A tentativa de roubo perfeito A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Jorge de Palma 1 e outros contos 2 Página A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma O autor Jorge de Palma é filho de Carmo de Palma e de Adelina Candian de Palma. Nasceu em Iracemápolis-SP, em 20 de dezembro de 1952. Trabalhou muitos anos como jornalista, atuando nos jornais Diário de Limeira, Diário de Pernambuco, Diário de Americana, O Liberal (Americana) e Tododia (Americana), entre outros. Reside em Americana-SP. Contatos: Página 3 [email protected] A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma A tentativa de roubo perfeito Para o gerente João Siqueira, aquela era uma manhã de trabalho como todas as outras. Como fazia normalmente, ele chegara cedo à agência e acompanhara o início do trabalho dos funcionários. Estava à sua mesa quando o telefone tocou. Atendeu solícito como sempre, mas aos poucos sua expressão até então sorridente e tranquila foi se transformando com rugas de preocupação. Do outro lado da linha alguém falou: A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Siqueira ficou atento. Pela manhã, havia levado sua mulher ao trabalho e portanto sabia que o que a pessoa falava ao telefone podia ser verdade, pois 4 -É o gerente João Siqueira? O senhor está sendo observado e deve permanecer tranquilo e fazer tudo o que ordenarmos. Além de poder matá-lo, nossa gente invadiu a sua casa e está com a mãe de sua mulher sob a mira de revólver. sua sogra estava sozinha em casa. Por isso, permaneceu calado e continuou ouvindo: A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página No outro lado da linha, o representante comercial Marcos da Silva estava ansioso. Há muito tempo ele estava à busca de um roubo perfeito. Pensara várias maneiras de roubar um banco, mas não queria, de maneira alguma correr riscos, ou contar com uma única chance de ser descoberto. Também queria vencer pela esperteza e não com o uso da violência. A princípio, julgou que fazendo o gerente acreditar que estava sendo vigiado e que sua casa tinha sido invadida, com parentes como reféns, este entregaria o dinheiro. Uma quantia pequena também tornaria mais viável a ação do gerente. Mas havia um grande problema. A pessoa que fosse receber o dinheiro corria o risco de ser identificada e presa, porque não havia certeza de 5 -O que queremos é que o senhor pegue uma quantia de R$ 100 mil, do cofre e faça uma entrega para nós. O senhor deve pegar o dinheiro, sair do banco, seguir até o 12o. andar do Edifício Altina, que fica na esquina do banco e jogar o pacote na lixeira que fica no corredor daquele pavimento. Lembrese para a sua segurança e de sua família, não chame a polícia. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Silva tinha um escritório no oitavo andar do Edifício Altina. Pela sacada do prédio, ele tinha uma boa visão do banco que pretendia roubar. No final do corredor havia a lixeira. Todo o lixo alí jogado caia por uma tubulação até o solo, onde havia tambores para a coleta do material. Ele imaginou que sempre que se alguém jogasse alguma coisa do 12o. andar, o objeto passaria pelo oito andar antes de cair no fundo da lixeira. Por isso, elaborou um objeto, semelhante a uma raquete de tênis, com rede e amarrado a uma corda e o introduziu na lixeira. Se alguém jogasse alguma coisa lá de cima, ele a pegaria alguns andares abaixo, antes que fosse ao fundo. O edifício era antigo, tinha muitas salas desocupadas e ele havia percebido que o movimento era mínimo e provavelmente ninguém o veria colocando ou retirando alguma coisa do orifício da lixeira. 6 que o gerente não faria contato com a polícia ou com a segurança do banco. Se mandasse o gerente esconder o dinheiro em algum lugar, a polícia poderia ficar vigiando e prender quem chegasse ao local. Foi por isso que ele decidiu interceptar a entrega do dinheiro na metade do caminho e julgou em utilizar a lixeira do edifício. Silva havia imaginado também que se a polícia fosse informada, certamente iria aguardar que alguém fosse apanhar o dinheiro no fundo da lixeira. Ninguém iria pensar que ele pegaria o dinheiro alguns andares acima. Além disso a polícia não teria como revistar o prédio inteiro. Além de salas de escritórios havia também moradores, famílias inteiras que ali residiam. Ele poderia levar o dinheiro ou então deixá-lo guardado no cofre de seu escritório, até que tudo se acalmasse. Foi pensando em tudo isso, que da entrada do prédio Silva viu quando o gerente João Siqueira deixou a agência do banco, com alguma coisa embaixo do braço. Ele ficou ansioso e exultou. Seu plano estava dando certo. Notou que não havia movimentação estranha e imaginou que certamente o gerente não havia informado a polícia. Tudo ocorrera exatamente como Silva previra. O plano fora perfeito e agora ele estava abrindo o A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página 7 Quando o gerente apanhou o elevador, Silva entrou com ele e apertou o botão do oitavo andar. Assim que a porta se abriu ele coreu até seu escritório, apanhou a rede e a enfiou na lixeira. Logo depois, sentiu um baque. Retirou a rede e lá estava um pacote. pacote. Mas veio então a surpresa. Havia vários blocos de papéis, mas nenhum dinheiro. Demorou para se recobrar e perceber que o gerente fizera tudo para se livrar do perigo de ser morto. Mas não se preocupara com reféns. Então desabafou: Página 8 -Eu devia saber, o desgraçado deve odiar a sua sogra... A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Um homem muito bom Nos mais de 30 anos que exerci o jornalismo, vivi fatos pitorescos, muitos dos quais não foram contados nas reportagens, como a conversa que tive com Sônia, a irmã de um homem assassinado, em uma cidade, no interior do Estado de São Paulo. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Como havia poucas informações fui até a casa dos parentes do falecido. Sônia me atendeu e expliquei que precisava saber um pouco mais sobre o 9 Numa manhã de maio, como fazia diariamente, realizei minha ronda pelos plantões policiais quando me deparei com um boletim de ocorrência de homicídio. Um homem fora morto a tiros, nas proximidades de sua casa. Constava que ele havia deixado a prisão há poucos dias. morto e se havia algum indício que poderia levar ao assassino até então não identificado. -O que eu posso dizer é que meu irmão era um homem muito bom e não merecia isso- afirmou ela. Concordei porque, afinal de contas, ninguém merece ser morto a tiros, sem a chance de se defender, mas continuei a conversa... -Ele havia saído da prisão recentemente? -Mas se era trabalhador porque ele foi preso? A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Mais uma vez concordei em que o homem era trabalhador, mas havia uma coisa que tinha que perguntar: 10 -Sim, mas era um homem muito bom. Assim que chegou em casa, começou a trabalhar. Apanhou uma enxada e tirou todo o mato do quintal. Depois saiu fazendo capinação pelo bairro. Ele oferecia seu trabalho e se as pessoas pagavam ele capinava o mato. Mas para aqueles que não podiam pagar, ele fazia o serviço de graça. Deixou quase todo o bairro limpo e nunca roubou um tostão de ninguém. -Foi preso preso porque matou uma mulher, mas acho que não foi tão culpado, porque ele era muito bom. Ela é que não prestava. -Como assim? -Além de ser uma boa pessoa, meu irmão era ingênuo. Uma vez ele foi numa boate e a mulher se ofereceu para transar com ele. Ele achou que era namoro e aceitou. Depois ela queria receber. Mas ele não tinha dinheiro. Disse que não sabia que precisava pagar para fazer sexo. Mas como ela insistia em receber ele disse que, assim que tivesse dinheiro voltaria lá para pagar. A historia foi ficando interessante e quis saber se ele havia pago. -Como ele era muito bom, voltou lá, para pedir para ela esperar mais um pouco porque ainda não havia recebido o dinheiro suficiente. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página -Esperou nada. Mandou uns homens darem uma surra nele e o atiram no meio da rua. Ele foi levado para um hospital e demorou um bom tempo para se recuperar. 11 - E ela esperou? -E depois? -Ele voltou para casa e não perturbava ninguém. Como era muito bom, ajudava em tudo o que podia, mas a humilhação com aquela mulher ficou martelando na cabeça dele, até que um dia ele não aguentou mais e aconteceu a tragédia. Fiquei calado por alguns instantes. Na minha cabeça ainda havia dúvidas. Se ele era um bom homem, certamente poderia ter ocorrido um acidente, uma morte intencional. E veio a pergunta que não podia calar: -E como ela a matou? -Foi com faca. Ele deu 17 facadas nela... Não pude me conter: -Mas era um homem muito bom? E ela completou chorando. Página 12 -Era, meu irmão era muito bom. Não sei porque alguém iria querer atirar nele. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma O tiro no escuro A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Como repórter, acompanhei o cerco. Com um megafone, a polícia anunciou o cerco e pediu para o homem, acusado de assalto se entregar e que saísse com as mãos para o algo. Ele não respondeu. Continuou escondido. Por isso, os policiais armados com cartucheiras calibre 12 entraram rastejando no mato. Alguns tempos depois ouviuse disparos e então alguém gritou: "Acabou, ele tombou". 13 Naquela manhã não se falava em outra coisa, no plantão policial. Tudo girava em torno do tiroteio ocorrido no dia anterior, quando um fugitivo foi cercado e morto em um matagal na periferia de Americana. O homem tentou um assalto a mão armada, saiu correndo e entrou em uma área de brejo, com mato. Na fuga ele chegou a disparar contra policiais. Por isso a área foi cercada. Logo a seguir os policiais saíram arrastando o corpo do homem. Ele tinha um buraco na testa e outro no peito. Dava para ver o outro lado. Ficou igual que aqueles personagens do Mágico de Oz, sem cérebro e sem coração. A ironia de tudo, é que. para evitar acúmulo de populares no local e a espera pela polícia técnica, alguém gritou que o homem precisava se socorrido. E foi assim que quatro soldados, segurando os membros do morto, o carregaram até uma ambulância e o levaram até o hospital. A foto daquele momento saiu estampada na primeira página do jornal do dia seguinte.. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Foi então que o Souza, um investigador com muitos anos de carreira começou a falar: 14 E foi assim, com os comentários sobre o fato que policiais começaram a relembrar fatos. Uns diziam que já haviam participado de várias operações com tiroteios. Outro comentava que felizmente nunca precisara matar alguém. "Tem muita burocracia", comentava um terceiro, lembrando que nestes casos os policial responde a inquérito e a processo. "Mesmo cumprindo o dever, a gente ainda tem muita encheção de saco", disse outro. -Quando a coisa tem que acontecer, não há como evitar. Certa vez, participei de uma perseguição, parecida com essa. O marginal atirou na gente e, depois se escondeu no mato. Ficamos em pontos estratégicos por onde ele podia sair, mas ninguém estava disposto a entrar desprevenido no mato e tomar um tiro. Por isso, os colega atiravam de vez em quando, quando viam algum movimento, mas mantinham posição. Eu não estava disposto a atingir ninguém e nem a ter que preencher relatórios, inquérito, processo. Por isso, mantive a minha arma, sem disparar. Mas à medida que o tempo passava, comecei a pensar que ficaria chato se todos tivesse atirado e eu não. Por isso, resolvi atirar a esmo. Apontei em direção a um ponto qualquer do mato e disparei. Imediatamente, houve um grito de dor e, logo depois, alguém gritou pedindo socorro. Você acertou ele?, perguntei. você não vai acreditar, mas eu o acertei nas nádegas. Página 15 Que sorte. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma -Sorte nada. A bala atingiu uma veia, deu hemorragia, o cara morreu e eu respondo a processo até hoje... Os leões Há muitos e muitos anos, nos primórdios da civilização, havia uma tribo que vivia em uma bela região da África. Muitas árvores, abundancia de alimentos. A vida seria um paraíso se não houvessem os leões. Eles perseguiam os humanos e , quando podiam, os matavam e comiam. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Quando apareciam os leões, todos corriam, se armavam e se defendiam em conjunto. A luta contra os leões, se tornava mais intensa na pro- 16 O que parecia uma desgraça, também trazia seus benefícios. As pessoas da tribo se tornaram guerreiras, aprenderam a usar lanças e a correr. Eram esbeltas fortes e magras. porção em que eles tinham mais fome. E isso acabava gerando uma seleção natural que deixava a tribo forte. Na fuga dos leões os mais fracos ou doentes, caiam pelo caminho. Os sobreviventes formaram uma raça resistente. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página A solução, mesmo que não fosse a ideal, seria fazer uma fortificação de pedra, no meio da tribo. Não havia ainda a ideia de portas e o que imaginaram foi cercar uma área com pedras, deixando passagens estreitas onde só passariam os humanos. As crianças seriam protegidas primeiro. Os homens entrariam de lado na passagem estreita. E os leões, que geralmente eram gordos, ficariam de fora. Dentro haveria sempre estoque de comida e água para esperar até que os leões fossem embora. 17 Mas havia momentos de calmaria, quando os leões se afastavam ou seguiam para outras regiões. Mesmo assim os homens estavam sempre atentos e colocavam vigias nas proximidades da tribo, Além disso, o assunto era sempre discutido e ninguém gostavam quando alguém era morto pelos leões, fosse quem fosse. Por isso começaram a pensar em outra solução até que alguém teve uma ideia, que começou a se colocada em prática. Além disso, os homens mais magros, fortes e grandes corredores, ficariam sempre de prontidão, vigilantes para dar o alarme quando os leões se aproximassem. E assim foi feito. O número de mortos foi reduzindo até acabar. Somente alguém muito descuidado e que não seguisse as regras da tribo, poderia ser alcançado e devorado pelas feras. Com o passar do tempo, os leões foram procurar outras fontes de alimento. Os ataques à tribo foram rareando até acabar. A tribo havia, finalmente alcançado a paz e segurança. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Mas um dia, depois de muitos anos aconteceu a tragédia. Os leões voltaram. Alguém os viu de longe e avisou a tribo. Iniciou-se a correria para a área de proteção. Mas foi cobrado o preço do descuido. Homens e mulheres estavam muitos gordos. Não conseguiam correr muito e se tornaram presas fáceis para as feras. Os mais fortes 18 Daí veio o relaxamento natural. Muitos homens mantiveram a tradição de lutar, correr e se alimentar com disciplina. Mas a maioria se acomodou. Comia descansava, caçava pouco, dormia muito porque não havia com o que se preocupar. conseguiram lutar, chegar ao abrigo, socorrer crianças. Mas outros, quando chegavam ao abrigo, estavam esgotados e pior que isso, não passaram pelas passagens estreitas. Tinham engordado muito. Pagaram muito caro pelo descuido. Infinito prazer Ele mal se continha naquela tarde. Estava eufórico, ansioso e movimentava-se constantemente. Com tal ansiedade, queria que o tempo passasse rápido. Logo depois preferia o contrário. Quanto mais o final do expediente demorasse a chegar, mais ele saborearia aquele infinito prazer, analisando todos os ângulos, todos os detalhes. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Antônio lembrava de coisas erradas que fizera na sua infância e pelas quais fora repreendido. Várias vezes fora pego atirando pedras nos passarinhos. Conseguira um estilingue e com o tempo matou 19 Desde garoto Antônio sempre sentira aquele estranho prazer. Mas a imposição de regras, apreendidas na infância e a sua própria intuição o levaram a perceber que não podia usufruir daquilo a qualquer hora, a qualquer momento, em qualquer lugar. Era preciso ser esperto, agir dentro das regras da sociedade, seguir as leis e os costumes. alguns pardais e rolinhas. Gabava-se de sua pontaria, mas as pessoas o recriminavam pela morte dos pássaros. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Assim, com o tempo foi apreendendo que podia desfrutar daquele prazer de aumentar a emoção da vida, sentir a adrenalina com o desespero e a dor de outros, desde que o fizesse de forma aceitável pela sociedade. Às vezes sentia um arroubo, um desejo de fazer alguma coisa grandiosa, uma chacina, criar uma sala de torturas. Mas percebia que estava fora de seu tempo. Imaginava-se sendo um carrasco da era medieval ou ter nascido alemão na década de 40, onde poderia atuar em experiências incríveis com pessoas. Sonhava ser um agente do governo na época que muitos desapareciam nos porões da ditadura. Mas aprendera que muitos foram incriminadas, julgados, presos. 20 Outra vez divertiu-se muito quando encontrou um ninho com filhotes de ratos, jogou álcool e ateou fogo. Os ratos precisavam ser mortos porque transmitiam doenças, diziam os adultos. Por isso, daquela vez apesar de todo o prazer ao vez os bichinhos se contorcendo na chama, ele ainda foi elogiado. Agora ele estava satisfeito. Quando foi convidado para trabalhar no departamento pessoal daquela A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma Página Com o tempo passou a ficar deprimido porque em todos estes casos, ele não era o agente, o responsável, pelo menos indiretamente, daquela dor. Chegou até cogitar de ir trabalhar em um hospital. Mas deduziu que, além de não ser o agente causador, em vez de saborear a dor dos outros, ele teria de minimizá-la, confortá-los, em vez de cutucar a ferida. 21 Percebeu também que na mesma intensidade em que desejava este prazer, temia ser privado definitivamente dele, com a morte ou a prisão. Por isso não se julgava covarde, mas sim cauteloso. Por muito tempo, como não tinha coragem e fazer coisas pelas quais seria incriminado, contentava-se em frequentar velórios. É certo que os mortos não sentem nada. Mas os vivos, os parentes, estes sim demonstram muito sofrimento, muita dor. Antônio até aprendera a fazer uma cara de triste, enquanto, intimamente saboreava aqueles momentos de prazer e felicidade. Aliás, vinha fazendo isso há muito tempo, na escola, na faculdade, nas ruas. Sempre que via um acidente, alguém ferido, alguém gemendo ele dissimulava a sua satisfação. empresa ele não imaginou que poderia unir o útil ao agradável. Descobriu então que muito mais emocionante que impingir a dor física era atingir o íntimo das pessoas, inferiorizá-las, destroçá-las. Quando se preparava para seu trabalho, Antônio antevia o sofrimento do trabalhador, a depressão, a humilhação perante a sua família e os amigos. Página Antônio passou a tarde analisando cada detalhe daquele caso. Gozava intimamente prevendo a expressão do operário ao receber a notícia. Tentava antever a sua reação e mais do que tudo, ficava embebido de felicidade ao prever o sofrimento de meses que passaria aquele homem. Teve o cuidado de saber se ele era casado, se tinha filhos, para saber a intensidade de sua ação. Tudo era muito extraordinário, porque apesar de ter conversado com muitos funcionários, agora havia um sabor especial: aquela era a primeira vez que ele ia informar uma demissão por justa causa. 22 Por isso ele estava eufórico. Naquela tarde tinha uma missão especial. Conversar com um funcionário com quase dez anos de trabalho e que estava há poucos anos da aposentadoria. A tentativa de roubo perfeito Jorge de Palma