Escrita digital Uma exploração de sua constituição e genealogia Beatriz Cintra Martins Doutoranda do PPGCOM – ECA/USP Confibercom - 2011 Escrita digital e autoria colaborativa Este trabalho se insere na pesquisa de doutorado intitulada: “Autoria em rede – um estudo dos processos autorais colaborativos de escrita nas redes de comunicação” Neste contexto, interessa saber quais as características específicas da escrita digital: O que remodela de linguagens anteriores Quais são seus traços distintivos A lógica da evolução dos meios Remediação (Bolter & Grusin): Remodelagem de mídias anteriores Opera como uma homenagem e rivalidade Relação dialética entre as linguagens A lógica da evolução dos meios Lógica da evolução dos meios Escrita digital reformata elementos da estrutura do meio impresso como: Títulos Subtítulos Menu Programação visual Lógica da evolução dos meios O impresso, por sua vez, se atualiza dialeticamente, incorporando elementos do meio digital A lógica da evolução dos meios Herança de convenções culturais (Manovich) Elementos de linguagens já conhecidas fazem parte do processo de reconhecimento e apropriação de novas linguagens Do códice ao impresso Invenção do códice por volta de 140 d. C. A página desde então é a superfície de escrita Referência cultural de leitura – do códice às telas dos tablets O espaço de escrita do manuscrito Características: Interatividade Criação coletiva Texto aberto O espaço de escrita do manuscrito Textos bíblicos: Um exercício hermenêutico para interpretar a palavra de Deus Realizado por um coletivo formado por “copista”; “compilador”; “comentador” e “autor”: O espaço de escrita do manuscrito “Um homem pode escrever trabalhos alheios, sem acrescentar ou mudar nada, neste caso ele é simplesmente chamado de “copista” (scriptor). Outro escreve trabalhos alheios com adições que não são suas; e ele é chamado de “compilador” (compilator). Outro escreve tanto trabalhos alheios como o seu, mas com os trabalhos alheios em primeiro plano, adicionando o seu próprio a título de explanação; e ele é chamado de “comentador” (comentator)... Outro escreve tanto o seu trabalho como os alheios, mas com o seu em primeiro plano adicionando outros a título de confirmação; e este homem pode ser chamado de “autor” (auctor)” O espaço de escrita do manuscrito Também os textos literários eram objeto de criação coletiva. The Canterbury Tales, obra do escritor inglês Geoffrey Chaucer, do século XIV, teve várias versões produzidas por leitores, com cortes e acréscimos, num processo de autoria aberto e fluido. Alguma semelhança com projetos wiki? A invenção do impresso Obra fechada e acabada A leitura também se individualiza Produto da Modernidade, era do sujeito autônomo Desenvolvimento das artes gráficas Mais recursos de indexação com a tipografia Escrita digital Uma remediação do manuscrito: Interatividade Criação coletiva Abertura do texto E também do impresso Leitura silenciosa Elementos das artes gráficas Recursos de indexação Genealogia do digital Marco mais remoto da escrita digital é a invenção do telégrafo elétrico em 1832 (Kittler), com o objetivo de dinamizar o fluxo de comandos entre tropas do exército. Descoberta da eletricidade – o traço mais distintivo do digital – teve origem em uma elite de escolas de engenharia e comandantes do exército, tendo como pano de fundo a guerra de 1809. Criação da tela do computador esteve ligada ao desenvolvimento de tecnologias de vigilância, inicialmente baseadas na fotografia aérea em balões, usada na França já em 1882, e posteriormente nos radares das aeronaves usadas durante a II Guerra Mundial. Origem da Internet também teve motivação militar, na agência americana ARPA, na época da Guerra Fria. Especificidade do meio digital Eletricidade: Para McLuhan, a eletricidade é tato. Isto é ela estimula todos os sentidos, “exige a participação e o envolvimento de todo o ser”. (McLuhan) Especificidade do meio digital Outra dimensão perceptiva e cognitiva Conectividade Abrangência das conexões Velocidade Favorecimento das estratégias colaborativas “Qualquer um que esteja on-line é, de fato, parte de um hipertexto mundial. [...] A mente elétrica é verdadeiramente pósescrita no sentido que pode dar-se ao luxo de conhecer sobre si própria e sobre a mente escrita, ela pode combinar o privado e o coletivo em uma única entidade, a conectiva, sem ameaçar uma à outra.” (De Kerckhove, 2003, p. 9) A escrita autômata Para Manovich, a cultura digital é marcada por cinco princípios: representação numérica modularidade automação variabilidade transcodificação A escrita autômata Representação numérica é a base do meio digital, onde tudo pode ser reduzido à combinação de 0 e 1. Deste modo todos os signos são quantificáveis e manipuláveis por algoritmos. Modularidade, ou estrutura fractal da mídia, é a manutenção da mesma estrutura em diferentes escalas do objeto, sejam elas caracteres, pixels ou scripts, que continuam a manter sua identidade no todo e nas partes. As duas primeiras tendências possibilitam a terceira: a da automação, que representa a intervenção direta e autônoma do computador na produção em meio digital. A escrita autômata A escrita autômata ocorre de diversas maneiras Uma delas é através da ação de bots, ou robôs, em edições da Wikipédia Responsáveis por significativa parte das edições – de 10 a 30% Há atualmente 685 robôs na versão inglesa e 180 na lusófona A escrita autômata As funções dos bots na Wikipedia são: Editoriais – criar e apagar páginas; conferir links etc De vigilância – detectar, apagar e denunciar a ação de spam e vandalismo. Uma prótese operacional/cognitiva Atuação também ligada ao controle, em consonância com sua genealogia militar A escrita autômata Máquina semiótica: mais do que mero processador e armazenador de informações um manipulador de signos, capaz de dar um sentido inédito à construção textual. a partir de um campo de virtualidades, um texto possível, mas não necessariamente previsível, é criado Poemas encontrados Finalizando O método da investigação histórica com base no conceito de remediação permitiu perceber que: Características tidas como inéditas do texto eletrônico – como a intertextualidade, a interatividade, a abertura e a fluidez, por exemplo – são na verdade remediações de práticas de escrita mais antigas Por outro lado, possibilitou também identificar sua especificidade: a conectividade e a automação A pesquisa agora segue com a realização de estudos empíricos – na Wikipédia e no Overmundo – que possam fornecer mais elementos para a compreensão da produção textual colaborativa nas redes de comunicação Obrigada! autoriaemrede.wordpress.com [email protected] @biacm