Tradutor e Intérprete de Libras: a construção do outro em minhas mãos. Keli Maria de Souza Costa SILVA1 Wander Luís MATIAS2 Resumo: Objetivamos neste artigo elencar tópicos da formação e as responsabilidades dos Tradutores e Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) quando do ato interpretativo do par linguístico Língua Portuguesa- Língua Brasileira de Sinais e viceversa. Discutir a atuação e os desdobramentos de suas escolhas sobre sua função, bem como as influências positivas e negativas sobre o outro surdo no contexto das Instituições de Ensino Superior. A demonstração ocorre por meio de experiências vividas ao longo de uma trajetória que dura aproximadamente dezesseis anos. São apresentados momentos e acontecimentos vivenciados em sala de aula no contato diário com os alunos, professores, diretores permeados pelas mudanças legais e normativas transcorridas durante este tempo. Palavras-Chave: intérprete; Libras, TILS, identidade, formação Não é uma missão fácil a que assumimos neste instante. Demonstrar o trabalho de um profissional, que reconhecemos ainda está em construção. No entanto, é justamente este o ponto que nos sustenta. Embora possa ser considerado um ponto de vista a respeito da profissão, e apenas uma entre tantas outras possibilidades, a trajetória apresentada neste momento refere-se à história igual à de tantos outros Tradutores Intérpretes espalhados pelo país que poderão ou não se reconhecer neste relato. Nas muitas idas e vindas em cursos de formação promovidos por associações, secretarias municipais e estaduais de educação foram se apresentando as configurações que dariam o 1 Graduada em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFU, Tradutora-Intérprete de Língua de Sinais e Professora da Faculdade de Educação da UFU. [email protected] 2 Pedagogo pela Universidade Federal de Uberlândia (2011), Tradutor Intérprete de Libras da Universidade Federal de Uberlândia, vinculado à FACED – Faculdade de Educação. Integrante do GPEDE – Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Educação, sob coordenação do Prof. Dr. Antônio Bosco de Lima. [email protected] “jeitão” dos profissionais que assumiriam a área educacional, esta trazendo particularidades que tomam sentido somente no âmbito escolar. O primeiro contato possível nesta trajetória foi o de conhecer uma CODA (denomina filhos de pais surdos, provém da abreviação de Children of Deaf Adults) o que ocorreu por volta do ano de 1998. Começando a interagir com a Associação de Surdos e Mudos de Uberlândia (ASUL) afinal era ali o ambiente onde ela se relacionava. Não chegou a ser um susto e mais tarde a primeira constatação: filhos de surdos são naturalmente incluídos no movimento surdo. Primeiro em casa, onde aprendem natural e espontaneamente a língua de sinais e esta se torna sua segunda língua (L2). Costumo dizer que nos três primeiros meses de convívio não tinha uma namorada. Tinha duas. Uma minha atual esposa e outra a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)3, esta segunda me foi ofertada com muita generosidade por Darci, que à época era presidente da ASUL. Não poucas vezes me sentia eu mesmo o “deficiente” quando comparecia às reuniões e festas organizadas naquele local, afinal, todos se comunicavam em LIBRAS, e eu não. A construção de cada sujeito depende do lugar que ele está ocupando no tempo e no espaço e da articulação com as construções de outros sujeitos (DORZIAT, 2009). Recordo-me que as primeiras lições eram de um livro publicado pela Associação de Surdos de Teófilo Otoni, um livro com desenhos planos onde nem sempre era possível decifrar os sinais. Outra característica deste exemplar era a de ser oriundo de uma agremiação religiosa, confirmando o que Quadros (2003) traz em suas linhas: Presença de intérpretes de língua de sinais em trabalhos religiosos por volta do final do século XIX. Ao longo dos anos, pessoas intermediavam a comunicação para surdos (normalmente vizinhos, amigos, filhos, religiosos) como voluntários utilizando uma comunicação muito restrita. Presença de intérpretes de língua de sinais em trabalhos religiosos iniciados por volta dos anos 80. (QUADROS, 2003, p.13-14) 3 Línguas de sinais – São línguas que são utilizadas pelas comunidades surdas. As línguas de sinais apresentam as propriedades específicas das línguas naturais, sendo, portanto, reconhecidas enquanto línguas pela Linguística. As línguas de sinais são visuais-espaciais captando as experiências visuais das pessoas surdas. (QUADROS, 2003, p.8). No Brasil a Língua Brasileira de Sinais foi reconhecida por meio da Lei Federal n°. 10.436 de 24 de abril de 2002, e regulamentada pelo Decreto n°. 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Um foco assistencialista4 em apoio aos surdos que pouco compreendiam ou eram compreendidos fora do contexto religioso. De certo modo justificado, uma vez que pesquisas apontam que a condição das famílias receberem a notícia de ter um filho surdo abala fundamentalmente este núcleo, Paiva (2008) apresenta em suas considerações que Ter um filho surdo é uma vivência única, singular para a família, em particular para a mãe, que, ao saber da surdez, enfrenta diversas reações, já descritas por alguns autores, até que consiga elaborar a perda do filho perfeito, imaginado. As reações da mãe dependem, na maioria das vezes, do quanto ela já suspeitava de que algo não estava caminhando bem, de quando e como foi feito o diagnóstico, da maneira como os profissionais da área médica passaram as informações a respeito da surdez e o quanto de conhecimento a família tem do que é a surdez, suas crenças, idéias, preconceitos em relação à pessoa surda. (p.182) Segunda constatação, não aprofundaremos mas é digno de nota, de que faltam políticas sociais no sentido de apoiar as famílias com esta característica. Outra constatação, portanto terceira, que apresentaremos é que, tanto a família sente o impacto da notícia de ter um ente surdo, quanto terceiros que tem contato com esta família. Ao se solidarizarem com o “problema”5 buscam conhecer maneiras de “amenizar o sofrimento”, procuram cursos de LIBRAS e alguns se apresentam como “intérpretes”6, quando na verdade poderiam ser considerados “conhecedores da língua sinalizada”7. Presume-se para tanto que a pessoa tenha entendimento de que para assumir a função de Tradutor intérprete de língua de sinais saiba que é necessário formação e estar completamente envolvido na interação comunicativa, social e cultural e tem a possibilidade de inclusive influenciar positiva ou negativamente o objeto e o produto da interpretação, uma vez que 4 Na explicação dada pelo dicionário PRIBERAM: Provém do termo “Assistencialismo” que significa “Doutrina ou prática política que defende a assistência aos mais carenciados da sociedade (por vezes usado no sentido depreciativo, referindo-se a medidas ou promessas demagógicas)”. 5 Para muitos é assim que consideram a questão da surdez. 6 Quadros (2003, p.11) classifica Tradutor-Intérprete de língua de sinais – Pessoa que traduz e interpreta a língua de sinais para a língua falada e vice-versa em quaisquer modalidades que se apresentar (oral ou escrita). 7 Quadros (2003) nas páginas 29 e 30 faz considerações sobre alguns mitos construídos em relação à profissão de Tradutor Intérprete. Diferencia professores de surdos de intérpretes, desmitifica que conhecedores da língua não são intérpretes e trata também da problemática afirmativa: filhos de pais surdos não são intérpretes naturais. [...] processa a informação dada na língua fonte e faz escolhas lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas na língua alvo que devem se aproximar o mais apropriadamente possível da informação dada na língua fonte. Assim sendo, o intérprete também precisa ter conhecimento técnico para que suas escolhas sejam apropriadas tecnicamente. Portanto, o ato de interpretar envolve processos altamente complexos. (QUADROS, 2003, p.27) Isso nos traz a quarta constatação: por mais que a pessoa se afeiçoe das lutas e das angústias da comunidade surda ou de pessoas em particular, o assistencialismo é uma fase inicial que precisa ser abandonada à medida que se avança no processo de socialização do surdo e de suas conquistas. Afinal, Realizar a interpretação da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa observando os seguintes preceitos éticos: a. Confiabilidade (sigilo profissional); b. Imparcialidade (o intérprete deve ser neutro e não interferir com opiniões próprias); c. Discrição (o intérprete deve estabelecer limites no seu envolvimento durante a atuação); d. Distancia profissional (o profissional intérprete e sua vida pessoal são separados); e. Fidelidade (a interpretação deve ser fiel, o intérprete não pode alterar a informação por querer ajudar ou ter opiniões a respeito de algum assunto, o objetivo da interpretação é passar o que realmente foi dito). (QUADROS, 2003, p.28) Quanto a isso devemos compreender que, comentando cada um dos itens apresentados, o que foi interpretado seja no ambiente familiar do surdo, em uma consulta médica, em ações jurídicas e outras tantas situações devem permanecer em sigilo profissional (a). Deve-se respeitar e favorecer a criação de autonomia por parte da pessoa surda deixando com que ela mesma tome o curso de sua vida, fazendo escolhas, errando e acertando como qualquer outra pessoa (b). Realizar inferências ou omissões durante o processo tradutório são consideradas faltas graves (c). Em quarto lugar diz respeito à dificuldade que os intérpretes têm de separar vida particular da vida profissional e conseguintemente proporcionam ao surdo a mesma experiência (d). Ser amigo do surdo em ambientes informais e não formais de educação prejudicam a atuação do profissional dentro de ambientes formais educacionais, confundemse as representações, tanto pelo lado do intérprete, quanto pelo lado do surdo. O último item é uma constatação muito séria. Quando, em um exemplo hipotético, o Tradutor Intérprete de língua de sinais esclarece dúvidas ou não interpreta algo capcioso dito pelo professor (ou por conhecer a religião do surdo ao qual acompanha ou por ele mesmo, ter uma formação que lhe impeça) está deturpando a informação e no mínimo impedindo que o surdo pense a respeito e se pronuncie a favor ou contra. Cabe inclusive uma pergunta: ao “proteger” o surdo estaria o Tradutor Intérprete confiando e acreditando que este aluno surdo é capaz, que se resolve sozinho ou estaria ele desacreditando do próprio surdo? Considerar que o surdo é marginalizado e que poderia não compreender a situação parece-nos não condizente com o que Quadros (2003) aponta que É interessante observar que, enquanto a comunidade surda não se constitui um grupo com identidade sócio-culturalpolítica, o intérprete não se constitui enquanto profissional. (QUADROS, 2003, p. 51) Ao negar a informação ao surdo, não permitindo que ele avance em suas reflexões, o Tradutor Intérprete acaba por influenciar negativamente a possibilidade da construção de um cidadão capaz de tomar suas próprias decisões e conseguintemente nega também seu próprio crescimento profissional Tradutor Intérprete enquanto classe. Consideramos oportuno inclusive reconhecer que este é um caminho muito difícil de trilhar e que a grande maioria dos profissionais que hoje atuam com um pouco mais de autonomia já se viram cercados por estas questões. E se hoje permanecem na profissão é exatamente por ter conseguido responder a elas de maneira mais responsável. Já que falamos de saltos, não podemos deixar de citar a vinculação do Tradutor Intérprete de LIBRAS ao quadro da educação o que nos motiva esta apresentação, especialmente quanto ao uso desta língua, aparato este constitutivo da característica de humanidade nos homens8, neste caso de homens surdos. Em outras palavras, são surdos sem, no entanto perder a condição de humanos, no entanto, com experiências diferenciadas: 8 Referimo-nos conjunto de elementos que constituem a linguagem falada, escrita ou sinalizada peculiar a uma coletividade: a língua portuguesa, a língua brasileira de sinais. Está fora de questão que a experiência individual de um homem, por mais rica que seja, baste para produzir a formação de um pensamento lógico ou matemático abstrato e sistemas conceituais correspondentes. Seria preciso não uma vida, mas mil. De fato, o mesmo pensamento e o saber de uma geração formam-se a partir da apropriação dos resultados da atividade cognitiva das gerações precedentes. (LEONTIEV, apud FACCI, 2012, p. 47) O que intentamos apresentar aqui é que o homem não constitui sozinho, gerações e gerações que nos antecederam neste recorte histórico, possuem suas concepções e modos explicativos. Quando um Tradutor Intérprete de LIBRAS faz qualquer sinalização, ele não está sinalizando um simples sinal, ou fazendo uma simples escolha lexical condizente, estará sinalizando toda uma trajetória social das comunidades surdas que nos antecederam e ao mesmo tempo todas as influências que outros Tradutores Intérpretes voluntários, espontâneos, profissionais que nos antecederam simultaneamente também. Ocorre que, se é verdadeiro que a dialética entre os processos de objetivação e apropriação é essencial para a formação do indivíduo e da sociedade, também é verdadeiro que este processo não se dá de forma igual para todos os homens. Em outras palavras, o ser humano, a humanidade, vem enriquecendo-se ao longo da História, mas isso não se traduz em enriquecimento da vida de milhões de seres humanos. As pessoas, na sua grande maioria, vivem em condições muito aquém daquilo já alcançado pelo gênero humano em termos do seu enriquecimento. Sua vida está reduzida a limites que pouco ultrapassam a mera sobrevivência, isso quando se consegue lograr esta. Este processo recebe o nome de alienação e deve ser entendido como “[...] uma ruptura entre, por um lado, as gigantescas possibilidades desenvolvidas pelo homem e, por outro, a pobreza e a estreiteza de desenvolvimento que, se bem que em graus diferentes, é a parte que cabe aos homens concretos”. (FACCI, 2012, p.48) Se num exercício simples de raciocínio substituíssemos os termos enriquecer por educar, uma vez que Leontiev fazia referência à condição econômica dos homens e nós estamos vinculando o comentário relacionado à educaçao, e continuando o exercício alterássemos desenvolvimento por conhecimento teríamos então: “Ocorre que, se é verdadeiro que a dialética entre os processos de objetivação e apropriação é essencial para a formação do indivíduo e da sociedade, também é verdadeiro que este processo não se dá de forma igual para todos os homens, sejam eles ouvintes ou surdos. Em outras palavras, o ser humano, a humanidade, vem educando-se ao longo da História, mas isso não se traduz em educação da vida de milhões de seres humanos. As pessoas, na sua grande maioria, vivem em condições muito aquém daquilo já alcançado pelo gênero humano em termos do seu educar-se. Sua vida está reduzida a limites que pouco ultrapassam a mera sobrevivência educacional, isso quando se consegue lograr esta. Este processo recebe o nome de alienação e deve ser entendido como “[...] uma ruptura entre, por um lado, as gigantescas possibilidades desenvolvidas pelo homem e, por outro, a pobreza e a estreiteza de conhecimento que, se bem que em graus diferentes, é a parte que cabe aos homens concretos”. É imperativo que os Tradutores Intérpretes de LIBRAS, compreendam o conceito de alienação, para que desta maneira promovam por meio de uma lisura profissional, através do convívio e da participação no mundo, a condição de não alienação da comunidade surda, ou ainda que seja, daquele indivíduo surdo ao qual lhe coube acompanhar. Quanto mais surdos se libertarem inclusive do “poder” do intérprete, no sentido de necessitarem de sua intervenção e em função disso alcançar autonomia, maior valorização a classe profissional terá. Leontiev, apud Facci (2012) nos apresenta que “o conceito de indivíduo se baseia na indivisibilidade, na integridade do sujeito e na presença das particularidades que lhe são próprias.” O TILS, diferente do que acontece com os tradutores intérpretes de línguas orais, possui um envolvimento maior com a trajetória do povo surdo, de lutas para reconhecimento da língua, de sua condição cultural diferenciada e, sua atuação acaba sendo influenciada também pela visão clínica ainda muito presente em nossa sociedade, que considera o surdo como um deficiente, incapaz, inferior. Ou seja, a valorização profissional não se equipara aos intérpretes de línguas orais com seu suposto “glamour” e condição privilegiada de conhecer duas línguas. O TILS não é encarado sobre essa mesma ótica por ser intérprete de uma língua que, embora oficialmente reconhecida9, ainda não possui seu status linguístico 9 Lei federal n°. 10.436 de 24 de abril de 2002, regulamentada pelo Decreto n°. 5.626 de 22 de dezembro de 2005. amplamente reconhecido pela sociedade. Um não reconhecimento que não implica em um distanciamento profissional, antes e pelo contrário exige a participação, o estar com. Conforme explica Perlin (2006) O ILS trabalha no espaço intercultural, é para o processo de “transvaloração cultural” (BHABHA,1998) que esta profissão surgiu. O ILS é para intermediar a cultura surda e a outra cultura pautada na audição e na fala. Não se deve negar aqui que as narrativas culturais assumem o momento da tradução/interpretação. Entendo aqui por narrativa o tipo de discurso que o ILS assume no momento que traduz os diálogos de uma cultura a outra. A fidelidade da tradução acontece à medida da compreensão do outro, acontece à medida da compreensão cultural. O poder se insere no discurso da narrativa. (p. 142) Afinal, a construção das identidades está perpassada em meio aos vários discursos de poder assumidos pelas pessoas sendo que em alguns momentos elas sequer tem a clareza de percebê-los, aplicando-se a cada uma das pessoas, o que implica que também ocorre, no nosso caso, seja com o TILS ou com o surdo que acompanha a sinalização. Um exemplo claro desta possibilidade constatamos quando um TILS nega-se a realizar a tradução (que prevê a parte escrita da Língua de Sinais) ou mesmo realizar a chamada verbalização (conversão em fala dos sinais apresentados pelo surdo), alguns profissionais dizem não sentir-se à vontade para esta modalidade. Seria o mesmo que pensar em uma trajetória de viagem sem volta, ou alguém se pronunciando: só sei ir, voltar eu não tenho segurança, quando a estrada é a mesma. O que é pior, colocando em risco a própria condição do surdo de se pronunciar e interferindo no olhar que um terceiro possa ter sobre o que o surdo apresenta como sendo suas considerações. Conforme Dorziat (2009) A partir da constatação de que as identidades constroem-se no e pelo discurso, em lugares históricos, institucionais e específicos, em formações prático-discursivas determinadas e por estratégias enunciativas precisas, é possível dar-se início a um processo de desvendamento das sinuosidades do poder, ocultos na sociedade, levantando-se a possibilidade de reflexão sobre as ambigüidades existentes entre o ser, evocadas muitas vezes pela identidade, e o não ser, geralmente lembrado para enunciar o outro. (p.19) Desta maneira, se o TILS não se percebe neste movimento acaba por fazer escolhas e por ter percepções que ao sinalizar 10, ou verbalizar, influenciam diretamente na formação do outro: o surdo. Logicamente que a formação do outro, a experiência de vida, a condição de leitura de mundo, permite ou não que este tenha condições de aproximação com o que está sendo sinalizado. Mas o inverso também pode ocorrer. Por meio de nossa sinalização pode ocorrer afastar o sujeito surdo da compreensão do conteúdo. Segundo Perlin (2006, p.145) considerando o acima exposto que, “a identidade de ILS, vale dizer, não é somente cultural. Ela igualmente desencadeia uma ação política, ela se mantém graças a estratégias políticas culturais. Os ILS são tradutores da cultura, da língua, da história, dos movimentos, das políticas da identidade e da subjetividade da cultura surda”. Daí a conclusão de que Para que o verdadeiro ideal de inclusão se efetive, não basta inserir estratégias de aceitação das diferenças em ambientes sociais, entre eles a escola. A permanência de uma sociedade reprodutora da cultura do individualismo, da competição, dos conceitos cristalizados sobre processos humanos, não tem permitido que se intensifiquem e disseminem iniciativas de respeito à coletividade, à solidariedade, à criticidade. (DORZIAT, 2009, p.83) No recorte feito pelas autoras, fica clara a influência que os TILS exercem e sofrem neste contato com a comunidade surda. Comunidade que precisa avançar em suas discussões e em suas descobertas. Não nos referimos aos surdos que já alcançaram, com muito sacrifício, a uma universidade ou que se sintam realizados com a conclusão de um ensino médio, tratamos sim de outros tantos que sequer encontram justificativas para frequentar a escola ou simplesmente para aderir às lutas sociais e reivindicações de suas comunidades locais pelo desconhecimento de suas próprias identidades, formadas em certo grau pelo contato com os TILS. De certo modo o que constatamos se apresenta na pesquisa de Dorziat (2009) quando relata que na própria fala do surdo aparece que O normal (ser ouvinte) passa a ser o parâmetro. Quando esse parâmetro surge explicitamente, aparece junto o lado negativo de ser Surdo. 10 Ao utilizar-se da Língua Brasileira de Sinais. A autora constata e anuncia também que a Língua de Sinais (LS) é critério suficiente para se poder afirmar que os Surdos possuem identidades surdas. Para tal a autora lança mão de categorias que Perlin (1998) apresenta. Sendo estas construídas a partir de representações de sujeitos Surdos, sendo: identidades surdas, identidades surdas híbridas, identidades surdas em transformação, identidades surdas incompletas e identidades surdas flutuantes, mas que ao contrário de se formar identidades separadas são subcategorias e acabam por constituir uma única identidade: a identidade política surda. Identidade esta que passa pelas mãos sinalizadoras dos TILS em diversos contextos, pela significação dada a todo este movimento político, desde o momento de nos profissionalizarmos, na formação contínua, cada vez mais a caminho de uma transformação verdadeira da educação de surdos e dos entendimentos que possam ser gerados a partir dela. Estamos envoltos em um plano político cheio de intencionalidades e necessitamos nos aperceber dele qualquer análise que pretenda superar a artificialidade presente nos „ideários inclusivos‟ não pode preterir a análise das bases econômicas que engendram a alienação, abordando os indivíduos do seu pleno processo de humanização. Não podemos perder de vista que é no processo ativo e objetivo que vincula o homem à realidade social que ele supera seus limites e desenvolve suas potencialidades e capacidades, apropriando-se das conquistas humano-genéricas para, de fato, alçar a condição „de‟ e „para‟ ser humano. (FACCI et al, 2012, p.25) Impossível não reconhecer que não estamos alheios a outro movimento ainda maior O refinamento dos processos ideológicos do sistema capitalista, com o advento da globalização e o estabelecimento de políticas neoliberais, mesmo buscando criar um clima de bem-estar social, sempre visou o lucro e a permanência das elites no poder, interferindo também nas ações voltadas para os considerados deficientes. Com isso, se apropriou de conceitos elaborados por forças sociais progressistas e, seguindo a tendência mundial proposta pelos organismos internacionais, procurou, nos últimos anos, implementar a idéia de Educação para todos, instituindo-se entre os governos do mundo todo as políticas de inclusão.(DORZIAT, 2009, p.64, grifos da autora). O reconhecimento de todas estas influências sobre o trabalho dos TILS, supomos, os conduzirá a um desvelar de possibilidades e a uma segurança maior no exercício desta profissão tão nobre, tão significativa e pouco valorizada. Não há uma responsabilidade única e majoritária dos TILS na constituição dos sujeitos Surdos, mas uma participação efetiva, com certeza. Referências DORZIAT, A. O outro da educação: pensando a surdez com base nos temas Identidade/Diferença, Currículo e Inclusão / Ana Dorziat. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. (Coleção Educação Inclusiva) 94 p. FACCI, et al. A exclusão dos “incluídos”: uma crítica da Educação à patologização e medicalização dos processos educativos. 2. Ed. Maringá: Eduem, 2012. Pp.33-51 PAIVA, A.B. et al. Surdez: relato de mães frente ao diagnóstico. Estudos de Psicologia (Natal. On line), v.13, p. 175-183, 2008. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/epsic/v13n2/10 QUADROS, R.M.de. O Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. /Secretaria de Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos – Brasília: MEC; SEESP, 2003. 94 p.