IRRITABILIDADE EM LACTENTES -Cólica?? Universidade Federal de São Paulo Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica Érica Yamamoto • O choro é um dos métodos mais importantes de comunicação entre lactentes e seus cuidadores. É considerado normal se variar entre 2,5 horas/ dia a 2,5 horas/ semana (1,2). • Sinal primário para demonstrar fome, sede, excesso de agasalho, roupas apertadas, fralda suja, irritação, necessidade de atenção, desconforto ou dor (1). 1- Steven R. Poole, MD, Pediatrics, Vol.88 No.3 Sep 1992 2- Solvi Helseth PhD, RN, Journal of Clinical Nursing, Vol.11; 2002 23- Reijneveld,AS. at al, Pediatrics, Vol. 108, 2001 • Quando os pais ou cuidadores não conseguem acalmar os lactentes com alimentação, troca de fraldas, carregando no colo, sentem-se incapazes, o que gera stress e necessidade de procurar serviço médico (3). • A irritabilidade de lactentes é uma das queixas mais comuns levadas ao pediatra no primeiro ano de vida (1,4). 1- Steven R. Poole, MD, Pediatrics, Vol.88 No.3 Sep 1992 3- U. Pauli-Pott, Journal of Psychosomatic Research, Vol.48, Sep 2000 4- Marie L. Lobo, J Pediatr Health Care, Vol.18; 2004 • Se não apresentar qualquer causa orgânica que justifique a irritação, e a criança apresentar-se bem nutrida e em desenvolvimento adequado, a irritação pode ser considerada cólica do lactente (“Cólica dos 3 meses”) (3). • Dados atuais sugerem que doenças orgânicas estão associadas com cólica em aproximadamente 5% dos casos (“colic-like syndrome”) (3). 3- U. Pauli-Pott, Journal of Psychosomatic Research, Vol.48, Sep 2000 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224. Cólica do Lactente • Síndrome comportamental que ocorre principalmente durante os 3 primeiros meses de vida. Em aproximadamente 30% dos casos, persiste até o 4° e 5° meses (3,4,5). • Os critérios para definição são vagos e a falta de informações exacerba a angústia dos pais (4). conclusivas 3- U. Pauli-Pott, Journal of Psychosomatic Research, Vol.48, Sep 2000 4- Marie L. Lobo, J Pediatr Health Care, Vol.18, 2004 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224. Cólica do Lactente Critérios de Wessel(1954): regra dos 3 1°- Choro por mais de 3 horas por dia, 2°- por mais de 3 dias na semana, 3°- por mais de 3 semanas. Como poucos pais e médicos estão dispostos a esperar 3 semanas diante da queixa, o 3° critério está em desuso (modificado por Wessel e col.) (4,5). 4- Marie L. Lobo, J Pediatr Health Care, Vol.18, 2004 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224. Cólica do Lactente Características: - choro mais freqüente no final da tarde e à noite - a criança não se acalma com colo, amamentação - choro súbito, inexplicado prolongado, breves pausas - “careta” de dor - estica e encolhe os membros - contração do abdômen - rubor facial - eliminação de flatos: alívio temporário Cólica do Lactente • São 3 as teorias mais aceitas quanto à etiologia da cólica do lactente (6): # Alérgica – relacionada à proteína do leite de vaca # Gastrointestinal – hipertonicidade e imaturidade # Psicológica – inadequada interação mãe-bebê 6- Lindberg et al, Acta Paediatr, Vol.89, 2000 Alérgica A) Reação à proteína do leite de vaca – (4,5,6,7). # Estimula reação de hipersensibilidade gastrointestinal. # Em fórmulas alimentares há altas concentrações de proteínas potencialmente antigênicas 4- Marie L. Lobo, J Pediatr Health Care, Vol.18, 2004 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224 6- Lindberg et al, Acta Paediatr, Vol.89, 2000 7- Lucassen et al. BMJ, Vol.316, May 1998 # O leite materno está exposto a baixas concentrações de proteínas antigênicas, mas quase não há diferença com as fórmulas, pois as proteínas mais antigênicas do leite de vaca, como a betalactoglobulina e caseína são encontradas no leite humano, porém em menor concentração (menos de 33ng/mL) (5,6,7). # As proteínas do leite de vaca passam através do leite materno. 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224 6- Lindberg et al, Acta Paediatr, Vol.89, 2000 7- Lucassen et al, BMJ, Vol.316,1998 Segundo Jakobson et al. (6): • melhora da cólica (tempo e intensidade de choro) em um grupo de crianças, com eliminação do leite de vaca da dieta das mesmas e das mães que amamentavam. • lactentes com cólica intensa responderam satisfatoriamente à fórmula de caseína-hidrolizada. 6- Lindberg et al, Acta Paediatr, Vol.89, 2000 • Desencadeamento realizado em 2 semanas, 50% responderam com aumento no tempo de choro • Porém, estudo não conclusivo devido pequeno número de crianças analisadas (22lactentes). • Hipersensibilidade à proteína do leite de vaca contribui para alguns casos de cólica (controverso): - específico para casos em particular de “colic-like syndrome” ? - mecanismo que exacerba por outro lado um aumento normal da curva de choro nos primeiros meses de vida? 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224 Gastrointestinal • • Alterações na atividade motora intestinal podem predispor à cólica do lactente como origem de “desarranjo” abdominal ou, indiretamente, por afetar a distribuição do conteúdo intraluminal (incluindo gás) no intestino (5) Prostaglandinas (5) – presentes em alta concentração no leite materno – podem induzir cólica e diarréia em lactentes – atuam sobre a contração do músculo liso e motilidade gastrointestinal. • Hormônios intestinais (7,8) – estão envolvidos na regulação da motilidade – desenvolvem-se precocemente na vida fetal (25 semanas) • Níveis basais de Motilina estão aumentados em crianças com cólica, independente da dieta • Níveis de Peptídio intestinal vasoativo e Gastrina são normais 8- Lothe AS et al, Acta Paediatr Scand, 1987; Vol.76:316-20 9- Lothe AS et al, Acta Paediatr Scand, 1990; Vol.79:410-16 • Esses 3 hormônios estão aumentados em outras síndromes gastrointestinais sintomáticas, sugerindo alguma especificidade para o papel da motilina. • Níveis de motilina – mais aumentados em crianças com cólica que recebem fórmulas alimentares, do que nas que recebem leite materno – mantêm-se elevados durante os primeiros 3 meses de vida – se aumentados, podem indicar alteração ou imaturidade intestinal • Lothe L e cols., 1986, Suécia (8) # Estudo prospectivo na cidadde de Malmö analisou 78 (242) recém-nascidos, nas primeiras 12 semanas de vida # Motilina sérica foi analisada em amostra de sangue colhida do cordão umbilical no 1° dia de vida; com 6 e com 12 semanas de vida # 19 com e 59 sem cólica (questionário) 9- Lothe AS et al, Acta Paediatr Scand, 1990; Vol.79:410-16 # Crianças alimentadas com fórmulas alimentares apresentaram níveis mais elevados de motilina em comparação com grupo controle em 6 e 12 semanas # LM – também aumentados em comparação ao controle de 12 semanas # O aumento dos níveis de motilina desde o 1° dia de vida em crianças que desenvolveram cólica pode indicar que o TGI é “afetado” antes de qualquer sintoma de cólica aparecer 9- Lothe AS et al, Acta Paediatr Scand, 1990; Vol.79:410-16 Opióides e colecistocinina estão implicados na regulação da percepção da dor e saciedade, e esses papéis podem envolver-se rapidamente na infância precoce A colecistocinina age contraindo a vesícula biliar e inibindo a motilidade gástrica; interrompe o padrão de jejum(5, 10). 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224 10-Guerra, SNPR, Jornal de Pediatria, Vol.76, Supl.2, 2000; 157-164. • Essas relações podem ser fatores determinantes para o desenvolvimento de comportamento de angústia (stress) precoce nas crianças. • Sistema comportamental e gastrointestinal podem ser reguladores complementares do choro 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224 • A freqüente amamentação com leite materno (alto conteúdo de proteína e gordura) pode reduzir choro por fome e resultar em menor quantidade de substrato fermentado chegando ao cólon, e aumentar liberação de colecistocinina (acalmar e melhorar ritmo de sucção).(5) 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224 Psicológica # Embora crianças sejam inseridas no mundo social desde o nascimento, elas têm um pequeno controle de comportamento no período neonatal. Durante os primeiros meses desenvolvem estilos de interação diferentes, de acordo com seus cuidadores. # A atitude dos cuidadores diante do choro das crianças reflete diretamente no comportamento, então é necessário que estejam preparadas psicologicamente para cuidar delas. 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224 11- St James-Roberts at al, J.Child Psychol. Psychiat, Vol.32, 1991 12-Zeanah,CH, J.Child Psychol. Psychiat., Vol.38, 1997 • A “síndrome da angústia mãe-bebê” pode ser ocasionada por choro persistente em bebês, cuja dinâmica familiar seja afetada. • Temperamento difícil é um padrão que, entre outros aspectos, inclui humor negativo e dificuldade em adaptar a novas situações; é considerado um fator de risco para problemas comportamentais da criança. 13- Pauli-Pott,U. at al, Development and Psychopathology, Vol.16, 2004,19-42. 23- Reijneveld,AS. at al, Pediatrics, Vol. 108, 2001 Aspectos psicológicos influenciam no padrão de sono, amamentação, tempo para dar atenção (carinho). Segundo Rieger,M.at al, aumento de stress durante a gestação é fator predisponente para nascimento de bebês com problemas alimentares, agitação, choro persistente (irritabilidade) e problemas de sono na infância precoce. 14- Alvarez,M. at al, Acta Paediatr, Vol.85, 1996, 463-6 15-Skuladottir, A. at al, Pediatric Nursing, Vol.29, 2003, 375-78 16- Rieger,M at al, Ann.N.Y.Acad.Sci, Vol1032, 2004, 228-230 O desenvolvimento do controle e tolerância da ansiedade, dependem da interação dos pais e influenciam no estado emocional da criança. Está também relacionado o contato dos cuidadores com a criança (“olho no olho”, voz calma, tranqüilidade ao lidar com a mesma) Depressão materna, brigas conjugais, crises financeiras, “falta de tempo” também são fatores que podem influenciar no relacionamento (interação) dos cuidadores com as crianças. 12-Zeanah,CH, J.Child Psychol. Psychiat., Vol.38, 1997, 81-99. 13- Pauli-Pott,U. at al, Development and Psychopathology, Vol.16, 2004,19-42. 17- Miri Keren, MD. at al, J.Am.Acad.Child Adolesc.Psychiatry, Vol.40, 2001, 27-35. Tratamento • O tratamento varia principalmente com a etiologia atribuída à cólica: # Algumas pesquisas têm avaliado a substituição do leite de vaca por fórmulas de soja ou hidrolisado de proteínas (controverso). 7- Lucassen et al, BMJ, Vol.316,1998 Tratamento • Intervenções comportamentais - acalmar - embalar a criança - passear de carro - diminuir tensão e stress dos cuiadores - técnicas de amamentação (olho no olho) - melhorar padrão do sono (diminuir agitação) - atenção para “fome” e “troca de fraldas” 4- Marie L. Lobo, J Pediatr Health Care, Vol.18, 2004: 115-22 5- Walker-Smith – Pediatric Gastrointestinal Disease, Colic and Gas, 2004:210-224. 7- Lucassen et al, BMJ, Vol.316,1998:1563-9 18- Winnicott, DW. In A família e o desenvolvimento individual, 1983, capítulo2: 22-8 23- Reijneveld,AS. at al, Pediatrics, Vol. 108, 2001:893-7 Tratamento • Medicamentos: • Dicilomina- droga anticolinérgica efetiva no tratamento da cólica, mas 5% das crianças tratadas podem ter efeitos colaterais(apnéia) . • Cimetrópio bromida- droga anticolinérgica, derivado sintético da escopolamina, usada na crise de cólica e não para trata-la.Ocasiona menos efeitos colaterais que a diciclomina. 19- Wade,S. at al, BMJ, 2001,Vol.323:437-40. 20- Savino,F. at al, JPGN, 2002,Vol.34:417-9 Tratamento • Simeticona- diminui a tensão superficial das bolhas de gás, causando sua coalescência, e acelerando a passagem de gás através do intestino, enquanto o volume de gás é o mesmo. • Metcalf TJ. At al- em estudo randomizado, duplo-cego, transversal realizado na cidade de Salt Lake - 83 lactentes entre 2 a 8semanas de vida com cólica - tratados com simeticona e placebo. - questionário # 28% respondeu apenas a simeticona # 37% apenas ao placebo # 20% a ambos. - sem diferença estatisticamente significante. - simeticona não é mais eficaz que placebo no tratamento da cólica infantil 21- Metcalf,TJ. Pediatrics, Vol.94, 1994: 29-34. Tratamento • Dimeticona- óleo inerte de silicone com propriedades protetoras sobre o TGI e ação adsorvente. Considerada adjuvante no tratamento em que o gás localizado no TGI é um problema.É fisiologicamente inerte e sem toxicidade por não ser absorvida pela mucosa gastrointestinal. 22- Ferreira,V J A. , Arq Neuro-Psiquiatr, Vol.59,2001:1-7. Tratamento • Homatropina- composto semissintético derivado da atropina, com menos efeitos tóxicos sobre SNC.É utilizada como antiespasmódico, agindo diretamente sobre o músculo liso. • Dimeticona+Homatropina (Espasmo Luftal)- associação que pode estar relacionada com sintomas extra-piramidais (quadro disfuncional dos gânglios da base). 22- Ferreira,V J A. , Arq Neuro-Psiquiatr, Vol.59,2001:1-7. Considerações finais • Há uma grande necessidade de mais pesquisas para definições sobre etiologia e tratamento para irritabilidade em lactentes(protocolos). • É necessário identificar papel da maturidade do sistema neurológico na alteração comportamental na cólica do lactente. • Embora seja um dilema a resposta à angústia dos lactentes e seus cuidadores, na ausência de patologias orgânicas está claro que deve-se prevenir conseqüências negativas como síndrome “shaken-baby” e depressão ou insegurança nos cuidadores. (terapêutica positiva!!).