
Com a compreensão das regras alfabéticas o desempenho infantil na escrita
caracteriza-se por processos de soletração que conduzem à representação de
uma forma linear de todos os fonemas das palavras através das letras.
À medida que as crianças se apercebem que as relações grafo-fonéticas não se
baseiam numa correspondência biunívoca, começam a identificar padrões de
letras idênticos em diferentes palavras associando-os a sílabas, a partes de
sílabas, a afixos e a prefixos.
Para que esta evolução aconteça não é suficiente a reprodução de normas
ortográficas, e também a este nível as crianças terão de compreender o
funcionamento das regras, reelaborando a sua função no código escrito,
tornando, deste modo, pouco a pouco, mais explícita as restrições do código.
Produção de textos
Escrever implica a produção de diversos tipos de textos (narrativos, expositivos,
argumentativos) com coesão textual. Para essa coesão contribuem o recurso a
elementos linguísticos de ligação que asseguram a continuidade referencial,
sinónimos, etc.
Crianças de níveis sociais desfavorecidos, com menos contacto com objectos de
escrita têm mais tendência a usar a coordenação, enquanto que as crianças de
níveis socioculturais mais favorecidos usam com mais frequência a subordinação
e as orações relativas.
O desenvolvimento da produção textual tem sido sobretudo abordado no âmbito
de modelos cognitivos, os quais põem em relevo os processos pelos quais os
sujeitos planeiam, escrevem e revêm o texto, tendo amplas aplicações no
domínio das estratégias didácticas.
Conclusões
A aquisição da literacia não consiste num processo linear passível de
ser equacionado sequencialmente ao nível da instrução.
As estratégias de ensino têm de considerar os conhecimentos que as
crianças dispõem quando entram para a escola.
O espaço central da aprendizagem deveria ser ocupado pelas crianças
em vez de o ser pelos métodos.
Download

Desafios Perdidos na Aquisição da Literacia