Qualidade da educação: cinco lembretes e uma lembrança Autor: Nílson José Machado Prof. da Faculdade de Educação da USP Economia da Pobreza Julho/2014 Prof. Dr. Flávio Vasconcellos Comim Aluno: Vitório Reinaldo Backes Objetivo Central: Destacar 5 aspectos sobre a questão da deficiência em termos de qualidade da educação no Brasil para poder vislumbrar alternativas de ações concretas que permitam escapar do eterno recomeçar que costuma pautar as políticas educacionais. Há um consenso com o fato da educação brasileira ser de má qualidade. Indicadores dos mais variados em níveis regionais, nacionais e internacionais tornam esse fato indiscutível. Introdução 1) 2) 3) 4) 5) 6) O diagnóstico persistente: As condições materiais da maior parte das escolas são precárias; A formação e a dedicação de muitos professores deixam a desejar; Os currículos são inadequados; Os recursos disponibilizados não são suficientes; Os alunos não parecem interessados; As condições familiares e socioeconômicas não contribuem para uma participação efetiva dos pais na vida escolar dos estudantes. Introdução Planos de Ações Governamentais citados: - Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003) - Programa de Desenvolvimento da Educação (2007-2022) Resultados: efeitos modestos; promessas esquecidas... (Lei Magna => prevê a necessidade da renovação de um Plano Nacional de Educação a cada 5 anos) Eterno desafio persistente ao Brasil => Eliminação do Analfabetismo Número de Analfabetos em 1960 era pouco maior que 15 milhões de pessoas; permanece nesse patamar ainda hoje (2007). Introdução A oferta de Ensino Fundamental para todas crianças na idade adequada tem sido efetiva, mas enganadora, já que a qualidade do ensino não atingiu um nível aceitável. Do modo como se realiza, tende a perpetuar uma alfabetização fictícia, de efeitos paliativos e ilusórios (como o de desenhar o próprio nome sem a compreensão do que se expressa). A problemática da educação não é uma questão apenas de carência de investimentos. Chile e Argentina investem, em % do PIB, uma parcela bem menor comparativamente ao Brasil. Ex.: Nenhum país do mundo investe tanto na distribuição de livros didáticos para a Educação Básica quanto o Brasil – foram mais de 120 milhões nos últimos anos. No entanto, a centralização da distribuição faz com que, em alguns casos, os livros nem cheguem ao destinatário final, ou ainda cheguem em épocas inoportunas. Introdução 1 - Ainda que os resultados gerais da Educação Básica sejam sofríveis, existe educação de qualidade no Brasil, não sendo aceitável a pressuposição de que as ações educacionais se realizam sobre uma “terra arrasada”; 2 - Os instrumentos de avaliação são necessários, mas eles devem ser meios para instrumentar a ação e não apenas assunto para a produção de manchetes espetaculares; 3 - Nenhuma política educacional pode produzir resultados positivos sem uma integração orgânica entre os diversos níveis de ensino, particularmente entre a Educação Básica e o Ensino Superior; 4 - A escola, e não os professores ou os alunos, deve constituir a unidade fundamental na relação entre as instâncias do poder público e a rede de ensino; 5 – É imprescindível que haja melhorias substanciais nas condições de trabalho dos professores da Educação Básica, uma vez que eles são os elementos decisivos para a fecundação de qualquer política educacional. Os cinco lembretes são: Há, no Brasil, escolas de excelência, tanto públicas como privadas. É certo, no entanto, que o número de boas escolas é muito pequeno em relação ao tamanho da rede de ensino. Das cerca de 5 mil escolas do Estado de São Paulo, o autor destaca entre 200 e 300, ao longo dos 600 municípios do Estado. Tratar a totalidade da rede como se fosse constituída apenas por escolas problemáticas é um erro estratégico que vem se repetindo a cada novo programa de reforma educacional. As boas escolas já possuem bons professores, os quais necessitariam apenas uma capacitação eventual e formação continuada. Ao nivelar todas as escolas por baixo, os programas governamentais podem desestimular aquelas escolas que já funcionam de modo satisfatório. O primeiro passo seria identificar as escolas que se destacam (pontos fora da curva, como elementos excepcionais em um conjunto de contra-exemplos). 1 - Má qualidade: uma generalização indevida Curiosamente, não se procura dar voz a essas exceções, buscando compreender as razões do seu desempenho com a finalidade de que outras possam aprender com elas (inspiração ou contágio de toda a rede). Se certas escolas apresentam melhor desempenho valorizando o professor, ocupando os alunos 6 ou 7 horas por dia, ensinando latim e xadrez, aproximando educação e cultura, isso NÃO pode ser encarado apenas como características fortuitas. Ao propor caminhos novos, que ignoram as boas práticas já existentes, as políticas públicas podem desestimular iniciativas que deveriam ser louvadas e consideradas inspiradoras. 1 - Má qualidade: uma generalização indevida Objetivos centrais: - que todas escolas possam ter as condições necessárias para um funcionamento satisfatório em termos de sua atividade-fim: a formação pessoal dos seus alunos; - que um número cada vez maior delas atinjam níveis ótimos de desempenho; A perspectiva de que todas as escolas tenham desempenhos iguais não tem fundamento na realidade concreta (é uma utopia). As escolas sempre serão diferentes – como pessoas são diferentes – em decorrência da diversidade de seus projetos. A busca da qualidade na educação NÃO pode ser assemelhada a uma caracterização dicotômica das escolas (onde os zeros devem tornar-se uma coleção de uns). 1 - Má qualidade: uma generalização indevida Existe uma carência de significados e interpretações norteadoras que somente poderiam resultar de perguntas prévias aos registros dos indicadores – expectativa de que “os dados falem por si”! (os números podem esconder ou revelar, dependendo de como são utilizados). “Diz-se recorrentemente que os números não mentem, mas também mentirosos costumam recorrer a números para alinhar seus argumentos”. De modo geral, os resultados dos processos de avaliação são analisados como se tivessem significado e precisão matemática. A leitura, no entanto, é mais complexa. Ao se avaliar pessoas essa precisão é inalcançável. 2 – Instrumentos de Avaliação: os meios e os fins Complicador no caso brasileiro: coexistem instrumentos de avalição que não dialogam entre si – falta de integração orgânica entre os diversos exames (Enem, Prova Brasil, SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) não colaboram para uma interpretação consistente dos problemas. Processo de avaliação deve ser um meio para instrumentar e qualificar as ações educacionais; não pode constituir um fim em sim mesmo (como se pretendesse enfrentar uma febre com um termômetro). A INEXISTÊNCIA de vínculo efetivo entre DIAGNÓSTICO decorrente dos processos avaliativos e as AÇÕES idealizadas para o enfrentamento dos problemas contribui de forma decisiva tanto para a INEFICÁCIA DAS AÇÕES quanto para o desprestígio dos instrumentos de avaliação. 2 – Instrumentos de Avaliação: os meios e os fins Evidências: Gasto médio por aluno maior, no Brasil, com o Ensino Superior do que com a Educação Básica. Ao Governo Federal compete a promoção do Ensino Superior; A Educação Básica é de competência dos Estados e municípios, sendo o Ensino Fundamental de competência prioritária dos municípios e supletiva dos Estados. Anomalias: Alunos da Educação Básica pública ◦ => Ensino Superior privado (pago); Alunos do Ensino Médio privado ◦ => ocupam a maior parte das vagas do Ensino Superior público 3 – Um dilema indevido: Educação Básica vs. Ensino Superior Anomalias: ◦ Consolidação e ampliação de uma injustiça na distribuição de recursos, num cenário de extrema desigualdade de renda e desequilíbrio na distribuição de tributos entre assalariados e empresas. ◦ Existe um destaque internacional ao sistema de Pós-Graduação e Pesquisa, ao mesmo tempo em que o Ensino Fundamental apresenta desempenho abaixo de qualquer expectativa minimamente razoável. ◦ Incompreensibilidade: formar milhares de doutores por ano; ao mesmo tempo em que se contabilizam milhões de analfabetos stricto sensu, e dezenas de milhões de analfabetos funcionais. A profundidade da crise da educação pública brasileira não parece ser solucionada por meio de medidas contábeis, com meros deslocamentos de recursos de um setor para o outro. 3 – Um dilema indevido: Educação Básica vs. Ensino Superior Somente um CHOQUE poderia viabilizar uma articulação efetiva entre os diversos níveis de ensino, fazendo com que os profissionais competentes existentes nas universidades se mobilizassem em busca de um ponto de inflexão na melhoria da Educação Básica. Experiência de pensamento (delírio): - Pacto nacional que viabilizasse a integração entre os níveis de ensino, onde todos os professores das universidades públicas, como forçatarefa, colocassem suas competências a serviço da formação dos alunos do Ensino Fundamental e Médio, deixando de lado provisoriamente suas pesquisas e projetos pessoais, de forma a simbolizar o envolvimento, a participação e a responsabilidade, necessários para transformar a situação crítica da atualidade. Nada parece mais importante, do ponto de vista educacional, do que tal inflexão. Universidades => usina de idéias e valores norteadores da Nação, também possui responsabilidades frente à educação pública, em todos os seus níveis. 3 – Um dilema indevido: Educação Básica vs. Ensino Superior Escola não é considerada a unidade fundamental na relação entre as diversas instâncias do poder público e a rede de ensino na maioria dos casos. Com muito mais frequência, percebe-se essa unidade centrada nos alunos e/ou nos professores. Capacitações diretas aos professores e distribuição de livros didáticos de forma relativamente perdulária, são exemplos disso. Capacitações inteiramente externas, que ignoram potencialidades da equipe escolar, são desmobilizadoras. A unidade escolar como aspecto central trabalharia na capacitação docente em busca do atendimento de sua demanda, possibilitando um enraizamento dos aperfeiçoamentos realizados. 4 – Uma questão crucial: a escola como unidade as A Escola como Unidade significa: - apoiar as unidades escolares para que a direção de cada uma delas possa exercer a liderança necessária na condução de projetos coletivos; - cada escola deve construir sua identidade, elaborar seus programas de trabalho, incluindo a capacitação de professores, visando projetos e valores educacionais mais amplos, que reflitam o interesse coletivo. A participação dos órgãos governamentais deveria consistir apenas em um agenciamento de instrumentos e competências técnicas para atender essas necessidades. 4 – Uma questão crucial: a escola como unidade Condições de trabalho precárias especialmente na Educação Básica; para os docentes, Não é possível imaginar uma educação de qualidade com a orientação de profissionais tão desvalorizados quantos são os professores. Não somente a questão salarial, mas também questões como número excessivo de aulas dadas, trabalho em mais de uma escola (com diferentes sistemas de ensino) e, fundamentalmente, a fraca participação dos docentes na construção do projeto da escola são os principais elementos que desvalorizam os profissionais da educação. Migração dos docentes para outras atividades onde suas competências são mais valorizadas. 5 – Um elemento decisivo: a valorização do professor A reversão desse cenário necessariamente, deve começar a partir de melhorias nas condições de trabalho associadas a um aumento correspondente de exigências para o exercício da função docente. De modo geral, a carreira docente exige um profissionalismo em seu grau mais elevado. Pressupõe, muito além de competência técnica, uma dedicação extrema e um compromisso público com os projetos e valores socialmente acordados. A educação é uma condição fundamental para a construção de uma cidadania plena; o respeito e a valorização dos profissionais dessa área são fundamentais para a constituição de uma real democracia. 5 – Um elemento decisivo: a valorização do professor Texto intitulado: “A crise educacional brasileira” (1953) - Consenso da gravidade da situação educacional brasileira. - Divergências na análise das causas e na indicação “terapêutica” mais aconselhável. - Proposição de 10 medidas: da 1 - descentralizar administrativamente o ensino, para que a tarefa se torne possível, com a distribuição das responsabilidades pela execução das medidas mais recomendadas. 2 - mobilizar recursos financeiros para a Educação, de forma a obter deles maiores resultados. Sugerindo a constituição, com percentagens previstas na lei magna da República, de fundos de educação – federal, estaduais e municipais; estes fundos, administrados por conselhos, organizados com autonomia financeira, administrativa e técnica e todos os poderes necessários para a aplicação dos recursos, inclusive no pagamento de empréstimos e planos de inversões e dos quadros do pessoal e do magistério locais (com tabelas de vencimentos locais), permitindo, assim, a adaptação da escola às condições econômicas de cada localidade. Uma lembrança: o diagnóstico de Anísio Teixeira 3 - estabelecer a continuidade do sistema educacional, com a escola primária obrigatória, o ensino médio variado e flexível e o ensino especializado e superior rico e seletivo. 4 - prolongar o período escolar ao mínimo de seis horas diárias, tanto no primário quanto no médio, acabando com os turnos e só permitindo o ensino noturno como escolas de continuação, para suplementação da educação. 5 - alterar as condições de trabalho do professor, proporcionando-lhe novas bases de remuneração, para não lhe reduzir o período de influência aos escassos minutos de aula. Toda educação é influência de uma pessoa sobre outra, demanda tempo, e nas condições atuais não há tempo para se exercer tão imprescindível influência. 6 - eliminar todos os modelos e imposições oficiais que estão a produzir efeitos opostos aos previstos, servindo até como justificativa para o mau ensino – como é o caso dos programas oficiais, dos livros didáticos aprovados e do currículo rígido e uniforme. Uma lembrança: o diagnóstico de Anísio Teixeira 7 - permitir que os dois primeiros anos do curso secundário se façam, complementarmente, nos bons grupos escolares, com auxílio dos melhores professores primários e redução do número de professores nesses cursos a quatro, ou, no máximo, cinco. 8 - estabelecer o exame de Estado para a admissão; ao primeiro ano ginasial; ao terceiro ginasial; ao primeiro colegial e ao colégio universitário, mantido o vestibular para a entrada na universidade 9 - dividir o curso superior regular em dois ciclos – o básico e o profissional, autorizando nas escolas novas ou sem recursos adequados apenas o curso básico, e exigindo o exame de Estado para a entrada no curso profissional e nos de pós-graduação. 10 - facultar no ensino superior a constituição de cursos variados de formação, em diferentes níveis, de técnicos e profissionais médios, prevendo sempre a possibilidade de poderem os assim diplomados continuar os estudos e terminar os cursos regulares. Uma lembrança: o diagnóstico de Anísio Teixeira “A busca da superação da crise educacional brasileira, com a criação das condições para o florescimento de uma educação pública de qualidade, situa-se muito além do terreno dos recursos financeiros, das escolhas metodológicas, ou dos materiais didáticos disponíveis. No cerne das questões educacionais, encontram-se os projetos que prefiguram o país que queremos construir.“ “A crise quase permanente que mina a qualidade de nossa educação tem raízes nos fins que a orientam muito mais do que nos meios para viabilizá-los. É preciso reavivar o sentido de nossa luta no espaço escolar, os valores que nos orientam, os projetos que nos mobilizam coletivamente. Na formulação de planos educacionais, questões extremamente relevantes têm sido efetivamente consideradas, mas, em sua análise, os meios têm prevalecido sobre os fins. Em consequência, os contabilistas ou os economistas parecem ter mais a nos dizer do que os educadores, os sonhadores, os filósofos ou os poetas. Reflexões como as de Anísio Teixeira nos ajudam a manter viva a esperança no futuro, por meio da lembrança de que não é possível separar a educação da cultura, a razão prática dos sentimentos, nem a economia da poesia, ao tratar da crise e da qualidade da educação.” Conclusão MACHADO, Nílson José. Qualidade da educação: cinco lembretes e uma lembrança. Estud. av. [online]. 2007, vol.21, n.61, pp. 277-294. ISSN 0103-4014. Referência