Apelação Criminal n. 2008.080955-0, de Concórdia Relator: Des. Hilton Cunha Júnior APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. CRIME DE SUBMISSÃO DE MENOR À PROSTITUIÇÃO (ARTIGO 244-A DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS NOS AUTOS PELOS DOCUMENTOS E DEPOIMENTOS DA VÍTIMA. ALEGAÇÕES DA VÍTIMA COERENTES E HARMÔNICAS. EXPLORAÇÃO SEXUAL DE ADOLESCENTE EM ESTABELECIMENTO MANTIDO PELO APELANTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2008.080955-0, da comarca de Concórdia (Vara Criminal e da Infância e Juventude), em que é apelante Charles Rodrigo Benelli, e apelada A Justiça, por seu Promotor: ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais. RELATÓRIO C. foi condenado pelo Juízo de Direito da Vara Criminal e da Infância e Juventude da comarca de Concórdia à pena de 4 (quatro) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, pela prática da conduta descrita no artigo 244-A da Lei nº 8.069/90, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos consistentes na prestação de serviços à comunidade e na prestação pecuniária. Irresignada, a defesa interpôs o presente recurso de Apelação Criminal, no qual pugna, em síntese, pela absolvição por inexistência de provas. Contra-arrazoado o recurso, os autos ascenderam a esta superior instância e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Exmo. Sr. Dr. Anselmo Agostinho da Silva, opinou pelo desprovimento do apelo. VOTO Verifica-se do conjunto probatório que há nos autos provas suficientes para ensejar o decreto condenatório. A materialidade e autoria do delito estão comprovadas por meio da Certidão de Nascimento (fl. 30) e da prova oral colhida nos autos. Veja-se do depoimento do acusado na fase policial: [...] Que o declarante é o gerente da Boate Caribe; Que há aproximadamente 2 meses, surgiu na referida boate uma mulher, a qual se apresentou como sendo P. da Luz e afirmando que possuia 18 anos de idade e que pretendia trabalhar na boate; Que então o declarante solicitou os documentos de P., quando a mesma alegou que havia esquecido os documentos na cidade de Chapecó, de onde afirmou ter vindo; Que nos primeiros dias o depoente exigiu de P. os documentos, chegando a sugerir que apanhasse uma moto táxi e fosse apanhar os documentos, mas a mesma "enrolava" o declarante afirmando que iria buscar, mas até o presente ainda não apresentou os documentos; Que há aproximadamente 2 meses, surgiram policiais na referida boate quando P. não possuia documentos e ficou de apresentá-los na Delegacia de Polícia; Que hoje, dia 04/12/2002, por volta das 22:00 horas, surgiram na Boate Caribe policiais militares e uma policial civil, quando solicitaram os documentos das "meninas" e novamente P. não possuia qualquer documento consigo; Que então os policiais conduziram P. e E.S.C. até a Delegacia de Polícia; Que o depoente também foi conduzido até a Delegacia pois E., possui 17 anos de idade; Que com relação a E., o declarante afirma que hoje, dia 04/12/2002, por volta das 11:30 horas, a mesma chegou na boate, se apresentou como sendo amiga de P., e informou que veio visitá-la; Que E. não informou a idade e o declarante não perguntou sua idade; Que o depoente afirma que assim que E. chegou na boate, a mesma afirmou que não iria dormir na boate, mas o declarante informa que P. havia "conversado" com a dona Cecília Vieira dos Santos para que E. dormisse em sua residência; Que E. retornaria para Chapecó no dia 05/12/2002; Que somente nesta Delegacia de Polícia, o depoente tomou conhecimento que P. na realidade revelou ser C. L., e que a mesma possui apenas 17 anos de idade; Que P. recebia 40% do valor da bebida e do valor do programa "era livre"; [...] (fls. 12/13). Observa-se que em juízo o acusado apresentou versão diversa dos fatos. [...] Que o depoente gerenciava a Boate Caribe; que o local era uma casa de prostituição; que Cristiane chegou acompanhada de uma amiga, por volta das 11h30min da manhã no dia em que a polícia esteve no local; que C. se apresentou com o nome de P. e mostrou uma certidão de nascimento na qual constava que ela tinha 18 anos; que C. não havia estado na Boate Caribe antes; que C. e a amiga ficaram de buscar as carteiras de identidade no dia seguinte; que C. iria trabalhar na Boate Caribe na noite em que a polícia esteve lá; que o declarante sabe que C. conversou com Cc. nos dias dos fatos, mas desconhece o teor da conversa; que o depoente só tomou conhecimento do verdadeiro nome e idade de C. na Delegacia; que o depoente reconhece a assinatura de fls. 12/13, nega que C. teria permanecido por trinta dias na Boate; que C., uma semana antes dos fatos, tendo ficado combinado que ela retornaria com seus documentos; que C. acabou retornando no dia dos fatos, apresentando apenas a carteira de identidade; que o declarante não desconfiava que C. era menor até porque ela trabalhou um ano na Boate Azul; [...] (fl. 144). Por sua vez, a menor C. da L. relatou que trabalhava para o acusado na Boate Caribe, juntamente com outras garotas, sendo que uma delas também era menor, fazendo "programas". Extrai-se dos depoimentos da menor: [...] que trabalhou para o acusado na boate Caribe por cerca de dois meses, pelos idos do ano de 2004; que o acusado era gerente; que além da depoente trabalhavam no local outras três garotas; que só a depoente e outra garota eram menores de idade; que todas as garotas faziam programas com clientes da boate; que o lucro das bebidas era dividido em 50% para o acusado e 50% para as garotas; que a depoente nasceu em 08/11/1985; que o acusado sabia a idade verdadeira da depoente; [...] (fl. 165). [...] que não tinha hora para fechar; que fazia cerca de 02/03 programas por semanas; que pessoal da saúde ia sempre no local alertá-las acerca de doenças sexualmente transmissíveis; [...] que trabalhou na Boate Caribe por aproximadamente 06 meses; que quem administrava a Boate era o acusado, sendo que era ele quem contratava as mulheres que lá trabalhavam; que à época trabalhavam em 04 mulheres, sendo que no mesmo imóvel havia uma cozinha e dois quartos; que durante a semana a depoente morava na boate; que o trabalho era durante a noite; que a depoente e as outras mulheres faziam programas sexuais com os clientes da boate e também bebiam junto com eles; que os programas eram feitos nos quartos da própria boate; que Charles sabia desde o início que a interroganda era menor de idade, sendo que outra garota que também trabalhava no local era menor de idade; que não é verdade que alguma vez a depoente tenha mentido o ano de seu nascimento para Charles; que efetivamente começou a se prostituir na boate antes de completar 18 anos de idade e Charles tinha conhecimento disso; que foi Charles que, para sua garantia, pediu que a depoente deixasse o local a cópia de certidão de nascimento de sua irmã que dai sim era maior de idade; que nenhum momento se apresentou para o acusado como sendo sua irmã P.; que sempre se apresentou com nome e dados pessoais verdadeiro; que já foi contratada por Charles sabendo ele que a depoente era menor de idade; que Charles recebia dos clientes o dinheiro pelo aluguel do quarto, cerca de R$ 15,00 a R$ 20,00 e como remuneração, a depoente e as outras recebiam comissão pela bebida que consumiam pagas pelos clientes, bem como o valor integral do programa sexual; que todos os programas sexuais eram realizados nos quartos da própria boate; que não saiam dali para atender em outro lugar; que a proprietária da boate se chamava Cecilia e o filho de Cecilia também trabalhava no local; que Charles cuidava da boate para Cecilia; que Charles permanecia durante toda madrugada cuidando da boate e de dia também; que durante o dia não faziam nada; que a boate começava a funcionar as 20:00 horas; [...] (fl. 227). A mãe da menor declarou perante a autoridade judicial: [...] que nem sequer conhece o acusado; que a filha da depoente, chamada C., trabalhou para o depoente, em uma boate, há alguns anos; que a depoente só soube desse fato bem depois, pois sua filha nada dizia; que soube dos fatos por meio do conselho tutelar [...] (fl. 164). A defesa pretende desmerecer os depoimentos prestados pela menor, afirmando que na fase policial teria mentido a idade para o apelante, apresentando-lhe certidão de nascimento de sua irmã P., com data de nascimento 22/08/1982. Contudo, nas oportunidades em que foi inquirida, a menor destacou que o apelante sabia que ela era menor e, ainda assim, permitiu que trabalhasse na boate. Analisando-se os autos, verifica-se que a menor começou a trabalhar na boate Caribe em outubro de 2002, ou seja, mesmo que tivesse mentido que a data de seu nascimento era 8/11/1984, não teria completado os dezoito anos de idade, como quer fazer crer a defesa. O artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe: Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: Pena: reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. Sobre o crime em questão, a doutrina registra que: Comete o delito quem submete a criança ou adolescente a exploração sexual ou a prostituição. Explorar significa tirar proveito, auferir vantagem. Pratica o crime aquele que se utiliza, diretamente, do corpo da criança ou do adolescente como produto de consumo, para práticas sexuais [...]. Incide nas penas previstas para este delito tanto aquele que mantém o contato sexual com criança ou adolescente, numa relação mercantilizada. (Munir Cury e outros, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 808 e 809). A propósito, colhe-se da jurisprudência desta Corte: APELAÇÃO CRIMINAL - SUBMISSÃO DE MENOR À PROSTITUIÇÃO - ART. 244-A DO ECA – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE REVELA A EXPLORAÇÃO SEXUAL DA ADOLESCENTE EM LOCAL MANTIDO PELO RÉU - SENTENÇA CONFIRMADA - RECURSO NÃO PROVIDO. (Apelação Criminal n. 2008.002424-8, de Joinville. Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 3.2.2009). Comete o crime do artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente agente que, buscando auferir lucros, ciente de se tratar de adolescentes, favorece ou induz a prostituição das vítimas (Apelação Criminal n. 2007.000384-9, de Abelardo Luz. Relator: Des. Amaral e Silva, j. 29.5.2007). Por todo o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo-se integralmente o decreto condenatório. DECISÃO Nos termos do voto do relator, decide a Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Participaram do julgamento, realizado no dia 4 de agosto de 2009, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Newton Varella Júnior e Rodrigo Collaço. Funcionou como Representante da douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Doutor Demétrio Constantino Serratine. Florianópolis, 7 de agosto de 2009. Hilton Cunha Júnior Presidente e Relator