Literatura Brasileira
Professora: Pollyanna Mattos
COBRA NORATO
Raul Bopp
Sobre o Autor
Raul Bopp é um autor gaúcho nascido em 1898 que fez parte da
primeira geração do nosso modernismo. Não chegou a receber as glórias da
crítica nem a preferência do público, optando mais pela carreira diplomática
do que pela literatura.
Na década de 1920 percorreu a Amazônia e em 1922 participou na
Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Passou a integrar, com Oswald de
Andrade, Tarsila do Amaral e Antônio Alcântara Machado, os movimentos
Pau-Brasil
e
Antropofágico.
Em 1931 lançou "Cobra Norato", seu primeiro livro de poesia e um dos mais
importantes do modernismo.
Como jornalista e diplomata, de 1942 a 1973, viveu em Los Angeles
(EUA), Berna (Suíça), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF) e Porto Alegre (RS).
Publicou, entre outros, os livros em prosa "América, Notas de um
Caderno sobre o Itamaraty", "Movimentos Modernistas no Brasil:
1922/1928", "Memórias de um Embaixador", "Bopp Passado a Limpo por Ele
Mesmo", "Vida e Morte da Antropofagia" e "Longitudes".
O que é Cobra Norato?
Cobra Norato é uma obra, baseada em uma lenda
amazônica, que explora a riqueza e o onirismo de mitos
aquáticos populares da região, como os da Boiúna e da
Cobra Grande.
Segundo relatos, Norato, ao cair da noite, deixava
na margem do rio seu couro de cobra e se travestia de
humano elegante, participando de bailes e seduzindo
mulheres, para que elas o seguissem e se afogassem nas
águas do rio. A história se funde, ainda, com a lenda do
boto, que, à noite, se transforma em homem e sai para
engravidar as mulheres.
Estilo de Época a que pertence:
MODERNISMO
Cronologicamente, o livro se insere
na 2ª fase do modernismo, mas
incorpora aspectos importantes da
1ª fase.
Características da obra
 “Cobra Norato” é um drama épico, mas também mitológico, que
retrata o folclore da região amazônica, a fala das pessoas daquele
local.
 Tem estrutura de versos livres.
 É um exemplo da estética antropofágica – põe em movimento o
ritual de devoração das tradições, da mescla do universal com o
local. A pororoca pode ser uma alegoria do Movimento
antropofágico por causa da devoração e transformação de tudo
que está em volta.
 Há no poema referências epopeias greco-latinas, nas quais um
personagem atravessa mundos desconhecidos em busca da
superação dos próprios limites.
Características da obra
 Regionalismo: A lenda, o mito e o folclore em que Bopp se
baseia para construir sua história são oriundos das narrativas
colhidas entre índios, negros, caboclos, ribeirinhos, etc., com
quem o poeta conviveu ao longo de sua viagem.
 Tem conotações sexuais:
“Ventres de florestas gritam;/-Enche-me!” (XIII)
“A água tem a molura macia de perna de moça, compadre!”
(XIV)
“Corobas sujas levantam o vestido” (VII)
 É um poema linear, ou seja, tem início, meio e fim.
 Segue a linha do "primitivismo" da década de 1920 .
Principais Personagens
Cobra Norato: homem que tomou a forma de uma cobra para atravessar a
floresta e encontrar a sua amada, a filha da rainha Luzia.
Rival: a Cobra Grande (Boiúna). Confundida com um navio. Ela busca
“moça que ainda não conheceu homem”. Está com a filha da rainha
Luzia, a qual será roubada por Cobra Norato.
Tatu-de-bunda-seca – (conhecedor de todos os mistérios do mato) ajuda
Cobra Norato a sair do “útero de lama” e o acompanha na aventura.
Joaninha Vintém – farinheira que conta o caso do Boto. Quer ir com
Cobra Norato, mas ele não a leva.
Pajé: curandeiro, faz uma pajelança quando o corpo é tomado pela onça
curuana, assim os doentes de sezão serão examinados. Mescla das
crendices indígenas com as africanas.
Saci e o pajé-pato: Norato ao pedir licença ao vento os encontra, estes
arredam o mato em troca de cachaça. O pajé ensina à Cobra Grande o
caminho errado, quando ela estava perseguindo Cobra Norato.
Cururu – Sapo sentinela da casa da Boiúna.
Tamaquaré –(árvore) “cunhado”, a quem Norato pede para correr
imitando seu rastro.
Resumo comentado dos
capítulos
I – “Um dia
eu hei de morar nas terras do Sem-fim”
Este é o verso de abertura. Representa o desejo
do eu-lírico e a ideia de BUSCA. Cobra Norato é
um homem que estrangula uma cobra, entra na
sua pele e começa a correr o mundo. Quer visitar
a Rainha Luzia e se casar com sua filha.
II – “Começa agora a floresta cifrada”
O eu-lírico entra na floresta “cifrada”; a floresta
que tem de ser decifrada, entendida,
compreendida. Vai descrevendo, nesta parte, os
elementos típicos da fauna e flora brasileiras. Vê
sapos, pedaços de mato, árvores, fio d’água,
lama, atoleiros, o Bicho do Fundo, a selva
imensa. Sempre buscando a filha da Rainha
Luzia.
III– “Sigo depressa machucando a areia
Erva-picão me arranhou.”
O eu-lírico continua sua busca pela floresta, que
se revela pouco a pouco. Caules gordos,
galhinhos fazendo psiu, ou seja, vemos aí uma
personificação de um ser da natureza.
Ele vê moitas de tiririca, um charco de umbigo
mole. Tais elementos compõem o quadro da
travessia do eu-lírico, em busca da filha da
Rainha Luzia.
IV – “Esta é a floresta de hálito podre
parindo cobras.”
É a descrição da floresta parada, imensa nas
águas podres. Há um uso intenso da
prosopopeia/antromorfização nesta parte. O eulírico descreve, por exemplo, os rios como
magros, as raízes como despenteadas. Fala do
charco que engole a água do igarapé, o fedor, o
pau seco que despenca, o sapo que pergunta:
“Quem é você? – Sou Cobra Norato/ Vou me
amasiar com a filha da Rainha Luzia.”
V – “Aqui é a escola das árvores
Estão estudando geometria.”
Mais uma vez notamos a forte antropomorfização
dos elementos naturais. Fala-se das arvores
cegas de nascença que têm de obedecer ao rio.
São as escravas do rio. Na “escola das árvores”,
as árvores cantam em uníssono, como as
crianças, na escola primária: “Ai ai! Nós somos
escravas do rio.”
VI – “Passo nas beiras de um encharcadiço
Um plasma visguento se descostura
e alaga as margens debruadas de lama”
O eu-lírico avança, sempre mais, na pele da
Cobra Norato, fura paredões moles, cai num
fundo de floresta mal assombrada, soldados
fabricam terra, o mato amontoado se derrama no
chão, arbustos desconhecidos, vento-ventinho,
etc.
VII – “Ai! Tenho presa. Vou andando
Furo tabocas
- onde estou?”
Continuamos com a descrição cheia de
prosopopeias: árvores de galhos idiotas, águas
defuntas esperando apodrecer, raízes com fome,
carobas sujas, açaís pernaltas, miritis, sapo
sozinho, o ronco do trovão, a sombra com os
horizontes.
VIII – “Desaba a chuva
levando a vegetação”
Descrição do impacto da chuva na floresta:
A tempestade assola a floresta, nuvens negras,
palmeiras voltadas para o céu, as tiriricas fogem,
as saracuras piam, guariba puxa rezas lagoas se
arrebatam, galhos secos despencam... O “céu
tapa o rosto/ Chove... Chove... Chove...”
IX – “Ai que estou perdido
Num fundo de mato espantado malacabado”
Cobra Norato fica na lama, depois da
tempestade. Aparece alguém na escuridão: o
Tatu de bunda-seca. O eu-lírico pede auxílio para
sair do lodaçal (“goela podre”). Responde o Tatu:
“Então segure no meu rabo que eu le puxo”.
Nesse trecho, vemos o uso da forma coloquial
“le” no lugar de “lhe”, ou seja, vemos um traço
modernista na linguagem.
X – “Agora
quero um rio emprestado pra tomar banho”
Os rios estão sujos de lama, mas Cobra Norato
quer um rio limpo para tomar banho e dormir
“três dias e três noites/com o sono do Acutipuru.”
XI – “Acordo
O silêncio dói dentro do mato”
Aparecem as estrelas, depois da tempestade, as
águas refluem. O eu-lírico explica sua vontade:
ouvir música mole, “música com gosto de lua” e
do corpo da filha da Rainha Luzia. O eu-lírico
prossegue.
XII – “A madrugada vem se mexendo atrás do
mato”
Dia claro, depois da noite de lua “ com olheiras”
(crescente/minguante). As raízes acordam, o rio
vai para a escola estudar geografia, gaivotas,
árvores acocoradas. Os horizontes chamam o
eu-lírico, que tem de prosseguir na busca, na
travessia.
XIII – “Solzinho Infantil
cresceu engordurado e alegre”
Descrição da floresta interrompida, fechada. Rios
escondidos, que surgem aqui e acolá. O sol forte.
XIV– “Meio dia
de um céu demorado”
O sol começa a secar tudo depois da bagunça
feita pela tempestade.
XV – “Céu muito azul
Garcinha branca voou voou
Pensou que o lago era lá em cima.”
O eu-lírico parece estar descrevendo como a floresta e
o ceú de recompuseram por completo depois que o sol
secou tudo.
XVI – “Mar fica longe, compadre?
- Fica
São dez léguas de mato e mais dez
léguas.
- Então vamos.”
Começa a escurecer, a tarde fica vermelha,
sombras se alongam. Vemos uso da metáfora
quando o eu-lírico diz que a noite “encalhou com
um carregamento de estrelas.”
XVII – “A floresta vem caminhando
- Abra-se que eu quero entrar”
O pântano começa a secar; um rio filhote passa
pedindo para o sol não aparecer, senão ele seca;
não há comida, a água da lagoa parou.
XVIII – “Vou me estirar neste paturá
para ouvir barulhos na beira de mato
e sentir a noite toda habitada de
estrelas.”
Cobra Norato, de volta à sua busca, se pergunta
se as estrelas não teriam visto o rasto da filha da
Rainha Luzia. Fala também do silêncio total da
noite quente.
XIX – “Mar desarrumado
de horizontes elásticos
passou toda a noite com insônia
monologando e resmungando”
Chegada
ao
mar.
Cobra
Norato
fica
deslumbrado. “De onde vem tanta água,
compadre?”
XX – “Começa hoje a maré grande”
A pororoca vai começar com a lua (cheia). É preciso andar de
pressa.
Curiosidade: a pororoca é um fenômeno natural que ocorre
quando há o encontro entre as águas de um grande rio com as
águas do oceano. No Brasil, a pororoca mais importante ocorre
na Amazônia, quando as águas do rio Amazonas encontram-se
com as águas do Oceano Atlântico na foz deste rio.
XXI - “Noite pontual
Lua cheia apontou, pororoca roncou.”
A pororoca vem, em vagalhões imensos. As ilhas
somem, a vegetação desaparece, a água invade
a floresta, as árvores se rompem, a pororoca traz
de volta a terra que fugiu com a correnteza.
XXII – “Paisagem encharcada
o luar espesso amansa as águas
árvores parecem pássaros inchados”
A reversão do rio, o mar inverte o fluxo, a polpa
de mato que surge ao longe: o melhor é navegar
para ela, aproveitando a enchente.
XXIII – “Noite grande”
Navega-se num braço de mar e num céu que não
acabam mais.
Cobra Norato pergunta:
“Há tanta coisa que a gente não entende,
compadre/ - O que é que haverá atrás das
estrelas?”
XXIV – “Compadre, eu já estou com fome
Vamos lá pro putirum roubar farinha?”
O cunhado jabuti sabe o caminho para o Putirum.
Joaninha Vintém, a farinheira conta o causo do
Boto.
CURIOSIDADE: as lendas amazônicas contam que, em noites de festa junina,
quando as pessoas estão distraídas celebrando, o boto rosado aparece
transformado em um bonito e elegante rapaz mas sempre usando um chapéu,
porque sua transformação não é completa, pois suas narinas se encontram no
topo de sua cabeça fazendo um buraco. Como um cavalheiro, ele conquista e
encanta a primeira jovem bonita que ele encontra e a leva para o fundo do rio.
Durante estas festividades, quando um homem aparece usando um chapéu, as
pessoas pedem para que ele o retire para que não pensem que ele é um boto.
XXV – “A festa parece animada, compadre
- Vamos virar gente pra entrar?
- Então vamos.”
O eu-lírico entra na festa, dizendo um verso
quebrado para a dona da casa. Um golinho de
cachaça, e mais “chorado” na viola.Vemos aqui
como os elementos prosaicos, ou seja,
populares, tornam-se motivo para a poesia. Essa
é uma característica bem diferente da Literatura
Brasileira anterior ao modernismo.
XXVI – “Noite está bonita
Parece envidraçada”
As pororocas dormem na beira do rio, os jacarés
em férias, uma suçuarana que passa de leve,
vento suave.
XXVII – “Mais estrelas adiante uma pajelança.”
Descreve-se uma sessão com o Pajé, o feiticeiro
da tribo. O Pajé atende aos que o solicitam,
fazendo suas benzeduras e suas mágicas.
Vemos, portanto, mais uma vez a valorização das
temáticas nativas, uma marca inconfundível da
geração de 1922 do Modernismo.
XXVIII – “A floresta se avoluma
Movem-se espantalhos monstros
riscando sombras estranhas pelo
chão.”
Descreve-se O luar no mato sonolento. A
paisagem no silêncio. Ruídos que anunciam o
trem Maria-fumaça, que passa. Um navio que se
vai.
XXIX– “Escuta, compadre
O que se vê não é navio. É a Cobra
Grande.”
O navio é a Cobra Grande que vai à procura de
uma virgem. Casamento de Cobra Grande
chama desgraça. É preciso fazer mandinga para
afastar a Cobra Grande.
XXX – “Abre-te vento
que eu te dou um vintém queimado”
É preciso passar pelo mundo mágico, em busca
da Cobra Grande. O eu-lírico leva um anel e um
pente de ouro para a noiva da Cobra Grande.
XXXI – “Esta é a entrada da casa da Boiúna”
A Boiúna é o outro nome da Cobra Grande. Um Cururu
está de sentinela. O eu-lírico desce a grota cheio de
medo. Passa uma canoa carregada de esqueletos. O
eu-lírico avista a noiva de Cobra Grande. Fica
surpreendido: é a filha da Rainha Luzia que ele estava
procurando. A Cobra Grande vai acordar. A Cobra
Grande vem vindo, o eu-lírico fugindo, pedindo auxílio
para despistá-la. Pajé-pato, a pedido do eu-lírico, ensina
o caminho errado para Cobra Grande. A Cobra Norato
se salva, enquanto a Cobra Grande, no caminho errado,
entra com a cabeça no cano da Sé, e fica com ela
enfiada “debaixo dos pés de Nossa Senhora”.
XXXII– “E agora, compadre
vou de volta pro Sem-fim.”
É o canto e o desejo da Cobra Norato (o eulírico). Ir para as terras altas, levar consigo a
noiva, filha da Rainha Luzia.
XXXIII – “Pois é, compadre,
Siga agora o seu caminho.”
É o canto final do eu-lírico (Cobra Norato), o
epílogo. Dirige-se ao compadre que o
acompanhou
na
aventura.
As
pessoas
convidadas para o casamento se encontram no
poema.
Bons estudos e boa prova!
Professora Pollyanna Mattos
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Cobra Norato