REGRAS DE CONCORRÊNCIA Abusos de posição dominante 26 de Junho de 2008, ISEG Professor J. L. da Cruz Vilaça Luis Miguel Romão Artigo 82.º do Tratado CE “É incompatível com o mercado comum e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste.” Artigo 6.º da Lei da Concorrência “É proibida a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, de uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte substancial deste, tendo por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência.” Principais noções a reter 1 – Empresa ou empresas (dominância individual ou colectiva) 2 – Mercado Relevante (mercado de produto ou serviço e mercado geográfico) 3 – Posição dominante 4 – Efeitos (reais ou potenciais) sobre o comércio (entre os EstadosMembros ou em Portugal) 5 – Abuso (exploração abusiva da posição dominante) Relação com 81.º do TCE e 4.º e 5.º da LC • Mesmo objectivo: garantir uma concorrência não falseada no mercado comum/nacional. Contudo, tratam-se de instrumentos jurídicos independentes e destinados a diferentes situações. (Tetra Pak I). • A aplicação do artigo 81.º TCE/ 4.º e 5.º LC não exclui aplicação do artigo 82.º TCE/ 6.º LC (Tetra Pak I e Ahmed Saed). • O facto de existir uma isenção por categoria, nos termos do n.º3 do art.º 81.º, que afaste a aplicação da proibição constante do 81.º n.º 1 a uma determinada prática, não afasta também a aplicação do art. 82.º (Compagnie Maritime Belge) A noção de posição dominante Artigo 6.º da Lei da Concorrência "2. Entende-se que dispõem de posição dominante relativamente ao mercado de determinado bem ou serviço: a) A empresa que actua num mercado no qual não sofre concorrência significativa ou assume preponderância relativamente aos seus concorrentes; b) Duas ou mais empresas que actuam concertadamente num mercado, no qual não sofrem concorrência significativa ou assumem preponderância relativamente a terceiros.” A noção de posição dominante "A posição dominante visada pelo artigo 82.° CE diz respeito a uma situação de poder económico detida por uma empresa que lhe daria a possibilidade de obstar à manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, dando-lhe a possibilidade de comportamentos independentes numa medida apreciável face aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores”. United Brands (1978) A noção de posição dominante O processo para apurar da existência de posição dominante envolve 3 etapas principais: Definição do mercado: é preciso de definir o mercado geográfico e o mercado de produto ou de serviço no qual a empresa desenvolve a sua actividade. Análise das quotas de mercado: estabelecimento das quotas de mercado da empresa em questão no mercado relevante que foi definido. Análise do impacto concorrencial: avaliação da importância atribuível à quota de mercado da empresa e em particular da susceptibilidade de que sofra uma diminuição em virtude de concorrência efectiva ou potencial. A determinação do mercado relevante Comunicação da Comissão de 9 de Dezembro de 1997 (97/C 372/03) O princípio fundamental presente nestas Orientações da Comissão é o seguinte: As empresas estão sujeitas a condicionalismos concorrenciais de três ordens: a substituibilidade do lado da procura, a substituibilidade do lado da oferta e a concorrência potencial. Do ponto de vista económico, para a definição do mercado relevante, a substituição do lado da procura constitui o elemento de disciplina mais imediato e eficaz sobre os fornecedores de um dado produto, em especial no que diz respeito às suas decisões em matéria de preços. Mercado relevante do produto I. Substituibilidade do lado da procura: Determinação dos produtos que são suficientemente similares em termos de função, preço e atributos, para que sejam encarados pelos consumidores como sendo inter-substituíveis. O grau de substituibilidade determina até que ponto é que os produtos em causa satisfazem as mesmas necessidades constantes: caso a “inter-substituibilidade” seja apenas limitada, os produtos não fazem parte do mesmo mercado relevante. Mercado relevante do produto I. Substituibilidade do lado da procura: O teste SSNIP (“Small but significant non-transitory increase in price”) é utilizado para determinar o grau de substituibilidade entre produtos: - Se um eventual ligeiro (5 a 10%) mas permanente aumento no preço do produto A implicar que os consumidores passem a comprar o produto B, enquanto alternativa disponível, de tal forma que faça com que o aumento do preço não seja lucrativo, então os dois produtos fazem parte do mesmo mercado relevante. A chamada “falácia do celofane” mostrou que o teste SSNIP não é infalível: neste caso, o fornecedor dominante de celofane tinha inflacionado os preços de tal forma, que os consumidores estavam prontos a substituí-lo por outros produtos que não seriam considerados seus substitutos, se os preços do celofane fossem competitivos. Mercado relevante do produto I. Substituibilidade do lado da procura: Produtos de luxo A definição de mercados de produtos de luxo é um exemplo da importância da aplicação do princípio da substituibilidade: apesar de em termos funcionais os produtos de luxo poderem ser substituídos pelos seus equivalentes de uso comum, estes não são encarados pelos consumidores como seus substitutos, em termos de prestígio e imagem. Produtos com vários usos possíveis Outro exemplo interessante é o caso de um mesmo produto ter diferentes aplicações e existirem substitutos do ponto de vista da procura para algumas dessas utilizações, mas não para todas elas. Mercado relevante do produto II. Substituibilidade do lado da oferta: Existe substituibilidade do lado da oferta quando um fornecedor de produtos que não são substituíveis ao nível da procura tem capacidade para, em resposta a alterações nos preços relativos que sejam ligeiras mas permanentes, reorientar os seus recursos de forma a produzir produtos que sejam substituíveis ao nível da procura, sem incorrer em riscos ou custos significativos. A substituibilidade do lado da oferta distingue-se do conceito de “barreiras à entrada”, embora estejam intrinsecamente ligados. De facto, o conceito de substituibilidade de oferta refere-se à definição de mercado, enquanto que a verificação da existência ou não de barreiras à entrada é um conceito mais geral, utilizado na avaliação do poder de mercado que pode ser exercido num mercado já definido. Mercado do produto e mercados conexos Há várias circunstâncias em que a oferta de um produto resulta da (ou está ligado à) oferta de um outro produto. É o caso das peças sobresselentes, consumíveis, ou outros serviços auxiliares que devem ser fornecidos em conjunto com um determinado produto principal. Nestes casos, os produtos associados devem ser tratados como constituindo mercados separados – tal decorre aliás do principio da substituibilidade, já que geralmente estes produtos não são substituíveis entre si. Mercado geográfico relevante O TJCE definiu o mercado geográfico relevante nos seguintes termos: a delimitação clara de uma parte substancial do mercado comum na qual [a empresa] possa eventualmente cometer práticas abusivas que sejam susceptíveis de prejudicar a concorrência efectiva, sendo esta uma área em que as condições objectivas de concorrência para o produto em causa sejam idênticas para todos os agentes económicos. United Brands (1978) Quota de mercado e posição dominante As quotas de mercado funcionam muitas vezes como um indicador da existência de posição dominante: 50% faz presumir a existência de posição dominante, salvo circunstâncias excepcionais – Akzo (1991) 40 % do mercado pode ser suficiente – British Airways (2003) e Coca-Cola (2004) 30% não permite concluir pela existência de PD – Gottrup-Klim (1994) Importância do peso relativo de concorrentes: se forem muitos com quotas relativamente marginais, menos de 50% pode indiciar existência de posição dominante Posição dominante e pressões concorrenciais Para além da quota de mercado, existem outros elementos que indiciam a existência de posição dominante: Regimes de autorização ou licenciamento Direitos de Propriedade Industrial Vantagens tecnológicas Acesso a capitais Infra-estruturas essenciais Posição dominante individual e posição dominante colectiva A posição dominante pode ser detida por apenas uma empresa, mas pode também ser detida por duas ou mais empresas em conjunto. Para que haja posição dominante colectiva, é preciso que haja indícios que demonstrem não só a capacidade de agir de forma independente do mercado (necessários para determinar a existência de posição dominante), mas também uma justificação para tratar as empresas em questão de forma conjunta. O abuso de posição dominante A verificação da existência de uma posição dominante não acarreta por si mesma nenhuma censura em relação à empresa em causa. Impõe-lhe porém, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não atentar, pelo seu comportamento, contra uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum. Michelin (1983) O artigo 82.º CE não proíbe a posição dominante em si, mas antes o abuso de tal posição. O TJCE definiu o abuso como sendo um conceito objectivo relacionado com o comportamento de uma empresa em posição dominante que tem o efeito de prejudicar o nível de concorrência ainda existente no mercado ou o crescimento dessa concorrência. Formas ou tipos de comportamentos abusivos Art. 82.º TCE: Estas práticas abusivas podem, nomeadamente, consistir em: a) Impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transacção não equitativas; b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores; c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência; d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos. Formas ou tipos de comportamentos abusivos Os principais tipos de abuso consubstanciam-se nas seguintes práticas: - Preços predatórios; - Discriminação de preços e esmagamento de margens; - Descontos de fidelidade e contratos exclusivos; - Recusa de fornecimento; - Abuso de direitos de propriedade intelectual; - Tying e bundling; Formas ou tipos de comportamentos abusivos Preços predatórios: Quando os preços são fixado num nível muito baixo que tem por objectivo de eliminar ou enfraquecer os concorrentes. A saída dos concorrentes permite à empresa em posição dominante praticar preços de monopólio para recuperar as perdas: A Irish Sugar era o único produtor de beterraba de açúcar na Irlanda. Reagiu à entrada de concorrentes no mercado através de uma política de preços agressiva, visando especialmente bens mais expostos à concorrência das importações. Conduta era abusiva por causa da intenção de excluir concorrentes (demonstrada em documentos internos da empresa) e da natureza selectiva dos "price cuts”. Irish Sugar (1999) Formas ou tipos de comportamentos abusivos Discriminação de preços e esmagamento de margens: Há discriminação de preços quando um produto idêntico é vendido a preços diferentes a consumidores diferentes não obstante custos idênticos (i.e., quando não há uma justificação objectiva para a descriminação); há esmagamento de margens quando uma empresa dominante num mercado e no mercado a jusante pratica preços a montante que não permitem aos concorrentes no mercado a jusante competir. O Tribunal de Justiça condena a simples prática de concessão de bónus de quantidade por uma empresa em posição dominante sempre que for excedido o prazo razoável de três meses (o que sucede no presente caso) porque não equivale a uma política de concorrência normal em matéria de preços. Michelin (2003) Formas ou tipos de comportamentos abusivos Descontos de fidelidade e contratos exclusivos: Os descontos de fidelidade são descontos atribuídos por uma empresa em posição dominante em troca de uma vantagem, sendo proibidos na medida em que não sejam objectivamente justificados; Cabem no segundo tipo as disposições contratuais que encorajem o cliente a comprar só à empresa em posição dominante, mediante a oferta de “incentivos” descontos de fidelidade em caso de abastecimento exclusivo Hoffmann-La Roche (1979) Formas ou tipos de comportamentos abusivos Recusa de fornecimento: No caso de empresas em posição dominante, uma recusa de fornecimento pode constituir um abuso. Uma oferta de fornecer apenas em determinadas condições que o fornecedor sabe serem inaceitáveis, também constitui abuso. A Commercial Solvents decidiu limitar, se não mesmo cessar, a oferta de uma matéria prima a certos terceiros, com o objectivo de facilitar o seu próprio acesso ao mercado dos derivados. No entanto, uma empresa que detém posição dominante no mercado das matérias primas estando assim em posição de controlar o fornecimento aos produtores de derivados, não pode, só porque decide começar a produzir tais derivados (concorrendo com os seus antigos clientes), agir de forma a eliminar a sua concorrência. Commercial Solvents (1973) Formas ou tipos de comportamentos abusivos Abuso de direitos de propriedade intelectual: O Licenciamento dos direitos de PI é obrigatório quando: - A recusa impede o fornecimento de um produto novo, ou de um serviço novo, para o qual exista uma procura potencial por parte dos consumidores; - A recusa não é justificada por razões objectivas; e - A recusa é susceptível de excluir toda a concorrência em mercado distinto ou em fase diferente do mesmo mercado (mercado derivado). IMS (2004) Magill (1995) Formas ou tipos de comportamentos abusivos Tying e bundling: Fornecer um produto ou um serviço na condição de o cliente comprar também um outro produto o serviço ao fornecedor. A lista das práticas abusivas constante do segundo parágrafo do artigo [82] do Tratado não é taxativa. Por conseguinte, mesmo quando a venda ligada de dois produtos seja conforme aos usos comerciais ou quando exista uma relação natural entre os dois produtos em questão, ela pode ainda assim constituir um abuso na acepção do artigo [82] a menos que se justifique objectivamente. Tetra Pak II (1996) Aplicação do artigo 82.º CE aos abusos com carácter de exclusão Discussion Paper da Comissão Europeia: Abusos com carácter de exclusão: práticas que têm por objectivo eliminar os concorrentes Objectivo do Discussion Paper: promover o debate sobre as melhores formas de proteger os mercados das práticas de exclusão das empresas com posição dominante. Neste relatório, a Comissão propõe um enquadramento para a continuada e rigorosa aplicação do artigo 82.º TCE, baseado na análise económica efectuada em casos recentes, e a determinação de uma possível metodologia para a avaliação da existência dos abusos mais frequentes, como o tying e os descontos de fidelidade.