MSC. Profª Rosália Mourão
DIREITO E LITERATURA
OBJETIVOS
 Aprofundar as interfaces existentes entre o Direito e a
Literatura, a partir da análise de obras literárias,
possibilitando a abertura de um novo campo para a
realização de estudos e pesquisas jurídicas
 Difundir, mediante o diálogo entre as comunidades
acadêmicas do Direito e da Literatura, a reflexão acerca
da capacidade da narrativa literária de auxiliar os
juristas na árdua tarefa de desvelar, através da ficção, a
realidade social e jurídica.
O que afastou o Direito da Literatura?
 Abandono da humanidade no Direito.
 Distanciamento entre o texto e a praxis.
 O sentimento de descompasso entre a expectativa
sobre a norma positivada e a expectativa de seu
(des)cumprimento gera um mecanismo reflexivo de
alta complexidade já denunciado por Luhmann: a
expectativa de expectativas.
Humanização
 Entendo aqui por Humanização o processo que
confirma no homem aqueles traços que reputamos
essenciais como o exercício da reflexão, a aquisição do
saber, a boa disposição para com o próximo, o
afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos
problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da
complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do
humor.
 A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade
na medida em que nos torna mais compreensivos e
abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.
(Antonio Cândido)
Direito e Literatura
 “Para encontrar soluções bem integráveis, confiáveis, é
necessário que se possa ter expectativas não só sobre o
comportamento, mas sobre as próprias expectativas do
outro” (LUHMANN, Niklas, 1983, p. 47)
 O Direito funciona em um tempo distanciado do
tempo social, repetindo e entronizando o passado,
esquecendo, dessa forma, seu papel maior: a
construção do futuro.
Relações entre Direito e Literatura
 Conflitos advindos das relações processuais e das
violações a direitos, com suas consequentes cargas de
justiça e injustiça.
 Percepção da sociedade sobre a atuação e postura dos
profissionais de Direito.
 Questionam a validade de uma norma jurídica e o
porquê de sua (des)obediência.
 O tratamento literário do Direito é uma constante,
tendo-se em vista que este é um sistema social e que
aquela postula refletir acerca dos fenômenos sociais.
Por que estudar o Direito a partir da
Literatura?
 O Direito não deve ser visto como um fenômeno
isolado das demais ciências, como pregava, por
exemplo, a pureza do Direito Kelsiana, em direção à
noção de um Direito conectado com os avanços sociais.
 Um Direito que se auto-crie dia a dia que se vincule a
uma noção biológica de redes de conexão, interligadas
de tal forma que o todo se construa a partir da parte e
vice-versa.
Por que estudar o Direito a partir da
Literatura?
 Um observador pode perceber o Direito dentro de sua
lógica e ao mesmo tempo, utilizar-se de outros parâmetros
(Literatura) para (re)influenciar a própria criação de um
novo Direito, apto às transformações do sistema social
como já indicava Benjamin Cardoso, juiz da Suprema Corte
dos Estados Unidos nos princípios do século XX.
 A Literatura permite se colocar no lugar do outro, através
de suas narrativas e de seus personagens, de enviar o leitor
para a vivência de outrem, fazendo-o refletir e posicionarse em relação ao caso posto.
 Ex: Processo – Kafka; Os que bebem como cães – Assis
Brasil.
Por que estudar o Direito a partir da
Literatura?
 O positivismo jurídico criou a divinização da norma
jurídica e do formalismo processual e esqueceu-se de
elementos essenciais para a resolução do conflito, a
psique e o comportamento humano.
 Para Weisberg a Literatura pode ser considerada como
uma boa fonte de conhecimento do Direito, pois
aborda dimensões do fenômeno jurídico que não são
tocadas pelos métodos jurídicos – tradicionais, a saber:
a)Como se comunicam os juristas:
 A Literatura fornece uma boa resposta para se
compreender o porquê e a finalidade da construção
dos discursos dos jurisconsultos.
 Para Weisberg as histórias sobre Direito serão, sempre,
histórias como ostentar poder mediante a tradição
repetida dos contos sobre seus feitos judiciais
(audiências, julgamentos, tribunais...)
b) A forma de tratamento dos juristas
em relação aos “outros”:
 A Literatura oferece uma descrição acurada dos modos
de relação entre os juristas e os não-juristas (leigos no
Direito)
C) Como os juristas estruturam suas
argumentações:
 Weisberg ao analisar as obras de Dickens, Faulkner e
John Barth conclui que os advogados que são têm êxito
em suas ações possuem as seguintes características:
 Capacidade para manipulação verbal;
 Elitismo e isolamento;
 Tendência a misantropia;
 Relativismo ético no exercício de sua profissão;
 Frugalidade e passividade
 Distância frente ao sofrimento alheio.
Por que estudar o Direito a partir da
Literatura?
 Direito e Literatura são textos, reclamam uma
atividade que apure o sentido de suas construções,
evidenciando a relação entre o construtor/ legislador e
o destinatário/ cidadão da norma jurídica.
 Retirar o fulcro legalista da ciência do Direito. Este não
é apenas norma.
Como estudar o Direito com base na
Literatura?
 O objetivo de estudar o Direito a partir da Literatura é
encontrar nesta, pontos de apoio que forneçam ao
Direito compreensões necessárias – a serem
assemelhadas e (re) processadas por sua lógica
funcional – sobre o bem e o mal, o justo e o injusto e o
legal e o ilegal.
Visão tripla do Direito segundo o Law
and Literature Movement:
O Direito na Literatura
Direito como Literatura
Direito da Literatura
Direito na Literatura
 O Direto na Literatura é o ramo da
disciplina Direito e Literatura que
estuda as formas sob as quais o Direito
é representado na Literatura. Cada
forma de tratamento poderá interessar
a um determinado campo jurídico.
Direito na Literatura
 A) Recriações literárias de processos jurídicos, em
especial os denominados hard cases ou aqueles com
elevado grau de conotação acerca do justo/injusto, ou
Direito/não Direito.
 Ex: Mercador de Veneza - Shakespeare
Direito na Literatura
 B) O modo de ser e o caráter dos juristas,
especialmente os advogados, algumas vezes
apresentados como heróis, outras tantas, como vilões.
 Exemplo: O auto da barca do Inferno – Gil Vicente
Vem um CORREGEDOR carregado de feitos e chegando à
barca do Inferno, com sua vara na mão diz:
 Corregedor –Ó da barca!
 Diabo – Ora, pois, entrai.
 Diabo – Que quereis?
 Corregedor – Está aqui o senhor




juiz.
Diabo – Oh, amador de perdiz,
Corregedor – No meu ar
conhecereis que não é ela do
meu jeito.
Diabo – Como vai lá o Direito?
Corregedor – Nestes feitos o
vereis.





Veremos que diz aí nesse papel.
Corregedor – E onde vai o batel?
Diabo – No inferno vos poremos.
Corregedor – Como?! Á terra dos
demos há-de ir um corregedor?!
Diabo – Santo descorregedor,
embarcai e remaremos! Ora
entrais, pois que viestes!
Corregedor – Não é de regulae
juris, não!
Vem um CORREGEDOR carregado de feitos e chegando à
barca do Inferno, com sua vara na mão diz:
 Diabo – Ita, ita! Daí cá a mão!
Remarei um remo destes.
Fazei conta que nascestes para
nosso companheiro.
- Que fazes tu, barzoneiro
Faze-lhe essa prancha prestes!
Corregedor – Oh! Renego da
viagem e de quem me há-de
levar!
Há aqui meirinho do mar?
 Diabo – Não há cá tal
costumagem.
 Corregedor – Não entendo esta
barcagem, nem hoc non potest
esse.
 Diabo – Se ora vos parecesse
que não sei mais que
linguagem...
Entrai, entrai, corregedor!
Corregedor – Oh! Videtis qui
petatis! Super jure magestatis
tem vosso mando vigor?
Vem um CORREGEDOR carregado de feitos e chegando
à barca do Inferno, com sua vara na mão diz:
 Diabo – Quando éreis ouvidor
nonne accepistis rapina? Pois
ireis pela bolina onde nossa
mercê for...
Oh!que isca esse papel para um
fogo que eu sei!
 Corregedor - Semper ego


Corregedor – Domine, memento
mei! (Senhor lembra-te de mim!)
Diabo – Non es tempus,
bacharel.
Imbarquemini in batel quia
judicatis malitia.


justitia fecit, Eu sempre obrei
com justiça e equidade, e bem
por nível!
Diabo – E as peitas dos judeus
que vossa mulher levava?
Corregedor – Isso eu não o
tomava, eram lá percalços seus.
Non sunt peccatus meus,
peccavit uxore mea. Não são
pecados meu, minha mulher é
que pecava.
Diabo – Et vobis quoque cum ea,
não temuistis Deus?
Vem um CORREGEDOR carregado de feitos e chegando à
barca do Inferno, com sua vara na mão diz:
 Diabo – A largo modo
 Diabo - Ora entrai nos negros
adquiristis sanguinis
laboraturm, ignorantes
peccatorum, ut quid eos non
audistis? Enriquecestes a valer à
custa do sangue dos lavradores,
ignorantes pecadores, sem
atendê-los sequer.
 Corregedor- Vós, arrais, nonne
legistis que o dar quebra
penedos? Os direitos estão
quedos, sed aliquid tradidistis...
Vós arrais, nunca ouvistes que a
lei se cala quando trazeis alguma
coisa...
fados! Ireis ao lago dos cães, e
vereis os escrivães como estão
tão prosperados.
 Corregedor – E na terra dos
danados estão os evangelistas?
(homens da lei)
Diabo – Os mestres das burlas
(fraudes) vistas lá estão bem
fraguados. (atormentados)
Estando o CORREGEDOR nesta prática com o ARRAIS infernal, chegou um
PROCURADOR, carregado de livros, e diz o CORREGEDOR ao PROCURADOR:
 Corregedor - Ó senhor




procurador!
Procurador – Beijo-vo-las mãos,
juiz! Que diz esse Arrais? Que
diz?
Diabo – Que sereis bom
remador. Entrai, bacharel,
doutor, e ireis dando na bomba.
Procurador – E este barqueiro
zomba... Jogatais de zombador?
Essa gente que aí está, para onde
a levais?
Diabo – Para as penas infernais.
 Procurador - Dix! Não vou eu
para lá! Outro navio está cá,
muito melhor assombrado.
 Diabo – Ora estás bem aviado!
Entra muitieramá! Em muita
má hora!
 Corregedor – Confessas-te vos,
doutor?
 Procurador – Bacharel sou...
Dou-me ao Demo! Não cuidei
que era extremo, nem de morte
minha dor.E vós, senhor
Corregedor?
Estando o CORREGEDOR nesta prática com o ARRAIS infernal, chegou um
PROCURADOR, carregado de livros, e diz o CORREGEDOR ao PROCURADOR:
 Corregedor – Eu mui bem me
confessei,
mas tudo quanto roubei
encobri ao confessor...
Porque, se não o tornais,
Não vos querem absolver,
e é mui mal de volver
depois que o apanhais.
Diabo – Pois por que não
embarcais?
Procurador – Quia esperamus in
Deo.
 Diabo - Imbarquemini in barco
meo... Para que esperatis mais?
Vão-se ambos ao batel da Glória e, chegando, diz o CORREGEDOR
AO ANJO:
 Corregedor – Ó arrais dos
 Corregedor – oh! Não sejais
gloriosos, passai-nos neste batel!
 Anjo – Oh pragas para o papel,
para as almas odiosos!
Como vindes preciosos, sendo
filhos da ciência!
Corregedor – Oh! Habeatis
clemência e passai-nos como
vossos!
Parvo – Ó homens dos breviários
rapinatis coelhorum et pernis
perdiguitorum. Recebestes como
propina coelhos e pernas de
perdizes e mijais nos
campanários!
contrários, pois não temos outra
ponte!
 Parvo – Beleguinis ubi sunto?
Onde estão os beleguins (oficiais
de justiça)
 Anjo - A justiça divinal
vos manda vir carregados
porque vades embarcados
neste batel infernal.
Corregedor – Oh! Não praza a São
Marçal co’a ribeira, nem co’o rio!
Cuidam lá que é desvario haver cá
tamanho mal.
Vão-se ambos ao batel da Glória e, chegando, diz o CORREGEDOR
AO ANJO:
 Corregedor - Venha a negra
prancha cá! Vamos ver este
segredo.
 Procurador – Diz um texto do
Degredo...
 Diabo – Entrai, que se dirá!
Vêm quatro fidalgos, CAVALEIROS da ordem de Cristo que por
morrerem nas partes da África. Vêm cantando a letra que se segue:
À barca, à barca segura,
guardar da barca perdida:
à barca, à barca da vida!
Senhores, que trabalhais
pela vida transitória,
memórias, por Deus,
memória deste temeroso
Cais!
À barca, à barca mortais!
Porém na vida perdida
Se perde a barca da vida.
Vigia-vos pecadores,
Que depois da sepultura
Neste rio está a ventura
De prazeres ou de dores!
À barca, à barca segura,
guardar da barca perdida:
à barca, à barca da vida!
c) O uso simbólico do Direito
 As representações que uma sociedade exterioriza a
respeito de suas normas jurídicas.
 Obras de Tolstoi e Dostoievski – A comunidade
jurídica baseava-se no amor e no afeto;
 Literatura francesa – A unidade política na obediências
às normas jurídicas, que se reportam aos valores de
liberdade e igualdade da Revolução Francesa.
d) O tratamento que o Direito e o Estado dispensam às minorias
ou grupos oprimidos
 Mulheres, imigrantes, raça, religião, etc.
 Madame Bovary – Gustave Flaubert
 Estação Carandiru – Draúzio Varella
 Antígona de Sófocles – o debate que opõe o direito
natural ao direito positivo e a desobediência civil.
 Criton de Platão – desobediência civil
 Processo – Kafka – Joseph K, bancário, que é preso,
julgado e condenado por um misterioso tribunal,
jamais conhecendo as razões de tal ato.
DIREITO COMO LITERATURA
 Literatura e Direito são narrativas;
 Perceber o Direito e seu conjunto de atos e
procedimentos como peças capazes de serem
observadas como atos literários;
 A sentença é uma peça com personagens, enredo,
início, meio e fim.
 A citação de jurisprudência e precedentes em uma
petição é um relato intercalado, adaptado à
necessidade de um suporte jurídico.
DIREITO COMO LITERATURA
 O literário deve enxergar-se como intrínseco ao Direito
enquanto o Direito, necessariamente, encerra a
construção de personagens, personalidades,
sensibilidades, mitos e tradições que compõem o
mundo social.
 O Direito pode ser visto como exercício de retórica, ou
seja, uma forma de convencimento.
 Direito processual pode ser entendido como um
universo de histórias narradas pelas partes e que
buscam o convencimento de um terceiro (leitor): o
juiz.
DIREITO COMO LITERATURA
 Um processo judicial é, além de conhecimento
(processo de conhecimento), um conjunto de
histórias contrapostas uma à outra. Sua lógica
sequenciada permite ao juiz a compreensão do
acontecimentos dos fatos, da mesma forma que
uma obra literária reporta o leitor ao entendimento
linear de sua marcação.
DIREITO DA LITERATURA
 É o ramo do sistema jurídico que já recebeu as
informações necessárias advindas do sistema da arte e
do sistema político. As leis e normas jurídicas que
protegem a atividade literário são o objeto central da
observação nesse plano.
 O Direito na Literatura compreende:
 A) As relações jurídicas do exercício literário;
 B) As normas que regulam a criação e a difusão da obra
literária e os direitos por ela gerados.
BIBLIOGRAFIA
 SHWARTZ, Germano. Direito e Literatura: proposições
iniciais para uma observação de segundo grau do
sistema jurídico. Acesso:
http://www.google.com.br/#hl=ptBR&q=direito+e+literatura%3A+proposi%C3%A7%C3
%B5es+iniciais&meta=&aq=f&oq=direito+e+literatura
%3A+proposi%C3%A7%C3%B5es+iniciais&fp=6756192
edba9b11f.
 VICENTE, Gil. O auto da barca do inferno. Editora
Klick, São Paulo.
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