Devaneio
Por: Alissa Drumond, Allan Blanco, Beatriz
Nunes, Bianca Safadi e Bruno Holanda.
- Então, como estão as coisas? – ele disse, e deitado pude enxergar
seus olhos singelos por detrás das pálpebras. Em seu jaleco, pude
ler ’’Hospício Jacaré Paguá’’ escrito em letras garrafais. Quando a
conformação dos fatos é maior do que a vontade de acreditar que
tudo pode melhorar, esse é um sinal de quem já desistiu.
Ontem não foi meu dia, assim como muitos outros antes
deste. No início pensei que o problema fosse eu, estava
quase convicto disso, porém estava equivocado. Fui
demitido com a desculpa que eu era “capaz demais’’ e
que ficaria “melhor em um emprego de nível mais
elevado’’. Como assim? Uma empresa deveria estar feliz
por ter um empregado de alta capacidade. Isso era algo
efêmero comparado ao embaralhado no qual me
encontro. Para o desemprego encontraria uma solução,
mas a dor que eu sentia poderia ser solucionada tão
facilmente?
Desde sempre me encontrei dessa forma. Perdido.
Quando finalmente todos acharam que eu conseguiria
superar, como um baque, me afundei e passei a ser
aquela figura solitária. Uma das centenas de médicas
com as quais me consultei disse a minha mãe que eu era
um grupo fechado de uma só pessoa. Foi a melhor
definição que eu tinha encontrado para o meu estado
mental em todos esses anos.
Meu irmão tinha conseguido entrar somente
parcialmente, e meu grupo de uma pessoa deixou de ser
um grupo fechado e se tornou um grupo aberto de duas
pessoas. Isso nunca me deixou tão satisfeito. O mais
angustiante era que agora meu grupo tinha perdido um
membro insubstituível. Assim como ele, ela também
tinha me deixado, mas ela não “partiu dessa para uma
melhor”, ela partiu dessa para outro, que talvez
realmente seja melhor. Ela estava cansada de mim. Eu
também estava cansado de mim, por isso a entendia.
Mas do que ela sabe? Do que meu chefe sabe?
“A vida segue’’, um dos meus colegas de trabalho disse
enquanto eu carregava as caixas de papelão, lotadas de papéis.
Ah, a ”vida segue’’ que expressão mais tola para mim.
Caminhando pelas ruas e questionando coisas que nunca
haviam de ser questionadas, pensando que assim como a
expressão a “vida segue’’, constatei que todos não passavam
de tolos. Mas eu não era tolo, eu tinha a minha identidade.
Pelo menos agora eu tinha, assim que parei de ingerir todos
aqueles comprimidos e deixei que o meu “eu’’ interior
florescesse. Por que não pertencer a mim mesmo e
romper as ligações com o comum, a ignorância e o
ceticismo? Era como se eu finalmente pudesse respirar,
longe de todos aqueles comprimidos que sufocaram meu
mundo paralelo até então.
Esse mundo paralelo que parecia afligir as pessoas ao
meu redor, a preocupação de minha mãe, ou os olhares
de medo que me eram lançados quando eu não estava
sob efeito de remédios que costumavam domar meu eu,
era uma prova de que eles tinham medo do
desconhecido, enquanto este era o meu caminho, eu
explorava o desconhecido. E o desconhecido me era
tentador. Meu corpo carnalmente, já tinha sido
abandonado por mim mesmo.
Dei risada, do alto de um prédio. Sentei no peitoril e
balancei as pernas. O que aconteceria se eu desse um
pequeno empurrão com o corpo? Eu poderia encontrar
meu irmão e explicar para ele o que aconteceu nesses
últimos dias. Dei mais uma olhada para a multidão
caminhando cega ao seu próprio redor. E gargalhei ainda
mais alto. Mesmo que todos tenham me dito que eu era
doido, nunca me senti em tão perfeita sanidade. E
finalmente, poderia descarregar-me.
- Então, como estão as coisas? – ele repetiu
despertando-me dos meus devaneios. E eu sorri
amargamente para as paredes brancas monótonas. Na
cacofonia dos meus pensamentos, encolhi-me e me
afundei ainda mais na lamúria reunindo forças pra
responder à mentira que eu aprendi ser a solução para
muitas das perguntas. - Eu estou bem.
FIM
Download

Devaneio