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PARA NOVIDADE… OS CLÁSSICOS
Reflexões a respeito das “inovações” analíticas e a função do analista
Lic. Luz María Abatángelo de Stürzenbaum - A.P.A.
Dra. Laura Ruth Yaser – A.P.A.
Introdução:
Na atualidade, observa-se um progressivo incremento de publicações que tentam dar conta de inovações técnicas e procuram justificar determinadas condutas cuja
explicação teórica não sempre resulta clara. É verdadeiro que a psicanálise se desenvolveu desde a prática, mas é necessária a especulação posterior para não ficar no mero empirismo. Em função disto, nos propomos reavivar conceitos fundamentais da práxis, vinculados ao resguardo da regra de abstinência.
A psicanálise como processo sustenta-se num modelo. A sua vez, todo o modelo baseia-se numa teoria, determinando a ética analítica. Este assunto preocupou e ocupou a Freud, quem não só se referiu à origem da moral na humanidade e na cada
sujeito, senão que ademais deixou indicações explícitas dirigidas a evitar que os psicoanalistas incorressem em faltas éticas. Deve ter-se em conta que a proximidade afetiva
e a transferência, constituem tanto uma ferramenta como um possível risco para o desenvolvimento de erros técnicos. O analista, para manter-se em salvaguarda deve conhecer teoria e técnica, e sustentar-se em sua análise ou autoanalises.
O enquadre e a abstinência:
A associação livre e a atenção uniformemente flutuante, viabilizadas e garantedás pela abstinência constituem as três regras fundamentais do enquadre. O paciente
contribui com seus relatos, sonhos, gestos, atos frustrados, ações motoras e sensações
com sua modalidade singular, a seu ritmo e intensidade, e sem ser responsável pelo
sustento do enquadre.
Esta responsabilidade corresponde integralmente ao analista, quem deve manter
seu posicionamento, sua aptidão pra o suo autoanálise, e com isso, a capacidade para
interpretar a transferência. Justamente, observa-se que o material de sessão que não
chega a ser processado por este, incluindo algumas de suas próprias vivências em
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frente ao paciente, pode ocasionar um verdadeiro desconforte que reverte o fluxo psíquico usualmente retrógrado da sessão, podendo se desencadear uma atuação.
Alguns autores propõem que o enactment seria uma tentativa abrupta por parte do
analista de bater a estancamento apresentado num “não processo” ou um “não sonho”
(Cassorla: 2010). Ferro(1999) por sua parte, expressa que assim como poderia se assinalar uma inadequada função alfa do paciente, em contrapartida o analista se encontra impedido para metabolizar os elementos beta, de maneira que o acting de um paciente testifica a disfunção do campo, e portanto, do funcionamento mental do analista.
Cesio (1999) adverte que no âmbito da sessão o analista realiza “ações” assim
como pensar, interpretar, articular vocalmente, mais a atuação de sua parte, corresponde a um falho na manutenção do enquadre, saindo da “realidade *psíquica” e irrompendo como uma ação “real”, expressão do incesto ou o parricídio.
Entendemos que em toda análise existem intervenções não psicoanalíticas (se
ocupar, por exemplo, de um menino com febre ou um paciente que em sessão padece
um infarto). Estas intervenções não constituem uma atuação porque existe reflexão ao
respeito e são motivadas pela ética pessoal do analista, que lhe impõe antes de tudo o
resguardo da pessoa do paciente. Isto não exime de uma posterior interpretação.
Outros exemplos, como as demandas emanadas de uma transferência erotizada,
envolvem uma forma de resistência que impõe ao analista um esforço extra para conseguir sua interpretação ou uma adequada construção. É um tipo de resistência que
tende a invadir o limite da privacidade da pessoa do analista que pertence mais ao
campo da ação que da palavra.
Roudinesco assinala que o conceito de agieren alude a um mecanismo associado à recordação, repetição e retrabalho; pelo qual um sujeito atua pulsões, fantasias e
desejos inconscientes. O paciente atua aquilo que não pode recordar. Repete, não só
na transferência senão em suas outras relações atuais, cedendo a uma recorrência automática que substitui à lembrança.
Mas muito diferente é a violação do enquadre estabelecido pelo próprio analista,
quebrantando a regra de abstinência, dando satisfação às demandas próprias da libido
do paciente, já sejam manifestações sexuais diretas ou sub-rogadas. Para sustentar a
análise e evitar as atuações é fundamental manter nela consciência que a estrutura in-
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cestuosa está sempre presente, e que o desejo, como proposta psíquica, tenta ser
comprazido. A função analítica consiste em que a investidura da representação permaneça em o espaço da fantasia inconsciente, para levá-la ao campo do pensamento e a
elaboração sem ser atuada.
Inexoravelmente, existe algum aspecto que fica insuficientemente tramitado, podendo transformar-se em motor da análise ou, em caso de resultar excessivo, em a motivação para sua clausura: aquilo que não se expressa em palavras se transforma em
repetição da cena da sexualidade infantil.
A habilidade de escuta do analista, seu sustento do enquadre, o trabalho sobre a
contratransferencia, a interpretação e o cuidado do tempo emanada da sua capacidade
para captar o conteúdo inconsciente destas ações permitirá a consecução do tratamento e a possibilidade de cura. A regra de abstinência é o elemento principal da técnica e,
portanto da ética.
Invenção-Tradição:
A literatura psicoanalítica de nosso tempo, além de evidenciar uma babelização
conceitual (já que se alude a diversas situações com igual apelativo, mas também aparecem diferentes apelativos para situações análogas) está mostrando uma notória tendência a apresentar as dificuldades técnicas como recurso.
Ainda tendo conta que este uso foi singular em Freud; pode ser notado que aquilo que transforma uma dificuldade da análise em recurso técnico, é a possibilidade de
desenvolver uma teorização para permitir aprofundar os desenvolvimentos e evitar a
perpetuação do erro.
Em divergência com isto, alguns dos casos que se encontram em a literatura, parecem relatos de situações em as quais algum analista perde a paciência, e posteriormente deve remontar a situação. É verdadeiro que em muitas oportunidades se propõe
que, deste modo, se fiz consciente algum conteúdo que se encontrava reprimido; mas
de ali a recomendar como estratégia um incremento da espontaneidade de ação por
parte do analista, existem diferenças.
Em o futebol, um jogador pode ser arriscado e receber um cartão amarelo como
sanção. A reiteração desta prática lhe acarretará um cartão vermelho, e com isso, a
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expulsa do jogo. De análoga maneira, em um tratamento *psicoanalítico, o elemento de
“surpresa” e “risco” parece estar sobrevalorado, sobretudo ao considerar que pode afetar a continuidade do processo.
Nosso propósito, mais que propor críticas, é sustentar a vigência de um modelo
baseado em um ideal, ainda tendo consciência de que o modelo é um mapa conceitual
que permite trabalhar, mais não se corresponde um a um com o território da prática.
Todo processo, inevitavelmente, sofre seus avatares1. Em psicanálise sai-se ao
rodo: o paciente pode não associar e se manifestar por médio de ações motoras, atuações, letargo, ressonâncias em o corpo; o analista, por sua parte, pode realizar intervenções não psicoanalíticas, padecer também letargo, sintomas somáticos, malestares, ou ao igual que seu paciente, sintomas de actualneurosis.
O adequado manejo técnico do analista seria o fator favorecedor para a consecução do processo, agregando que quando aludimos à técnica (do grego: tekhné ou
teks, que significa transferir a realidade natural através de um artifício; ou destreza para
exercer um oficio) propomos que devem ser seguido certas regras.
Definimos a técnica como um conjunto de procedimentos e recursos para psicoanalisar. E pensamos que certos casos apresentados como inovações técnicas, em
realidade correspondem a dificuldades em sua aplicação.
Por exemplo, pensamos que poderíamos revisar o caso de Margaret Little (1957)
em o qual, a uma paciente que la mantinha frustrada lhe disse que não se importa o
que tenha pra dizer a respeito da decoração do seu consultório.
Este caso é mencionado por Lacan e vários de seus seguidores como um exemplo do “falho” da prática contratransferencialista. Poderíamos propor uma discrepância:
este caso evidência uma insuficiente análise da contratransferência, não a ineficácia de
sua aplicação. (Lacan: 1963)
O que parece estar ocorrendo, é uma atuação motivada pela neurose de contratransferência. A paciente fazia sentir à La analista que não era escutada, e que qualquer coisa que dissesse não importa. De maneira que isto foi o que a analista disse a
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Avatar, em sânscrito refere às transmutações ou reencarnações de deus, apresentando-se como humano ou animal. Seria uma mudança, fase ou vicissitude produzida ao longo de um processo. Pode ser
interpretado como relativo às sucessivas transferências e mudanças de sentido.
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seu paciente. Em última instância, em lugar de interpretar o que estava ocorrendo, lhe
deu à paciente “de sua própria medicina”.
Em general aceitamos que quando um paciente realiza uma atuação é para não
pensar, mas é importante reconhecer que também constitui uma maneira de comunicar
ao analista o não adequado pensar seu. É possível que o analista pense que realizou
boas interpretações, mas isto se contradiz com a falta de modificação do estado afetivo
do paciente.
Segundo o relato de M. Little, seu paciente era refratária a suas interpretações
transferênciais. A analista parecia não notar sua obstinação em a modalidade em que
estas eram verbalizadas. Possivelmente ela estivesse influída por suas teorias implícitas. Esta situação representaria uma inadequação em a capacidade de empatia2.
Pensamos que o denominado enactment é, desde nosso ponto de vista, uma atuação da neurose de contratransferência do analista, exacerbada por sua dificuldade
para ir interpretando certo clima de estancamento ou não processo da análise. O "não
me importo em o mais mínimo” alude e ilude a tomada de consciência de uma inadequação técnica consistente em uma verdadeira estereotipia interpretativa.
Mais que propor uma posição judicativa ou superyoica, quiséssemos enfatizar
que a situação analítica decorre entre os limites determinados pela capacidade, expertise e empatia do analista. Como dissesse Freud (1912): “qualquer repressão não solucionada em o médico corresponde (…) a um «ponto cego» em sua percepção analítica”.
Descriptores:
Neurose de Contratransferencia – Empatía – Actuación
Bolognini,(2004) reúne conceitos de Berger, Spazàl e Racker a respeito da empatia. Enuncia que é
um estado emotivo vivido pelo terapeuta em contato com o paciente como sujeito, enquanto a contratransferência é o estado emotivo vivido em contato com o objeto do mundo interno do paciente. O que
se denomina empatia seria o setor não complicado, corresponderia ao que *Racker denomina identificação concordante (com o ego e o id do analisado). O que habitualmente se conhece como contratransferência corresponde com a identificação complementaria (com os objetos internos) e a neurose
de contra transferência, que costuma resultar complexa.
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Bibliografía:
BOLOGNINI, S.: (2004)”La empatía psicoanalítica”, Edit. Lumen, Buenos Aires
CASSORLA, R.M.S (2005) “Del Baluarte al “Enactment”: El “No-Sueño” en el Teatro del
Análisis” en: Revista de Psicoanálisis - Tomo LXVII Marzo-Junio 2010 Nº
1-2, Asociación Psicoanalítica Argentina
CESIO, F.:
(1999) “Acción, actuación y violencia” en: “La peste de Tebas” Nº 13 año 3
Buenos Aires
FERRO, A.: (1999) “El psicoanálisis como literatura y como terapia”. Lumen, Bs. As.
FREUD, S.: (1912) “Consejos al médico en el tratamiento psicoanalítico” Tomo XII Obras Completas de Sigmund Freud, 1º reimpresión 1988 Amorrortu Editores Buenos Aires
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(1919a) “Nuevos caminos de la terapia psicoanalítica” Tomo XVII - Obras
Completas de Sigmund Freud, 1º reimpresión 1988 Amorrortu Edit. Bs. As.
LACAN, J.: (1963) Seminario 10: La angustia. Clase 10: 30/01/1963. “El Seminario”
Libro X, Paidós, Buenos Aires, (edic. 2006)
LITTLE, M.: (1957) “R- The analyst’s total response to his patient’s needs”. International Journal of Psichoanalysis 38:240-254
RACKER, H.: (1958) “Estudios sobre técnica Psicoanalítica” Ed. Paidós, México 1990
ROUDINESCO, E. y PLON, M: (1997) Diccionario de Psicoanálisis - Paidós (edic. 2008)
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