Mestrado – PUC/BH Disciplina: Fundamentos Históricos do Constitucionalismo Prof.: José Adércio Leite Sampaio Aluno: Luiz Carlos Gomes Livro: As fundações do pensamento político moderno (SKINNER, Quentin) Parte 1: As origens da Renascença 1 Considerações iniciais 2 O autor procurou analisar a história levando em consideração a ideologia vigente em cada momento Regnum Italicum - região norte da Itália que corresponde ao reino lombardo medieval, que Oto I reincorporou ao Império Germânico em 982 e onde se situavam as cidades-Estado (cidadesrepúblicas) As cidades-Estado viviam em conflitos armados tanto contra os imperadores germânicos quanto contra o Papado, tentando buscar ou manter sua liberdade (independência + autogoverno) Em determinado momento a Ars Dictaminis,que era o estudo/uso da retórica através da confecção de cartas-modelo, passou a ser utilizada com finalidades práticas para solução de problemas da vida urbana Marsílio de Pádua, no tratado O defensor da paz, deixa a mensagem de que quem pretender ser o defensor da paz no Norte da Itália deve, acima de tudo, ser um inimigo dos poderes jurisdicionais a que a Igreja alega ter direito Renascimento 3 Renascimento, Renascença ou Renascentismo são os termos usados para identificar o período da História da Europa aproximadamente entre fins do século XIII e meados do século XVII, mas os estudiosos não chegaram a um consenso sobre essa cronologia Chamou-se "Renascimento" em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da antigüidade clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista. O termo foi registrado pela primeira vez por Giorgio Vasari já no século XVI, mas a noção de Renascimento como hoje o entendemos surgiu a partir da publicação do livro de Jacob Burckhardt A cultura do Renascimento na Itália (1867), onde ele definia o período como uma época de “descoberta do mundo e do homem” http://pt.wikipedia.org/wiki/Renascimento 2. Retórica e liberdade A emergência do humanismo 4 Na segunda metade do século XIII, foi levada da França à Itália uma teoria retórica nova conscientemente humanista e que teve o efeito de causar ruptura e transformação nas convenções vigentes na Ars Dictaminis A Universidade de Paris foi um dos principais centros desse tipo de estudo Primeiros humanistas 5 Numerosos estudantes tinham começado a aprender a Ars Dictaminis como parte de sua formação mais ampla para a carreira de advogado Em determinado momento, passaram a se sentir mais interessados nos poetas, oradores e historiadores clássicos e os estudavam como figuras literárias sérias, dignas por ser estudadas e imitadas por si mesmas Podem ser considerados como os primeiros verdadeiramente humanistas, os primeiros autores entre os quais “a luz começou a brilhar”, nas palavras de Coluccio Salutati, em meio às trevas então generalizadas Foram as cidades de Arezzo e Pádua os dois centros onde os raios do humanismo primeiro chegaram Humanismo Humanismo é a filosofia moral que coloca os humanos como primordiais, numa escala de importância. É uma perspectiva comum a uma grande variedade de posturas éticas que atribuem a maior importância à dignidade, aspirações e capacidades humanas, particularmente a racionalidade. Embora a palavra possa ter diversos sentidos, o significado filosófico essencial destaca-se por contraposição ao apelo ao sobrenatural ou a uma autoridade superior O humanismo renascentista propõe o antropocentrismo. O antropocentrismo era a idéia de o homem ser o centro do pensamento filosófico, ao contrário do teocentrismo, a idéia de Deus no centro do pensamento filosófico. O antropocentrismo surgiu a partir do renascimento cultural http://pt.wikipedia.org/wiki/Humanismo 6 Desenvolvimento do pensamento político 7 O movimento humanista exerceu considerável influência sobre o pensamento político da Renascença: – As obras desses literati pré-humanistas muitas vezes eram de teor forte e diretamente político. Por exemplo, Alberto Mussato não se considerava um mero erudito poeta, mas também político e propagandista e todo o propósito de seu Ecerinis – peça em versos latinos - está em “invectivar com lamentações a tirania” e em celebrar o valor da luta pela liberdade e pelo autogoverno – Outra via menos direta: as novas influências clássicas serviram para enriquecer e consolidar ambos gêneros de escrita política que haviam nascido do estudo da retórica no início do século XIII: as crônicas urbanas e os manuais para uso dos podestà (funcionário investido de poder supremo, ou potestas, sobre a cidade) e de outros magistrados urbanos Defesa de valores políticos 8 O risco da perda de confiança no sistema eletivo de governo, com o avanço dos signori (déspotas) nas cidades-repúblicas, fez com que os autores reagissem e fizessem a primeira defesa em larga escala dos valores políticos que caracterizavam as repúblicas urbanas Os autores, inspirando-se no quadro literário e retórico, vieram a desenvolver uma ideologia voltada não apenas para a defesa, como valor central, da liberdade republicana, mas também para a análise das causas de sua vulnerabilidade e dos métodos mais adequados a tentar garantir que ela não perecesse O bem comum 9 Uma grande preocupação dos autores era em sugerir qual o método mais eficiente para defender os ideais tradicionais das cidades-repúblicas A resposta que deram era simples: o povo deve por de lado todos os interesses pessoais e de facção, e aprender a identificar o seu bem particular com o da cidade como um todo (o bem comum da cidade) Interesses da cidade x Interesses dos cidadãos Duas principais linhas de abordagem - O governo será eficiente sempre que suas instituições forem fortes, e corrupto sempre que seu maquinário não conseguir funcionar de maneira adequada (David Hume) - Se os homens que controlam as instituições governamentais forem corruptos, as melhores instituições possíveis não terão como moldá-los ou refreá-los, enquanto, se forem eles virtuosos, a qualidade das instituições se tornará um tópico de menor importância (Nicolau Maquiavel e Barão de Montesquieu) 10 Qualidades necessárias a todo bom governante Latini, que teve acesso a uma tradução latina de Ética a Nicômaco, de Aristóteles, cita as qualidades necessárias a todo bom governante: 11 Prudência, “a primeira virtude” que inclui previdência, cuidado e conhecimento Temperança, que engloba a honestidade, a sobriedade e a continência Fortaleza ou força de ânimo, capacitando-o a alcançar a “magnificência na guerra e na paz” Senso de justiça, que inclui liberalidade, religiosidade, inocência, piedade, caridade, amizade, reverência e anseio de concórdia Probidade 12 Brunetto Latini, seguindo o autor de Olho Pastoral e João de Viterbo, conclui que o mais elevado dever de todo regente deve sempre consistir em servir como modelo de probidade, evitando-se assim, a todo custo, as tentações da fraude e do logro Maquiavel x predecessores 13 A ênfase na questão da virtude cívica estava fadada a tornar-se uma das características mais notáveis do pensamento político da Renascença Enquanto Latini e seus predecessores insistem em que as máximas da prudência sempre haverão de coincidir com as virtudes, exatamente nesse ponto Maquiavel introduz a disjunção decisiva entre a procura da virtude e o êxito nos negócios políticos (os fins justificam os meios?) 3. Escolástica e liberdade 14 Os alicerces da escolástica começaram a ser lançados com a gradual redescoberta do corpus central das obras filosóficas de Aristóteles, muitas vezes conservadas em traduções árabes Acepção ■ substantivo feminino 1 Rubrica: filosofia, teologia. Pensamento cristão da Idade Média, baseado na tentativa de conciliação entre um ideal de racionalidade, corporificado na tradição grega do platonismo e aristotelismo, e a experiência de contato direto com a verdade revelada, tal como a concebe a fé cristã; escolasticismo (Dicionário Houaiss: http://houaiss.uol.com.br/) Agostinianismo x Aristotelismo 15 Santo Agostinho representa a sociedade política como uma ordem determinada por Deus e imposta aos homens, decaídos, como remédio para seus pecados. A vida na terra era uma preparação para a vida por vir Já a Política de Aristóteles trata a pólis como uma criação puramente humana, destinada a atender a fins estritamente mundanos. A arte de “viver e viver bem” na pólis é um ideal auto-suficiente que não necessita de qualquer finalidade ulterior para adquirir sua plena significação A política para Aristóteles Na filosofia aristotélica a política é um desdobramento natural da ética. Ambas, na verdade, compõem a unidade do que Aristóteles chamava de filosofia prática Se a ética está preocupada com a felicidade individual do homem, a política se preocupa com a felicidade coletiva da pólis. Desse modo, é tarefa da política investigar e descobrir quais são as formas de governo e as instituições capazes de assegurar a felicidade coletiva. Trata-se, portanto, de investigar a constituição (?) do estado Acredita-se que as reflexões aristotélicas sobre a política originam-se da época em que ele era preceptor de Alexandre, o Grande http://pt.wikipedia.org/ 16 A retórica para Aristóteles Aristóteles considerava importante o conhecimento da retórica, já que ela se constituiu em uma técnica (por habilitar a estruturação e exposição de argumentos) e por relacionar-se com a vida pública O fundamento da retórica é o entimema (silogismo truncado, incompleto), um silogismo no qual se subentende uma premissa ou uma conclusão. O discurso retórico opera em três campos ou gêneros: gênero deliberativo, gênero judicial e gênero epidítico (ostentoso, demonstrativo) http://pt.wikipedia.org/ 17 Influência de “A Política” na Itália 18 Os advogados romanos da Bolonha começaram a incorporar os conceitos e métodos da teoria política aristotélica a suas glosas e comentários Teoria da soberania popular Marsílio de Pádua, filho de um advogado paduano, em sua principal obra política, o Defensor da paz – 19 Descreve o funcionamento interno das cidadesEstado, onde diagnostica as causas de suas fraquezas crônicas e desenvolve uma teoria da soberania popular mais clara e sistematicamente aristotélica do que até então fora tentado A defesa escolástica da liberdade Críticas a santo Tomás 20 Alguns autores criticaram a tese de santo Tomás, segundo a qual a monarquia sempre é a melhor forma de governo Ptolomeu (ou Bartolomeu) de Luca distingue uma forma de governo “despótica” e uma “política”, definindo como regime “político” aquele em que o governo é “feito segundo a lei” e “em benefício do corpo principal do povo” República romana 21 Os pensadores escolásticos começaram a pensar que o apogeu de Roma se deu no período republicano, e não no período imperial Valorizaram grandes figuras do final da República, como Catão e Cícero, que passaram a ser elogiados como grandes patriotas, figuras exemplares da virtude cívica, que perceberam o quanto estava ameaçada a liberdade republicana e tentaram salvála da tirania que avançava Escolásticos x Retores 22 Os escolásticos tendem a concentrar a atenção no maquinário do governo. Apresentam-se menos como moralistas do que como analistas políticos e voltam suas esperanças para a eficiência das instituições, como meio mais apropriado para se alcançar o bem comum e um governo pacífico Para os retores as artes retóricas são importantes na vida política, sendo mais moralistas que os escolásticos e concentram suas esperanças na virtude dos indivíduos Alienação x Delegação 23 Para santo Tomás (Suma teológica) o ato de instituir um governante sempre leva os cidadãos a alienar, e não apenas delegar, a autoridade soberana que originalmente detinham Marsílio de Pádua e Bartolo de Saxoferrato defendem a tese contrária: de que o “corpo inteiro dos cidadãos” conserva a soberania legislativa em todos os tempos, “não importando se ele faz a lei diretamente por si mesmo ou se confia a tarefa de fazê-la a determinada pessoa ou pessoas” Limites do poder delegado 24 Santo Tomás defende que todos os governantes são soberanos legítimos, legibus soluti, não estando sujeitos a nenhuma obrigação formal de obedecer às leis positivas Marsílio e Bartolo afirmam o contrário, de que um governante ou magistrado supremo, jamais se pode tornar “legislador em sentido absoluto, mas apenas em sentido relativo e por um tempo particular”. A autoridade última deve permanecer em todos os tempos nas mãos do próprio povo, que sempre pode controlar ou mesmo destituir seus governantes se estes cessarem de agir em conformidade com os poderes estritamente limitados que lhes foram confiados Restrições a todo governante 25 Bartolo e Marsílio propõem três restrições que devem ser impostas a todos o governantes e magistrados, para impedi-los de ignorar a vontade popular o que os faria degenerar em tiranos Primeira restrição 26 Segundo Marsílio, “para a suficiência da vida civil, é absolutamente melhor para a república que cada monarca seja nomeado por meio de uma nova eleição e não segundo uma sucessão hereditária Bartolo concorda e acrescenta que nenhuma eleição realizada “sob o medo” deve ser considerada válida, já que “a transferência da jurisdição deve sempre ser voluntária” Segunda restrição 27 Nenhum governante será autorizado a exercer discrição superior à que for estritamente necessária à aplicação da lei Marsílio, citando Aristóteles (A Política, livro V, capítulo 6) afirma: “quanto menos coisas os governantes controlarem”, entenda-se sem lei, “mais perdurará o seu governo, porque eles se tornarão menos despóticos, sendo mais moderados em seu proceder e menos detestados por seus súditos” Terceira e última restrição 28 Bartolo considera uma estrutura piramidal de governo, cujos alicerces se assentam na vontade popular. A base do sistema é formada pelo Parlamentum, ou conselho geral, eleito por todos os cidadãos. Tal assembléia então escolhe um conselho de menor número de membros, presidido pelo “rector”, ou supremo magistrado. Esse grupo designa aqueles funcionários para se desincumbir dos aspectos mais técnicos da governação Influência ideológica das doutrinas de Marsílio e Bartolo 29 Santo Tomás, em O governo dos príncipes, só reconhecia a paz no governo de um único regente É contra essa ortodoxia que a defesa da liberdade republicana montada por Marsílio e Bartolo tem que ser entendida. Eles concedem que o valor fundamental na vida política consiste na conservação da paz. Negam que a paz seja incompatível com a preservação da liberdade A mensagem final que deixam para seus contemporâneos é a de que um povo pode desfrutar das bênçãos da paz sem precisar perder a liberdade e que, para isso, a condição é que o papel de “defensor da paz” seja assumido pelo próprio povo 30 FIM