Introdução à Teologia 1. Algumas questões que se impõem a) A princípio, convém a cada aluno fazer um diálogo inicial no sentido de se autoconhecer, pois, mais que estudar a teologia, é necessário viver a teologia. Isso implica na necessidade de um autoconhecimento do indivíduo que se propõe ao ato de teologar, ou seja, indagar sobre Deus e sua ação no mundo. Quem sou eu? (Confrontar sua autoimagem com o Salmo 138). b) Algumas pessoas dizem que têm medo de perder a fé com o estudo da teologia. Esse medo, no entanto, não passa de um ponto a ser eliminado em nosso curso, porque para se fazer teologia é de fundamental importância a fé. Assim sendo, o fazer teologia, acima de tudo, brota da própria experiência eclesial. A fé é a base de toda teologia. Deste modo, para se fazer teologia, é necessário ter o apriori da fé. A palavra apriori quer dizer algo anterior a algo. Por exemplo, quando digo que o giz que tenho nas mãos irá cair se eu o soltar é por conta de uma experiência ou de um conhecimento que eu já tive ou possuo. Portanto, para se fazer uma boa teologia é necessário ter, sim, apriori o dado de fé. Consequentemente, a visão de que a teologia acaba com a fé é uma inverdade, um erro e, acima de tudo, uma forma de se fechar ao conhecimento. c) Fazer teologia implica em dizer que o “aprendiz de teólogo” deve lograr como objetivo viver a teologia, celebrá-la, rezá-la. São essas as dimensões que devem perpassar qualquer atividade teológica, pois não colocam o estudante numa atitude mecânica e sem vida. d) O resultado do estudo de teologia, assim como de qualquer conhecimento humano, dependerá, principalmente, de cada um que a estuda: suas motivações, animações e intenções. O aluno deve saber se quer uma teologia onde apenas se compra o produto ou fazer uma teologia, de forma, que se adentre na fábrica teológica e descubra o seu interior. É necessário que se deixe seduzir pela teologia para, assim, se tornar um teólogo. 2. Conceito de Teologia A palavra teologia é composta de dois termos: Théos = Deus + Lógia = ciência, palavra. Portanto, forma-se ciência de Deus, tratado de Deus, estudo de Deus. Deus é o centro de qualquer reflexão teológica, pois ela, de alguma maneira, se refere a Ele. Por isso, pode-se afirmar que a teologia tem como objeto material Deus e suas obras (estas em sua relação com Deus); e o seu objeto formal é o aspecto particular sob o qual ela considera seu objeto material. Teologia tem a ver com “lógia”, com palavra, com saber, com ciência. Coloca-se Deus em discurso humano. Etimologicamente significa um discurso, um saber, uma palavra, uma ciência de ou sobre Deus [e suas obras]. Teologia se define como reflexão crítica, sistemática sobre a intelecção de fé. E a fé termina em Deus e não nos enunciados a respeito de Deus, como muito bem explica São Tomás. “actus credentis non terminatur ad enutiable, sed ad rem” (“o ato do que crê não termina no enunciado, mas na coisa”). A fé é fundamental para o estudo da teologia, pois não há teologia sem o dado da crença em um Deus que se revela e age no meio do seu povo (cf. Êx 3,7). Enfim, sem fé não se faz teologia. (cf. Rm 10,14-15.17). 3. Os Diferentes Usos do Termo na História A palavra teologia que no ocidente se vinculou à tradição bíblico-cristã, não encontra na Bíblia seu nascimento semântico. Em seu lugar, na Bíblia, se encontra “Palavra de Deus” (cf. Lc 8,21). O termo teologia pode não aparecer de forma explicita nos textos bíblicos, mas aparece de maneira implícita como se pode encontrar na Primeira Epístola de São Pedro, onde se recomenda aos seguidores de Cristo que saibam justificar a fé perante o tribunal (cf. 1Pd 3,15), ou seja, convida a fazer teologia. Podemos encontrar Jesus, no Evangelho segundo São Mateus (cf. Mt 16,15), questionando os apóstolos e levando-os a fazer teologia. “E vós quem dizeis que eu sou?”. No fundo, a comunidade se faz a pergunta teológica sobre Jesus Cristo, apesar de não se usar o termo “teologia”. Foi no mundo grego que o termo teologia lançou suas raízes. Teologia exprimia a ciência das coisas divinas. A teologia foi aceita como ciência de Deus pelo cristianismo, assumindo, assim, a acepção cristã de discurso sobre Deus e Cristo, a partir do século IV pela Patrística Grega. A Patrística assume o termo para o discurso sobre o Deus verdadeiro, sobre a trindade. No entanto, a escolástica preferiu outros nomes para a teologia “doctrina christiana”, “doctrina divina”. Santo Tomás de Aquino (1225-1274) toma uso mais dos termos “sacra doctrina” ou “doctrina cristiana”, mas muito raramente usava teologia. A teologia assume o lugar da “sacra doctrina” entre São Tomás e Escoto (1266-1308). Na Idade Moderna surgem outros aspectos da teologia: teologia mística, teologia ascética, teologia moral, apologética, teologia positiva e teologia escolástica. 4. O Espírito e a Esposa “Se a teologia é pensamento do encontro entre o humano caminhar e o divino vir, o sujeito dela, em sentido próprio e fontal, só pode ser Aquele que neste encontro tem a iniciativa absoluta: o Deus vivo e santo. É ele que, vindo ao homem, suscita também a abertura da criatura ao mistério, é ele que, amando, nos torna capazes de amar, e, conhecendo, abre os olhos da mente de quem por ele é conhecido. [...] Deus vem sempre em primeiro lugar. É ele a eterna présuposição de toda possível iniciativa do êxodo, de toda via que, da morte, se abre à vida, é ele o criador e o redentor do homem. Por pura gratuidade, sem ser de nenhum modo constrangida, sua Palavra é saída do eterno silêncio do diálogo sem fim do amor; ela ‘se fez carne’ (Jo 1,14) a fim de tornar-se acessível e comunicável ao homem. E tudo o que nela nos foi dado de invisível, de inaudito e de impensável, é o Espírito que o faz presente para nós: ‘O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam. A nós, porém, Deus o revelou pelo Espírito. Pois o Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus [...]. Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o espírito que vem de Deus, afim de que conheçamos os dons da graça de Deus’ (1Cor 2,9s.120). Todos (os cristãos) recebem o dom da verdade e da vida e todos devem generosamente transmiti-los: é uma tradição apostólica da Igreja, que compromete na recepção, bem como na transmissão ativa do advento divino, todo o povo dos peregrinos de Deus [...]. O teólogo é aquele que – pelo carisma recebido do espírito e pelo reconhecimento e recepção da comunidade – se esforça para levar à palavra de maneira orgânica e acabadamente reflexiva e vivência pessoal e coletiva da experiência do advento divino. Ele ‘pertence à massa e possui a palavra’ (C.L. Milani): como tantos outros, ele é crente que experimentou o dom do encontro, que lhe mudou a vida; com estes outros – povo da Palavra escutada, proclamada e crida – ele se sabe ligado por vínculos de profundíssima e concreta comunhão, articulada no tempo e no espaço; a seu serviço ele põe a inteligência e seu coração, enamorado do seu mistério e também consciente dos limites que lhe são próprios. Como Tomás, ele confessa: “Eu que a tarefa principal da minha vida seja a de expressar Deus em toda palavra e em todo meu sentimento” (BRUNO FORTE, A teologia como companhia, memória e profecia. São Paulo: Paulinas, 1991, pp. 135-137). 5. Teologia Originante Ao ler o Novo Testamento, nota-se que são relatos de fé e também de reflexão sobre a fé, pois são escritos que possuem grande esforço para explicar, revelar, mostrar e responder perguntas sobre Jesus, sobre sua encarnação, vida, morte e ressurreição. Desta forma, a primeira geração de cristãos foi a que realizou a “verdadeira teologia”. O Novo Testamento é teologia fontal, paradigmática e estimuladora de toda e futura teologia, ao mesmo tempo que sua base irrenunciável, simultaneamente é a teologia do princípio e o princípio da teologia. Essa teologia pode ser caracterizada por estes elementos: a) Pneumática, embebida pelo Espírito que suscita a continuidade dos seguidores de Jesus. b) Eclesial, nascida no seio vivo de uma comunidade a caminho e referida a ela. c) Missionária, destinada a transmitir a fé cristã. d) Vivencial, repleta de sentimentos, conotações afetivas e força convocatória, proveniente da experiência de seguimento do ressuscitado. e) Contextualizada na história da comunidade em que foi elaborada. Válida igualmente para todos como “anamnese da Palavra”, torna presente o dado revelado em suas diversas situações. Cria unidade como solidariedade entre os diferentes. f) Aberta ao futuro, estimulando assim interpretações enriquecedoras, novas releituras situadas. 6. Teologia Patrística A era Patrística no Ocidente se encerra em 604 (S. Gregório) e em 636 (S. Isidoro) e no Oriente em 749 (S. Damasceno). A teologia patrística é de fundamental importância para o estudo da teologia. Ela abarca o período que vai da geração dos Padres Apostólicos que tiveram contato como os apóstolos. São eles Clemente Romano, Inácio de Antioquia, Policarpo, Papias, Hermas. Tendo como período total seis séculos até a teologia medieval. Dentro do período patrístico, distingue-se os: Padres da Igreja (características: antiguidade, ortodoxias do ensino, aprovação expressa ou implícita da Igreja e santidade. Por exemplo: Santo Atanásio, São Gregório Nazianzeno…) e Escritores eclesiásticos (características: viveram na mesma época, mas carecem de ortodoxia e/ou santidade. Por exemplo: Tertuliano, Orígenes, Eusébio de Cesaréia). A Patrística conta com dois princípios: “Intellige ut credas, crede ut inteligas” (“Crer para entender, entender para crer”, Santo Agostinho). Não há uma separação entre fé e razão os padres patrísticos encheram na teologia uma “anagogia”, ou seja, subida rumo ao mistério de Deus. Os protagonistas da teologia patrística, bispos, sacerdotes e leigos, elaboram reflexões de fé de cunho predominantemente pastoral. No início do século III, surgem as primeiras “Escolas Teológicas” dentre elas as mais conhecidas são a de Alexandria e de Antioquia. A reflexão de fé dos padres é marcadamente bíblica, litúrgica, crístico eclesial, inculturada e plural. a) Bíblica – a Palavra de Deus escrita era vista como capaz de mudar a vida de seus receptores. Esse é um pressuposto fundamental para a teologia patrística. Predominava o modo de leitura simbólica da Escritura. b) Litúrgica – por ser a celebração litúrgica ponto central da fé cristã onde a comunidade se reunia para celebrar a vida. A teologia dos padres nasce do encontro litúrgico, pois havia uma busca de explicação do conteúdo da fé expresso na liturgia. A liturgia se desenvolve antes da sistematização teológica. Há, portanto, na patrística, dupla ligação entre teologia e liturgia. Na celebração litúrgica nasce a homilia, e da homilia a exegese dos textos bíblicos. A liturgia como “locus theologicus” e teologia primeira, discurso dirigido a Deus, alimenta, expressa e faz-se norma da fé e de sua intelecção. A teologia, por sua vez, desemboca na expressão de louvor e adesão a Deus, especialmente na liturgia. c) Crística e eclesial – Jesus Cristo em relação à comunidade é a chave de leitura dos dados da fé. No período patrístico, a reflexão da fé se dava por meio da comunidade e não apenas nos textos, pois seria algo limitado. Por isso a maior parte da produção teológica emerge da vida comunitária. d) Criativa, inculturada e plural – a patrística marca a ingente tarefa de inculturação de fé cristã no helenismo. A igreja vive um período de criatividade e expansão. Abre espaço dentro de um mundo altamente civilizado e dotado de grande cultura intelectual. 7. Teologia Escolástica A escolástica atravessou oito séculos sendo dividida em três fases: transição e gestação da dialética, a grande escolástica e a escolástica tardia. A escolástica seguia Agostinho no sistema neo-platônico, mas logo assume a posição aristotélica. Gestação – vai do século VII ao X período marcado por uma estagnação da sociedade e da Igreja. A teologia limitava-se à leitura e ao comentário da Escritura. E havia um empobrecimento dos textos patrísticos. Inícios – a teologia entre os séculos X e XII se vê impulsionada pelo surgimento de ordens religiosas, movimento de ordens mendicantes... E também nascem as universidades. Os escritos aristotélicos são descobertos entre 1120 e 1160. Eles moldam nova mentalidade: o pensamento pelo confronto resultante da aproximação dialética de negação e afirmação, amadureceu nesta sociedade em mutação, caracterizada pela multiplicação dos intercâmbios. Essa entrada da dialética gera um conflito entre o tradicional e o inovador. Santo Anselmo une a teologia monástica agostiniana, favorável à absoluta suficiência da fé, ao pensamento especulativo dialético. Trabalha para transformar a verdade crida em verdade sabida, pensada e expressa. A fé em busca de inteligência (“fides quaerens intellectum”): “Não pretendo, Senhor, penetrar a tua profundidade, porque de forma alguma minha razão é comparável a ela; mas desejo entender de certo modo a tua verdade, que o meu coração crê e ama. Não busco, com efeito, entender para crer, mas creio para entender”. Seis elementos que se distinguem no ensino da escolástica: a) Lectio: explicação do mestre. Os estudantes devem reter informações na memória. b) Commentarium: exegese das grandes obras dos mestres do passado. c) Quaestio: desenvolvimento dialético, submetendo determinada afirmação à elaboração crítica. d) Disputatio: estudantes e mestres discorrem juntos sobre temas e pensamentos de determinado autor ou obra. e) Quodlibet: extensão da disputatio. Discussão livre sobre qualquer espécie de assunto. f) Sententiae: retomada em sumas teológicas. Esplendor da Escolática – a teologia passa a ser ensinada nas universidades, os professores e alunos trabalham metodicamente, criticamente e usam o raciocínio dialético, muita coisa é escrita e, por fim, se difunde as obras de Aristóteles: Metafísica, Política, Tratado da Alma. Tomás de Aquino, a figura máxima e insuperável da escolástica, combina rigor teórico, criatividade e ousadia. Desenvolve uma teologia obediente à Revelação, que responde as exigências da epistemologia aristotélica a ponto de, em decorrência, dizer-se ciência. Ele deixou muitas obras, dentre elas se destaca a “Suma Teológica”. Esse período também contou com outras teologias: monástica e a escola franciscana que não tratavam a teologia como ciência. 8. Teologia Antimoderna e Manualística A época desta teologia vai do século XIV até o Concílio Vaticano II (1960-1964). Este período é marcado, principalmente, pelo surgimento do protestantismo, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. A Igreja buscou combater tudo aquilo que havia de pernicioso nestes movimentos. Esta teologia é marcada principalmente por manuais de catecismos. 9. Teologia Atual Na atualidade, a teologia busca trazer em seu bojo elementos de todas as fases teológicas anteriores. 10. Disciplinas Teológicas Muitas são as disciplinas teológicas, mas o importante é saber que todas nascem da necessidade existencial do próprio homem que busca respostas a suas interrogações em relação a Deus, à vida, à morte, à graça, entre outros dados da existência. Por ser um tema muito vasto as definições apresentadas serão breves. E, por isso, servem para estimular a um maior aprofundamento. a) Teologia Fundamental: lança as bases do conhecimento teológico. b) Teologia Bíblica: dedica-se ao estudo bíblico e suas demais necessidades. c) Teologia Moral: dá base para as reflexões éticas ao pensar o homem e seus deveres morais. d) Teologia Sistemática ou Dogmática: trata-se de tornar compreensíveis os dogmas da fé por meio de uma visão voltada para a vida. e) Teologia Litúrgica: ajuda os fiéis a uma maior compreensão da liturgia como uma dimensão presente em toda a vida. Entre várias outras. 11. Conclusão A teologia deve ser vivida e tida como instrumento de sabedoria e de encontro com o Deus da vida.