TERRA PAPAGALLI TERRA PAPAGALLI: PANORAMA CRÍTICO DO CAÓTICO BRASIL DA ÉPOCA DO DESCOBRIMENTO Misturando fatos históricos com saborosa ficção, os autores José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta narram, pela ótica de um degredado que chega aqui com Cabral, a origem dos desmandos na Terra dos Papagaios. O livro narra as aventuras e desventuras de um degredado (condenado ao despacho para o Novo Mundo): Cosme Fernandes, mais conhecido nos trópicos como Bacharel de Cananeia. Segundo os autores, há pouquíssimos registros de sua vida no Brasil — cuja maior proeza foi ter vendido, de uma só vez, 800 escravos índios. Cosme Fernandes chegou à "Terra dos Papagaios“ sem rumo, esbaforido, inchado de tanto comer biscoitos podres, como passageiro (com bilhete só de vinda) de uma das 13 naus comandadas por Pedro Álvares Cabral. Com ele vieram outros degredados, condenados por crimes diversos. O “pecado” cometido por Cosme foi ter se envolvido com uma moça chamada Leonor, a qual engravidaria dele. Terra Papagalli é uma pândega — ou como se lê no subtítulo "narração para preguiçosos leitores da luxuriosa, irada, soberba, invejável, cobiçada e gulosa história do primeiro rei do Brasil". Utilizando-se da linguagem do século XVI, com tom jocoso, em que se intercalam cenas de humor pastelão com fatos históricos, o livro se estrutura em formato de carta do Bacharel ao Conde de Ourique. Os autores mesclaram formatos de três "best sellers" da época: diários de navegação, dicionários e bestiários. O diário de navegação de Cosme Fernandes denigre a imagem de Cabral, fala das enfermidades, dos delírios e crenças dos tripulantes, enfim, das dificuldades que enfrentavam a cada dia embarcados. Observe: DIÁRIO DE NAVEGAÇÃO 16 de abril Já há doentes na nau e começam a sofrer delírios. Uns dizem que a peste vem do comer apenas biscoitos, outros que da água salobra e uns que isso é por causa da malícia dos ares pestíferos. DICIONÁRIO O dicionário é, na verdade, um glossário básico da língua dos tupiniquins, em que se misturam termos verdadeiros, como jururu: "estou triste...", ita:pedra; oca: casa; taba: aldeia e debochados, como nhenhenhém: "falar, falar, falar...". O BESTIÁRIO O bestiário descreve seres como a ostra — "uma pedra que se abre por sua própria vontade (....) e são como mulheres feias, que não oferecem belezas por fora mas que revelam muitas maravilhas quando se abrem.” Além de descrever outras criaturas, como jacarés, papagaios, sucuris, urubus, quatis, tamanduás etc. ALGUMAS “PENSAMENTOS” DO NARRADOR “...a pouca sabedoria que têm os homens torna-se nenhuma quando estão em multidão.” “...não há mal que não possa ficar pior...” “Um inimigo não é um homem, é um inimigo.” “...para que um prazer mereça tal nome, não deve durar mais que duas horas, pois, se passa disso, já se transforma em enfado. COMO “SE DAR BEM” NA TERRA DOS PAPAGAIOS (COBERTO DE ÍNDIOS POR TODOS OS LADOS) Primeiro Mandamento É preciso saber dar presentes com generosidade e sem parcimônia ( refere-se aos gentios) p. 58 Segundo Mandamento É preciso fazer alarde, espetáculo e pompa, pois nesta terra mais vale o colorido do vidro que a virtude do remédio. p.76 Terceiro Mandamento “...por serem tão crédulos aqueles gentios; pode-se-lhes mentir sem parcimônia nem medo do castigo.” Quarto Mandamento “É aquela terra onde tudo está à venda e não há nada que não se possa comprar, seja água ou madeira, cocos ou macacos. Mas o que mais lá se vende são homens, que trocam-se por mercadoria e são comprados com as mais diversas moedas.” Quinto Mandamento “...as portas não são abertas com chaves de ferro, mas com moedas de prata.” Sexto Mandamento “Naquela terra não se escolhe o mais honesto, mas o que oferece mais mimo.” Sétimo Mandamento Naquele pedaço de mundo, senhor conde, não se deve confiar em ninguém, pois se no sábado nos juram eterna fidelidade, no domingo nos enfiam uma espada pela garganta. A verdade é que lá troca-se de bandeira como as mulheres trocam de panos em dias de regras. p. 153 Oitavo mandamento Na Terra dos Papagaios, cada um cuida de si e Deus que cuide de todos....cada um só quer saber do seu nariz.... p.165 Nono Mandamento “...os daquela terra muito prezam serem chamados de senhores e não há um que não troque honradez por honraria.” p. 166 DÉCIMO MANDAMENTO E o resumo de meu entendimento é que naquela terra de fomes tantas e lei tão pouca, quem não come é comido. De teu servo e pai, Cosme Fernandes, dito Bacharel. A CONCLUSÃO “É esta, senhor, a história que quero que leia e faça chegar à mão de meu filho Vasco Brandão,que não são outras que não as tuas, caro conde, pois como já deves ter percebido, és aquele filho gerado entre doces e compotas da casa de teus avós. Amado filho, o porvir não sabemos, mas estou velho e cansado, é bem possível que nunca veja o teu rosto. Não importa, mando-te estas folhas contando tudo o que aconteceu a mim e à tua mãe, cujo paradeiro ignoravas, e que por fim tornou-se uma de minhas mulheres....” A INTERTEXTUALIDADE NA OBRA Canção do Exílio (Texto original – séc. XIX) Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar — sozinho, à noite — Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. Gonçalves Dias A “canção exílio” de Jácome Roiz Esta terra tem palmeiras, onde canta o sabiá as aves que aqui gorjeiam, não existem em Portugá. Este céu tem mais estrelas, estas almas, menos dores, estes bosques têm mais vida, estas gentias, mais amores. Não permita Deus que eu morra, em outras terras que não cá; sem que desfrute dos amores que não encontro por lá; sem qu’inda aviste as palmeiras e cozinhe um sabiá. PERSONAGENS Cosme Fernandes (narrador-personagem) Conde de Ourique (filho de Cosme Fernandes, a quem se destina o “relato” Lianor – a grande paixão de Cosme Fernandes Degredados: Jácome Roiz João Fragoso Antonio Rodrigues João Ramalho Simão Caçapo Lobo de Pina (trai C. Fernandes)