IMPORTÂNCIA DO ENSINO DA INTEGRAÇÃO DOS PROJETOS DE ARQUITETURA E ESTRUTURA DE EDIFÍCIOS: FASE DE LANÇAMENTO DAS ESTRUTURAS Roberto Machado CORRÊA M.Sc., Engenheiro Civil, Doutorando pelo Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ. Centro de Tecnologia, Sala F-109, Cidade Universitária, Caixa Postal 68507, CEP 21945-970, Rio de Janeiro (RJ) Brasil - Correio eletrônico: [email protected] Ricardo Manfredi NAVEIRO D.Sc., Professor Adjunto, Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ. Centro de Tecnologia, Sala F-109, Cidade Universitária, Caixa Postal 68507, CEP 21945-970, Rio de Janeiro (RJ) Brasil - Correio eletrônico: [email protected] RESUMO Este artigo apresenta o problema da integração entre as atividades técnicas de projeto de arquitetura e estrutura de edifícios na etapa de estudo preliminar, abordando a questão do aprendizado do lançamento das estruturas no ensino de graduação. Palavras-chaves: ensino de projeto, arquitetura, estrutura, projeto de edifício, integração de projetos. 1. INTRODUÇÃO Um empreendimento para a construção de um edifício envolve um número grande de informações relacionadas ao custo, ao prazo, à qualidade, aos recursos humanos, aos materiais, aos equipamentos e ao domínio da técnica por parte das empresas envolvidas. Essas informações precisam ser muito bem gerenciadas a fim de minimizar os custos e o desperdício na construção. Conforme aumenta a complexidade do empreendimento, cresce a necessidade da integração entre as atividades técnicas de projeto (arquitetura, estrutura, instalações prediais, iluminação, comunicação visual, paisagismo, impermeabilização, entre outras) para a construção de um edifício. Esta integração permite a troca de informações entre os projetistas a fim de otimizar soluções técnicas e econômicas. Geralmente, a forma da integração entre essas atividades técnicas varia de equipe para equipe, de empreendimento para empreendimento, de escritório para escritório. Dentre as diversas integrações entre projetos de edifícios, a interface entre arquitetura e estrutura requer uma atenção maior, pois a estrutura representa a maior percentagem de gastos na execução (cerca de 19% a 26% do custo total do edifício, segundo Goldman, 1986) e os erros cometidos na execução da estrutura são os mais difíceis de serem corrigidos. Por outro lado, os custos de projeto variam em média de 1,6% a 2,7% do custo total do edifício (Goldman, 1986), portanto, é menos custoso corrigir um projeto do que uma obra estrutural executada. Nessa interface, o projeto estrutural deve respeitar a forma e a estética definidas no projeto arquitetônico, bem como a arquitetura deve proporcionar soluções estruturais viáveis dos pontos de vistas técnico e econômico. O levantamento feito por Fruet e Formoso (1995), com 45 empresas de construção civil de pequeno porte, indicou que mais de 90% das empresas efetuam modificações de projeto durante a obra e a freqüência dos problemas encontrados na elaboração de projetos foi de 53% relativas à incompatibilidade entre diferentes atividades técnicas. Esses dados são preocupantes, pois a construção de edifícios altos tem sido um seguimento bastante aceito no mercado imobiliário brasileiro e a complexidade da integração da arquitetura com uma estrutura convencional em concreto armado é muito maior nesses edifícios. Um fator que interfere na integração entre esses dois projetos é a comunicação entre dois projetistas de formação diferenciada: arquiteto e engenheiro civil. Conhecimento técnico, capacidade de trabalho em equipe e experiência de cada projetista atuam diretamente na qualidade de integração entre os projetos de arquitetura e estrutura. Para um engenheiro ou um arquiteto recém-formado, é necessário espírito de equipe e conhecimento técnico bastante fundamentado sobre lançamento e pré-dimensionamento de estruturas a fim de suprir a sua pouca experiência em integrar os dois projetos. Esse fato mostra a importância dos cursos de graduação de arquitetura e engenharia civil darem maior ênfase ao ensino de integração entre os dois projetos. 2. PANORAMA DO ENSINO 2.1 Distanciamento dos cursos Uma das razões para a ocorrência do despreparo de muitos arquitetos e engenheiros civis recémformados para lidar com as interfaces de arquitetura e estrutura é o distanciamento das estruturas disciplinares acadêmicas dos cursos de arquitetura e engenharia civil ao longo dos anos. As autoridades acadêmicas têm-se preocupado mais com os aspectos de especialização de seus cursos do que os de relacionamento com os demais. Dessa forma, temos arquitetos formados com poucas afinidades em estruturas de edifícios e engenheiros civis com poucas afinidades com a forma e o estudo espacial. 2.2 Ementa e relacionamento insuficientes entre disciplinas Na UFRJ, a diferença entre os dois cursos é marcante. Enquanto no curso de arquitetura menos de 10% das disciplinas abordam estruturas, o curso de engenharia civil responde com menos de 10% das disciplinas abordando desenho e estudo espacial. Outro fato que contribui negativamente para o estudo da integração entre projetos é a falta de interação entre as disciplinas de desenho e de estruturas. No curso de engenharia civil da UFRJ, existem apenas duas disciplinas de desenho concentrando resumos de assuntos que poderiam ser abordados com maior profundidade se as mesmas fossem desdobradas em novas disciplinas. Ao longo dos anos, o desprezo pelo desenho no curso cresceu a ponto de disciplinas como “Desenho Básico” e “Desenho Técnico I” serem incorporadas em “Desenho de Engenharia”. Não existe um relacionamento entre as disciplinas de desenho e de estruturas, apenas há individualidade entre os assuntos tratados por cada uma. Disciplinas como “Desenho de Projeto” e “Estrutura de Edifícios”, que poderiam abordar a integração entre arquitetura e estrutura, estão classificadas como complementares e a primeira raramente é oferecida. Outras como “Arquitetura I” e “Arquitetura II” ensinam a projetar casa, escola, posto de assistência médica, fábricas e outros edifícios com base no código de obras, entretanto não existe uma relação dessas disciplinas com “Estrutura de Edifícios”. No fim do curso, o aluno é obrigado a elaborar um projeto final de um edifício contendo arquitetura, estrutura, instalações, orçamento, cronograma e especificação técnica. Como não existe disciplina nem método de ensino para integrar as atividades técnicas de projeto, o aluno acaba elaborando o projeto em série, desconhecendo ou ignorando a vantagem de elaborá-lo em paralelo. 2.3 Faltam normas técnicas e bibliografia A falta de uma bibliografia sobre integração entre esses projetos agrava a situação da aprendizagem do estudante de arquitetura e de engenharia civil, uma vez que o assunto é abordado superficialmente por livros de estruturas de edifícios. Com relação às normas técnicas brasileiras, existem apenas duas mencionando a relação entre as atividades técnicas de projeto e suas etapas. A norma NBR-05679 - Elaboração de Projetos de Obras de Engenharia e Arquitetura (ABNT, 1995) estabelece as atividades de projeto de edifícios em etapas e faz uma abordagem generalizada para todas as atividades técnicas (arquitetura, estruturas, instalações prediais, iluminação, comunicação visual, paisagismo, impermeabilização, entre outras). Podemos dividir essas etapas em dois grupos: - etapas iniciais do projeto: Levantamento, Programa de necessidades, Estudo de Viabilidade. - etapas de elaboração do projeto: Estudo Preliminar, Anteprojeto, Projeto Legal, Projeto Básico e Projeto Executivo. Tanto a atividade técnica de arquitetura como a de estrutura, passam por quase todas essas etapas, sendo o projeto estrutural um pouco defasado do arquitetônico. A norma NBR-13531 - Elaboração de Projetos de Edificações – Arquitetura (ABNT, 1995) especifica as atividades de cada etapa do projeto de arquitetura, porém não existe uma norma equivalente para o projeto de estruturas explicando a seqüência de suas etapas e o seu relacionamento entre as demais atividades técnicas. As normas técnicas de estruturas tratam apenas de dimensionamentos, métodos e ensaios, focando as etapas de Anteprojeto e Projeto Executivo. 3. INTEGRAÇÃO DE PROJETOS DE ARQUITETURA E ESTRUTURAS 3.1 Projeto em série versus projeto simultâneo O início da integração geométrica entre os dois projetos ocorre na concordância do estudo preliminar de arquitetura com o estudo de viabilidade de estrutura. Nesse momento, a estrutura dos pavimentos é lançada, procurando alternativas técnica e economicamente viáveis e verificando o seu impacto no projeto arquitetônico com relação à forma e à estética. Em resumo, o lançamento das estruturas pertence à etapa de estudo preliminar de estrutura, mas depende das informações fornecidas pelos levantamentos, programas de necessidades, estudo preliminar de arquitetura e pelo estudo de viabilidade de estrutura. Em muitos empreendimentos de edifícios, é comum encontrar os projetos de arquitetura e estrutura elaborados em seqüência. Essa forma de projetar é desaconselhável, pois corrigir um erro causado no início pode demandar muito retrabalho, modificando várias etapas já elaboradas. É recomendável que o anteprojeto de arquitetura seja elaborado após a conclusão do estudo preliminar de estrutura. Elaborar os dois projetos simultaneamente permite que o erro seja identificado mais cedo, provocando menos volume de correções nos projetos. Essas vantagens devem ser mostradas ao aluno para aprimorar a elaboração de projetos e exercitar a integração entre os mesmos. É importante frisar novamente: a tendência do aluno inexperiente é projetar em série e isso o coloca fora do perfil dos empreendimentos modernos. 4. REGRAS DE LANÇAMENTO DAS ESTRUTURAS Para fazer um bom lançamento das estruturas, o projetista deve cumprir regras importantes, devendo ser de conhecimento de todo arquiteto e engenheiro civil recém-formado. Algumas delas estão listadas abaixo: O lançamento da estrutura de um edifício de vários andares começa pelo pavimento-tipo, fixandose a posição das vigas e dos pilares neste pavimento que, normalmente, é repetido várias vezes no projeto de um edifício de vários andares. Após fixar a estrutura do pavimento tipo, verifica-se se a posição dos pilares pode ser mantida nos outros pavimentos. De preferência, as estruturas dos demais pavimentos devem obedecer uma mesma projeção das lajes e vigas; porém, elas podem ser diferentes desde que conservem a posição dos pilares. Caso a posição dos pilares não possa ser mantida para os demais pavimentos, então deve-se estudar novas posições que possam ser adequadas às plantas de alvenaria (projeto básico de arquitetura) de modo a não haver pilares não coincidentes com as paredes nem aparecendo nos compartimentos, ou atravessando portas ou janelas. Para o andar térreo é sempre preciso buscar uma solução estética, enquanto que para a garagem é necessário verificar se os pilares projetados não prejudicam o trânsito e o estacionamento dos automóveis. Para Rocha (1990), "tudo isto, muitas vezes, se transforma em um verdadeiro 'quebra-cabeças' que o projetista tem que resolver da melhor maneira possível, para o que há necessidade de muita arte e grande experiência". Sempre que as soluções encontradas para os pavimentos superiores não corresponderem ao andar térreo, é possível colocar os pilares do térreo em posição diferente dos pilares dos andares superiores; usando a estrutura da laje de transição no teto do andar térreo ou do pavimento de uso comum, para fazer a transição dos pilares, podendo ainda, apoiar os pilares em vigas embutidas nesses tetos. O início do lançamento da estrutura é baseado na planta de alvenaria (estudo preliminar de arquitetura) do pavimento-tipo. Normalmente, o lançamento da posição das vigas coincide com a posição das paredes, a menos que os cômodos tenham dimensões muito pequenas (vãos inferiores a 2,50 m), em que se procura eliminar algumas vigas, e quando os cômodos são muito grandes (salões com mais de 6,00 m na direção do vão menor, em que se projeta um vigamento aparente, um teto duplo ou laje mista de tijolo (laje nervurada)). Os pilares são posicionados nos cantos e nos pontos de interseção das vigas, sendo que o espaçamento dos pilares deve ser entre 2,00 m e 8,00 m, salvo em casos particulares. A menor dimensão de um pilar retangular em concreto armado é de 20 cm, mas é possível projetar pilares em "L" ou em "T" ou em “cruz”, com abas de 10 cm de espessura para que os mesmos não apareçam nos cantos dos cômodos. Nos edifícios de padrão alto, “dentes” provocados por pilares devem ser evitados sempre que possível, pois a estética é uma característica importante nesse segmento, sendo o emprego freqüente desses pilares em detrimento dos retangulares. As vigas em concreto armado, normalmente, apresentam espessura de 10 cm para paredes de 15 cm, sendo que o vão deve ser inferior a 8,00 m. Vigas com vão muito longo requerem seções maiores, podendo interferir na estética e no uso (exemplo: passagens e portas). Essas vigas também acrescentam cargas maiores aos pilares, provocando seções maiores neles e, conseqüentemente, interferências na arquitetura proposta. 5. INTERPRETAÇÃO E RELACIONAMENTO ENTRE VARIÁVEIS E RESTRIÇÕES 5.1 Influência das variáveis e restrições de projeto O lançamento das estruturas não se resume apenas aplicar regras baseando-se na arquitetura para elaborar o anteprojeto estrutural. Da mesma forma, as geometrias do projeto arquitetônico e o dimensionamento das estruturas não são as únicas restrições existentes. Os padrões de tecnologia, infraestrutura, conhecimento da técnica, recursos humanos e materiais necessários para executar a obra devem ser considerados na elaboração do projeto. A não verificação dessas restrições aumenta o risco de insucesso do empreendimento. Por exemplo, construir um prédio residencial de quatro andares de padrão médio-baixo possui um risco menor do que executar um prédio de escritórios de trinta andares de padrão alto, usando os mesmos recursos para edificar. Para cada perfil de empreendimento, existem restrições comuns e específicas. Todas devem ser estudadas, observando a relação entre elas e o grau de influência de cada uma exercido sobre um detalhe ou o projeto como um todo. 5.2 Implementação do estudo das variáveis e restrições de projeto Fazer o levantamento de variáveis e restrições de projeto, bem como estabelecer o relacionamento entre elas, são tarefas que requerem muito conhecimento e experiência do projetista. Levar os saberes dessa técnica para a sala de aula é bastante complicado, pois demandam muita explicação sobre os diversos relacionamentos entre variáveis e restrições, além da subjetividade da interpretação de cada problema. Traduzir essas informações para uma ementa de disciplina é um trabalho hercúleo, porém elas podem ser aproximadas, elaborando-se exercícios em classe baseados em exemplos reais. Podem-se usar ferramentas computacionais para auxiliar na interpretação dessas informações (exemplo: sistemas baseados em lógica de restrições), bem como na forma geométrica de projetar através do CAD. Inicialmente, é interessante estudar os problemas mais comuns de integração para depois partir para os específicos. Numa segunda etapa, os exercícios passam a ser elaboração e integração de projetos, com estudos preliminares e de viabilidade de arquitetura e estrutura. Entendendo esses processos e etapas do projeto, o aluno estará melhor preparado para se iniciar na elaboração e integração projetos de arquitetura e estrutura, adequando-se ao mercado de trabalho do subsetor de edificações. 6. CONCLUSÃO A falta de norma técnica e bibliografia sobre integração de projetos de arquitetura e estrutura mostra a defasagem das publicações nacionais em relação aos novos processos de projetar e construir empregados pelo subsetor de edificações. Essa defasagem também ocorrida no ensino de graduação de arquitetura e engenharia civil mostra a necessidade de se encontrar métodos, tanto de ensino como de reformulação da estrutura acadêmica, para que haja uma adaptação dinâmica dos cursos ao perfil de profissional desejado pelo mercado. A integração entre projetos de arquitetura e estrutura ocorre ao longo de suas várias etapas, sendo um assunto muito extenso ainda não abordado com a importância devida. A realidade mostra os escritórios elaborando os projetos em paralelo, adquirindo vantagem nos prazos e na agilidade de corrigir erros decorrentes do processo, aumentando sua competitividade. O lançamento de estruturas não é um simples conjunto de aplicações de regras estruturais, mas um estudo complexo, envolvendo levantamentos, necessidades, recursos humanos, materiais e tecnológicos disponíveis. Seu entendimento proporciona a arquitetos e engenheiros a arte de solucionar projetos onde a harmonia entre estética e viabilidade prevalece e o trabalho em equipe se consolida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas - NBR-05679 - Elaboração de projetos de obras de engenharia e arquitetura. ABNT, Rio de Janeiro,1995. ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas - NBR-13532 - Elaboração de projetos de edificações - arquitetura. ABNT, Rio de Janeiro,1995. FRUET, G.M. & FORMOSO, C.T. - Diagnóstico das dificuldades enfrentadas por gerentes técnicos de empresas de construção civil de pequeno porte. UFRGS, Porto Alegre, 1993. GOLDMAN, Pedrinho - Introdução ao Planejamento e Controle de Custos na Construção Civil. 2a edição, Editora Pini, São Paulo, 1986. ROCHA, Aderson Moreira da - Concreto Armado. Vol.1, 25 ed., Editora Nobel, São Paulo, 1990.