Carla Bronzo – Escola de Governo Fundação João Pinheiro 3º Transmissão on line da Comissão Nacional de Psicologia na Assistência Social Brasília – Conselho Federal de Psicologia Julho 2015 Enfoque da vulnerabilidade e riscos Não existe um único conceito de vulnerabilidade: vários enfoques (asset-based approaches; livelihood approach; asset vulnerability framework) De forma geral, essa abordagem enfatiza processos e eventos de riscos e se baseia na ideia de que todas as pessoas estão sujeitas a riscos diversos, sejam esses naturais ou provocados pelos seres humanos. Riscos: riscos naturais, riscos de saúde, riscos ligados ao ciclo de vida, riscos sociais, riscos econômicos, riscos ambientais, riscos políticos. Elementos do enfoque vulnerabilidade Ideia de riscos: os eventos de riscos, a resposta a eles e os resultados em termos de bem estar Ideia de processo/trajetória: caráter dinâmico Ativos: recursos de natureza tangível (capital humano, capital físico e financeiro) e menos tangível (capital social, relações familiares, aspectos de natureza psicosocial) Estratégia de resposta: uso dos ativos. Manejos de ativos Estrutura de oportunidades: conjunto de leis, instituições, políticas públicas. Dimensão contexto, macro. Nível micro Ativos materiais e não materiais Estratégia de resposta Nível macro Estrutura de oportunidades recursos financeiros, físicos, ligados ao capital humano (educação e saúde), relacionais, psicossociais Uso dos ativos: Interação entre os diversos tipos de ativos: diferentes estratégias e multiplicidade de resultados possíveis (ex: não pobreza e trabalho infantil; relações familiares e impacto nos ativos econômicos etc). Território e infra estrutura social O termo em latim (vulnerare) significa ferir e com esse sentido tem-se algo que singulariza a perspectiva da vulnerabilidade em relação a outros enfoques ou concepções sobre pobreza. Ela aponta para uma condição de insegurança e riscos e, no âmbito da pobreza, remete a processos de sofrimento que tal condição de incerteza provoca, para além das privações monetárias ou materiais em si. Vulnerabilidade geralmente envolve, além da precariedade da renda por um longo período de tempo, necessidades insatisfeitas em múltiplos âmbitos (escolaridade, alimentação, saúde, moradia, trabalho, transporte, etc.), relações sociais fragilizadas, baixa capacidade de mobilização de ativos e aspectos psicossociais negativos. Envolve a dupla dimensão da pobreza: privações materiais e privações de ordem subjetiva Multidimensionalidade, heterogeneidade da pobreza. Implica pensar políticas de prevenção, mitigação e enfrentamento (ex-ante e ex post) Infraestrutura Qualificação Profissional Trabalho Renda: Parâmetro nutricional Dimensões objetivas interrelacionadas Saneamento Transporte Saude Moradia Educação Dimensões psicosociais: valores, crencas, comportamentos. Dimensões subjetivas: Aspectos sociais e psico sociais Sociabilidade (politica e capital social) Ativos materiais e ativos menos tangíveis Dupla dimensão da pobreza: fenômeno que agrega dimensões materiais e não materiais Privações objetivas: múltiplas, que se sobrepõem e interagem de forma perversa (círculos viciosos). Pobreza como insuficiência de acesso a ativos materiais e humanos Privações subjetivas: recursos emocionais e aspectos de natureza psicossocial (valores, comportamentos, atitudes). A fronteira entre o individual (singular, da ordem do sujeito) e o social. Frequentemente os pobres são vistos pelos setores não pobres (técnicos e profissionais do setor público, representantes de organizações não-governamentais, agentes do mercado e da sociedade civil) como aqueles “que não sabem”, “que não têm”. Muitas vezes são nessas relações que frequentemente se reforçam atitudes psicossociais negativas (atitudes e comportamentos de apatia, passividade, resignação, baixa auto-estima, baixo protagonismo, baixa autonomia, desesperança, subordinação/subalternidade, fatalismo, dependência.....) Dimensões subjetivas Autonomia Capacidades Empoderamento Resiliência ….. Empoderamento/empowerment como fundamento de um modelo de ação ou como conteúdo central das políticas de proteção. Uma definição mais ou menos consensual: Envolve maior controle externo sobre recursos diversos e também no âmbito das crenças, valores e atitudes (capacidade de auto-expressão e auto-afirmação). Autonomia moral e individual: percepção de si como sujeito capaz de escolhas livres. A base material constitui uma base real para o desenvolvimento de capacidades e, portanto, de autonomia. E também como base para a promoção da liberdade real. Autonomia, no sentido de Amartya Sen, envolve capacidade de ampliar, para o individuo, o leque de opções entre as quais escolher seu plano de vida. A existência e o alcance da autonomia é condicionado pelas oportunidades e condições de acesso reais (e não meramente formais) por parte da população mais pobre aos bens e serviços sociais. As causas sociais do sofrimento (Barrington Moore), causas não naturais, mas que resultam da ação humana, enfatizando com isso o caráter social do sofrimento e o seu lado subjetivo: sofrimento psíquico, vivido como algo íntimo, pessoal, e que faz com que o caráter social se perca e se atribua a si mesmo a responsabilidade por ele. Vergonha, humilhação, perda de auto respeito. Tentativas vêm sendo feitas para mensurar as “dimensões faltantes da pobreza”, que envolvem a possibilidade de viver sem sentir vergonha, o bem estar psicológico e subjetivo, empoderamento/”potenciação” (OPHI, 2008). Resiliência: capacidade dos indivíduos enfrentarem situações adversas ou traumáticas, viverem situações limite e conseguirem seguir adiante. A pobreza é uma situação de violência que provoca stress permanente: “una persona puede ser considerada resiliente solamente si es capaz de sobrevivir”. A resiliência não opera em todos os âmbitos da vida da pessoa da mesma forma ou intensidade Resiliência como “estado”. Conjunto de atributos que permitem as pessoas enfrentarem dificuldades e são traduzidas em condutas, atitudes e valores resilientes Vínculo: Paugam (2012) destaca que a base dos vínculos está fundamentada a partir de dois princípios fundamentais: a proteção, que remete a um conjunto de suportes que o indivíduo pode mobilizar frente as vicissitudes da vida (recursos familiares, comunitários, profissionais, sociais, etc.); e o reconhecimento, que tem a ver com a maneira como ele se percebe e como é percebido através dos tipos de interações sociais realizadas e dos tipos de expectativas. (Paugam, 2012) Sposati (2009) salienta que as desproteções estão nas rupturas dos vínculos familiares e comunitários que expressam situações de isolamento, desfiliação, ausência de sentimento de pertencimento, exclusão, inseguranças e fragilidades. Desqualificação social (Paugam): o sentido e o significado que as pessoas conferem à sua situação vivida, tendo como pano de fundo questões relativas à construção da identidade, status e resistência ao estigma, variáveis centrais para compreender o processo de desqualificação social, tendo como foco grupos e indivíduos que gravitam, com intensidade distinta, em torno do sistema francês de proteção social. Os fragilizados (fragilidade), os assistidos (dependência) e os marginalizados (ruptura) Foco: transformações operadas na personalidade durante o processo de assistência Territórios como infra estrutura social. Como geografia, mas sobretudo como redes e comunidade. Os territórios são produtos da interação do meio físico e das dimensões mais intangíveis (valores, identidades, costumes, comportamentos, etc.); espaço no qual a trama das relações cotidianas, seus modos e condições de vida e de moradia, bem como suas configurações urbanas e sociais compõem o cenário e as histórias ali vividas. Territórios (e sua rede de serviços e aspectos da organização social) como pressupostos para materializar a proteção social para indivíduos e famílias (MDS, 2013). A politica de assistência e a subjetividade A política de assistência tem uma dimensão clara de atuação no plano material, na oferta de benefícios e serviços para o público atendido, entre eles, o acesso à rede de serviços, seja da assistência ou de outras políticas ou setores. Entretanto, uma dimensão central do trabalho social consiste em atuar na esfera do intangível, das relações sociais, da sociabilidade, na matéria mesma do tecido social. Vínculos, identidade, pertencimento. A proteção social básica “tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.” (PNAS, p.33). Aquisições e potencialidades.... Desenvolvimento de padrões não violentos de resolução de conflitos Aumento do sentimento de pertença Promoção de proteção mutua Aumento do conhecimento sobre direitos Promoção e fortalecimento de redes de apoio Fortalecimento da função protetiva da família Prevenção da ruptura dos laços familiares Potencialização do protagonismo e autonomia das famílias Promoção do acesso a serviços socioassistenciais e setoriais Fonte: Maia, Priscila. MDS. Oficina de trabalho sobre acompanhamento das famílias em descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família A política produz efeitos no plano das subjetividades? Que efeitos são esses? Como operacionalizá-los e como identificá-los? Por meio de quais mecanismos eles se processam? Qual a intencionalidade que liga meios a fins? Qual a “teoria” da intervenção? Políticas públicas não tem referências para trabalhar a dimensão subjetiva e nem mesmo a relacional. Como alterar aspectos psicossociais? Como fortalecer vínculos? Natureza da política: baixa padronização das tarefas e alta interação entre operadores da política e usuários (Martinez Nogueira). O papel fundamental do “técnico na ponta” (street level bureaucracy) para “traduzir” os ideais e normativas da política. Confiança. Como trabalhar com famílias vulneráveis? Caráter brando das tecnologias de intervenção. Incerteza sobre relação meios e fins. Bases teóricas frágeis, “teoria” ou racionalidade dos programas pouco clara ou desenvolvida (Sulbrandt). Sentimento de frustração, incompetência, baixas expectativas de êxito comum entre famílias e técnicos Como romper com a “coalização de desesperança” (entre profissionais, famílias e serviços)? Alguns desafios para a politica assistencia social Operadores da política como catalisadores do processo de empoderamento? O acesso aos serviços não é garantido e os técnicos muitas vezes não sabem o que precisa ser feito para de fato ajudar a família e seus membros a superarem situações de vulnerabilidades e violações de direitos. É importante distinguir quanto dessa incapacidade de resposta se deve ao funcionamento da rede ou quanto se deve aos limites das próprias famílias (“que não aderem”) e da falta de metodologias de atuação mais consistentes e sistemáticas diante de casos “difíceis”. Desafios da integração intersetorial (integralidade na provisão da proteção) Incapacidade da rede em fornecer uma resposta conjunta, que vá além do estabelecimento de um fluxo de encaminhamento das famílias e adolescentes para serviços setoriais. Situação de privação múltipla e intensa, para além da violação em si. Incapacidade de resposta do poder público. Como avaliar resultados da política, para além das metas de produtos? Como operacionalizar os objetivos pretendidos? Como preservar a dimensão da “escolha”, mas reconhecer “destino”? Como reconhecer a dimensão do sujeito e ao mesmo tempo reconhecer as dimensões sociais que o constituem e definem? “Tecnologias de intervenção”. O que fazer? Como atuar simultaneamente nessas duas dimensões? Qual lugar da subjetividade no trabalho social? Como ela pode ser acessada, transformada? Qual o limite?