A julgar pelas aparências, pelo seu progresso material visível a olho nu – novas
indústrias e casas de comércio, mais ruas asfaltadas, serviços públicos melhores –
Antares é hoje em dia uma comunidade próspera e feliz. Como, porém, nada é perfeito
neste mundo, às vezes na calada da noite vultos furtivos andam escrevendo nos seus
muros e paredes palavras e frases politicamente subversivas, quando não apenas
pornográficas. Os dedicados guardas municipais, sempre alerta, dão-lhes caça dia e
noite.
Numa destas últimas madrugadas abriram fogo contra um estudante que, com
broxa e piche, tinha começado a pintar um palavrão num muro da Rua Voluntários da
Pátria. Na calçada, no lugar em que o rapaz caiu, ficou uma larga mancha de sangue
enegrecido, na qual a imaginação popular – talvez sugestionada por elementos da
esquerda – julgou ver a configuração do Brasil. (É assim que nascem os mitos.) Cedo, na
manhã seguinte, empregados da prefeitura vieram limpar a calçada dessa feia mácula, e
quando começaram a raspar do muro o palavrão, aos poucos se foi formando diante
deles um grupo de curiosos. Aconteceu passar por ali nessa hora um modesto
funcionário público que levava para a escola, pela mão, o seu filho de sete anos. O
menino parou, olhou para o muro e perguntou :
– Que é que está escrito ali, pai?
– Nada. Vamos andando, que já estamos atrasados...
O pequeno, entretanto, para mostrar aos circunstantes que já sabia ler, olhou
para a palavra de piche e começou a soletrá-la em voz muito alta: “Li-ber. ..”.
– Cala a boca, bobalhão! – exclamou o pai, quase em pânico. E, puxando com
força a mão do filho, levou-o, quase de arrasto, rua abaixo.
Antiguidade Clássica
Cultura greco-romana;
 Aristóteles e os gêneros literários;
 Épico, Lírico e Dramático;
 Narrativo.

Era Medieval
Trovadorismo
e Humanismo
Trovadorismo x Humanismo






Teocentrismo
Feudo
Vertical
Fechado
Cantigas
Lírico e Satírico






Antropocentrismo
Burgo
Horizontal
Em abertura
Autos
Dramático
Linguagem nas cantigas
trovadorescas
Quer’eu em maneira de proença!
fazer agora um cantar d’amor
e querrei muit’i loar lmia senhor
a que prez nem fremosura nom fal,
nem bondade; e mais vos direi ém:
tanto a fez Deus comprida de bem
que mais que todas las do mundo
val.
Ca mia senhor quizo Deus fazer tal,
quando a faz, que a fez sabedord
e todo bem e de mui gram valor,
e com tod’est[o] é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bom sém,
e desi nom lhi fez pouco de bem
quando nom quis lh’outra foss’igual
Ca mia senhor nunca Deus pôs mal,
mais pôs i prez e beldad’e loor
e falar mui bem, e riir melhor
que outra molher; desi é leal
muit’, e por esto nom sei oj’eu
quem
possa compridamente no seu bem
falar, ca nom á, tra-lo seu bem, al.

(D. Dinis )
Quero à moda provençal
fazer agora um cantar de amor,
e quererei muito aí louvar minha senhora
a quem honra nem formosura não faltam
nem bondade; e mais vos direi sobre ela:
Deus a fez tão cheia de qualidades
que ela mais que todas do mundo.
Pois Deus quis fazer minha senhora de
tal modo
quando a fez, que a fez conhecedora de
todo bem e de muito grande valor,
e além de tudo isto é muito sociável
quando deve; também deu-lhe bom
senso,
e desde então lhe fez pouco bem
impedindo que nenhuma outra fosse
igual a ela
Porque em minha senhora nunca Deus
pôs mal,
mas pôs nela honra e beleza e mérito
e capacidade de falar bem, e de rir
melhor
que outra mulher também é muito leal
e por isto não sei hoje quem
possa cabalmente falar no seu próprio
bem
pois não há outro bem, para além do
seu.
"Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado!
ai Deus, e u é?"
Ai, dona fea, fostes-vos queixar
que vos nunca louv[o] em meu
cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, se Deus mi pardom,
pois avedes [a]tam gram coraçom
que vos eu loe, em esta razom
vos quero ja loar toda via;
e vedes qual sera a loaçom:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
em meu trobar, pero muito trobei;
mais ora ja um bom cantrar farei,
em que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
(Joan Garcia de Guilhade )
Tradução
Ai, dona feia, foste-vos queixar
que nunca vos louvo em meu cantar;
mas agora quero fazer um cantar
em que vos louvares de qualquer
modo;
e vede como quero vos louvar
dona feia, velha e maluca!
Dona feia, que Deus me perdoe,
pois tendes tão grande desejo
de que eu vos louve, por este motivo
quero vos louvar já de qualquer modo;
e vede qual será a louvação:
dona feia, velha e maluca!
Dona feia, eu nunca vos louvei
em meu trovar, embora tenha trovado
muito;
mas agora já farei um bom cantar;
em que vos louvarei de qualquer
modo;
e vos direi como vos louvarei:
dona feia, velha e maluca!
Marinha, o teu folgar tenho eu por desacertado,
e ando maravilhado
de te não ver rebentar;
pois tapo com esta minha
boca, a tua boca, Marinha;
e com este nariz meu,
tapo eu, Marinha, o teu;
com as mãos tapo as orelhas, os olhos e as
sobrancelhas,
tapo-te ao primeiro sono;
com a minha piça o teu cono;
e como o não faz nenhum,
com os colhões te tapo o cu.
E não rebentas, Marinha?
(Afonso Eanes de Coton)
Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que
perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:
Ninguém: Que andas tu aí buscando?
Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar.
Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?
Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.
Ninguém: Eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência.
Belzebu: Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, companheiro?
Belzebu: Que Ninguém busca consciência.
e Todo o Mundo dinheiro.
Era Clássica
Classicismo
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Barroco
•
Pessimismo (dúvida ou
incerteza): “Tu és pó, e ao pó
voltarás.” (Gênesis 3,19)
•
Características
•
•
•
•
A morte é preocupação
constante (idem Idade Média e
Romantismo),incerteza da
vida, medo e com dúvidas.
Religiosidade: conflitos
espirituais, conflituosa e tensa.
A crença no papel vigoroso
da Igreja Católica ContraReformista.
Visão do homem, como
grande pecador.
O homem barroco
racionalizou a fé, fazendo valer
alguns argumentos em busca da
salvação.
Uso de metáforas bíblicas
em busca do perdão divino os
dogmas religiosos, através da
lógica.
•
Particularismo: é diferente da
Arte Clássica (que é universal
em suas projeções e uniforme
em seus traços).Ele somente
valoriza o que é nacional.
Por isso no Barroco existem
duas linhas:
A) catolicismo contrareformista reflete na Inquisição
terror religioso e Político.
B) triunfo do protestantismo
reformista. Emergência da
burguesia capitalista articulada
e forte, como aconteceu na
Inglaterra e na Holanda.
Feísmo: O equilíbrio clássico
foi rompido, ao mesmo tempo
se opondo à simetria,
harmonia, elegância dos
clássicos.
O barroco tem preferência
pelos aspectos sangrentos,
dolorosos e cruéis, uma
atração pelo belo horrendo,
pelo espetáculo clássico,
acabando com as imagens por
causa do exagero.
Fusionismo: expõe os
contrários, querendo
incluí-los em analogias
sensoriais, de imagens,
de metáforas, que
mostram a unidade, a
identidade, se valendo do
jogo do jogo de
oposições e contrastes.
Atitude Lúdica: Muitos textos
parecem pobres, sem
conteúdo ou mensagem.
Mais preocupado em exibir o
que sabia, com uma
linguagem sobrecarregada de
trocadilhos e sutilezas e
imagens insólitas.
Não diz o que deve ser dito,
somente sugere, através de
imagens.
Ex: Sangue é o “rubi do
corpo”; Lágrima é o “cristal dos
olhos”.
Cultismo ou Gongorismo:
caracterizado pelo jogo de ideias
e imagens, de maneira
exagerada.
Conceptismo ou Quevedismo:
Mais voltado para o jogo de ideias
e argumentação.
Apoiado em metáforas, pronomes,
trocadilhos, palavras, sinestesias,
prosopopeia entre outros como
omissões, repetições,
sonoridade.
Convence pelo pensamento.
Pesquisa sobre a origem dos
objetos, busca entender a fase
oculta de todas as coisas que só
podem ser visíveis pelo
pensamento. Opera os
mecanismos da lógica.
Atenção: Em um texto Barroco
podem-se encontrar elementos
Cultistas e Conceptistas.
PEQUEI, SENHOR...
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
de vossa alta clemência me despido;
porque quanto mais tenho delinqüido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto um pecado,
a abrandar-vos sobeja um só gemido:
que a mesma culpa, que vos há ofendido,
vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada,
glória tal e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na sacra história,
eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
perder na vossa ovelha a vossa glória.
Define a Sua Cidade
De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.
Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.
Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.
O amor é finalmente
O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa é besta.
A outra freira, que,
satirizando a delgada fisionomia do poeta,
lhe chamou picaflor.
Se Pica-flor me chamais,
Pica-flor aceito ser,
mas resta agora saber,
se no nome, que me dais,
meteis a flor, que guardais
no passarinho melhor!
se me dais este favor,
sendo só de mim o Pica,
e o mais vosso, claro fica,
que fico então Pica-flor.
ARCADISMO
-Neoclassicismo-
1) Arcadismo
Deriva de Arcádia, região da Grécia onde
pastores e poetas, chefiados pelo deus Pã,
dedicavam-se à poesia e ao pastoreiro, vivendo
em harmonia perfeita com a natureza. No
século XVIII o termo Arcádia passou a designar
também as academias literárias que foram
criadas na Europa.
2) Neoclassicismo
Nome que deriva do fato de os escritores da
época imitarem os clássicos, quer voltando-se
para a Antiguidade greco-romana, quer imitando
os escritores do Renascimento.
Europa, século XVIII – Mudanças
 Intenso progresso científico
 Isaac Newton: Formulação da lei da gravidade
 Filosofia: empirismo como método de aquisição
do conhecimento
 Biologia: classificação dos seres vivos
 Tecnologia: conduz ao aumento da produção
 Negócios e ciência são campos separados da
religião
 Enciclopédia: publicada na França, a partir de
1751, coordenada pelos filósofos D'Alembert,
Diderot e Voltaire
 Simplicidade e equilíbrio da poesia clássica
 Pastoralismo: o homem é puro e feliz quando
integrado na natureza.
 Bucolismo: gosto pela vida dos pastores,
campos e atividades pastoris
 Poesia verdadeira: se referencia à natureza.
Aparece com frequência idealizada e deslocada.
 Nativismo: exploração de paisagens e
atividades brasileiras. Ex: Gonzaga, Basílio e
Durão.
Uso de lemas latinos
Basílio da Gama – O Uraguai (trecho: A morte de Lindóia)
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime e a voluntária morte,
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado, e triste,
Que os corações mais furos enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte !”
Frei José de Santa Rita
Durão
Fragmentos de “Caramuru” - Canto VI
XL
Tão dura ingratidão menos sentira,
E esse fado cruel doce me fora,
Se a meu despeito triunfar não vira
Essa indigna, essa infame, essa traidora!
Por serva, por escrava, te seguira,
Se não temera de chamar senhora
A vil Paraguassu, que, sem que o creia,
Sobre ser-me inferior é néscia e feia.
XLI
Enfim, tens coração de ver-me aflita,
Flutuar moribunda entre estas ondas;
Nem o passado amor teu peito incita
A um ai somente com que aos meus respondas!
Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,
(Disse, vendo-o fugir), ah! não te escondas
Dispara sobre mim teu cruel raio...
E indo a dizer o mais, cai num desmaio.
XLIII
Perde o lume dos olhos, pasma e trema,
Pálida a cor, o aspecto moribundo,
Com mão já sem vigor, soltando o leme,
Entre as salsas escumas desce ao fundo.
Mas na onda do mar, que irado freme,
Tornando a aparecer desde o profundo:
'Ah! Diogo cruel!' disse com mágoa,
E, sem mais vista ser, sorveu-se n’água.
Romantismo
Era Romântica ou Moderna
Características do Romantismo:
1) Individualismo e o subjetivismo: em
oposição ao objetivismo dos clássicos, o que
faz com que os românticos vejam o mundo
unicamente por meio de seu mundo interior. A
1ª pessoa (eu) é constante na poesia romântica.
2) O nacionalismo: ao qual se relacionam:
a) o culto a da idade média pelos europeus, na qual se
encontravam elementos formadores da nacionalidade
de cada povo: os heróis das cruzadas, as damas, os
monges, as lendas, as crenças e tradições.
b) O indianismo: que no Brasil, devido à ausência de
um passado medieval, foi um dos elementos da
sustentação do sentimento nacionalista, acentuado
com a proximidade com a Independência.
3) O culto da natureza: que se supervalorizava,
não só constitui um refúgio não contaminado
pela sociedade, como também é uma forma de
exaltação da terra brasileira. Ao contrário do
Arcadismo, em que a natureza é apenas
decorativa, para os românticos ela é fonte de
inspiração e está intimamente vinculada aos
sentimentos do poeta.
4) Evasão ou escapismo: resultante do conflito do eu com a realidade, o que
leva o romântico a evadir-se na aspiração de um outro mundo- situado no
tempo e no espaço ( paisagens novas, primitivas ou exóticas) -, onde ele
não encontre as dificuldades da realidade a que está vinculado. Resultam
daí:
o saudosismo(da infância, do passado, da pátria, dos entes queridos);
o sonho (que permite a criação de um mundo pessoal e idealizado);
a consciência da solidão (resultante de uma inadaptação ao mundo e da
crença de que é um incompreendido);
o exagero, isto é, apelo aos extremos e excesso de figuras de linguagem.
O exagero, somado à instabilidade e à ânsia de evasão, provocou o chamado
mal-do-século, expressão que caracterizava o estado de espírito de vários
românticos que se entregavam a uma excessiva melancolia e solidão e a um
grande pessimismo que conduziu à exaltação da morte. O sobrenatural, o
mórbido, a noite e o mistério da existência estão presentes nos textos dos
poetas da geração do mal-do-século.
5) A idealização da mulher e do amor:
somando espiritualismo e temperamento
sonhador, o poeta romântico reveste a mulher
de uma aura angelical, retratando-a como
figura poderosa e inacessível. Porém, apesar
do espiritualismo, a poesia romântica reflete
muitas vezes o sensualismo bem material na
descrição feminina.
Gonçalves Dias - Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Álvares de Azevedo - Namoro a Cavalo
Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça
Que rege minha vida malfadada,
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.
Alugo (três mil-réis) por uma tarde
Um cavalo de trote (que esparrela!)
Só para erguer meus olhos suspirando
À minha namorada na janela...
Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado,
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Algum verso bonito... mas furtado...
Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento...
Se ela quisesse eu acabava a história
Como toda a Comédia - em casamento...
Ontem tinha chovido... Que desgraça!
Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Mas lá vai senão quando uma carroça
Minhas roupas tafues encheu de lama...
Eu não desanimei! Se Dom Quixote
No Rossinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada...
Mas eis que no passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela...
O cavalo ignorante de namoros
Entre dentes, tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo
Com pernas para o ar, sobre a calçada...
Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode,
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.
Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair, de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...
Adeus, meus sonhos!
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus? Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já que não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
E beijos de minha irmã!
Casimiro de Abreu - Meus oito
anos
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Que amor, que sonhos, que flores, Oh ! dias da minha infância! Trepava a tirar as mangas,
Naquelas tardes fagueiras,
Oh ! meu céu de primavera! Brincava à beira do mar;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
Rezava às Ave-Marias,
Em vez das mágoas de agora, Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
Eu tinha nessas delícias
E despertava a cantar!
De minha mãe as carícias
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que
flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Fagundes Varela
Cântico do Calvário
Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. — Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,
O porvir de teu pai! — Ah! no entanto,
Pomba, — varou-te a flecha do destino!
Astro, — engoliu-te o temporal do norte!
Teto, caíste! — Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
Correi! Um dia vos verei mais belas
Que os diamantes de Ofir e de Golgonda
Fulgurar na coroa de martírios
Que me circunda a fronte cismadora!
São mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas
santas,
E à vossa luz caminharei nos ermos!
O "adeus" de Teresa
Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"
Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!..."
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me: "adeus."
Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na
orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"
O Navio Negreiro
(Tragédia no mar)

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus!
Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a
noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica,
estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão
resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres
mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes,
bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem
razão...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é
esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
São Paulo, 18 de abril de 1869. (O Poeta,
nascido em 14.03.1847, tinha apenas 22
anos de idade)
Realismo
Dom Casmurro
“Retórica dos namorados, dá-me uma comparação
exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos
de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem
quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me
fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me
dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que
fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava
para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos
dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às
outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos
cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa
buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha
crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me,
puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos
naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado
esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas
pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer
saber a duração das felicidades e dos suplícios.”
Naturalismo

O Cortiço
“Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente;
uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas.
Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo
do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O
chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as
saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes
a tostada nudez dos braços e do pescoço,que elas despiam,
suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens,
esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao
contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e
esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e
fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas
não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante,
um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e
vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças
não se davam ao trabalho de lá ir,despachavam-se ali
mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou
no recanto das hortas.”
Parnasianismo
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...
Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior...Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...
Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.
Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.
E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;
E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És a um tempo, esplendor e sepultura:
ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela.
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
Esta língua é como um elástico
que espicharam pelo mundo.
No início era tensa,
de tão clássica.
Com o tempo, se foi amaciando,
foi-se tornando romântica,
incorporando os termos nativos
e amolecendo nas folhas de bananeira
as expressões mais sisudas.
Um elástico que já não se pode
mais trocar, de tão gasto;
nem se arrebenta mais, de tão forte.
Um elástico assim como é a vida
que nunca volta ao ponto de partida.
Caetano Veloso
Lingua
Gosto de sentir a minha
língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódia
E um profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como
camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a
prosa
Assim como o amor está para
a amizade
E quem há de negar que esta
lhe é superior
E quem há de negar que esta
lhe é superior
E deixa os portugais
morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua
Fala Mangueira
Fala!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
o que pode
Esta língua
(3X)
Vamos atentar para a sintaxe
paulista
E o falso inglês relax dos
surfistas
Sejamos imperialistas
Cadê? Sejamos imperialistas
Vamos na velô da dicção choo
de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de
Hollanda nos resgate
E Xeque-mate, explique-nos
Luanda
Ouçamos com atenção os
deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do
homem
Sejamos o lobo do lobo do
homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisa como rã e ímã...
Nomes de nomes como
Scarlet Moon Chevalier
Glauco Mattoso e Arrigo
Barnabé, Maria da Fé
Arrigo Barnabé
Incrível
É melhor fazer uma canção
Está provado que só é
possível filosofar em alemão
Se você tem uma idéia
incrível
É melhor fazer uma canção
Está provado que só é
possível
Filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer
Azevedo
E o recôncavo, e o recôncavo,
e o recôncavo
Meu medo!
A língua é minha Pátria
eu não tenho Pátria: tenho
mátria
Eu quero frátria
Poesia concreta e prosa
caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com
banana
Será que ele está no Pão de
Açúcar
Tá craude brô, você e tu lhe
amo
Qué que'u faço, nego?
Bote ligeiro
arigatô,arigatô
Nós canto falamos como
quem inveja negros
Que sofrem horrores no
Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à
mancheia
E deixa que digam, que
pensem,que falem.
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas"
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Cruz e Souza – Violões que choram
Ah! Toda a alma num cárcere anda
presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.
Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as
liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.
Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!
Ismália
Quando Ismália
enlouqueceu,
Pôs-se na torre a
sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se
perdeu,
Banhou-se toda em
luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvairo seu,
Na torre pôs-se a
cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao
mar...
SEMANA DE ARTE MODERNA
Rompimento com as velhas formas artísticas;
 Apresentou tendências artísticas europeias;
 Falta de domínio de tais estéticas;
 Evento de literatura, música e artes plásticas;
 Oswald de Andrade: "Não sabemos o que
queremos. Mas sabemos o que não queremos.“.

“Desde a abertura da Semana, com a conferência equivocada
de Graça Aranha: A emoção estética na Arte Moderna, até a
leitura de trechos vanguardistas por Mário de Andrade,
Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e outros, o público se
manifestaria por apupos e aplausos fortes.
Porém, o momento mais sensacional da Semana ocorre na
segunda noite, quando Ronald de Carvalho lê um poema de
Manuel Bandeira, o qual não comparecera ao teatro por motivos
de saúde: Os sapos. Trata-se de uma ironia corrosiva aos
parnasianos, que ainda dominavam o gosto do público. Este reage
através de vaias, gritos, patadas, interrompendo a sessão. Mas,
metaforicamente, com sua iconoclastia pesada, o poema delimita o
fim de uma época cultural”
BNDIGITAL.BN.BR
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
'- Meu pai foi à guerra
- Não foi! - Foi! - Não foi!'
O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado
Diz: - 'Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinqüenta anos
Que lhe dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma. Clame a sapataria
Em críticas céticas:
'Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...'
Brada de um assomo
O sapo-tanoeiro:
'A grande arte é como
Lavor de Joalheiro'
Urra o sapo-boi:
'- Meu pai foi rei - Foi!
- Não foi! - Foi! - não foi!'
MÁRIO DE ANDRADE RESUME:
A estabilização de uma consciência criadora
nacional, preocupada em expressar a realidade
brasileira;
 A atualização intelectual com as vanguardas
europeias;
 O direito permanente de pesquisa e criação
estética.

FATORES HISTÓRICOS AGREGADOS:
1920 - Tenentismo: oficiais do Exército
descontentes com a política; 1922 - Revolta dos 18
do Forte de Copacabana; Revolução de 1924; 1924
- Comuna de Manaus; Coluna Prestes; Revolução
de 1930, influenciada pelos movimentos;
 Março de 1922 – Fundação do Partido
Comunista.

PARANÓIA OU MISTIFICAÇÃO?
O ESTADO DE S. PAULO, 20/12/1917
“Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem
normalmente as coisas e em conseqüência disso fazem arte pura,
guardando os eternos rirmos da vida, e adotados para a
concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos
grandes mestres. Quem trilha por esta senda, se tem gênio, é
Praxíteles na Grécia, é Rafael na Itália, é Rembrandt na Holanda,
é Rubens na Flandres, é Reynolds na Inglaterra, é Leubach na
Alemanha, é Iorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga na
Espanha. Se tem apenas talento vai engrossar a plêiade de
satélites que gravitam em torno daqueles sóis imorredouros. A
outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza,
e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão
estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da
cultura excessiva. São produtos de cansaço e do sadismo de todos
os períodos de decadência: são frutos de fins de estação, bichados
ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais
das vezes com a luz de escândalo, e somem-se logo nas trevas do
esquecimento.” Monteiro Lobato.
ALBERTO CAEIRO
O GUARDADOR DE REBANHOS
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha
aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. (…)
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe disso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio de minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se ao Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
ÁLVARO DE CAMPOS
TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não
fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas
de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que
escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
BERNARDO SOARES
DO LIVRO DO DESASSOSSEGO
"O coração, se pudesse pensar, pararia."
"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me
demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me
levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem
uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia
considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com
outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao
que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde
esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas
salas, de onde as músicas e as vozes chegam cômodas até mim.
Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos
sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que
componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo
a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não
interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos
viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na
passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será
bem também."
RICARDO REIS
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o
FERNANDO PESSOA
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
VINÍCIUS DE MORAES
O VERBO NO INFINITO
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E esquecer de tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
Cocô está branco
VINÍCIUS DE
Cocô está preto
Bebe amoníaco
MORAES
Comeu botão.
Filhos
POEMA ENJOADINHO Filhos?
Melhor não tê-los
Filhos . . . Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete . . .
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los . . .
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
MORTE E VIDA SEVERINA -INTRODUÇÃO
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
MARIO DE ANDRADE
ODE AO BURGUÊS
PAULICÉIA DESVAIRADA
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro,
italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os
duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis
fracos
para dizerem que as filhas da senhora
falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono
das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina
pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à
infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem
arrependimentos,
sempiternamente as mesmices
convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o
compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor
inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais
ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em
Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio
cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burgês!...
OSWALD DE ANDRADE
- Qué apanhá sordado?
- O quê?
- Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
MANUEL BANDEIRA
O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge maria que foi isso
maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu presciso
Muita força
Muita força
Muita força
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô...
Vou mimbora
Vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e
manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho
vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com
cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar &agraves
mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.
- Não quero saber do lirismo que não é libertação.
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira
namorada.
Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
CARLOS DRUMMOND
DE ANDRADE
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
As sem-razões do amor
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do
caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
DOUGLAS PERETO
FACEBOOK.COM/DOUGLASPERETO
Lista aleatória desde 1973: Pereto, Gaúcho,
gremista, descendente de italianos, pai,
marido, professor, canhoto.
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