Era uma vez uma praia bucólica. 1 Que continua bucólica. 2 Mas, epa! O que é isso? 3 “Isso”, que de vez em quando aparece aos montes, é “aquilo” mesmo. Para fins didáticos, chamemos “isso” de “m”. 4 E esse monte de outras porcarias na praia - de onde será que elas vem? 5 Vem do mesmo lugar que aquelas outras: da sua casa. 6 Explicando: se você mora na Zona Sul, tudo o que você joga na privada, na pia ou no tanque sai em Ipanema. 7 Não acredita? Repare no círculo vermelho. 8 É um rio de m. visto do céu. São 8.000 litros por segundo. 9 Lançados entre a praia e o recém criado Monumento Natural das Ilhas Cagarras. Imagine a cena: mais de 1.500.000 de seres humanos puxando a descarga. 10 Uma torrente imunda que o emissário submarino de Ipanema lança no mar. 11 Sem qualquer tratamento. Duvida? Sinta o cheiro do que jogamos no mar nos arredores das Estações Elevatórias Parafuso e André Azevedo em Copacabana. 12 Resultado: aqui se vê incríveis fenômenos biológicos: • cardumes de preservativos. • manadas de absorventes íntimos. • turbilhões de cotonetes. 13 •Tudo isso embebido em suco de m. E o banhista fica com o privilégio de nadar em meio a tudo isso dadas certas condições oceanográficas. 14 Agora pense que isso vem acontecendo há 35 anos. 15 Resultado: há uma área sem vida de 20 Km2 ao redor da boca do emissário. São 11.000 ton de porcaria assentadas no fundo que o mar não consegue processar. Fonte: Carreira, R. S. & A. L. R. Wagener, 1998. Speciation of sewage derived phosphorus in coastal sediments from Rio de Janeiro, Brazil Marine Pollution Bulletin, 36 (10): 818-827. 16 Outro Resultado: o pescado dessa região está contaminado com Aeromonas e Plesiomonas, bactérias que causam disenteria, e a carga orgânica favorece blooms de dinoflagelados que podem causar intoxicação pela ingestão desse pescado (ciguatera). Fontes: Pereira et al., 2004. Aeromonas spp. e Plesiomonas shigelloides isoladas a partir de mexilhões (Perna perna) in natura e pré-cozidos no Rio de Janeiro, RJ. Ciênc. Tecnol. Aliment. 24(4): 562-566. 17 Dickey, R. W. e S. M. Plakas, 2010. Ciguatera, a Public Health Perspective. Toxicon 56 (2010) 123–136. Mas então como pode ter nascido um projeto desses? 18 O emissário de Ipanema, o primeiro do Brasil, foi projetado e construído no início dos anos 1970. 19 Nessa época não havia Licenciamento Ambiental, EIA/RIMA, etc. 20 Não havia a Resolução CONAMA 357 que diz que “os efluentes de qualquer fonte poluidora somente poderão ser lançados, direta ou indiretamente, nos corpos de água, após o devido tratamento (...)” 21 Aliás, nessa época sequer havia CONAMA, ou Ministério do Meio Ambiente, ou Política Nacional de Meio Ambiente, ou Protocolo de Annápolis, ou Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ou o próprio conceito de “Desenvolvimento Sustentável”. 22 Já ouviu falar nele? “O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.” Pois é, só nasceu em 1987. 23 Então se leis e critérios mudaram desde que fomos tricampeões, porque o projeto não foi modificado? 24 Boa pergunta. 25 Mas espera que vai piorar: Não bastasse o emissário de Ipanema, há os clones da Barra, e de Icaraí. Veja essa simulação de dispersão e decaimento colimétrico de seis dias. 26 Repare como as plumas de bactérias “lambem” nossas ilhas e diversos outros balneários. 27 Veja, por exemplo, como anda a Praia Vermelha em um domingo de sol... Agora saiba que moda que nasce em Ipanema, se espalha pelo Brasil: 28 Hoje há dezenas de emissários sujando nosso litoral. Ah se eles soubessem como desejamos uma solução inteligente... 29 Aliás, “a hora é essa”, diriam os oportunistas. 30 Ou não. 31 Pense nisso. Não dê as costas para o mar. 32 33 A natureza agradece. As gerações futuras também. 34 Créditos das imagens: Slide 1: Marc Ferrez, 1905. Slides 8 e 9: Aerolevantamento da Prefeitura do Rio, 2002. Slide 10: Região “atendida” pelo emissário sobre Google Earth. Slide 15: Aurelino Gonçalves, 1972. Slides 16 e 17: Polígono com os pontos de Carreira e Wagener (1998) sobre Google Earth. Slide 19, 20 e 22: www.rioquepassou .com.br Slide 21: ? Slide 23: Capa do “Relatório Brundtland”. ONU, 1987. Slide 26: COPPE/UFRJ: modelagem colimétrica com SIBAHIA. Slide 28: Algumas cidades que tem emissário sobre Google Earth. Slide 30: Logomarcas da Rio+20, Copa de 2014 e Olimpíada 2016. Alle anderen Fotos sind mein. 35