RUMO à UDESC 2012/1 Literatura Prof. Karen Neves Olivan [email protected] ERA COLONIAL ERA NACIONAL ERA COLONIAL ERA NACIONAL ROMANTISMO CONTEXTO HISTÓRICO • Guerras napoleônicas (desdobramento Rev. Francesa). • O legado da 1ª Revolução Industrial. • O liberalismo francês. • A vinda da família real portuguesa para o Brasil. • O período Joanino (1808-1821). • A Independência do Brasil (1822). ROMANTISMO CARACTERÍSTICAS • Liberdade de criação e de expressão – a liberdade de pensamento e de criação faz do romântico um opositor natural do Classicismo e do Neoclassicismo (Arcadismo). • Sentimentalismo – supervalorização do amor – o coração é a medida mais exata da existência; o amor é o valor supremo da vida. • Idealização – a fuga da realidade vai se manifestar ora pela criação de um mundo ideal (cenários maravilhosos, exóticos e luxuosos), ora pela morte. Agradar ao público – a literatura romântica reflete o gosto burguês da época, público consumidor-leitor das obras. ROMANTISMO CARACTERÍSTICAS • Forte nacionalismo – valorização do passado histórico, da cor local, orgulho pela pátria (ufanismo). • Culto à natureza – a natureza exótica, exuberante e riquíssima, vista como fonte de inspiração, motivo de orgulho, refúgio onde o poeta busca conforto e identidade, espelho que reflete o estado de alma do artista. A todos esses sentimentos, acrescenta-se a religiosidade, que vê a natureza como expressão da força divina. • Indianismo – o indígena é a figura idealizada do herói nacional, pode ser comparado ao cavaleiro medieval. ROMANTISMO PROSA • Estrutura folhetinesca. POESIA 1ª GERAÇÃO (1836-1850) 2ª GERAÇÃO (1850-1860) 3ª GERAÇÃO (1860-1880) •Fase de implantação e de consolidação do Romantismo. •Geração byroniana ou Ultra-Romantismo. •Geração Condoreira ou Condoreirismo – estilo grandioso, com uma linguagem que visa à grandiloquência. •Maniqueísmo – triunfo do bem e punição do mal, com intenção moralizante. •Inspiração no profetismo de Victor Hugo. •Literatura de cor local, que busca detalhar os costumes da época. •Contempla as produções poéticas dos momentos finais do Romantismo e muito próximas do Realismo. •Comunhão entre a natureza e os sentimentos dos personagens. •Influências de JeanJacques Rousseau (o mito do bom selvagem). •Predomínio do nacionalismo e patriotismo. •Indianismo e culto à natureza. •Forte religiosidade. •Poesia amorosa, idealizante e marcadamente sentimental. •Subjetivismo, egocentrismo, tendendo ao sonho e à fuga da realidade. •Temática emotiva de amor e morte, dúvida e ironia, entusiasmo e tédio. •Forte tendência para o devaneio, o erotismo difuso ou obsessivo, a melancolia, o tédio, o pessimismo e a insatisfação. •Obsessão pela imagem da morte. •O medo de amar, o amor platônico e irrealizado. •É a poesia social e libertária do Romantismo. •O amor platônico perde espaço, que passa a ser ocupado por manifestações sensuais e até eróticas de amor: a mulher se apresenta mais real e palpável. •Personagens lineares (comportamento previsível) – os protagonistas são dotados de todas as virtudes físicas e morais, e os antagonistas são claramente caracterizados como tais. •Obediência à dinâmica do amor: MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS Manoel Antônio de Almeida Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Único romance de Manuel Antônio de Almeida. • Publicado em 1852-53 sob a forma de folhetins. • O título do romance foi escolhido pelo fato de a obra narrar a história de Leonardo Pataca, um vadio que acaba se transformando num sargento de milícias no tempo de D. João VI. • Esta obra contrasta com os romances românticos de sua época e possui traços que anunciam a literatura modernista do século XX, por três razões. • Primeiro, por ter como protagonista o primeiro herói malandro da literatura brasileira, chamado também de antiherói. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Segundo, pelo tipo especial de nacionalismo que a caracteriza, ao documentar traços específicos da sociedade brasileira do tempo do rei D. João VI, com seus costumes, os comportamentos e os tipos sociais de um estrato médio da sociedade, até então ignorado pela literatura. • Terceiro, pelo tom de crônica que dá leveza e aproxima da fala sua linguagem direta, coloquial, irônica e próxima do estilo jornalístico. • O sentido de "Memórias" dá-se ao fato de a obra não se enquadrar em nenhuma das racionalização ideológica da literatura brasileira da época: indianismo, nacionalismo, grandeza, sofrimento, redenção pela dor, pompa do estilo etc. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Essas “Memórias” exprimem a acomodação geral que dissolve os extremos, tira o significado da lei e da ordem, manifesta a penetração recíproca dos grupos e das ideias, das atitudes mais díspares, criando uma espécie de terra-de-ninguém moral, onde a transgressão é apenas um matiz na gama que vem da norma e vai ao crime. • Também chamada de novela de tom humorístico que faz crônica de costumes do Rio Colonial, na época de D. João VI. • O romance reporta-se a uma fase em que se esboçava no país uma estrutura não mais puramente colonial, mas ainda longe do quadro industrial-burguês. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Não há idealização das personagens, mas observação direta e objetiva. Presença de camadas inferiores da população (barbeiros, comadres, parteiras, meirinhos, designados pela ocupação que exercem). • As personagens não são heróis nem vilões, praticam o bem e o mal, impulsionadas pelas necessidades de sobrevivência (a fome, a ascensão social). Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Quanto à estrutura, a novela está dividida em duas partes: a primeira com 23 capítulos e a segunda com 25. • Os episódios são quase autônomos, só ligados pela presença de Leonardo, dando à obra uma estrutura mais de novela que de romance, como já ficou observado. • O leitor acompanha o crescimento do herói com sua infância rica em travessuras, a adolescência com as primeiras ilusões amorosas e aventuras, e o adulto, que, com o senso de responsabilidade, que essa idade exige, vai-se enquadrando na sociedade, o que culmina com o casamento. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Este romance é narrado em terceira pessoa, contudo o cinismo bem-humorado, as sistemáticas interferências nas situações sempre divertidas que relata, as ironias e as brincadeiras envolvendo costumes e personagens da época constituem alguns traços marcantes deste narrador, cujo juízo crítico a respeito do que vai documentando algumas vezes revela-se de forma claramente debochada. • Além disso, esse narrador transita da terceira para a primeira pessoa. Assumindo, assim, uma cumplicidade com o leitor, o que significa um anúncio de procedimentos modernistas, também percebido nas conversas com o leitor e nos comentários jocosos que faz à propósito do que conta. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Leonardo e Maria viajavam de Lisboa rumo ao Rio de Janeiro, no navio se apaixonaram. • Logo após, casaram e tiveram um filho chamado Leonardo, que desde pequeno era manhoso e arteiro. • Com o tempo, Maria trai o marido que, ao descobrir, surra a mulher, que foge com seu amante, o capitão de um navio, para Lisboa. • Leonardo vai embora, abandonando o filho. • Leonardo (filho) ficou então aos cuidados de seu padrinho, um barbeiro “bem arranjado”, que passou a estimar muito o menino. • Planejou fazê-lo padre, iniciou a escrita e a leitura, bem precariamente, e depois o encaminhou à escola. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Por esses tempos a madrinha de Leonardo também apareceu e lhe visitava sempre. • O menino não passava um dia sem apanhar na escola com a palmatória do mestre. • Quando passou a ir sozinho, faltava às aulas e ia para igreja se juntar a Tomás e fazer bagunça. • Imaginando a facilidade que teria em aprontar se viesse a ser coronhinha como o amigo, pediu ao padrinho que lhe fizesse tal, o padrinho aceitou alegremente o interesse pela igreja. Mas logo o menino foi expulso por tanto aprontar. • Já rapaz, levava uma vida de vadio. • Ele e o padrinho passaram a ir à casa de D. Maria, essa tinha uma sobrinha, Luisinha, Leonardo apaixonou-se por ela. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Em meio às suas intenções, apareceu um rival, José Manuel, sua madrinha tomou parte e inventou uma mentira para que o rival de seu afilhado perdesse a estima que tinha. • Nesses tempos, o padrinho morreu e Leonardo foi viver com seu pai que, depois de muito lutar por uma cigana, acabou casado com a filha da comadre. • Ele não se dava muito bem com a madrasta, então, em um dia após visitar D. Maria e não ver Luisinha, se envolveu de novo em uma briga com a madrasta, seu pai tomou parte dela e o ameaçou com uma espada. • Leonardo fugiu para a rua. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Andou muito, encontrou-se com Tomás e mais uns amigos, dentre eles Vidinha, que lhe despertou uma nova paixão. • Foi viver na casa deles, lá viviam duas senhoras irmãs, uma era mãe de três moças e outra, mãe de três rapazes. • Uma das moças era namorada de Tomás e Vidinha era a paixão de dois dos rapazes. Como essa se mostrava mais interessada em Leonardo, os dois primos armaram contra ele. • A armação levou-o preso pelo major Vidigal, homem muito temido. Mas antes que chegasse à cadeia, o rapaz fugiu. • Com o objetivo de evitar motivos para uma nova prisão, a madrinha de Leonardo lhe arrumou um emprego na casa-real, mas o rapaz logo foi despedido por ter se aproximado da mulher de um dos homens do poder da casa. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Ao saber disso, Vidinha foi tomar satisfações. • Leonardo saiu atrás dela para impedir, quando chegaram à porta da casa, na indecisão de entrar ou não, ele acabou sendo levado por Vidigal que o esperava por lá. • Nesses tempos, a mentira da madrinha tinha vindo à tona e José Manuel foi redimido e ganhou a mão de Luisinha em casamento, logo depois mostrou o mau caráter que tinha. • Leonardo foi feito granadeiro do major Vidigal, Vidinha e sua família buscaram muito por ele e, sem encontrar, passaram a odiá-lo por cometer a desfeita de abandonar sem explicação quem o acolhera. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • Em uma noite, Vidigal, armando a prisão de Teotônio, mandou Leonardo até a casa do pai dele, lá estava dando a festa de batizado da filha de tal e Teotônio animava a festa. • Leonardo ficaria no batizado para facilitar a captura, Vidigal e seus homens esperavam na porta. • No entanto, Leonardo se sentiu um traidor e armou com Teotônio sua fuga sem que se comprometesse. • O plano deu certo, mas de tão alegre que ficou acabou por se denunciar. • Vidigal então o prendeu. • Ao saber de tal coisa sua madrinha foi rogar por ele ao major, sem resultado; após uma forte reconciliação com D. Maria, foi as duas pedir a libertação do rapaz, o que não conseguiram. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • As duas senhoras foram atrás da ajuda de Maria-Regalada, a primeira paixão de Vidigal, ela concedeu a ajuda e as três foram implorar pela libertação de Leonardo. • Depois de muito tentar e nada conseguir, Maria-Regalada falou em particular com Vidigal, disse que se libertasse o rapaz iria viver com ele, como ele já lhe pedira muitas vezes. • Com tal proposta, o major cedeu e ainda prometeu uma surpresa. • Durante tais acontecimentos Luisinha ficou viúva, foi no dia do enterro de José Manuel que Leonardo apareceu, tinha sido feito sargento. • Passou a frequentar novamente a casa de D. Maria, seus interesses por Luisinha renasceram e os dela também. Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida • A madrinha e D. Maria estavam mais do que de acordo com o casamento deles, o que impedia era o posto de sargento, que não permitia o casamento. • Pediram então novamente a ajuda de Vidigal, que nesses tempos já vivia com Maria-Regalada. • O homem cedeu com gosto e fez de Leonardo sargento de milícias, ofício que permitia o casamento. • Dado a essas circunstâncias, casou-se com Luisinha. Depois de tais acontecimentos, Leonardo pai e D. Maria faleceram. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • Este 'Ao som do realejo' é um livro de livros interruptos. Livro de limbos e umbrais, de paisagens inéditas que se narram pelo que ocultam. Péricles Prade evoca o realejo esse órgão cíclico e mecânico de música à manivela para indicar, na escuta da sua mito-poética ancestral, o lugar nunca exato onde as causas cessam e não se completam as consequências. E o que escreve, mais do que conto breve, é música de imagem. É o que Valdir Rocha conta, pelas ilustrações, é a imagem-música". Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • ANO DE PUBLICAÇÃO: 2008 • LITERATURA CONTEMPORÂNEA CATARINENSE • ILUSTRAÇÕES – VALDIR ROCHA • POSFÁCIO – ALVARO CARDOSO GOMES • COMENTÁRIOS – DENNIS RADÜNZ • GÊNERO – CONTOS (17 PEQUENAS NARRATIVAS) • TEMAS – DIVERSOS (PROFANOS E ESTRANHOS) • NARRAÇÃO: 1ª E 3ª PESSOAS • PROFANO: QUE NÃO É SAGRADO; NEM RESPEITA AS COISAS SAGRADAS Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado O Realejo Quebrado: • Livro poético que não contém poesia. • Leitura que nem sempre agrada. Quando se termina de ler, pensa-se “não entendi nada”. • O livro consiste em um grupo de contos; alguns com começo, meio e fim que, não obstante, também são breves. Às vezes, alguns contos consistem em uma única frase, além de, não raro, composição simples, porém, com sentidos ocultos. • O autor, Péricles, apresenta mundos distintos, usando intertextualidade liberta e inovadora (o que caracteriza sua escola). Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado O Realejo Quebrado: • Ele tenta cativar o leitor com uso inovador de linguagem, simbolizada pelo antigo instrumento de caixa com manivela, isto é, o realejo. • Péricles é um importante escritor da ACL (Academia Catarinense de Letras), e fez parte em trabalhos importantes da literatura catarinense, como “13 Cascaes”, em que apresenta seu conto “Talvez a primeira e última carta”. • No entanto, em “Ao Som do Realejo”, as histórias se mostram confusas, como se fossem, propositalmente ou não, um realejo quebrado, semelhante ao que lembra a música “Caixa de música quebrada”, de Heitor Villa-Lobos (maestro e pianista que participou da Semana de Arte Moderna). Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado O Realejo Quebrado: • Assim, por apresentar pouco sentido, fica então, pois, difícil de contextualizar. • No entanto, ao final do livro, possui um posfácio de Álvaro Cardoso Gomes, que tenta dar melhor explicação da temática, até então confusa, da maioria dos “microcontos”. • O posfácio, apesar de, por parte, ajudar na contextualização, não apresenta sentido suficiente para agradar o leitor. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 01. NO PAÍS DOS SILVANOS Fui recebido por todos com evidente indelicadeza. A explicação de que me apaixonara não foi o suficiente. Silvana seria, apenas, o nome de uma mulher? Não me recordo bem como parei nesse lugar. Parece que, no fim da primavera( ou era no começo?), quando abandonei meu sexto filho, fascinou – me o som de uma música profana. Segui a melodia até a beira do rio, tendo na ocasião, me impressionado com o curso natural de uma folha amarela. Sobre a folha, coloquei o pé esquerdo. Ele diminuiu, ela cresceu. Os reflexos das águas quase me cegaram e o verde da paisagem, que me cobria os olhos, soluçava a ponto de fazer as minhas mãos e as do balseiro tremerem. A sensação era a de que navegávamos. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 02. RELAÇÕES Ao me dirigir ao urinol, aquele que tem por dentro desenhos eróticos portugueses do século XVI, senti algo diferente: uma vontade irresistível de falar o que me passava pela cabeça, mas, o que passava pela cabeça, era para ser guardado, e não para ser revelado. Por isso, calei. Hoje, às sete horas (o horário, aqui, não tem a mínima importância), quando pela segunda vez fui urinar, aquela sensação voltou com maior intensidade. Estou convencido: entre os meus pensamentos e o urinol, há uma relação oculta muito especial. Assim deduzi, após fazer várias experiências, e porque, reconheço, longe dele penso em sexo com intolerável freqüência. Que poder, afinal, Ele tem para me atrair tanto, fazendo-me dependente de sua força inatingível? Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 03. CERTEZA O furto da coxa não será descoberto. Fiz tudo direito. O complicado é levá-la de um lado para o outro, escondida na porta traseira do carro. Se ficar assustada, à noite a deixarei sob a cama. Tenho apenas uma certeza: o dia está chuvoso e, por este motivo, ela não gosta do frio. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 04. O MÁGICO Quando o olho da moça começou a sangrar, Arphas não teve mais dúvidas: - Mataram a filha Dele, a que habita as pupilas azuis. Anatharis pretendeu explicar a origem do sangue de uma forma simples e humana, mas o mágico, com a fortuna da idade a situar-lhe os caminhos, disse que se calasse. Calou-se. O remorso, fruto íntimo da delicadeza, fez dele um ser inacessível. Olhou para os lados, inibido, e perguntou, quase num tom de súplica, se a jovem gostaria de ouvir algo o verdadeiro. Anatharis consentiu com a cabeça, e o mágico, fechando os olhos, sem derramar uma lágrima, falou sobre a morte da filha Dele, a que habita as pupilas azuis. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 05. ESTRELAS CADENTES Antônio Farluz, marinheiro de origem duvidosa, comanda a discussão no bar pleno de prostitutas. O debate se resume ao verdadeiro conceito do orgasmo. Leda, a mais bela, com o pescoço do cisne entre as pernas, tenta, dançando, provocar os presentes sobre a mesa de mármore. Todos, a ela indiferentes, voltam a atenção às palavras do estrangeiro sedutor: - O orgasmo - disse - é como um ninho de estrelas cadentes. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 06. EXPLICAÇÃO Costuraram a vagina com fios invisíveis. Esta, pelo menos, foi a explicação dada ao amante, naquela noite de verão, quando se recusou a amamentá-lo. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 07. O PROVADOR DE VENENOS A profissão me agrada. No entanto, a palidez do rosto de meus companheiros interfere no comportamento da cobra. Confirmam os vizinhos que, pela manhã, eles trazem água de cocô embrulhada em papel celofane. A água é para ela, cujo veneno é extraído pelo lavador Osíris, um branco vaidoso, que, nas horas vagas, engraxa as botas de seu patrão mulato. A atitude, sei muito bem, não é a de uma cobra normal. Digo isso sem constrangimento, pois, não é novidade para ninguém, que ela se locomove, sempre em pé, ficando nessa posição o tempo todo, inclusive na hora das refeições, parecendo bengala de metal. A tudo assisto, na sala apropriada para essa espécie de trabalho. Girando sobre o pé esquerdo, o mais idoso joga o frasco veneno para mim, repetindo o que diz todo santo dia: — Prove-o! O gosto é bem diferente daquele que até então eu provara, mas não houve necessidade de prestar novas informações aos membros da Sociedade. A serpente, triste, tomou a iniciativa, comportando-se como um S maiúsculo e submisso que sabe o caminho da condenação. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 08. O VALE DOS PÉS Não quero levar a sério as palavras dele em nosso ultimo encontro. Confesso que fiquei desorientado. Melhor pensando, sinto que elas são verdadeiras. Diria que, no fundo de seu coração enfermo, o Eremita não entendia pronunciá-las. Por isso, fiquei chocado, ao tomar conhecimento, assistindo ao último programa noturno na televisão, de que muitas pessoas foram encontradas, perto do bosque, os pés talvez cortados por afiadíssimo machado. E foram 666 os recolhidos nessas condições. Soube, ontem à noite, quando o rádio engasgou de espanto. O velho me convidou para ir ao Vale, mas o que fazer, agora, com estas pernas enormes balançando, sem poder requer dar um passo? Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 09. RABO DE OURO Quando se referiam à sua avó como Rabo de Ouro, ficava muito, muito aborrecido, considerando insulto o apelido. Entretanto, quando precisou pagar uma dívida, ao pedir ajuda dela não estranhou o fato de as moedinhas serem cagadas sem muito esforço na palma da mão. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 10. ALUSÃO A UM PECADO CAPITAL Reli no domingo, com renovado prazer, o último dos livros de Alice Carroll Dodgson. Pude relê-lo apenas até a página 57, exatamente no trecho em que a Lagarta, ao tirar o narguilé da boca, bocejou e espreguiçou-se, observando que um lado do cogumelo a faria crescer e o outro diminuir. A releitura foi impossível, após aquela página, porque as de números 65, 67 e 68 desapareceram. Como já havia lido a obra, há muitos anos, não me preocupei com o fato, imaginando que os cupins haviam comido algumas folhas para matar a fome. Logo adiante, na página 69, quando o gato de Cheshire, ou melhor, o seu sorriso, foi apresentado pela Duquesa, verifiquei que a frase terminava nas palavras "disse a du", e, depois, nada mais havia para ler. Irritado, descobri que a própria folha 157 (o número é da próxima edição), por ser a última da história, resolveu comer as demais, aos poucos, engolindo-as sem seqüência para ninguém desconfiar. De nada adiantou a cautela. A folha 157 não sabia que, além de leitor costumaz, também sou fascinado pelo pecado da gula, conhecendo, portanto, o secreto mapa de suas artimanhas. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 11. RIO D'ORO (1441) Não foi Henrique, o navegador, príncipe de Portugal, quem me autorizou o tráfico de escravas. A verdade é que sempre tive fascínio pela escravidão. No período em que Rio D'Oro ainda era colônia espanhola, uma negra retinta, chamada Mãe Joana, foi engravidada por um espírito que não era santo. Um dia, surpreendendo até os mais íntimos, vomitou fios de ouro numa bacia, enrolando-os, para, depois, formar novelo de brilhante consistência. Tomei conhecimento, mais tarde, de que o próprio Henrique, o navegador, príncipe de Portugal, manejava ágil maquininha no útero dela, como se fosse fiandeiro servil, para espantar vício típico da terceira estação do ano. Comentário – o útero da negra foi usado por Henrique como se fosse à casa da mãe Joana. Álvaro no comentário final do livro destaca que "Mãe Joana" é uma alusão ao clichê "Casa da Mãe Joana", ironicamente desvirtuado pelo narrador do texto. Segundo Álvaro é uma crítica ao colonialismo português: a África foi a "Casa de Mãe Joana" para Portugal, como o útero da negra, para Henrique, o navegador. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 12. PERPLEXIDADE Não é mesmo que cresceu o cabelo na palma da mão. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 13. ARCO DE FLECHAS INVISÍVEIS Passou pelo óleo de cheiro repugnante na corda do arco do filho, três vezes, conduzindo-o depois até a clareira, não permitindo que ele olhasse para trás. Na boca da noite, a profecia do feiticeiro se realizou. Das árvores da floresta mais próxima caíram milhares serpentes venenosas, que, atraídas por uma força superior, se precipitaram em direção da tribo. A marcha lenta foi sentida apenas pelos que encostaram os no chão. Prepararam-se todos para a morte, abraçados, quando, de repente, surgiu o pequeno índio expulso, empunhando um arco de flechas invisíveis. Segurou com carinho a mão de sua mãe, postando-se bem no meio da aldeia, em silêncio. Depois, começou a andar em círculos, cada vez mais rápido, atirando com nos alvos moventes. Na manhã seguinte, em covas cavadas pelos anciãos, foram sepultadas as últimas serpentes. Os conselheiros, que haviam rejeitado o menino, procuraram-no durante o dia, mas em vão. Sua mãe, sempre que alguém se refere ao fato, limita – se a olhar para o alto, sorrindo. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 14. COMO UM BALÃO Tenho dificuldade de atender ao desejo de meu vizinho, apesar de o aparelho mecânico ser produto importado. Peço colaboração ao enchedor de pneus, no Posto ao lado. Ele é ainda menos experiente do que eu, mas sua da é fundamental. A barriga, inchada como um balão, conduz o seu corpo sobre as árvores do quintal, dirigindo-se ao norte. Que bom! Vendo-o bem longe, eu poderei, em paz, pescar bonitas carpas na lagoinha cinzenta. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 15. RESSENTIMENTO A máquina do tempo passou jogou sobre o tapete as nádegas carentes de Cleópatra. Suportei a raiva em silêncio, como se isso ocorresse pela primeira vez. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado 16. PRESO NA GARGANTA No último sábado, vislumbrei alguém debaixo da ponte, quando fui caçar com meu tio. Tão logo ele saiu, à procura de um sítio melhor para a caça, após deixar-me sentado no banco romeno trazido de casa, a pessoa que de longe eu vi se aproximou, e disse com voz amiga: - Por que vieste até aqui, se existem outros lugares número maior de animais? Não tive tempo de responder. Antes que eu pronunciasse uma palavra, continuou: - Sei que querias me visitar. Que interesse eu poderia ter num mendigo? Ensaiava a resposta, mas ele voltou a falar: Nunca me visitaram. Estou aqui há vários séculos. Saio, vez ou outra, retornando sempre no mesmo horário, Certo de cumprir uma missão. Enquanto ele falava, percebi que os seus olhos eram diferentes dos nossos. O olho esquerdo era amarelo e opaco; o olho direito, vermelho e fosforescente. Fixei-os com redobrada atenção e notei que as cores se entrecruzavam. Continuei a ouvi-lo. — Estou feliz, e gostaria de compensar tamanha bondade. O que de mais precioso tenho são os olhos. Foram doados por pequenas criaturas xifópagas, cujas cabeças pareciam de vidro, após descerem de uma nave luminosa e sonora. Eu era cego de nascença. Com o dedo polegar, retirou os dois olhos, sem dificuldade, depositando-os sobre as minhas mãos indecisas. Quis agradecer. O agradecimento ficou preso na garganta, porque, em seguida, foi alçado do chão às estrelas, como pandorga de papel reluzente. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado Análise • As narrativas levam a interpretações enigmáticas de símbolos que remetem a outros símbolos, numa serie aberta e interminável. • Nos textos mais longos observa-se uma sequência linear com começo, meio e fim. Nos mais curtos, o conjunto de palavras constitui um flash, um insight. • Algumas narrativas como “La vulva de la calle” são montadas de bolsões imagéticos, atmosferas analógicas. Evita Perón, a musa argentina popular e profana, evoca figuras clássicas como Hamlet, Virgílio, Cícero, Tadzio, Thomas Mann.a relação deste seres díspares é contrastante: as lembranças intelectuais do narrador opõem (atraem-se) ao mito popular. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • Oposição e contraste entre as narrativas curtas e longas, a sequencial e não-sequencial. Aquelas no terreno do mito de caráter ritualístico e estas, no terreno poético. • Nos sequenciais há o caminho cronológico, com uma lição de moral como o “Arco de flechas invisíveis”. Nos não-sequenciais.a situação é fechada em si mesma (Rabo de Ouro) ou insólita –não habitual, incomum (Perplexidade). • A pluralidade de discursos confunde-se com a pluralidade das músicas libertas pelo realejo-livro. • Essas narrativas vagas, fluidas e não-lógicas são como verdadeiras símiles (semelhantes, compara coisas dessemelhantes) de melodias. As palavras são poéticas – analógicas e simbólicas. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • As histórias não têm um sentido direto e literal – são poéticas. Esta poeticidade identifica as narrativas às musiquinhas, perdendo seu caráter objetivo. • O autor implícito é um símile do tocador de realejo que oferece junto à melodia, um enigma. • “Ao som do realejo” é um livro fechado que exige um leitor mágico no exercício da decifração. • O narrador – Narciso acaba se identificando ao leitor – Eco. (Bachelard – Eco é Narciso. A sua voz, o seu rosto.) • “Alusão a um pecado capital” reflete a estrutura circular da coletânea: o livro se devora antrofagicamente, para evitar ser devorado pelo leitor. O narrador devora o leitor com as cifras indecifráveis para não ser devorado ou se transforma num leitor virtual autocontemplando-se no espelho do texto. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • A circularidade, a cifra indecifrável, o símbolo que se abre labirinticamente a outros símbolos, sugere-nos a maldição de Onan. Deus fez o homem para seu prazer e gozo solitário. Analogicamente o artista se entrega ao vicio narcisista da autocontemplação. • A recusa da comunicação equivale à contenção fecal / lingüística em “Relações”, e aos desvirtuamentos dos órgãos sexuais em “Explicação”, e ao desvirtuamento dos clichês em “Rio d’Oro (1441)” – Mãe Joana remete ao sintagma do clichê “casa da mãe Joana” que, ironicamente desvirtuado, comenta de modo crítico o colonialismo português: a África foi a “Casa de Mãe Joana” para Portugal assim como o útero da negra, para Henrique, o navegador. • O onanista reserva-se o prazer solitário em “Estrelas Cadentes”. Péricles confronta a palavra-mentira ( mero instrumento) com a palavra-verdade ( a palavra poética). Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • A livre associação de imagens impede a leitura horizontal dos textos como o “S”, o signo da aprovação e da morte do pobre provador em “O provador de venenos”. • Em “O vale dos pés”, apesar de sofrer na carne a amputação dos pés, o narrador-personagem não acredita nas notícias, pois a palavra é um mero instrumento, despida de poeticidade. • Em “Explicação” um enigma (o amante amamenta-se na amante) vale-se de outro (a vagina costurada). • Em “O mágico” interpreta-se onanisticamente o símbolo para o símbolo. • Em “Ressentimento” o herói recebe apenas as nádegas de Cleópatra, parte de um todo. Um presente insólito do insólito. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • Vivendo num mundo onanista, as personagens experimentam a solidão. • Viver não supõe a integração do outro. • Como em “Arco de flechas invisíveis” o indiozinho expulso da tribo salva os índios do flagelo, mas é condenado a viver solitário ou ascender ao céu, como sugere o olhar enigmático de sua mãe. • “Como um balão” não transgride o real, constitui apenas um modo de o narrador desfrutar sozinho das carpas da “lagoinha cinzenta”. • A sexualidade evidencia a solidão do herói. As personagens fixamse de modo fetichista (obsessão – fetiche: objeto a que se presta culto) por partes do corpo da mulher – coxas, vulva, nádegas, perna – e não por sua totalidade. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • Cleópatra é uma recuperada através da máquina do tempo em “Ressentimento”. • Em “Certeza” o herói rapta uma coxa que ficará escondida para sempre. • Em “Explicação” o amante não pode mamar porque a vagina está costurada. • Em “La vulva de La calle” (a vulva da rua), Evita é uma mulher vulgar que ascendeu ao plano dos imortais. Inacessível ao amante culto e fino, que a vê tão perto do polvo (povo) e nas mãos populares de um Gardel. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • O amante é obstinado pelas pernas e pela vulva de Evita. É um “voyeur” (excita-se sexualmente pela observação). • O seu voo solitário pela Dinamarca, Califórnia, Veneza, interfere no devaneio do sonhador, pela intervenção de figuras eruditas (en passant – Hamlet – Fellini; Tadzio de Thomas Mann; Virgílio e Cícero). • Na visão onanista da obra, o homem moderno perdeu a totalidade. Habita uma “floresta de símbolos” baudelairiana (Charles-Pierre Baudelaire foi um poeta e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do Simbolismo: a linguagem é inacessível, desdobrando-se em outros onanistas, à semelhança do demônio de Goethe (Johann Wolfgang von Goethe foi um escritor do Romantismo europeu e, juntamente com Friedrich Schiller foi um dos líderes do movimento literário romântico alemão: não era divino, pois parecia despojado de razão; não era humano, pois lhe faltava o entendimento (...) parecia se comprazer no impossível e rejeitar o possível com desprezo. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado • Essa obsessão sinedóquica (partes em um Todo) contamina o próprio herói em “O vale dos pés”: o pobre homem tem pernas, mas não tem pés. • A perda da totalidade e essa visão fragmentária do mundo mostram que o homem, fechado em si, desaprendeu a veras coisas organicamente. • Duas narrativas, porém, ilustram um anseio de totalidade: - “Preso na garganta”retoma o mito de Cristo – a oferta dos olhos faz-se desinteressadamente por amor. A comunhão com o outro e a ascese (prática de devoção e meditação religiosa) final são simulacros (imagem, visão sem realidade) de uma totalidade. (ascese: aspiração às mais altas virtudes; devoto do ascetismo - moral baseada no desprezo do corpo e suas sensações, e que tende a assegurar, pelos sofrimentos físicos, o triunfo do espírito sobre os instintos e as paixões.) Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado - “No país dos silvanos” – é a comunhão do homem e a natureza. Silvana é amada e desejada. O narrador-personagem abandona tudo em prol de sua viagem iniciática. Arrebatado por uma “música profana” segue a melodia até à beira do rio. Diminui de tamanho, sobe numa folha que o leva, navegando nas águas sinestesicamente (sinestesia: Produção de duas ou mais sensações sob a influência de uma só impressão. Figura de estilo que combina percepções de natureza sensorial distinta (ex.: sorriso amargo). • O jovem é tomado por sensações inusitadas, como a de ouvir o verde soluçar. Integra-se à natureza, sofrendo com as alterações dos sentidos. (Silvana – Silvano – tem raiz latina = silva = selva, floresta.) A amada do personagem acaba por se constituir numa sinédoque emblemática da Natureza. Ao som do realejo: narrativas profanas Péricles Prado •Ao som do realejo, enfim, ilustra a alienação do homem moderno e seu anseio por uma integração harmônica com o universo. • Manifesta uma visão crítica e estética do mundo, em uma linguagem carregada de poesia até o último grau. Faz do leitor um cúmplice no campo do mistério. Inventa uma ficção que incomoda. • Desdobra o texto em subtextos transformando-o num poderoso espelho deste nosso admirável mundo novo. • Misterioso, o tocador de realejo realiza sua tarefa de destilar a instigante e sugestiva melodia, convidando-nos ao ingresso nos hábeis labirintos, talvez portais de outros infinitos labirintos. JORGE, UM BRASILEIRO Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior • Oswaldo França Júnior (1936-1989) nasceu em Serro, MG. • Antes de se tornar escritor, foi coronel aviador. • Oswaldo foi expulso da Aeronáutica por ter sido apontado como subversivo pela revolução de 64. • Então, movido pela necessidade de sobrevivência e de sustentar sua família, tornou-se escritor. • Vale lembrar que França, ainda na ativa militar, publicou artigos nos jornais da Arma. • Então, desempregado e preocupado com sua família, reuniu um volume de contos e foi tentar a sorte na Editora do Autor, do Rio de Janeiro, então comandada por Rubem Braga e Fernando Sabino. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Rubem Braga gostou de seus textos, mas alegou que “conto não vendia” e perguntou se ele não teria um romance na gaveta. Não tinha, mas disse que sim e se apressou a voltar a BH, onde escreveu, em poucos meses, O viúvo, que foi publicado em 1965. A alta qualidade dos originais de Jorge, um brasileiro, sua segunda obra, rendeu a Oswaldo França, juntamente com Jorge Amado e Guimarães Rosa, o maior prêmio literário do Brasil em 1967, o Walmap. Oswaldo França Júnior publicou 13 romances – sendo que Jorge, um brasileiro foi roteirizado e filmado pelo cineasta Paulo Tiago, bem como serviu de inspiração para a série global “Carga pesada”. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Em entrevista ao repórter Geneton Moraes Neto, Oswaldo França contou o episódio dramático em que se envolveu em 1961. O seu Esquadrão, sediado em Porto Alegre, não acatou as ordens superiores para eliminar, por meio de bombardeio, o então governador gaúcho Leonel Brizola, que defendia a legalidade da posse do vice-presidente João Goulart no posto do renunciado Jânio Quadros, em desafio aos desejos das Forças Armadas. Isso, certamente, influiu na sua expulsão da Aeronáutica. O então 1° Tenente França, perto do final precoce de sua vida, foi anistiado e reformado como Coronel Aviador. Mas, apesar de tudo, devemos a esse triste episódio muito da existência da obra que Oswaldo França Júnior nos legou. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior • Os livros deste escritor mineiro tem inúmeras abordagens, uma delas, que encontramos nesta obra, diz respeito à viagem. • Sob essa perspectiva, podem ser consideradas: a viagem literária, a viagem pela memória, a viagem como deslocamento no tempo e no espaço, a viagem como busca da identidade, a viagem autobiográfica e aquela realizada além das fronteiras. • Todas essas variações são abrigadas pela viagem literária, que engloba as demais. • Em Jorge, um brasileiro (1967), há o deslocamento do protagonista para o interior do Brasil. • Na medida em que conta sua história e traz o carregamento para Belo Horizonte, fica dividido entre a imagem grotesca e quase caricatural da amante do patrão: Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior “E fui fumando o cigarro da outra testemunha, e pensando no senhor Mário que àquela hora devia estar com a loura que se pintava com os riscos grossos nos olhos, e dormia de boca aberta” e aquela de compromisso: “Dei minha palavra. Dei minha palavra que esse milho chegaria antes da inauguração”. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior A aventura tem início em Belo Horizonte, quando o protagonista recebe a missão de buscar oito carretas carregadas com trinta toneladas de milho. As carretas estavam em Caratinga e não podiam seguir viagem porque a chuva havia danificado as estradas, e havia uma barreira na saída da cidade com policiais impedindo que os motoristas seguissem viagem. O prazo para as carretas estarem em Belo Horizonte era de uma semana. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Jorge, nosso herói-protagonista, não tinha como recusar a missão. Ainda que precisasse enfrentar seu antagonista: a chuva, e tudo o que ela provocava. A fim de bem executar sua perigosa jornada, Jorge começa os preparativos. Jorge retira o dinheiro necessário do cofre, sob protestos do contador. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior O contador era um pequeno inimigo de Jorge e, por interesses próprios, este faz com que Jorge assine um recibo no qual aparece não só o valor retirado, mas também uma ressalva de que tal retirada fora feita sem notificação de seu fim. Depois, Jorge organiza o serviço na garagem dos concreteiros, pois não queria problemas enquanto estivesse ausente. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Em seguida, antes de ir à rodoviária, vai ao encontro de Sandra, moça com quem vinha saindo, para romper o relacionamento. Ao fazer isso, Jorge corta – ainda que metaforicamente – ligações com sua cidade natal, pois não quer que nada o impeça de cumprir sua missão. No momento da partida, Jorge está determinado, afirmava para si mesmo que iria trazer os caminhões para Belo Horizonte no prazo certo, nem que tivesse que puxar um por um no ombro. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior A primeira etapa da jornada Jorge fez de ônibus, contudo este sofre um acidente perto de Coronel Fabriciano. Neste ponto, a narrativa é repleta de lembranças da Sandra, do senhor Mário, da amante do senhor Mário. Jorge continua a viagem de trem, vai de Coronel Fabriciano até Governador Valadares. Neste trecho, além das lembranças, Jorge faz várias reflexões. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior É também nessa segunda etapa, na viagem de trem, que Jorge vivencia a primeira aventura: Jorge comanda um comboio de cinco caminhões, que tem como objetivo levar material para um hotel o qual está sendo construído bem no meio da ilha do Bananal. Para chegar a esse hotel, o comboio passa por uma estrada completamente deserta. Ao chegarem ao destino, encontram Fefeu, um antigo companheiro que tinha sido preso por roubo. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Como uma coisa leva a outra, Fefeu dá início a mais uma camada narrativa anterior à do episódio do Bananal. Conversa puxa conversa, e o narrador (Jorge) esclarece que, na época da construção de Brasília, Fefeu liderou um lock out (greve) de caminhoneiros para receberem pagamentos atrasados. A narrativa retorna ao caso do Bananal e descobre-se que Fefeu foi preso por ter roubado uma correia de ventilador para o seu caminhão, que havia quebrado. Fefeu alega ter sido obrigado a fazer isso. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior O zelador não quis ceder uma correia para Fefeu, que, inconformado, tentou pegar a força. O zelador se irritou e chamou um soldado que prendeu Fefeu. Voltamos a narrativa principal e Jorge chega a Governador Valadares. Lá, ele procura Altair, antigo companheiro da época em que havia trabalhado na Rio-Bahia. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Altair agora é dono de uma próspera oficina, e está casado e com dois filhos. Altair recebe Jorge com bastante empolgação, convida-o para jantar e dentre conversa vai, conversa vem, relembram a aventura que vivenciaram juntos na época da Rio-Bahia, com destaque para as visitas que eles faziam à casa das prostitutas. Para essas visitas, eles precisavam de dinheiro, o que faz Jorge lembrar-se dos lugares em que o pagamento sempre atrasava. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior A narrativa dá outro salto: a conversa vai para um plano mais remoto, para o período em que ele havia trabalhado na Brasília-Acre. Lá havia atraso de pagamento, mas a Companhia era boa, fornecia até óleo e gasolina para os caminhões. Inclusive, mesmo depois de 46 dias, o senhor Mário apareceu lá com um caminhão que tinha ido para o conserto. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior O narrador fala da satisfação que ele tinha em trabalhar para o senhor Mário, que trazia até presentes — cervejas e camisas — para os empregados. Faz parte desse plano narrativo o acidente com o Jocimar, que estragou um caminhão. Depois de transitar pela Brasília-Acre, a narrativa volta para a Rio-Bahia, com o caso do Altair com a dona Olga. O Altair, segundo o narrador, era o maior namorador da Rio-Bahia, e cismou de ficar com a dona da casa de prostituição, a dona Olga. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Quando ele a conquistou, ele é que parecia o dono da casa: fazia as contas, recebia o dinheiro, organizava tudo. Quando o romance com Dona Olga chegou ao fim, a narração retorna à aventura principal, que se encontra em Governador Valadares. Altair consegue para Jorge uma carona num caminhão que ia para Caratinga, onde estavam as carretas carregadas de milho. Durante a viagem no caminhão, vem novamente a lembrança dos tempos na Rio-Bahia. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior O narrador conta como ele desmobilizou a equipe ao final da obra, e como teve duas rodas de um caminhão roubadas ali mesmo em Governador Valadares. Afinal, o dono do posto onde os caminhões deviam estar sendo vigiados acabou providenciando novas rodas e pneus para que Jorge pudesse seguir viagem para Belo Horizonte com seus nove caminhões desmobilizados. A narrativa regressa à viagem principal e chega a Caratinga. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Lá, iniciam-se os preparativos para a luta crucial, que deve começar. Os caminhões são vistoriados, os defeitos são reparados. Jorge volta a Governador Valadares para ver a possibilidade de embarcar a mercadoria pela estrada de ferro, ou seja, de trem. Diante da negativa do chefe da estação, Jorge verificou a viabilidade de passar por uma estrada alternativa, e foi desaconselhado por uma pessoa que tinha feito o percurso havia pouco tempo. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Mas, teimoso, Jorge resolve ir assim mesmo. Então, Jorge reúne seu pessoal para dar instruções e explicar como eles chegariam a Ipatinga. O Oliveira manifesta seu medo nesse momento, o momento do perigo, prefere recuar quando prosseguir é difícil. O perigo é real, mas o Oliveira é considerado um fraco, uma pessoa a quem não se deve dar ouvidos. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Na saída do comboio, o herói comete um erro na passagem de marcha, na presença de um outro motorista. Aquilo estraga o dia de Jorge e funciona como um presságio. Outro presságio foi o quase atropelamento de uma criança. O acontecimento enseja o abandono da aventura principal para o narrador contar o caso de um atropelamento em que ele havia matado um homem e fugido em Brasília. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Dois erros e uma transgressão na partida da luta maior. O narrador reflete que uma jornada trabalhosa deve apresentar as dificuldades logo de início, para não deixar o empreendedor acomodado: Tem coisa difícil que você começa, que já no começo dá trabalho, e você então já começa com disposição para ir até o fim. E tem coisa difícil que começa sem trabalho, e aí seu corpo se acostuma, e você fica torcendo para a coisa não apertar, e quando aperta, você está mole e então reclama. e foi desse modo naquela estrada depois de Inhapim. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior As dificuldades começaram então a se apresentar. A estrada estreita e lamacenta fazia o motorista ter de descer a todo momento para ver se dava passagem, ou alguém tinha de ir à frente nas curvas para sinalizar se algum carro viesse em sentido contrário. Num determinado local, um carro carregado de carvão atrapalhava a estrada, com problema no motor de arranque. Teve de ser empurrado. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Quando havia água na estrada, eles tinham que descer e marcar o lugar da estrada depois de um exame do local com os pés. Já noite, a carreta de Jorge prendeu num barranco, e tiveram que pernoitar ali. O dia seguinte quase todo foi gasto com o corte do barranco para as carretas passarem. O narrador começa a se preocupar com o cumprimento do prazo, e admite que a sua procura pode não dar resultado: Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Olhei para a estrada estreita e enlameada e, e pensei que a gente tinha levado um dia para passar uma curva, e que faltavam cinco dias para a tal inauguração, e eu não estava com certeza se chegaríamos a tempo. E digo que tem hora que dá vontade de você se convencer que, às vezes, por mais força que você faça, as coisas podem não acontecer como você quer. Em seguida um mata-burro exigiu reforço, o caminhão de Jorge atolou na saída de Bugre, e uma ponte suspeita deteve o comboio. Teve de ser feito um desvio por dentro do rio, que não estava muito cheio. de alguém. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Quase dois dias de interrupção. Jorge começa a acreditar que a missão seria cumprida: Fiz a conta e faltavam três dias para a data que o senhor Mário havia marcado para entregar aquele milho. Pensei e achei que a gente ia chegar no dia certo. Que era até capaz da gente chegar antes, porque de Ipatinga a Belo Horizonte a estrada era asfaltada e nova. Daí a pouco, furou um pneu traseiro da carreta do Toledo. que ouviu de alguém. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior O Toledo era um tipo mais delicado, meio extravagante, que usava calças apertadas em cima e boca-de-sino em baixo, e camisa de manga comprida colorida e botinhas de salto alto. Tinha um jeito esquisito de andar, como se estivesse apagando cigarros com o pé. De todos, era o que tinha mãos mais finas, e fazia um esforço tremendo para trocar o pneu da carreta. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior As mãos finas do Toledo remetem o narrador novamente à pedreira em Brasília, onde ele havia atropelado o homem. Segundo o sócio do senhor Mário, candidato a trabalhador de pedreira não pode ter mãos finas, porque pau-de-arara de mãos finas era cantador ou ladrão. Tornando à aventura principal, Jorge reflete que daqueles motoristas ali com as carretas, o de mão mais delicada era o melhor deles. E isso era engraçado. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Chegando a Ipatinga, Jorge tenta usar um estratagema para passar na barreira, que estava com a guarda abaixada e dois policiais tomando conta com ordem para não deixar ninguém passar sem autorização. Jorge tenta convencer um dos guardas de que as oito carretas continham material para ser entregue no acampamento da Companhia que estava consertando as estrada. Em vão. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Jorge tenta intimidar o guarda ameaçando passar a força, mas este reage puxando a arma. Jorge volta a Ipatinga para tentar conseguir uma ordem com o delegado, que ele conhecia da outra vez que estivera lá, quando o ônibus batera num caminhão. Não consegue nada, e resolvem tentar outro caminho. Volta a assaltar Jorge a preocupação com o cumprimento de sua missão: Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior E faltavam três dias para a data que o senhor Mário tinha falado como sendo o limite para entregar aquele milho, e fiquei com medo de não dar. E a distância era pouca, um quase nada. Saindo de Timóteo, o carro do Fábio fica sem óleo de freio. Eles têm que consertar e arranjar um pouco de óleo de cada uma das outras carretas para abastecer a que ficara sem. Mais adiante, aparece uma ponte com desnível em relação à estrada, nova parada para reparos. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Mais paradas para consertar um radiador e um semieixo. E o herói começa a esmorecer diante dos perigos da jornada: Saí fazendo as contas na cabeça de quanto a gente ainda poderia demorar. E havia trechos em que não estávamos indo nem a dois, três quilômetros por hora. Era aquela vagareza, passando devagar nas curvas, devagar nas subidas, nas descidas. E parando. E vendo se as rodas iam atolar naquela lama que aparecia na frente. E medindo o tamanho do buraco que a água estava encobrindo. (...) E ficando com aquele medo nas horas em que sentíamos os pneus derrapando. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior O inimigo é associado às trevas, ao inverno, à confusão, à desordem; o inimigo é a chuva, que deforma o mundo e barra os movimentos do herói. Mas ele vai em frente, até chegar a Dionísio, onde uma ponte danificada segurou irremediavelmente o grupo, enquanto os homens da prefeitura tentavam consertá-la. No momento em que a missão está definitivamente comprometida, ocorre o idílio, o divertimento do herói com a donzela que ele encontra no bar de beira de estrada, que se oferece a ele. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior A sedução da moça faz o herói esquecer seu fracasso, prendendo-o ao local de obstáculo intransponível. E o herói esqueceu que havia uma ponte que devia ser consertada para seu grupo passar. O prazo já estava vencido: Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior No dia seguinte, quando olhei a ponte e vi que não ia dar para ficar pronta, e o “mestre” me perguntou qual era mesmo o peso que a gente levava, eu disse, e falei que ali nunca tinha passado carro com um peso daqueles. E não liguei de não dar para passar naquele dia. E aquilo era coisa que eu nem sabia como era. Já estávamos atrasados cinco dias, e o “mestre” falou que naquele dia não ia dar, e eu nem com raiva fiquei. No dia seguinte, a ponte ficou pronta, e o herói se despediu da donzela, com muitas promessas de que ia voltar para vê-la. J ORGE UM BRASILEIRO O SWALDO F RANÇA J ÚNIOR E, após alguns atoleiros, o grupo chega a São Domingos do Prata. O protagonista se conforma com a ideia de que não conseguiu cumprir a missão, que seu ato de heroísmo era impossível. E assume sua condição humana, o real está ali: E íamos devagar e já estávamos atrasados seis dias. E não havia outro meio de ir. E não senti mais raiva disso. E sabia que se fosse possível, iríamos chegar em Belo Horizonte com as oito carretas. E isso me pareceu que bastava. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior A entrada triunfal da comitiva na avenida Antônio Carlos, em Belo Horizonte, mais de nove horas da noite, é uma espécie de exaltação do herói, que não cumpriu um desígnio superior e impossível, mas que, assumindo sua condição humana, consegue terminar vivo sua grande luta. O não cumprimento da missão transformarem-se em seu retorno. faz as coisas Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior O chuveiro estava estragado. A cama onde ele sempre dormia tinha sido interditada verbalmente pelo senhor Mário. Transgredindo a ordem, ele dorme nela assim mesmo. A chave da Kombi, o vigia a entrega a ele dizendo que não podia entregar, por ordem do senhor Mário. Até o contador, criatura insignificante, havia-se magnificado para cobrar dele notas e acerto de contas. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Aí começa a se efetivar a libertação do herói, que já se havia delineado nas pequenas transgressões anteriores, da cama, do chuveiro e da Kombi. Ele agride o contador, e o joga contra a porta da sala do senhor Mário, que estava vazia, e aquele pedaço de merda quebra a porta de entrada do espaço da dominação. O pedaço de merda é o homem que toma conta do patrimônio do patrão. O supremo gesto de libertação é a conquista da rainha. Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Jorge se dirige à casa do senhor Mário, para esclarecer tudo definitivamente. O patrão não se encontra lá; apenas sua mulher, dona Helena. A confirmar a ruptura ocorre a sedução da consorte do dominador: Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior O cabelo dela brilhava ali perto do meu rosto, naquela sombra da sala, e eu olhei e vi sua boca, e era uma boca que parecia que tinha bebido água. E tornei a apertá-la, e enfiei minha língua lá dentro de sua boca, e digo que nunca beijei uma mulher como aquela. O ato final do herói foi sair dali, dirigir-se à garagem dos concreteiros, pegar suas coisas, colocar dentro de suas duas bolsas, e abandonar o local. Definitivamente? Jorge um brasileiro Oswaldo França Júnior Uma das características da narrativa oral é a possibilidade de se fazer a pergunta: o que aconteceu depois? Pode-se imaginar então que há um Jorge em um ponto qualquer a recontar sua história, ou a inventar alguma, ou a reproduzir outra que ouviu de alguém. A CIDADE ILHADA Milton Hatoum A cidade ilhada traz, pela boca de um de seus personagens, sua autodefinição: “ninguém pode ser totalmente outro”. Primeiro livro de contos de Milton Hatoum. Obra regionalista ou universal? Regionalista, no que tange à organização espacial. Universal, no que diz respeito aos conflitos encontrados no enredo. Cenário e personagens: a Manaus cosmopolita, que contrasta esplendor e miséria, por meio da exuberância natural da região. cidade habitada pela memória inventada de narradores nativos e estrangeiros e, é claro, do próprio autor. Algumas personagens transitam entre os contos. Reflexo da narrativa: Os textos trazem lirismo e humor. Os contos refletem a vida nômade de Milton antes de se tornar um autor consagrado, pois viveu alguns anos na Europa; depois, lecionou Literatura nos Estados Unidos, e atualmente mora em São Paulo. As histórias têm humor e leveza porque dizem respeito à sua vida de andarilho, que foi uma época de pobreza, mas de muita alegria, segundo Hatoum. O gênero literário: Milton, em uma entrevista ao jornal “A crítica”, de Manaus, disse: “Tentei trabalhar com a ideia do conto moderno, que não opera com uma surpresa final, como era o conto do século 19. O conto moderno, do século 20, narra duas histórias paralelas e, no fim, revela o significado oculto de uma das duas histórias. Você começa contando uma coisa que não é aquilo que você quer narrar, como se houvesse uma história narrada que é retrabalhada numa outra história, que é a que você quer trabalhar.” (01) Varandas de Eva Narrado em 1ª pessoa. O narrador-personagem conta um episódio ocorrido em sua infância, quando visitou, pela primeira vez, o bordel Varandas da Eva, e lá passou sua primeira noite, com uma bela e enigmática mulher. (01) Varandas de Eva Ele foi com seus amigos: • Minotauro: forte ‘de meter medo’, com uma voz ainda de adolescente (fina e grossa ao mesmo tempo). • Gerinélson: paciente, calmo, ‘cheio de reticências’. Já namorava e dirigia escondido a lambreta de seu irmão. • Tarso: tímido, nunca dizia onde morava, parecia ser de classe social mais baixa que os amigos. Não quis entrar no bordel. A ida ao Varandas de Eva foi financiada pelo tio Ranulfo (tio Ran). (01) Varandas de Eva Depois que entram, Minotauro cutucou o narrador, mostrando uma mulher que sorria para ele. Eles dançam. Ela percebe a ânsia dele e o aperta com gosto. Ela o leva para a varanda, eles ficam ‘na maior pegação’. Ela o ensina a fazer TUDO. Ele volta ao local várias noites, mas nunca mais a encontrou. A adolescência passa, a maturidade chega, o narrador se muda com os tios, afastando-se ainda mais dos amigos. (01) Varandas de Eva O único que cruzou seu caminho outras vezes foi o Minotauro. Já envelhecido, o narrador apresenta a cena final: • Ele avista de longe o Tarso. • Tarso está diante do palácio do governo, subindo as escadas para deixar uma cesta, quando aparece uma mulher que acena para ele, com um olhar muito carinhoso. • Era sua mãe. • Era a mulher que o transformara em homem. Ele permanece ali um pouco, relembrando. (02) Uma estrangeira da nossa rua O protagonista estava em São Paulo e retornou à sua cidade, onde encontrou a casa azul – que ficava em frente da do seu tio – em ruínas. Ele olha pra varanda da casa e lembra de... • Lyris: tinha +ou– 18 anos, cabelos quase ruivos, olhos verdes puxados, rosto anguloso, era mais alta que sua irmã, menos arredia também. • Irmã de Lyris: tinha +ou- 15 anos. • Antonieta: vizinha escandalosa que apelidara Lyris e sua irmã de bichos-do-mato porque elas não iam a lugar algum (festas, carnaval, praias), nem tinham namorados ou amigos. (02) Uma estrangeira da nossa rua • Doherty: engenheiro, era o pai de Lyris e sua irmã, bem como o responsável pelo apelido que elas ganharam de Antonieta, pois ele sempre as escoltava. O narrador conta que Lyris, sua irmã, Doherty e Alba (mãe/esposa) eram afáveis. Ele suspeita que o pai era inglês ou irlandês e que a mãe era peruana. Certa vez, o protagonista vê, de binóculo, Lyris lendo um livro de capa vermelha, deitada nua em sua cama. Ele analisa cada movimento dela.. (02) Uma estrangeira da nossa rua Meses depois, ele conversa – pela primeira vez – com Lyris e ganha um beijo dela. Ela o convida para visitá-la, mas ele nunca aparece, tem medo de Doherty. Certo dia, os Doherty saem e Lyris não volta com eles. Tempos depois, ele recebe uma carta de Lyris da Tailândia. (03) Uma carta de Bancroft O narrador-protagonista é um escritor amazonense que se muda para Waverly Place (San Francisco) para um temporada na universidade de Berkeley. Ele conversa com o 1º americano que encontra: Tse Ling Roots. Ling conta que seu bisavô veio da China para trabalhar nas minas e ferrovias da Califórnia. Seu bisavô foi um dos responsáveis pela Chinatown como se conhece hoje. Outro olhar estrangeiro, mas dessa vez de um brasileiro em Berkeley. (03) Uma carta de Bancroft Ling era policial e, nas horas vagas, visitava um templo, para não enlouquecer. Mas a paisagem da cidade era linda: tinha as colinas de Berkeley, as pontes iluminadas à noite e os edifícios com traços futuristas. O protagonista foi a essa universidade por estar interessado em manuscritos brasileiros. Ele vai ao fichário “Brasil: Limites & Fronteiras”, no arquivo: “cartas e outros documentos manuscritos”, onde encontra uma carta de Euclides da Cunha a Alberto Rangel. Euclides estava passando um tempo na casa de Rangel, em Manaus, enquanto este estava no Rio. (03) Uma carta de Bancroft O protagonista diz que Manaus o persegue. Na carta, o protagonista reconhece a linguagem de Euclides: “barroca, sinuosa, exuberante” e lê sobre um sonho deste autor. Euclides sonhou que a Amazônia tinha sido povoada por europeus, que a haviam devastado e transformado em uma cidade cosmopolita, extensão de Manaus e Belém. Até que encontra um francês, Gabineau, o qual tenta convencê-lo de que as terras amazonenses só serão viáveis com a colonização europeia. (03) Uma carta de Bancroft No sonho, Euclides decide voltar para casa, quando passa em frente ao cemitério e assiste ao enterro do suboficial da Polícia Militar do Amazonas, cabo de feições indígenas que lutara na Guerra de Canudos. No enterro, Euclides fica sabendo que o cabo levou 4 tiros do amante de sua mulher. (04) Um oriental na vastidão A narradora-personagem, pesquisadora da Universidade do Amazonas, conta que recebeu um fax de.. • Kazuki Kurokawa: de olhos apertados e vivos, era biólogo de água doce e professor aposentado da Universidade de Tóquio, com experiência de campo na África e nas Filipinas. Kazuki queria fazer um passeio pelo Rio Negro, mas só podia ficar dois dias na cidade. A narradora reserva para ele o hotel Tropical e, quando vai buscá-lo, recebe um estojo com um ideograma do Japão: “No lugar desconhecido habita o desejo”.”. (04) Um oriental na vastidão A narradora combinou o trajeto com o barqueiro Américo: descer o paraná do careiro até Murumurutuba, ilha do Maneta, e retornar ao Amazonas, fazendo uma parada no encontro das águas. Kazuki diz que quer fazer o trajeto sozinho, mas que um dia voltará para refazer o passeio com a pesquisadora. Ele sabia muito sobre o Rio negro. Não levou nem máquina fotográfica, nem filmadora. Seu passeio foi um mistério. A narradora fica sabendo que ele cumpriu com o combinado, inclusive devolvendo o barco a Américo. (04) Um oriental na vastidão Depois de um tempo, o cônsul do Japão em Manaus convidou a narradora para acompanhá-lo a um passeio no Rio Negro. Foram – em um silêncio misterioso – no barco do consulado. Em determinado ponto, o cônsul pegou uma caixa coberta com a bandeira do Japão e entregou-a à narradora junto com uma carta. Tratava-se de uma carta-testamento, em que Kazuki pedia à ela para jogar suas cinzas no Rio Negro. (05) Dois poetas da província Dois poetas – intelectuais – manauaras conversam: • Albano: filho de um magnata de Manaus, é jovem, ambicioso e domina a língua francesa, o que lhe permitiu morar em Paris. • Zéfiro: ou ‘L’Immortel’, apelido cunhado em 1969, quando o governo militar interrompeu sua carreira no magistério público, era bem mais velho que Albano, fazia pouco caso das belezas naturais do Amazonas, da época do governo militar, do Estado (considerava este avesso às artes). Era apaixonado – escancaradamente – por Paris. Sabia muito bem francês, tanto que foi professor de Albano. (05) Dois poetas da província Em 1981, Albano e Zéfiro estavam no hotel Amazonas, em uma sala com ar condicionado, bebendo um Bordeaux de 1972 e comendo um peixe pescado no Rio Negro. Albano, embora com pressa, convidou o imortal para ficar com ele, dizendo ser por sua conta, pois este era uma jantar de despedida. Zéfiro cita nomes e lugares da França com uma propriedade inigualável. Conta que, naquela mesmo hotel, já recebera Sartre e Simone Beauvoir. (05) Dois poetas da província Zéfiro interpretou despedida como uma referência à sua morte, pois já estava velho, mas seu orgulho superou o medo. O almoço acaba e Zéfiro vai para casa. Lá, ele recita poemas de Lamartine, Victor Hugo e Baudelaire. Depois, cansado, debruça-se sobre o mapa de Paris, mas já era tarde. “Bocejou, a cabeça oscilou e estalou no encosto”. (06) O adeus do comandante Um velho – Moamede – retorna a Manaus e conta a seus netos e amigos uma história inacreditável, não era lenda como a do “boto”. Ele conta que ao navegar pelo Amazonas (interior) viu o barco Princesa Anuíra atracado na rampa do mercado, perto do restaurante Barriga Cheia. O dono do barco, Dalberto, estava lá. • Dalberto: cabloco musculoso, valente, desconfiado, de poucas palavras, mas de bom coração. Sua festa de casamento era lembrada por todos, devido à jovialidade da esposa e à grandiosidade de sua festa de casamento. (06) O adeus do comandante Dalberto convidou o amigo a subir em seu barco. O velho subiu e viu dois homens carregando um caixão para o barco. Fora feito pelos famosos artesãos de Kirintins, mas estava vazio e não tinha nenhuma cruz. Dalberto desceu do barco e embrenhou-se na mata. Todos ouviram um grito e o tilintar de um sino. O medo tomou conta de todos, as mulheres fizeram o sinal da cruz. Dalberto apareceu e todos aplaudiram. (06) O adeus do comandante Ele carregava um corpo amarrado em uma espécie de saco. Chamou o narrador Moamede para ajudá-lo a levar o corpo ensanguentado do jovem até sua casa. Colocou o corpo na sala e orientou a empregada a acender velas quando sua patroa (esposa de Dalberto) chegasse, pois ela tinha “visita”. Olhou para o amigo e pediu-lhe um último favor: acompanhá-lo à delegacia e reforçar a mentira que era verdade: dizer que o vira matar o irmão mais novo por ser amante de sua mulher Anaíra. (07) Manaus, Bombaim, Palo Alto Um escritor amazonense recebe um telefonema do governo pedindo que recebe em sua casa um almirante indiano: Rajiv Kumar Sharma. • Rajiv: almirante da marinha indiana – leia-se escritor de crônicas –, era magro, tinha pele acobreada e os cabelos pretos e escorridos cortados à escovinha. Além disso, falava muito bem o inglês o hindi e outros dialetos indianos. • Narrador: escritor amazonense, que tem um apartamento pequeno e muito bagunçado. (07) Manaus, Bombaim, Palo Alto O estrangeiro dizia que apenas queria conhecer um escritor amazonense, pois considerava a Amazônia um labirinto. O narrador confessa não conhecer quase nada da literatura indiana. A chegada é constrangedora: chove muito e o apartamento tem goteiras, sem falar que o gato do narrador fica se esfregando na roupa impecável do hóspede. Eles falam da literatura indiana. (07) Manaus, Bombaim, Palo Alto Anos mais tarde, o narrador descobre que o almirante era, na verdade, um cronista que escreve sobre sua estada na casa dele, comparando-a com um chiqueiro. (08) Dois tempos O narrador volta a Manaus a fim de fazer uma surpresa ao tio Ranulfo, com quem morou quando tinha 14 anos. Foi caminhar e viu Aiana, uma vizinha e ex-aluna do conservatório. Aiana saiu do casarão e o perguntou se lembrava da professora Tarazibula Steinway. Ele relembra a época em que frequentava o conservatório. Ela, levando uma vela, puxa o narrador e o conduz a uma sala. (08) Dois tempos Ele hesita, mas entra. Narra todas as sensações: sinestesia. Vê seu tio debruçado sobre o corpo da ex-professora. Mais sensações. 1ª (09) A casa ilhada Lavedan queria ir até a casa ilhada antes de voltar a Genebra. • Lavedan: alto, magrela, careca e de pele rosada. No dia 16/07/1996, Lavedan pede ao barqueiro – em francês – para levá-lo até a casa ilhada mostrando um postal em que ela aparece. As pessoas riem daquele homem estranho. Quando ele avista, depois da curva do igarapé, o telhado vermelho da casa, fica extasiado. O catraieiro atracou ao lado de um barco abandonado, de nome já meio apagado “Terpsícore”. (09) A casa ilhada Lavedan pronuncia o nome do barco e vai fissurado em direção à casa de telhado vermelho. Ele a via como uma casa misteriosa, que ganhava vida somente à noite, quando as luzes iluminavam sua fachada e seu jardim. Lavedan volta como se estivesse reconfortado e conta ao narrador que agora iria ao Rio, de onde partiria para Zurique. O estrangeiro parte e, dois dias depois (18/07/1996), sai no jornal que fora encontrado no dia anterior (17/07) o corpo do único morador daquela casa. (09) A casa ilhada Passados dois meses, o narrador recebeu uma carta de Lavedan, na qual contava sua história. Lavedan conta que há 20 anos viajara para Manaus com sua esposa inglesa, Harriet. Lá, eles se divertiram muito em festas, noitadas, bebedeiras e prazeres no Shangri-Lá. Até que, em uma dessas festas, um dançarino manauara a convidou para dançar. Lavedan foi trocado, mas, de dois em dois anos, ele recebia de sua ex-esposa um cartão-postal com os seguintes dizeres: “O Shangri-Lá fechou, mas dançamos nessa pequena ilha: nossa morada.” (09) A casa ilhada O primeiro foi em 1980, até que, em 1996, recebera um sem nada escrito, o que o levou a pensar que ela devia estar para morrer. Lavedan termina a carta dizendo: “O resto dessa história você já sabe.” O narrador conversou com alguns biólogos do Instituto de Pesquisas da Amazônia e descobriu que as pesquisas de Lavedan eram verdadeira e importantes. Tanto que sete peixes da faixa equatorial levam seu nome. (09) A casa ilhada Contudo, ele não deixou nenhum vestígio de ter estado na Amazônia, não fez nenhuma publicação sobre o assunto, nem deixou vestígios de homicídio na casa ilhada. Para o narrador, a carta de Lavedan era tão misteriosa quanto ele próprio e sua estada em Manaus. (10) Bárbara no inverno Lázaro e Bárbara eram um casal que moravam em Paris porque ele fora exilado. Ele dava aulas de português a um grupo de executivos do “La Défense”. Ela trabalhava na redação da Radio France Internacionale. Bárbara era extremamente politizada. Não suportava conversas que outros exilados e expatriados puxavam sobre a violência no Brasil. Sempre questionava porque não falavam também sobre o colonialismo na Indochina e na África, o genocídio na Argélia e a França do marechal Pétain. (10) Bárbara no inverno Aos sábados, Lázaro reunia seus amigos e, quando Bárbara chegava, ela trazia notícias do Brasil e promovia uma discussão exaltada. Quando a reunião acabava, Lázaro jogava-se na rede com um livro e Bárbara bebia rum, comentando que aquelas reuniões eram uma farsa, pois a maioria sequer trabalhava, só ficava reclamando da vida. Bárbara reclamou de Lázaro, disse que eles não ouviam mais a mesma música. Depois do exílio, ela sentia solidão e muita saudade do Rio. (10) Bárbara no inverno Certo dia, no aniversário de Lázaro, ela chega tarde por causa do trabalho e tem uma crise de ciúmes, causada pela mistura de uma cena indesejada com a bebedeira. Ela vê um beijo furtivo de Francine. Após algumas cenas de ciúmes, ela diz querer voltar para o Brasil, até que não mais encontra Lázaro. Ela começa a procurá-lo por todo o canto e, consequentemente, deixa seu trabalho cair. É advertida por isso. Ela o vê. Ele foge. (10) Bárbara no inverno Sete meses depois, ele envia um postal dizendo que estaria viajando pelo sul da França para esquecer tudo, mas voltaria antes do inverno. Bárbara ficou sabendo que Lázaro havia sido anistiado. Ela achou a chave do apartamento de Copacabana e decidiu, então, voltar para o Brasil. Passou antes no apartamento, notou que as coisas estavam mudadas, mas não ligou. Colocou uma música para ouvir e foi para a varanda. Então Lázaro chega com Cláudia, que ela conhecia como Fabiana. (10) Bárbara no inverno Eles estavam juntos. Não imaginavam que Bárbara estivesse lá. Discutiram sobre o som ligado, até que ouvem o choro – ou riso diabólico – dela. Lázaro vai até a varanda. Bárbara se joga, ao som de Chico Buarque: “E me vingar a qualquer preço”. 1ª (11) A ninfa do Teatro Amazonas Álvaro Celestino de Matos, imigrante de olhar triste, silencioso, 87 anos, era vigia do teatro Amazonas. Certa noite, ele acorda assustado porque ouvira um ruído, achou que estava sonhando com a voz de uma cantora. Já fazia mais de 60 anos que ele dormia olhando para a imagem da soprano Angiolina Zanuchi. Desceu atrás do barulho com a arma em punho. Via a porta entreaberta e uma mancha vermelha que sumia na sala de espetáculos. Para não fazer o mesmo caminho, dá a volta e entra pelos bastidores. (11) A ninfa do Teatro Amazonas Puxa uma alavanca, acendendo a luz do palco, e vê uma cortina desenhada. Nela havia uma naia deitada em uma concha que flutuava entre as águas do Rio Negro e do Rio Amazonas. De repente, viu uma sombra na 1ª fila: era uma mulher jovem, morena e que trazia em seus braços uma criança. Ele olhou-a atentamente e a viu lambendo a criança. Então, jogou-se no chão num acesso misto de riso com histeria e começou a ouvir o eco de sua loucura. 1ª (11) A ninfa do Teatro Amazonas Foi levado por dois homens de branco para o Hospício de Flores. Com uma voz rouca e grave contou o que havia acontecido. O psiquiatra disse que era doença da idade. Tratava-se de um homem errante que às vezes refugiava-se no teatro. O homem era, na verdade, um pescador. Ele trazia em seu bolso uma foto antiga, já puída, provavelmente de Angiolina, sua paixão de adolescente. (12) A natureza ri da cultura A narradora, jovem magra e tímida, conta que um dos amigos de sua avó... • Armand Verne: andarilho que colecionava lendas da Amazônia, falava vários idiomas e estudava as línguas indígenas. • ... fundou a sociedade Montesquieu do Amazonas, cujo lema era “educar para libertar”. Ele estudava os nativos para ajudá-los. Foi a avó que ela procurou quando quis estudar francês. A avó indicou seu outro amigo Felix Delatour. (12) A natureza ri da cultura Certa manhã, em julho de 1959, a narradora o procurou para estudar. Conta a sala onde ele tinha uma escura, um quarto amplo e avarandado, uma mesa de madeira, duas cadeiras de vime, quatro livros abertos, quatro lápis vermelhos e um mapamúndi. Nos dois meses de estudo, Felix quase não falou sobre a língua francesa e, sempre que a narradora pedia uma explicação gramatical, ele falava de Armand. Comentava que Armand, mesmo bem intencionado, não conseguia promover a cultura indígena devido à distância da pronuncia. (12) A natureza ri da cultura Armand conta que, um dia, a índia Leonilda, exímia conhecedora da história de sua tribo, bateu em sua porta dizendo que iria viajar a São Paulo. Ela entregou a Armand uma plaqueta que dizia: “Voyage sans fins”, Armand pedia para ela entrar e ler alguns versos de Rimbaud que contava a história de um narrador que largara sua vida na Europa para morar em uma região equatorial. Feliz pergunta à narradora: “Viajar não é entregar-se (ainda que simbólico) ao ritual do canibalismo?” Dez anos depois, a narradora conta que foi procurar Felix, mas não o encontrou. Sua avó disse que ele subiu o Rio. (13) Encontros na península O narrador era um estudante brasileiro que estava em Madrid / Barcelona (era ex-bolsista) Estava desempregado e pôs um cartaz dizendo que lecionava português. A senhora Victoria Soller o procura, pois queria conhecer Machado de Assis. Ela leu 18 contos em agosto de 1980. Fez uma pausa em setembro, depois retomou a leitura com Memórias póstumas de Brás Cubas. O narrador, além de discutir sobre as obras, tirava as dúvidas gramaticais da cliente. (13) Encontros na península No fim do outono, Victoria, que acabara de reler Dom casmurro, comentou que Machado de Assis era irônico, terrível, genial. Victória conta ao narrador que resolveu estudar Machado de Assis porque tinha uma amante português que era apaixonado por Eça de Queirós. E, como Eça de Queirós criticava Machado de Assis, Victória achou oportuno estudar este autor. Ela se ‘embebeda’ de Machado. Victória termina com seu amante via carta. Motivo: ele não sabe ler e, por isso, não sabe amar. (13) Encontros na península Certa vez, ele fora se encontrar com ela e não a amou, dormiu, roncou. De repente, acordou e saiu correndo. Victoria, indignada, o seguiu. Ele entrou em uma festa de aniversário de uma mulher mais velha, que estava vestida de preto e sentada em uma cadeira. Ele a parabenizou, chamou a amante, que vira espiando, e apresentou-a à sua professora de espanhol. Ele a beijou na boca, era sua esposa. Ela chamou Victoria e disse em seu ouvido que ensinara seu amante a amar, ainda que em espanhol. Victoria amaldiçoou o homem. (14) Dançarinos na última noite Porfíria e Miralvo se casaram e foram morar nos fundos de uma mansão cambista. Não gastavam nada. Trabalhavam na mansão. Ela cuidava dos serviços da casa. Ele, durante o dia trabalhava na casa, nas horas vagas, do jardim e, à noite, fazia entregas. Certo dia, Porfíria e Miralvo receberam a notícia de que seu patrão iria morar em Brasília. Porfíria queria ir junto, mas o patrão disse que só se o Miralvo não fosse. Ela não concordou. (14) Dançarinos na última noite Naquela 6ª feira, Miralvo perdeu o emprego na fábrica japonesa, foi substituído por um robô. O patrão disse que não os deixaria na mão. Ele conseguira um emprego para ambos no Hotel New Horizon, chique, que ficava às margens o Lago Ubim, no meio da selva. Miralvo pela manhã levava os hóspedes para passear e pescar no Rio, falava das lendas, do boto, da cultura amazonense. À noite, dançava no salão e ganhava uns trocados. Porfíria começou trabalhando de arrumadeira, depois passou a cozinheira. (14) Dançarinos na última noite Os dois queriam era assistir aos shows caribenhos. Mas, como consolo, iam dançar á beira do lago, à luz da lua, de costas para a floresta. Porfíria tinha aprendido a dançar com uma amiga caribenha, que vivia em Manaus. Ela sentia falta de Manaus. Certa noite, ela pediu ao gerente do hotel para assistirem a um show de uma banda de Georgetown. O gerente disse não, mas o ex-patrão estava lá e prometera ajudá-los. Porém, ele foi embora e o casal foi barrado. Foram para a beira do lago, onde Porfíria reclamou que lá nem luz eles tinham. (14) Dançarinos na última noite Então, outro dia, Porfírio encontra uma jiboia, mata-a. Pensando que ela engolira uma paca, abre-a e encontra várias coisas, cabeça de boneca, pulseira plástica e uma carteira de couro com um maço de dólares. Ele limpa o dinheiro, vai para casa e convida sua esposa para uma noite de hóspedes. Eles compram roupas e sapatos, hospedam-se na suíte imperial do New Horizon e assistem ao show do El Gran Combo, dançando a noite toda. Porfírio, contudo, alerta: esta noite é nossa, mas amanhã voltamos aos nossos afazeres. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel • Coletânea de 13 escritores catarinenses. • Literatura contemporânea – 2008. • 13 contos que abordam a cultura açoriana (Franklin Cascaes e “suas” bruxas). 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel • Coletânea em homenagem a nascimento (2008) ao etnólogo e desenhista. • Houve bruxaria inclusive na publicação (2003-08). • Número 13. • Escritores: Salim Miguel, Flávio José Cardozo, Adolfo Boos Jr., Amilcar Neves, Eglê Malheiros, Fábio Brüggemann, Jair Francisco Hamms, Júlio de Queiroz, Maria de Lourdes Krieger, Olsen Jr., Péricles Prade, Raul Caldas Filho e Silveira de Souza. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel • Franklin Cascaes deu a Florianópolis o título de "Ilha da Magia“. • O livro é como uma metáfora sobre “cascaes”, que significa amontoado de conchas, casqueiro, o sambaqui ancestral. • Esse livro é não somente objeto de imaginação, mas, principalmente, objeto de memória. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel • Franklin Joaquim Cascaes (1908-1983) 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel • Franklin Joaquim Cascaes (1908• Definição da vida: “Meus avós tiveram muitos escravos, era gente muito rica, moravam em Itaguaçu, ali no outro lado da baía Sul. Meus bisavós foram os primeiros colonos a chegar ali. Uns parentes tinham engenho de farinha; e meus pais tinham charqueado, porcos, redes e canoas, aquela coisarada toda. Eles tinham muitos trabalhadores e muitos escravos. Ainda encontrei toda aquela gente lá. Então fui ouvindo essas histórias todas e fui gostando, escutando...” 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel Exposição de arte em Itaguaçu Prof. Cid da Rocha Amaral estudo • Talento para arte: “Passei a empregar a arte que estudei. A nossa oficina era cheia de artes. Foi tudo jogado fora, não sobrou nada para contar a história. Na Segunda Guerra foi criada uma oficina para fazer material bélico e a nossa oficina foi jogada no lixo. Quase morri de paixão...” 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel • Preservação da cultura: “Tive que deformar o Barroco porque foi a única forma de dar graça àquela beleza rústica, a figura do colono açoriano. Tive que recriar o Barroco para poder representar as pessoas do interior da ilha. O homem está se destruindo. Ele pensa que é o senhor absoluto da Terra. Não é! Sobre ele está a natureza comandando, ele é exclusivamente um produto da natureza, como são as aves, como são os outros animais”. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel • Preservação da cultura: “Tive a felicidade de ser um dos primeiros a penetrar no interior da Ilha de Santa Catarina, antes mesmo de terem lá chegado os massivos meios de comunicação. Em alguns lugares não havia instalação elétrica, nem estradas, o que fazia com que as comunidades vivessem um mundo próprio, longe das influências dos centros urbanos, permitindo que suas vivências e manifestações se mantivessem livres de alterações provocadas por agentes externos”. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O PRESÉPIO, de Adolfo Boos Jr. Comentário: • Os presépios construídos por Franklin Cascaes eram feitos com as folhas da piteira e montados sob a lendária figueira da Praça 15 de Novembro, iniciaram uma tradição. • Franklin era conhecido como “Seo Francolino”. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O PRESÉPIO, de Adolfo Boos Jr. Tema central: • O conflito entre as tradições ilhoas e o seu apagamento sob o excesso de urbanidade no presépio de Cascaes que é estranhamente dessacralizado. Narrativa: • Lentamente chega um caminhão perto da figueira, que carrega um motorista idoso e três homens. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O PRESÉPIO, de Adolfo Boos Jr. Narrativa: • Eles descarregam, peça por peça,do presépio. • O jovem responsável pela montagem começa seu trabalho, mas os passantes o atrapalham. • Então, ele pede aos seguranças que tirem o povo dali. • O montador tinha uma foto do presépio no ano anterior e deveria segui-la, mas deu um toque pessoal, mudando a posição de um dos carneiros, estética... Estética! 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O PRESÉPIO, de Adolfo Boos Jr. Narrativa: • Quando chega a noite, o jovem decide mudar tudo de posição, acreditando que ficaria muito melhor, e assim o faz. • Na manhã seguinte, para seu espanto, todas as peças voltaram ao lugar correto. • O jovem insiste nas modificações. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O PRESÉPIO, de Adolfo Boos Jr. Narrativa: • Surge então o encarregado do museu que fica horrorizado com a situação e manda o jovem recolocar todas as peças no seu lugar de origem, afinal, São José foi apeado do camelo, Baltazar l largou a mão de Maria, tiraram a camisa do Avaí de Gaspar, recolocaram a capa nos ombros de Melchior que, por sua vez, desistiu de tourear a vaquinha. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O PRESÉPIO, de Adolfo Boos Jr. Narrativa: • O moço reclama que todos os dias colocava Jesus sobre uma árvore e de manhã ele estava novamente na manjedoura. • Alguém lembra que se o Professor Cascaes fosse vivo... ai deles. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O PRESÉPIO, de Adolfo Boos Jr. Observações: • Neste conto, o processo é mais importante do que o processado, talvez exatamente porque está ausente a figura de Cascaes. • Distante modelo original perdido, o criador sempre insiste na renovação, e todos exigem seu direito de opinião "estética",como em futebol todos se julgam técnicos. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel UMA NOITE DE PROFUNDA INSÔNIA, de Amilcar Neves Tema central: • Bruxas são erotizadas na maternidade de seres imaginários. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel UMA NOITE DE PROFUNDA INSÔNIA, de Amilcar Neves Narrativa: • Foi numa sexta-feira, numa noite de profunda insônia solitária. • O narrador, solteiro, diz que mora ocasionalmente na Ilha e que encontrou seu vizinho casado, que é Franklin Cascaes. • Ambos estão nos distantes anos 60 ou setenta. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel UMA NOITE DE PROFUNDA INSÔNIA, de Amilcar Neves Narrativa: • A rua está deserta, um ou outro cachorro perdido vagam pelas ruas. • Os vizinhos se encontram e caminham despreocupados até a Lagoinha do Jacaré do Rio Tavares, onde se acredita ser uma "maternidade tatarina",um "ninho de boitatás". 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel UMA NOITE DE PROFUNDA INSÔNIA, de Amilcar Neves Narrativa: • A noite é perfeita e o Franque declama uma quadrinha: Ilha das velhas faceiras e, também, das moças prosas... As bruxas dos teus encantos são l lindas que nem as rosas... 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel UMA NOITE DE PROFUNDA INSÔNIA, de Amilcar Neves Narrativa: • O narrador confessa acreditar que as bruxas da Ilha são absolutamente horríveis, e Mestre Francolino afirma: Quase isso, pois na verdade, apenas metade desse pessoal todo é que insiste em atestar que as bruxas são do jeito que descreveres. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel UMA NOITE DE PROFUNDA INSÔNIA, de Amilcar Neves Narrativa: • Apenas a metade diretamente interessada no assunto: as mulheres, as nossas mulheres, que temem a concorrência imbatível. • Em seguida, eles avistam um grupo de mulheres, que abanam o rabo para o vizinho do narrador: Francolino, meu lobisomenzinho de estimação! 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel UMA NOITE DE PROFUNDA INSÔNIA, de Amilcar Neves Narrativa: • Uma linda bruxa negra aproxima-se, dá um beijo em Cascaes. • Percebe o narrador que todos estão nus. • Retornam para casa, pela Mauro Ramos. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel UMA NOITE DE PROFUNDA INSÔNIA, de Amilcar Neves Narrativa: • Fala Franklin: A vida é assim mesmo, meu jovem amigo. Por diversos motivos não temos como compartilhar com os outros os nossos melhores momentos. Nem mesmo sendo um escritor de ficção: primeiro porque ninguém vai acreditar em ti e, se tiveres a intenção de falar a sério, corres um risco considerável de ver a tua reputação arruinada sem remédio. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel UMA NOITE DE PROFUNDA INSÔNIA, de Amilcar Neves Observações: • Neste conto, o autor reconstrói um encontro com o próprio Franque, colocando em xeque variadas questões: Bruxa existe ou não? Escritor terá "a intenção de falar sério"? Qual é a verdade? A ficção engloba personagens reais ou a realidade se compõe de personagens ficcionais? Criador e criatura podem conviver? 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel HISTÓRIA PRAIANA, de Eglê Malheiros Tema central: • Bruxas assumem a condição de mulher autônoma no patriarcado das famílias, então, quem se rebela é bruxa? 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel HISTÓRIA PRAIANA, de Eglê Malheiros Narrativa: • Partos foram doze, criou cinco. • Docelina é mulher de pescador, casada há 20 anos. • Já passou muita fome, está feia, pelancuda e seu marido é absolutamente controlador: não permite modernices, como, por exemplo, ir ao Posto de Saúde. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel HISTÓRIA PRAIANA, de Eglê Malheiros Narrativa: • Além disso, ele é o guardião do título de eleitor desta mulher sofredora. • Ele, o marido, chamado Armando, é dado a bebedeiras, bailões e bate na esposa. • Mas, ultimamente, aos sábados, Docelina tem ido ao posto de saúde para umas palestras sobre a valorização da mulher e seu trabalho. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel HISTÓRIA PRAIANA, de Eglê Malheiros Narrativa: • À noite, os homens comentam no bar que as bruxas estavam virando a cabeça das mulheres. • Um deles diz: Bruxas é que elas são. • Aquele professor da Escola de Artífices, que vivia escutando essas histórias, devia sair do túmulo para conhecer as verdadeiras, as dele não assustam mais ninguém. Tudo culpa das bruxas que vieram da cidade bagunçar as ideias de nossas mulheres. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel HISTÓRIA PRAIANA, de Eglê Malheiros Narrativa: • A Docelina ontem me enfrentou, se eu for para o bailão e encher a cara ela vai embora; pior, vai querer abrir inventário da herança do pai e pedir sua parte no terreno. • Armando afirma gritando: "Os da antiga tinham razão, bruxas, bruxas, existem e são de assustar. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel HISTÓRIA PRAIANA, de Eglê Malheiros Observações: • Eglê Malheiros, retrata a história de Docelina e seus 12 filhos, reduzidos a cinco, ou a quatro e meio, consolando-se com seus "anjinhos, almas puras", sem deixar, porém, de refletir "por que só filho de pobre vira anjinho?" • Enquanto as "modernices" a aliciam, seu marido Armando lança a contrapartida: nessas "modernices" estão as "bruxas" da pior espécie", como diria, se presente estivesse, aquele professor da Escola de Artífices! 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MINHA QUERIDA, de Fábio Brüggemann Tema central: • Antiga embarcação como pretexto para a realidade paralela. Narrativa: • O rapaz estava começando a se despedir de uma vida muito dura de garçom. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MINHA QUERIDA, de Fábio Brüggemann Narrativa: • Agora, além de dar adeus ao "Minha Querida", não precisa adivinhar mais, pela cara, roupa e conversa do freguês, o quanto será a féria, extraída dos mal contados dez por cento, no fim da noite, às vezes começo da manhã. • Não precisaria mais comprar terno de brechó, podia dar adeus às lojas de um e noventa e nove onde comprava a decoração de sua casa depois que os pais morreram. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MINHA QUERIDA, de Fábio Brüggemann Narrativa: • Aliás, após a morte da esposa do armador, ele comprara um novo barco com o nome "Minha querida Amália", mas, pouco depois, casou-se novamente e mudou o nome para "Minha Querida". • Contudo o que deixava nosso jovem mais feliz com sua nova vida era não passar mais em frente ao cemitério que ele jurava ter visto assombrações. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MINHA QUERIDA, de Fábio Brüggemann Narrativa: • Um dia, quando ainda trabalhava no restaurante, chegou para jantar o seu Francolino. • O garçom pediu para o patrão apresentá-lo ao professor que ouviu a história do rapaz e achou graça, mas afirmou que iria até o cemitério para mostrar a farsa das almas penadas. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MINHA QUERIDA, de Fábio Brüggemann Narrativa: • Seu Francolino mostrou que "o barulho era de uma árvore que balançava quando havia vento e raspava os galhos no muro. E a imagem era a sombra da mesma árvore no mesmo muro branco, iluminada pela mesma luz de um poste." 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MINHA QUERIDA, de Fábio Brüggemann Narrativa: • Depois da explicação, o professor foi embora e o rapaz foi com uma moça ao cemitério e visitaram uma lápide bem iluminada pela mesma luz que assombrava o muro e acharam a inscrição: “aqui jaz Amália Rodrigues da Silva (1921-1974)" • O rapaz concluiu que era a dona Amália do Minha Querida, e no sábado seguinte comprou o bilhete 1921 e ficou rico. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MINHA QUERIDA, de Fábio Brüggemann Narrativa: • Mudou de vida, casou-se com a moça, e agora vai todos os sábados ao túmulo de dona Amália, que nasceu, para a sorte do rapaz, em 1921. Observações: • Examinada criticamente, a história do marido de Amália (no naufrágio do "Amália"), insinua-se a história do cemitério assombrado, quando o seu Francolino mais desfaz crendices do que recolhe causos. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel DOIS BANDOLINS, de Flávio José Cardozo Tema central: A memória da coisa vivida (a ausência crônica da mulher, Elisabeth). 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel DOIS BANDOLINS, de Flávio José Cardozo Narrativa: • “Amanhã não venho trabalhar",o professor disse ao auxiliar Peninha no final do expediente, amanhã... tu bem sabes."e as palavras pararam. • No entanto, nem foi preciso dizê-las: Peninha botou a mão no ombro dele e bastou isso para mostrar que se lembrava muito bem de que amanhã, 30 de abril, era mais um aniversário da morte de Dona Beth. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel DOIS BANDOLINS, de Flávio José Cardozo Narrativa: • O professor dormiu pensando em passar aquele dia especial entre os desenhos, os escritos, as esculturas e os crochês, as músicas e as flores de sua amada falecida mulher que adorava tocar uma modinha de bandolim quando viva e moradores daquela mesma casa da Júlio Moura. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel DOIS BANDOLINS, de Flávio José Cardozo Narrativa: • Mas o professor decidiu que seria melhor trabalhar no Museu, lá Beth seria mais viva. • O dia foi normal e, após o expediente, o professor saiu sem pressa com seu TL verde. • À noite, sua fiel empregada Ana pôs a mesa. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel DOIS BANDOLINS, de Flávio José Cardozo Narrativa: • Ele sentou no sofá e começou a pensar em bruxas: a Irinéia das Dores, a Virgilina e as três filhas, Demetra, Canda Mandioca, Nica Besuga, Sinhá Bidica e outras. • Lá pelas onze e meia, ele ouviu sons, sim... era música... e de bandolim! 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel DOIS BANDOLINS, de Flávio José Cardozo Narrativa: • Foi para fora de casa ver o que era e quem tocava o instrumento não era Beth. • Seca como um longo graveto, murcha e feia que nem os sete pecados capitais, quem tocava o bandolim não era Beth, não, diabolicamente não, quem tocava não era outra senão a bruxa bandolinista da Orquestra Selenita Bruxólica, que certa noite, assim como o professor numa andança pela Ilha, apareceu para o pescador Geraldo Sem Medo, no Retiro da Lagoa. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel DOIS BANDOLINS, de Flávio José Cardozo Narrativa: •A bruxa horrorosa gritava para que Franklin esquecesse sua Beth, que ela estava morta. • O professor não sabia se invocava contra a megera segredos exorcísticos ou se deixava a bruxa ali mesmo. • Optou pela segunda. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel DOIS BANDOLINS, de Flávio José Cardozo Narrativa: • Quando entrou em casa, apareceu-lhe sua amada esposa, tocando a Ave-Maria de Schubert em seu bandolim. • Um vento, um bafo, pela Júlio Moura afora foi aquele desarvorado vôo de bruxa, sobre o qual o professor, discreto, nunca escreveu que um outro curioso por casos raros o fizesse. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel DOIS BANDOLINS, de Flávio José Cardozo Observações: • Em tom poético, sensual e transfigurador, o conto restitui-nos um dia de ausências, saudades, revivências de um Cascaes, de certa forma já desprendido do solo rude e entremostrando dimensões sublimadas, nos seus amores com Beth, amores que, se foram estéreis em relação a filhos, multiplicaram-se na afeição mútua, a ponto de, falecida ela, somente salvá-lo da solidão o "bendito Museu da Universidade",nesses "quatro anos sem Beth e sempre com ela",cena plenificada com a bruxa bandolinista sublimada e fundida na "soberana" Beth, bandolim silencioso na mão direita". 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel BRANCO ASSIM DA COR DA LUA, de Jair Francisco Hamms Tema central: • A memória de uma infância, na Ilha antiga, encontra áreas de profundidade humana. Narrativa: • Sabe quem morreu? O Orlandinho, filho da dona Zenilda. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel BRANCO ASSIM DA COR DA LUA, de Jair Francisco Hamms Narrativa: • O seu Orlando saiu agorinha para comprar um caixãozinho junto com o professor Franklin Cascaes, que, assim que soube, correu para lá. • O Orlandinho, por quem a mamãe lamentava, era albino. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel BRANCO ASSIM DA COR DA LUA, de Jair Francisco Hamms Narrativa: • Ele viveu seus poucos 11 anos sofrendo, ora contra a bronquite, ora com asma. • Era filho do negro Orlando da Purificação e da dona Zenilda, linda negra. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel BRANCO ASSIM DA COR DA LUA, de Jair Francisco Hamms Narrativa: • O narrador, que confessa ter sido seu vizinho, conta das perseguições ao menino, inclusive quando o chamavam de "barata descascada“. Tanto que na escola Orlandinho não saía para o recreio para não ser mais humilhado ainda e ficava desenhando. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel BRANCO ASSIM DA COR DA LUA, de Jair Francisco Hamms Narrativa: • Certo dia apareceu a professora dona Florentina com um homem até então desconhecido, era o professor Franklin Cascaes, que viera conhecer o Orlandinho e seus desenhos. • O professor ficou muito impressionado com a qualidade dos desenhos e prometeu matricular o menino na escola particular da professora Jurema Cavallazzi e no ano seguinte na Escola Industrial onde ele lecionava. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel BRANCO ASSIM DA COR DA LUA, de Jair Francisco Hamms Narrativa: • Pela primeira vez, o menino sorria e parecia feliz. • A escola era longe e, quando o menino se cansava, seu pai o levava no cangote. • Na hora do recreio, Orlandinho desenhava os colegas ou heróis dos quadrinhos e era um sucesso. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel BRANCO ASSIM DA COR DA LUA, de Jair Francisco Hamms Narrativa: • Mas esta felicidade só durou três meses, pois no dia 10 de julho, Orlandinho morria, vítima de insuficiência respiratória. • O narrador descreve a sala e os que estão no velório, como o Tércio da Gama e o Adolfo Boss e a parteira dona Vicentina. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel BRANCO ASSIM DA COR DA LUA, de Jair Francisco Hamms Narrativa: • O narrador lembra que foi ali, há pouco mais de 11 anos, ali mesmo, num quartinho ao lado da sala, à luz de um lampião, fora a primeira pessoa a ver e a segurar aquele menininho branco, branco, branco, branco assim da cor da lua. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel BRANCO ASSIM DA COR DA LUA, de Jair Francisco Hamms Observações: • O escritor, em cena de bastante intimismo poético, concentrada na morte do menino Orlandinho, faz transitarem do real para a ficção: Franklin Cascaes, Tércio da Gama, Adolfo Boss, o próprio autornarrador - todos "rapazes pequenos",moradores a Rua Bocaiúva, há décadas passadas. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O ABENÇOADO, de Júlio de Queiroz Tema central: • Conjuração de bruxas que amaldiçoam a moderna medicina. Narrativa: • Malina olhou ao longe e resmungou: “Há mil anos que venho recomendando a Pestina para aprender a chegar na hora combinada. Peste de bruxa que sempre se atrasa!”. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O ABENÇOADO, de Júlio de Queiroz Narrativa: • Tal comentário foi feito com o gato preto empoleirado no seu ombro esquerdo. • As bruxas começaram a se reunir, algumas contando as malvadezas que estavam aprontando. • Ao total eram sete, como deveria de ser. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O ABENÇOADO, de Júlio de Queiroz Narrativa: • Malina, convocando as bruxas, apresenta o motivo daquela reunião: “com essa história de progresso, de médicos aos montes e uma farmácia em cada canto e em cada farmácia mil remédios para tudo, nós estamos ficando mais que desmoralizadas.” • As bruxas concordam e apresentam exemplos de jovens que não acreditam mais em benzeduras e que preferem buscar a solução médica. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O ABENÇOADO, de Júlio de Queiroz Narrativa: • Fica decidido então que na próxima reunião trarão soluções para o problema. • Uma lua depois, caindo um Vento Sul fortíssimo, as bruxas começaram a chegar. • Malina não foi a primeira, mas também não foi a última. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O ABENÇOADO, de Júlio de Queiroz Narrativa: • Como só faltava a Pestina, Malina deu a sessão por aberta e quis saber o que é que suas irmãs haviam elaborado. • Pestina chega toda alvoroçada e diz que se atrasou porque viu em um lugarejo chamado São José um marido e uma mulher "querendo fazer aquelas coisas" e que lá haviam três fadas disfarçadas de rolinhas que abençoavam o fruto daquele amor, afirmando que nasceria um menino no dia 16 de outubro de 1908, o qual se chamaria Franklin. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O ABENÇOADO, de Júlio de Queiroz Narrativa: • Esse menino estaria destinado a preservar a cultura daquele lugar, bem como as histórias de bruxas. • Uma das bruxas apressou-se em dizer que era necessário matarem o menino, mas Malina, a bruxa chefe diz: “Não seja burra!.A gente não queria ser lembrada? Pois aí está o menino que vai cuidar para que a gente não morra na memória das pessoas.” 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O ABENÇOADO, de Júlio de Queiroz Narrativa: • As outras bruxas concordaram e cada uma foi embora para seu destino. Observações: • Este conto coloca em foco um autêntico congresso bruxólico, com o objetivo de se tomarem resoluções eficazes para deter o crescente descrédito com que as bruxas vêm sendo tratadas, por causa do progresso. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O ABENÇOADO, de Júlio de Queiroz Observações: • Até que a bruxa Pestina relata cena ocorrida em São José, onde três fadas comentavam a concepção e o nascimento futuro de um menino que registrará todas as estórias, lendas, costumes, bruxas e bruxedos da região. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel AO ENTARDECER, de Maria de Lourdes Krieger Tema central: •Pesca de arrastão como retrato antropológico. Narrativa: • A chuva bate nas costas desnudas dos pescadores ao puxarem os cabos da rede do arrastão. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel AO ENTARDECER, de Maria de Lourdes Krieger Narrativa: • Veranistas pedem por peixes, assim como Onofre, pescador já velho, mas que atua como olheiro em busca de cardumes. • Onofre não gostava muito das mudanças que trazia o verão: turistas, os corpos desnudos, o alarido e os costumes estranhos... • Além disso, seu amigo avisa que aquela destruição toda traria sérias consequências. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel AO ENTARDECER, de Maria de Lourdes Krieger Narrativa: • Este amigo aparecia sempre com folhas de papel e lápis numa pasta de couro e foi com ele Onofre aprendeu a valorizar o chão em que vivia. • O alvoroço da chegada das embarcações termina e Onofre agora volta a procurar cardumes, lembrando de seu amigo Franklin: “vejam os manguezais.” 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel AO ENTARDECER, de Maria de Lourdes Krieger Narrativa: • Nesse momento, ele sorri, pois sabe que esse amigo deve estar contando histórias fantásticas para aquela a quem ele rendia homenagens: Nossa Senhora do Desterro. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel AO ENTARDECER, de Maria de Lourdes Krieger Observações: • Este conto condensa uma cena ou instantâneo na vida praieira: a chegada dos pescadores com seu escasso produto, que é vendido para a divisão dos lucros, enquanto o "olheiro" Onofre lembra o amigo (não será preciso dar seu nome!) que tanto advertira sobre mudanças nefastas do progresso sobre essa ilha "embruxada pelo capitalismo e pelos gananciosos". 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Tema central: • A mulher é bruxa quando se emancipa. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • O narrador conta que tem o hábito de recortar matérias de jornal que possuam qualquer coisa de singular, inusitado, insólito, original, curioso, enfim, algo capaz de compor a natureza humana além da mesmice cotidiana. • Em seguida, conta que leu uma manchete na véspera do Natal de 1978, em que uma adolescente desapareceu sem deixar vestígios. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • Ela era uma estudante na Lagoa da Conceição. • O pai, indignado, afirmava que a filha tinha sumido na mesma data que um estranho gringo fizera também o mesmo. • A história não teria nada de especial, mas dez dias depois foi apresentado um diário, pela amiga da jovem que desaparecera. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • Este diário chamou a atenção do narrador que foi até a casa da moça e pediu uma entrevista com a mãe. • O narrador conseguiu ver a caderneta, mas não havia como pegá-la emprestada, então ele resolveu copiar as informações, cerca de dezessete anotações de página e meia cada, com apenas uma data: dia 4 de novembro. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • Quando já havia terminado, chegou o pai da moça, aparentemente embriagado e jogou a caderneta no fogo, afirmando tratar-se de um ritual para libertar a filha do embruxamento ou, como dizia o professor Franklin Cascaes, do fado bruxólico. • Descobre-se então que o nome do gringo era Raphael Constanzo Flores, alto, moreno, espadaúdo, gostava de fazer pães e era vizinho da moça. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • Ela havia decidido ser professora e, com o tempo, aproximou-se naturalmente do jovem. • A amizade transformou-se em paixão, até que acontece o inevitável e os dois fazem amor. • No mês seguinte, a menstruação não veio e Raphael não se mostrou surpreso e acertou que os dois iriam para Curitiba. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • No dia 04 de novembro, ela recebeu uma folha de jornal com uma edição especial a respeito de Franklin Cascaes. • Ela lê a notícia e vê o desenho de uma galinha choca. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • A reportagem apresentava informações sobre as bruxas da ilha: que elas tinham uma vida melhor se comparadas àquelas perseguidas pela Inquisição e que todas elas acreditavam que podiam voar, que possuíam poder sobrenaturais, poderes de curar, de matar e de mudar as condições climáticas, além de terem relações sexuais com os demônios íncubos (por cima) e súcubos (por baixo). 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • Os demônios se transformavam ora em homem (íncubo), ora em mulher (súcubo). • Para a transformação, o demônio deveria roubar o esperma humano, o que conseguia durante o sono, através da masturbação. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • As bruxas reclamavam que este esperma era muito frio, que eles tinham um membro muito ereto, mas sem sabor, porque era frio. • A mesma reportagem ainda fala sobre uma galinha que perseguiu um pescador e ele bateu nela, quebrando-lhe o braço e no outro dia apareceu Merência, com uma tipóia no braço. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • Então deram um surra naquela mulher e lhe jogaram água e sal, para tirar o fado bruxólico. • Depois disso, a moça tem alguns sonhos com bruxas e decide pela sua fuga na véspera do Natal. • O diário terminava ali. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Narrativa: • Mas havia também anotações sobre o o filho de Sibele com Raphael: Nathan, um rapaz moreno de olhos verdes, que tem quase vinte e cinco anos, cursa engenharia e até acha graça quando associam o seu nascimento a um forte cheiro de enxofre no ar, é o sinal dos tempos, afirma, embora hoje ninguém acredite mais em bruxas; mas que elas existem, existem. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O DIÁRIO DA VIRGEM DESAPARECIDA, de Olsen Jr. Observações: • Aqui se retoma a crendice bruxólica da Ilha da Magia, bem como um fato nada estranho às tradições açorianas (a fuga -rapto de adolescente), um caso de "fado bruxólico" se corporifica no sintético diário, astuciosamente reconstituído por ardis do narrador, que vai desfiando os fios dessa meada de aparência policialesca. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel TALVEZ A PRIMEIRA E ÚLTIMA CARTA, de Péricles Prade Tema Central: • Uma oitava filha interpela Franklin e advoga sua condição de não-bruxa. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel TALVEZ A PRIMEIRA E ÚLTIMA CARTA, de Péricles Prade Narrativa: • O conto, em modelo de carta, começa assim: Desterro, 14 de março de 1983. Seu Franklin... 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel TALVEZ A PRIMEIRA E ÚLTIMA CARTA, de Péricles Prade Narrativa: • A moça, chamada Benta, diz-se indignada, pois, após uma afirmação em "Bruxas Gêmeas", conto do livro "O Fantástico na Ilha de Santa Catarina" datado de 1950, ela tem passado por bruxa, apesar de nunca ter feito nenhum mal a ninguém. • Diz que seu único gostinho é ficar nua, assim como gostam as bruxas quando é sábado. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel TALVEZ A PRIMEIRA E ÚLTIMA CARTA, de Péricles Prade Narrativa: • Benta relata que é gêmea de Santa e que seus pais já tinham seis filhos e que todos sabem que quando nasce o sétimo, se for menina, será bruxa. • Seu pai, quando soube que a parteira, Custódia do Chico Pelego, esqueçera de marcar quem era a sétima, para chamar de Benta e livrá-la do mal. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel TALVEZ A PRIMEIRA E ÚLTIMA CARTA, de Péricles Prade Narrativa: • Então, o pai recorreu a Candinha Miringa, benzedeira e curandeira, mas de nada adiantou, pois seu Manoel Braseiro, não sabia responder quem era a filha bruxa. • A benzedeira, então, pediu ajuda de Lúcifer, seu chefe. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel TALVEZ A PRIMEIRA E ÚLTIMA CARTA, de Péricles Prade Narrativa: • O problema é que Belzebu apontou Benta como bruxa e como ele sabia que ninguém acreditava nele, acabaram por desfazer o mal em Santa, o que de nada adiantou. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel TALVEZ A PRIMEIRA E ÚLTIMA CARTA, de Péricles Prade Narrativa: • Ao final, Benta acha graça da armadilha do demo e pede que o Sr. Cascaes mude o seu texto, caso contrário "Se até amanhã, dia 15, eu não for atendida, mudando o que deve ser mudado, morrerá para jamais voltar a cometer equívocos dessa natureza. E para aprender que não só as bruxas fazem mal.“ • O criador (ou compilador) não fugia do poder das criaturas! 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel NOITES DE ENCANTAMENTO, de Raul Caldas Filho Tema central: • Relacionamento animoso e amoroso entre a antropóloga incrédula e o defensor do que é nativo. Narrativa: • Um menino ouve, na noite que avança, histórias fantásticas de monstros, bruxas lobisomens até que sua mãe ordena que ele vá dormir. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel NOITES DE ENCANTAMENTO, de Raul Caldas Filho Narrativa: • O menino de 10 anos, Franklin, brinca de modelar na areia aquelas noites de encantamento. • Após um mês da morte de Franklin Cascaes, em maio de 1983, Ricardo recebeu um telefonema de uma jornalista carioca querendo uma entrevista sobre nosso professor. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel NOITES DE ENCANTAMENTO, de Raul Caldas Filho Narrativa: • Seu nome era Natasha, uma bela mulher, de seios pontudos e corpo esguio. • Ricardo levou-a até o Museu para apresentar as pinturas, desenhos, livros, pequenas esculturas de cerâmica e falou sobre as velhas crenças açorianas e principalmente sobre bruxas e como elas nascem. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel NOITES DE ENCANTAMENTO, de Raul Caldas Filho Narrativa: • Natasha parecia desdenhar das histórias e Ricardo acha que ela é uma "racionalista-cartesiana, chata e presunçosa.“ • Quanto mais ela conhecia do trabalho de Cascaes, mais achava tudo aquilo crendice de baixo extrato, sem o menor valor para antropologia. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel NOITES DE ENCANTAMENTO, de Raul Caldas Filho Narrativa: • Ricardo lembrou-se de Sinhá Vitelina, uma velha curandeira e levou Natasha para conhecê-la. • A velha afirmou: bruxaria é a maldade que ainda domina o mundo e se aloja na cabeça das pessoas. É o ódio, a inveja, o despeito, a luxúria, a violência, a maledicência. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel NOITES DE ENCANTAMENTO, de Raul Caldas Filho Narrativa: • Natasha e Ricardo voltaram para o carro e ficaram um bom tempo sem falar. • Ela pediu que ele parasse em uma enseada, às margens da baía Sul. • Eles começaram a trocar carícias mais que picantes e foram caminhar por um descampado. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel NOITES DE ENCANTAMENTO, de Raul Caldas Filho Narrativa: • Natasha interrompeu Ricardo e disse: Meus pais vieram da Ucrânia para o Brasil, fugindo dos horrores da Segunda guerra Mundial. Estabeleceram-se no Rio de Janeiro e tiveram sete filhas. Eu fui a sétima. • Interrompeu-se mais uma vez e acrescentou, enigmática: sou então uma bruxa. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel NOITES DE ENCANTAMENTO, de Raul Caldas Filho Observações: • Este conto confirma que bruxas não povoam apenas a Ilha de Santa Catarina, pois, cerca de um mês após a morte de Cascaes, veio à Ilha Natasha, sétima filha de um casal que viera ao Rio de Janeiro, fugindo dos horrores da Segunda Guerra Mundial na Ucrânia. E veio com todos os direitos. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MISTÉRIO NO MIRAMAR, de Salim Miguel Tema central: • A imaginação tem memórias. Narrativa: • "Atravessou correndo a Praça, ofegante e trêmulo entrou na cozinha adentro, onde a mãe preparava o café, e mal conseguiu murmurar: Ma-mãeo-cor-po-osom.” 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MISTÉRIO NO MIRAMAR, de Salim Miguel Narrativa: • O menino contou que estava no Miramar e viu um corpo e uma voz insistindo para ele falar com o Franklin. • O corpo foi levado ao necrotério e o Dr. Luís Delfino vai fazer a autópsia. • Já no outro dia os jornais noticiavam "MISTÉRIO NO MIRAMAR. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MISTÉRIO NO MIRAMAR, de Salim Miguel Narrativa: • Ninguém sabia quem era o homem que estava sem dinheiro, documentos, apenas um lenço no bolso e uma pasta de couro, com as letras JCS, amarrada ao pulso. • O pai e o menino foram até a delegacia, pois o pai conhecia o comissário Várzea. • O garoto recontou o que ouviu sobre falar com o Franklin. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MISTÉRIO NO MIRAMAR, de Salim Miguel Narrativa: • Virgílio, o escrivão, disse que havia o professor da Escola Industrial. • O professor não sabia de nada, apesar do menino Ernani ouvir seu nome e o cadáver possuir um desenho que poderia ser seu. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MISTÉRIO NO MIRAMAR, de Salim Miguel Narrativa: • Subitamente Cascaes revela que alguns dias atrás um homem lhe fizera um pedido estranho de um desenho: suas bruxas, com inteira liberdade, a única exigência é nas caras, uma deve lembrar Cruz e Sousa, outra a noiva Pedra, a terceira a esposa Gavita, a quarta, com cinco cabeças: Julieta, Carolina, Cruz, Gavita, Pedra. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MISTÉRIO NO MIRAMAR, de Salim Miguel Narrativa: • Franklin explicou que o rapaz só buscou o primeiro desenho e quando Ernani viu o segundo desenho tomou um susto, dizendo que era aquele ser que o perseguiu no Miramar. • Também lembrou-se nosso professor que o nome do indivíduo era João, que tinha estado em um hotel, mas que ninguém sabia de seu paradeiro e que quando foi ao Hotel La Porta só encontrou nomes de poetas como Andrade Muricy, Tasso, Alceu, Alphonsus, Abelardo, Raymundo, Roger. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MISTÉRIO NO MIRAMAR, de Salim Miguel Narrativa: • Cascaes afirma ao delegado que estas coisas misteriosas são típicas, são tudo coisas desta Ilha misteriosa e embruxada. • O comissário Várzea e o escrivão Virgílio continuaram suas buscas, falaram com o motorista do caminhão-do-lixo Santos Lostada, mas nada encontraram. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MISTÉRIO NO MIRAMAR, de Salim Miguel Narrativa: • O menino Ernani, certo dia, quando lia Broquéis, de Cruz e Sousa, viu passar uma bruxa enorme de cinco cabeças, ela deu um vôo rasante pela Praça XV e se perdeu pelos lados da Ponte. • Lembrou-se do professor Franklin: Neste mundo, como disse o Poeta, há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel MISTÉRIO NO MIRAMAR, de Salim Miguel Observações: • Neste conto, Franklin Cascaes participa, como personagem, de vários relatos. • Mistério no Miramar aparenta ingredientes policiais, concentrado num corpo misterioso recolhido nas águas junto ao Miramar. • Há um sutil refinamento que aponta para prodigiosa riqueza intertextual dos nomes das personagens. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Tema central: • Bruxas desenham, em uma aparição feérica, o apavorado perguntador da cidade. Narrativa: • Tudo aconteceu no final dos ano 50 ou início dos anos 60, não lembro muito bem, diz o narrador. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Narrativa: • Ele possui uma pequena gráfica e leciona matemática para sobreviver. • O amigo Maurício apareceu com a idéia de fazer um folheto de 16 páginas sobre as bruxas de Franklin, imprimiriam 200 exemplares e rachariam a venda. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Narrativa: • O narrador lecionava no mesmo colégio do professor Franklin. • Em um intervalo de aula, ele apresentou seu projeto e emprestou algumas de suas anotações. • Depois, Franklin passou o endereço de um amigo, o Zeferino, de Pontas das Canas. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Narrativa: • Mas o senhor, professor Franklin, acredita em bruxas? Eu acredito na mente das pessoas, que cria tudo o que elas acreditam... meu trabalho é o de apenas anotar as histórias que esse povo conta. • Maurício achou ótimas as histórias e a ideia de visitar no sábado à tarde o Zeferino, mas o narrador foi sozinho, pois seu amigo foi para Curitiba. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Narrativa: • Zeferino era um homem simples e recebeu muito bem o entrevistador, o problema foi que começou a cair uma chuva forte. • O senhô vai ficá nesta casa até a chuva passá, mesmo que dure três dia falou Zeferino. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Narrativa: • A conversa dentro da casa foi trivial até que Zeferino foi perguntado sobre duas réstias de alho penduradas na parede da sala e sua esposa informou que eram proteção contra as bruxas e que ele deveria ficar também com um dente de alho. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Narrativa: • Relataram ao narrador que o filho deles, o menino Pedro, já estivera embruxado e que dona Luiz Benzedera conseguira salvá-lo com uma reza assim: Treze raio tem o sóli/treze raio tem a lua./Sarta diabo pro inferno/ qu'esta alma não é tua./tosca marosca, rabo de rosca/ (...) • A conversa seguiu até a hora de dormirem. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Narrativa: • A noite foi de pernilongos e já pelas cinco e meia da manhã o narrador estava de pé. • Ele se despediu e foi pelo lado da praia . • Pelo caminho encontrou uma baleeira com um abrigo e ficou aterrorizado ao ver "três velhotas dentro da baleeira, muito altas, magras e feias, que fingiam remar remos invisíveis e faziam uma tremenda algazarra. 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Narrativa: • Um pouco adiante, a dois passos da baleeira, numa árvore enorme e de tronco grosso, outra velhota do mesmo tipo ia e vinha, sentada num balanço preso por cordas trançadas e amarradas a um dos galhos. • As bruxas ameaçaram: Lá vai o istepô de bundinha branca! Tá dizendo por aí que vai falá da gente! (...) Vamo enfiá um remo no rabo desse maroto! 13 CASCAES Orgs. Flávio José Cardozo e Salim Miguel O FOLHETO, de Silveira de Souza Narrativa: • O folheto nunca foi publicado, Maurício não voltou de Curitiba e só agora, anos mais tarde, Silveira de Souza confessa ter coragem de contar o ocorrido e reza para que ninguém acredite.