Professora Silvana Montemor Disciplina : Planejamento- currículo Teorias do Currículo a) Procuraremos demonstrar como o currículo tem estado de uma forma mais ou menos oculta, permeável às forças do poder hegemônico, seja ele político, social, econômico ou cultural. b) A partir de algumas teorias críticas do currículo, debruçaremos sobre as relações de força que se estabelecem entre esses diversos sistemas e a educação, ressaltando todo um processo de reprodução e estratificação social. O sentido da ação educativa leva ao levantamento de uma série de questões, tais como: 1. O bem da sociedade ou da comunidade prevalece sobre o bem dos indivíduos? 2. É a educação destinada a todos, será a mesma para todos, ou, se não, qual será o critério da diferenciação? 3. Que margem de decisão é deixada aos cidadãos, aos alunos e aos professores? 4. Qual deve ser a duração da educação? 5. Etc. O nascimento da escola pública. A generalização da escola como instituição pública ocorreu por imperativos da Revolução Industrial. A deslocação de grandes massas populacionais das zonas rurais para os subúrbios das cidades industriais obrigou as autoridades públicas a prestarem maior atenção aos problemas criados, por exemplo: crianças entregues a si; adultos sem ocupação... Tornava-se necessário “armazenar”, isto é “encaixotar” esta franja não ativa da população por forma a conformá-la à nova ordem industrial. Como nos diz Alvin Toffler: Era preciso que os indivíduos se adaptassem a um “trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho, máquinas, vida em ambientes superpovoados e disciplina coletiva, a um mundo em que o tempo, em vez de regulado pelo ciclo sol-lua, fosse regido pelo apito da fábrica e pelo relógio.” (In Choque do Futuro). Ensino em massa inspirado no modelo de gestão científica de Taylor, veio dar resposta ao tipo de homem de que necessitava o novo modelo de produção. A ideia geral de reunir multidões de estudantes (matéria-prima) destinados a ser processados por professores (operários) numa escola central (fábrica) foi a demonstração de genio industrial. (Taylor, 1911; 1985). Assim: A escola nasce com caráter instrumental: ela destinava-se, por via do currículo, a processar (transformar) o aluno com o máximo de eficácia e o mínimo de custos, numa lógica empresarial, comercial ou industrial. One best way! Uma melhor maneira! Então: O modelo fabril do desenvolvimento do Currículo que emerge nos primeiros anos do campo realça a racionalidade técnica do processo-produto ligada a uma enfáse na eficácia e produtividade. A gestão científica do ensino e o currículo. Nos EUA sob a influência de Johann Friedrich Herbart (1776-1841) assistiu-se a partir de meados do século XIX à emergência de uma nova área pedagógica relacionada com a organização do ensino, ligada a um objeto específico de estudo e investigação: o currículo. “pai da pedagogia científica”. ohn Dewey (1859 – 1952): “The absolute curriculum” (1900) “The curriculum in elementary education” (1901) “The child and the curriculum” (1902) Franklin Bobbitt (1876 – 1956): “The Curriculum” (1918) “How to make a curriculum” (1924) Franklin Bobbitt: As suas obras estabeleceram-se como grandes marcos para a definição de uma nova área diretamente relacionada com o ensino e a sua gestão científica tendo em vista alcançar objetivos claros, observáveis e mensuráveis, de acordo com um desenho curricular bem ordenado e sequencial. Ralph Tyler (1902-1994): “Basic principles of curriculum and teaching” (1949) Questões básicas centradas sobre o processo de construção curricular: 1. Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? 2. Que experiências educacionais podem ser proporcionadas para que seja possível atingir esses objetivos? 3. Como organizar eficientemente essas experiências educacionais? 4. Como poderemos ter a certeza de que esses objetivos estão a ser alcançados? Hilda Taba (1902–1967): “Curriculum Development – Theory and Practice” (1962) Utilizou o mesmo tipo de abordagem técnica. Sete etapas para a construção do currículo: 1. Diagnóstico das necessidades. 2. Formulação dos objetivos. 3. Seleção dos conteúdos. 4. Organização dos conteúdos. 5. Seleção das experiências da aprendizagem. 6. Organização das experiências da aprendizagem. 7. Determinação do que deve ser avaliado e dos processos e meios para o fazer O professor enquanto técnico de ensino Estamos perante o chamado “Rationale Tyler” Teoria linear e prescritiva de instrução, assente numa definição clara de objetivos em termos de comportamento observável, de forma a facilitar uma avaliação objetiva dos resultados. Era, SUPOSTAMENTE, a melhor via para fazer face à liderança simbolicamente conquistada pela União Soviética (1957) com o lançamento do primeiro “Sputnik”. “Rationale Tyler” concepção behaviorista de currículo. Fase do aparecimento das Taxonomias de Benjamin Bloom (1913 – 1999) e da vulgarização da Pedagogia por Objetivos. Estávamos perante a ilusão de uma teoria curricular meramente tecnicista e administrativa. As habilidades no domínio cognitivo tratam de conhecimento, compreensão e o pensar sobre um problema ou fato. Conhecimento: memorização de fatos específicos,de padrões de procedimento e de conceitos. Compreensão: imprime significado, traduz, interpreta problemas, instruções, e os extrapola. Aplicação: utiliza o aprendizado em novas situações. Análise: de elementos, de relações e de princípios de organização Síntese: estabelece padrões Avaliação: julga com base em evidência interna ou em critérios externos Na hierarquia de Bloom, o domínio afetivo trata de reações de ordem afetiva e de empatia. É dividido em cinco níveis: Recepção: Percepção, Disposição para receber e Atenção seletiva Resposta: participação ativa, Disposição para responder e Satisfação em responder Valorização: Aceitação, Preferência e Compromisso (com aquilo que valoriza) Organização: Conceituação de valor e Organização de um sistema de valores Internalização de valores: comportamento dirigido por grupo de valores, comportamento consistente, previsível e característico O domínio psicomotor, na hierarquia de Bloom, trata de habilidades relacionadas com manipular ferramentas ou objetos. Bloom não criou itens para esse domínio; outros autores fizeram propostas. Um exemplo é: Percepção: Resposta conduzida: Automatismos: Respostas complexas: Adaptação: Organização: O professor seria um mero técnico de instrução cujo papel seria o de traduzir objetivos gerais, determinar algumas partes do conteúdo em objetivos comportamentais (mensuráveis) a aplicar dentro da sala de aula. Não lhe cabia a si questionar sobre o que era suposto ensinar. Um olhar compassado, ritmado, sobre a “pedagogia” [Teoria] Tradicional... Um olhar crítico sobre o currículo A essência do currículo: o professor como mais do que um técnico de ensino As Teorias Críticas centradas na escola abordam o currículo como resultado de determinada seleção feita por quem detém o poder. O fato de selecionar, de entre um universo amplo, aqueles conhecimentos que constituirão o currículo é, por si só, uma operação de poder! Para Tomaz Tadeu da Silva: As Teorias Tradicionais eram teorias de aceitação, ajuste e adaptação. As Teorias Críticas são teorias de desconfiança, questionamento e transformação radical. A ideologia e os “aparelhos ideológicos do Estado” Louis Althusser (19181990): “Idéologie et appareils idéologiques d’Etat” (1970). Analisa a relação entre cultura e economia. Procura demonstrar que a Ideologia é bem mais forte do que o próprio poder material de base econômica, na manutenção do “status quo”. A Ideologia tem costumes, rituais, comportamentos-padrão, modos de pensamento que o Estado utiliza para a manutenção do poder, por parte das classes dominantes. O controlo é exercido por: Forças repressivas, ou seja, Aparelhos Repressivos do Estado: tribunais, polícia, prisões, forças armadas, etc.. Aparelhos Ideológicos do Estado: a escola, os partidos políticos, a igreja, a família, a comunicação social, etc.. A reprodução social por via da escola Pierre Bourdieu (1930 – 2002) e Jean- Claude Passeron (1930 - ...) – estudam (também) o papel desempenhado pela escola na manutenção do “status quo”, centrando atenção na cultura que ela veicula. “Les Héritiers, les étudiants et la culture” (1964). Concluem, por exemplo, que a universidade francesa acolhia predominantemente os herdeiros dos privilégios sociais. Herança cultural / capital cultural meio familiar. “La réproduction. Éléments pour une théorie du système d’enseignement” (1970). Procuram demonstrar: a relação entre sucesso escolar e situações sociais privilegiadas. A relação entre o fracasso escolar e situações sociais desfavorecidas. Concluem que a escola confirma e reforça a cultura de classes privilegiadas, dissimulando a seleção social sob as aparências duma pretensa objetividade técnica Capital cultural e violência simbólica A escola apesar de proclamar a sua função de instrumento democrático de mobilidade social, acaba por ter a função, talvez inconsciente, de legitimar e, em certa medida, perpetuar as desigualdades de oportunidades dos alunos. Segundo os autores: “all pedagogic action is, objectively, symbolic violence insofar as it is the imposition of a cultural arbitrary by an arbitrary power”.("Toda ação pedagógica é, objetivamente, a violência simbólica na medida em que é a imposição de um arbitrário cultural por um poder arbitrário ".) Papéis de submissão e dominação veiculados pela Escola Christian Baudelot (1938 - ...) e Roger Establet (1938 - ...): “L’école capitalist en France” (1971). Consideram que a escola capitalista tem a função de reproduzir as relações sociais de classes da sociedade capitalista. Samuel Bowles (1939 - ...) e Herbert Gintis (1939 - ...): “Schooling in capitalist America” (1976). Para estes autores o sexo, a idade, a raça e a “personalidade” ligada à classe social têm, no seu conjunto, mais força do que os conhecimentos fornecidos pelas escolas. Destacam as relações sociais no interior da escola como produtoras de atitudes. (lideranças e climas escolares mais abertos ou fechados). A educação problematizadora na libertação do oprimido Paulo Freire (1921 – 1997) encara a educação em geral mais como um processo político do que pedagógico. “Pedagogy of the Oppressed” (1971). A educação é uma ação cultural que tem a ver com o processo de conscientização crítica. É problematizadora e não bancária (transmissão em massa). A vocação ontológica do Homem é ser um Sujeito que age sobre o mundo, podendo transformálo. Para Moacir Gadotti, Freire definia o Homem como: - Um ser Curioso (por isso há que ler o mundo; Tematização - Problematização) - Um ser inacabado, precisa do outro. 3. Um sujeito que nasceu como um ser conectivo, compartilha com o outro o mundo; um mundo em transformação. Dois traços da personalidade de Paulo Freire: Primeiro: “(...) a generosidade do menino aberto ao mundo; (...) a alegria de querer conhecer o outro”. Segundo: “a conectividade (...) uma qualidade do adulto.” A educação enquanto formação humano é um esforço indiscutivelmente ético e estético. A educação busca a decência do ser! Currículo como responsável pelas desigualdades sociais Anos 70 – Inglaterra: Movimento: “Nova Sociologia da Educação” (NSE), liderado por Michael Young. Publica “Knowledge and Control: New directions in the Sociology of Education” (1971). Põe em causa a abordagem sociológica até então desenvolvida, que procurava encontrar as razões do insucesso escolar na cultura, na linguagem e no ambiente familiar. A NSE vira o seu foco de atenção para o próprio currículo, responsabilizando-o pela produção das desigualdades sociais. Procura estudar os motivos por que determinados saberes são selecionados e os processos por que estes passam até se escolarizarem. A sociologia do currículo estudaria: As relações de poder entre as diversas disciplinas e áreas de saber: Porquê umas teriam mais prestígio do que outras? Porquê umas teriam uma maior carga horária do que outras? Porquê umas seriam objeto de avaliação formal e não outras? Que interesses de classe, profissionais e institucionais, estariam envolvidos nesse jogo de poder? . Reconceptualização curricular I Conferência sobre o Currículo – Universidade de Rochester em Nova York (1973) Resultou o livro organizado por William Pinar: “Curriculum Studies: The Reconceptualization” Põe em causa o entendimento do currículo como atividade meramente técnica e administrativa do ensino. Destacam-se daqui, dois autores que se centraram na vertente política do currículo e conhecimento escolar: Michael Apple e Henry Giroux. O que é o conhecimento legítimo? Michael Apple (1942 - ...): o mundo dentro e fora da educação não é apenas um texto! “Ideology and Curriculum” (1979). “Education and Power” (1985). “Democratic Schools” (1995). “Cultural Politics and Education” (1996). São alguns dos livros de onde se pode extrair a sua preocupação por uma educação mais justa e democrática! Michael Apple. A crítica: Opunha-se à perspectiva neoliberal característica da sociedade norteamericana, que, a leva a pensar o mundo como um vasto supermercado, reduzindo a democracia à escolha livre do consumidor. Alerta para o fato de que a seleção que constitui o currículo é o resultado de um processo que reflete os interesses particulares das classes e dos grupos dominantes. Contudo, como se dá uma luta em torno dos valores, símbolos, significados e propósitos sociais, o campo social não é feito só de domínio e subordinação, mas também de resistência e oposição. Currículo e Multiculturalismo Henry Giroux (1943 -) desde cedo se preocupou com a questão da diversidade étnica , linguística, economica e cultural, que cada vez mais se impõe nas escolas públicas hodiernas. A crítica: Diz-nos que o conhecimento é quase exclusivamente desenhado a partir de um modelo europeu de cultura e de civilização, espartilhado em áreas autonomas e especializadas. Os estudos culturais alertam os professores para as questões do multiculturalismo, da raça, da identidade, do poder, do conhecimento, da ética e do trabalho, levando- os a repensar os fins últimos da escolarização. Os trabalhos de Giroux vão no sentido de conscientizar os professores para a necessidade de encarar os seus alunos como portadores de diversas memórias sociais que também são legítimas, com direito a se exprimirem e representarem na busca de aprendizagem e autodeterminação. O currículo já não pode ser lido como aquela área simplesmente técnica, ateórica e apolítica. O currículo do ponto de vista das teorias críticas é um artefato político que interage com a ideologia, a estrutura social, a cultura e o poder. Passamos de um currículo técnico, asséptico, fechado, descontextualizado, para um currículo que toma consciência crítica do seu território enquanto subsistema de um sistema mais amplo onde jogam múltiplas pressões de natureza política, economica, social e cultural. A função da política educativa é definir prioridades e traçar eixos, apoiando-se sobre valores sociais, morais e políticos mais ou menos organizados numa filosofia da educação. Uma política educativa não nasce do acaso; ela é resultado de múltiplas influências provenientes dos sistemas sociais que agem sobre o sistema educativo. Mas, esses mesmos sistemas sociais, estão sob a influência do contexto filosófico, ético, religioso e histórico, do quadro geográfico e físico, assim como do contexto sociocultural. O seu lugar… A elaboração de um currículo deve começar por uma tomada de posição sobre as questões filosóficas relativas aos fins da educação, e sobre as questões sociológicas relativas ao tipo de sociedade na qual nos encontramos ou queremos promover. O seu lugar… A elaboração de um currículo deve começar por uma tomada de posição sobre as questões filosóficas relativas aos fins da educação, e sobre as questões sociológicas relativas ao tipo de sociedade na qual nos encontramos ou queremos promover. A sua clarificação... É essencial clarificar tanto quanto possível a política educativa de maneira a não trair as intenções: a elaboração dos programas e dos currículo deve efetuar-se segundo uma abordagem que harmonize as intenções expressas na política educativa e os objetivos perseguidos ao nível da aula. Assim... A análise de uma política educativa deve efetuar-se em dois níveis: 1. Ao nível das intenções declaradas em textos e análises de documentos oficiais, de discursos políticos ou de ensaios. 2. Ao nível da realidade que podemos conhecer pela análise das decisões e a observação dos fatos. A política educativa pode ser posta em evidência por um conjunto de indicadores, tais como: a taxa de analfabetismo dos homens e das mulheres; a estrutura da administração da educação; o conteúdo dos programas Pensar sobre a pratica é ter esperança de liberdade, de experiência autêntica, não daquelas que deambulam por egos insuflados!