NORDESTE PARAENSE – A DINÂMICA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO E A COMUNIDADE CAMPONESA Rafael Benevides de Sousa1 Fábio Henrique Gomes Pontes2 Eixo temático: O CAMPO E A CIDADE RESUMO: Este artigo trata da dinâmica da produção do espaço do nordeste paraense. O lócus de pesquisa foi a comunidade camponesa de Nova Esperança, localizada no município de Concórdia do Pará. O objetivo deste trabalho é compreender o território dessa comunidade e as implicações da empresa Biovale na região estudada. Como metodologia, utilizamos a pesquisa in loco como modelo de análise das questões visualizadas e ainda realizamos entrevistas diretas e abertas, nas quais as conversas possibilitaram uma maior visão da problemática do território camponês inserido no avanço do capitalismo pelo campo. No trabalho, buscamos refletir sobre a unidade produtiva e as formas com que os camponeses conseguem vencer as dificuldades em comunidade, e também discutir a implementação da Biovale no nordeste paraense e suas ações sobre o território camponês. PALAVRAS-CHAVE: Campesinato, Agronegócio, Comunidade Nova Esperança – Nordeste Paraense 1 INTRODUÇÃO O nordeste paraense vem passando por uma intensa transformação territorial, como consequência do avanço da agricultura capitalista nessa parte da Amazônia. Isso tem norteado a nossa investigação, buscando entender como esse processo tem influenciado comunidades camponesas dessa região. O objetivo deste trabalho é compreender como o camponês se 1 Graduado em Geografia. Discente do curso de especialização em Educação Ambiental e uso Sustentável dos Recursos Naturais – PROFIRMA/NUMA/UFPA. E-mail: [email protected] 2 Discente do curso de Geografia – IFPA. E-mail: [email protected] insere nesse processo, mediante o avanço da empresa Biovale que, por meio da cultura do dendê, tem constituído o agronegócio no nordeste paraense. O lócus da nossa pesquisa foi a comunidade de Nova Esperança, que está localizada no município de Concórdia do Pará, na microrregião de Tome-açú e na mesorregião do nordeste paraense. No trabalho propomo-nos discutir a formação territorial do nordeste paraense, o que se deu primeiramente pelos rios e posteriormente pelas estradas. Partindo desse processo, apresentamos a formação da comunidade de Nova Esperança e os desafios da mesma em conviver com a experiência de dividir a fronteira comunitária com uma empresa que marca a territorialização do capitalismo no meio rural. As bases para as reflexões trazidas no trabalho partiram de um trabalho de campo, realizado em 2010 em Nova Esperança e no entorno da mesma, que nos inquietou a compreender a dinâmica dessa região, bem como entender o território camponês diante das transformações da agricultura capitalista no nordeste paraense. Como metodologia, optamos pelo trabalho de campo. Por meio deste método de pesquisa entramos em contato com os camponeses da comunidade e, pela aplicação de entrevistas abertas e semiabertas conseguimos muitas das informações aqui contidas. Pretende-se assim, fazer uma breve consideração acerca de nossa pesquisa, apresentando alguns elementos que constituem a vida camponesa e o processo de expansão do capitalismo no nordeste paraense. 2 DO RIO À ESTRADA, A DINÂMICA TERRITORIAL DOS MUNICÍPIOS BUJARU E CONCÓRDIA DO PARÁ O estudo em comunidades rurais dos municípios de Bujaru e de Concórdia do Pará tem nos levado há uma compreensão do campesinato nesse início do século XXI. Nessa parte da Amazônia é possível ver uma diversidade camponesa com um peculiar modo de vida, regido pela tríade família, trabalho e terra. Tais elementos são a base desses territórios, que também tem a religiosidade como pano de fundo das relações socioculturais. O campesinato na Amazônia emergiu pelas políticas do Marquês Pombal, que tinha por finalidade fomentar o processo produtivo na região (GONÇALVES, 2008). A partir da leitura de Gonçalves (2008), inferimos que foi introduzido na Amazônia no século XVIII, um modelo de desenvolvimento que modificaria a sociedade até então estabelecida na região. Entre as medidas postas em práticas está a concessão de cartas de dattas de sesmarias, introdução de mão-de-obra escrava, estímulo à produção agrícola, entre outras medidas. Vislumbra-se a partir de então na região, o começo de uma produção agrícola, estabelecendo o processo de ocupação do espaço amazônico. O surgimento das primeiras comunidades desses municípios está atrelado a uma dinâmica que se estabeleceu na Amazônia até a década de 1960, tendo os rios como eixo central deste processo (GONÇALVES, 2008). Na região estudada, o rio Bujaru foi o principal articulador entre as comunidades rurais, que tiveram suas gêneses ainda no século XVIII. “Afluente da margem esquerda do rio Guamá”, o rio Bujaru “atravessa o território do atual município de Bujaru em mais de 100 km em direção ao sul do estado, adentrando no município de Concórdia do Pará, até o sul do município” (SANTANA, 2011, p. 90). Na segunda metade do século XX, a Amazônia vai entrar em um novo processo de apropriação do espaço. Se até 1960 a base da economia regional era o extrativismo, tendo uma exploração dos recursos da floresta em pé, após esta década a região entraria em uma nova geopolítica, o que mudaria a vida do campesinato tradicional, e no surgimento de um novo campesinato que resultou do processo migratório intra e inter-regional. Entre 1968 e 1974, o estado brasileiro implantou tal tipo de malhas na Amazônia, visando completar a apropriação física e controlar o território. Redes de circulação rodoviária, de telecomunicações, urbana, etc., subsídios ao fluxo de capital de incentivos fiscais e credito a baixos juros, indução de fluxos migratórios para povoamento e formação de um mercado de trabalho regional, inclusive com projetos de colonização, e superposição de territórios federais sobre os estados, compuseram a malha tecno-política (BECKER, 2009, p. 26). Sobre as rédeas de processo “recolonizador” da Amazônia apontado por Becker (2009), o nordeste paraense passou por transformações que mudou a dinâmica até então existente. Após a abertura da PA-140 os municípios de Bujaru e Concórdia do Pará passaram a integrar a malha rodoviária, que integrou esses municípios a rodovia Belém-Brasília e a capital paraense, Belém. Neste sentido os rios e igarapés perderam a sua importância como um meio de escoamento de pessoas e da produção da região. Junto com a PA, surgiram ao longo da mesma os latifúndios, tendo a pecuária como principal atividade econômica, e a agricultura como a segunda atividade mais importante nessas propriedades. Por trás das fazendas, encontram-se as comunidades rurais, tendo como característica marcante a agricultura camponesa, e o principal eixo produtivo a produção da farinha de mandioca. Esta dicotomia entre as propriedades nos remete que as comunidades rurais resultaram de uma política que durou até a década de 1960 na Amazônia, já os latifúndios surgem em outra conjuntura geopolítica pensada para o desenvolvimento da região. No entanto, com a abertura das estradas na região muitas comunidade rurais surgiram na região, que se formaram a partir da intensa migração que ocorreu na Amazônia. Esta migração, seja ela individual ou em conjunto, foi fortemente induzida pela ação governamental, e não como um fenômeno predominantemente espontâneo (BECKER, 1991). 3 A COMUNIDADE DE NOVA ESPERANÇA: LÓCUS DA PESQUISA A comunidade de Nova Esperança localiza-se na PA-140, entre os quilômetros 39 e 42 no sentindo Bujaru – Concórdia do Pará. A comunidade apresenta-se como um caso típico desse processo de ocupação de imigrantes do nordeste brasileiro e de outras regiões do estado do Pará. Tal processo migratório na comunidade nos foi relevado pela senhora Maria Nila, que nos contou que a comunidade nasceu de famílias que vieram de Santa Izabel do Pará e também de famílias do Maranhão e da Bahia. Este processo migratório se deu a partir da abertura da PA-140, quando ocorre uma valorização da terra na beira das estradas na região amazônica. Com o fluxo continuo dos moradores, formaram a comunidade. As famílias na comunidade de Nova Esperança têm como meio de sobrevivência o trabalho na agricultura. Sobre esta produção, o Senhor Gilvam Barbosa, presidente da associação da comunidade, nos expôs que “antes só produzia arroz, mandioca e que agora se produz e vende polpa de fruta como cupuaçu, acerola, goiaba, maracujá, e ainda tem a produção de mel”. Percebemos que atualmente a produção familiar na comunidade passa pela diversificação produtiva. Por meio do consorciamento, eles conseguem a cada período do ano colher determinados produtos agrícolas que serve tanto para a alimentação como para a comercialização. A produção realizada pelas famílias camponesas se divide em parte para a alimentação e outra para a comercialização. Entre a produção para o próprio consumo encontra-se o arroz, o feijão, o milho para os animais, e verduras variadas, além da farinha de mandioca. No caso da farinha serve tanto para a alimentação como para a comercialização. Além da farinha, os camponeses comercializam polpas de frutas como cupuaçu, maracujá, acerola, entre outras, que são vendidas para a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) na sede municipal de Concórdia do Pará. Algumas famílias também comercializam a pupunha, a semente do cacau, e a pimenta-do-reino. Entre a produção para o consumo e para a comercialização, percebemos que a produção camponesa parte da diversificação agrícola. Isto permite ao camponês ter uma parte da sua alimentação vindo do seu trabalho, da roça, e ao mesmo tempo comprar aquilo que ele não produz, através da renda obtida com a venda de parte da sua produção. O trabalho familiar é algo muito marcante na comunidade de Nova Esperança, ao passo que são os membros da família que participam da unidade produtiva. Percebemos que na comunidade “o trabalho se realiza junto ao sitio, está ligado à unidade de produção familiar, que está interligada a princípios organizatórios baseados na honra e na hierarquia” (SIMONETTI, 1999, p. 119). Assim, a mão de obra na propriedade camponesa em Nova Esperança é constituída pela própria família, seja na roça, no retiro ou na casa de morada. Entendemos que os camponeses, estando inseridos numa sociedade capitalista, as relações na unidade produtiva não passam necessariamente pelas relações capitalistas de produção, ao passo que é inexistente o trabalho assalariado na unidade camponesa. Todavia, existe na comunidade o que Santos (1984, p. 37) denomina de trabalho acessório que é o momento em que “o camponês passa a ser um assalariado temporário de outro camponês, cuja família não basta para o desempenho das tarefas agrícolas”. Isso ocorre em Nova Esperança com a colheita da pimenta do reino, na qual o camponês que cultiva a pimenta pagar camponeses próximos para ajudá-lo na colheita. A relação dos camponeses da comunidade com o mercado se dá quando o camponês vende o fruto do seu trabalho e não o próprio trabalho. Segundo Marques (2004, p. 152) “para o camponês, o trabalho se realiza de forma independente e o que ele vende ao capital é o fruto do seu trabalho transformado em mercadoria”. Com isso, os camponeses se apresentam como um trabalhador livre, dono de sua propriedade e de seus meios de trabalho. Apesar dos camponeses de Nova Esperança ter a autonomia da sua vida e de seu trabalho, a comercialização da produção da comunidade é um dos principais problemas citados nas entrevistadas, na qual os camponeses acham injusto o preço pago pelos seus produtos. Em sua condição subordinada, o camponês em geral não tem poder para interferir na definição dos preços de seus produtos e assim participar de maneira mais vantajosa da distribuição da riqueza social. A modificação dessa situação só tem sido possível quando o campesinato se mobiliza e se organiza politicamente em defesa de seus interesses de classe (MARQUES, 2008, p. 70). A subordinação em que o camponês está inserido, tal qual apresentado por Marques (2008), se dá em Nova Esperança principalmente na comercialização da produção seja pelo baixo preço pago pelos produtos, seja pela dificuldade de transportar a produção, ou mesmo na venda da produção aos chamados atravessadores3. No caso dos atravessadores, os camponeses se sentem em desvantagem devido o atravessador estabelecer o preço de suas produções. Nesse sentido, Marques (2008) nos da à pista para entender que para os camponeses reverterem a situação de subordinados, precisam passar impreterivelmente pela mobilização social, como uma forma de ação política de conseguir melhorias. Isto fica claro em Nova Esperança, quando os camponeses criaram uma associação para melhor comercializarem suas produções. Foi criada, em 2006, a Associação de Produtores Rurais Nova Esperança (ASPRUNE). O objetivo dessa associação é justamente fundar uma organização política na comunidade para comercialização da produção dos camponeses com a Companhia nacional de Abastecimento (CONAB). Até 2008 a associação possuía 25 associados. Com o apoio da EMATER, a associação desenvolve atividades como: produção de muda, apicultura, horta, polpa de frutas e piscicultura (SANTANA, 2011). Assim, seja por meio da associação, seja por outras formas de comercialização, ou mesmo pela produção para o próprio consumo, assiste-se em Nova Esperança a resistência camponesa frente ao modo de produção capitalista. Percebe-se que as dificuldades que os moradores enfrentam não os desanimam a continuarem praticando uma agricultura familiar, e cultivando as relações simples da vida camponesa. 4 DA TERRITORIALIZAÇÃO À MONOPOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO RURAL Em campo tivemos a oportunidade de observar que no entorno de Nova Esperança tem ocorrido uma intensa transformação da paisagem, com a diminuição da paisagem natural e o aumento da monocultura do dendê. A grande área de produção do dendê caracteriza-se pela territorialização do capital no campo, com uma produção voltada exclusivamente para o mercado. Desta forma, a territorialização do capital aparece de forma muito nítida nessa alteração paisagística do espaço agrário do município de Bujaru e Concórdia do Pará. O desenvolvimento, portanto, da agricultura (via industrialização) revela que o capitalismo está contraditoriamente unificando o que ele separou no início de seu desenvolvimento: indústria e agricultura. Essa unificação está sendo possível porque o capitalista se tornou também proprietário das terras, latifundiário, portanto. Isso se deu igualmente também porque o capital desenvolveu liames de sujeição que funcionam como peias, como amarras ao 3 O atravessador são caminhoneiros que passam pela comunidade comprando a produção dos camponeses e depois revendem nas feiras das cidades Marituda e Belém. campesinato, fazendo com que ele às vezes produza exclusivamente para a indústria (OLIVEIRA, 2004, p. 41-42). Seguindo o raciocínio de Oliveira (2004), constatamos que a territorialização do capitalismo no meio rural de Bujaru e Concórdia, tem se dado por meio do agronegócio, tendo o dendê como a monocultura escolhida. Neste contexto, a indústria e a agricultura estão unidas, na qual o empresário é ao mesmo tempo o proprietário da terra e da indústria que manufatura a produção agrícola. No caso da Biovale, o que se vê é a territorialização do capital, na qual o dono da terra e o industrial/empresário são os mesmos sujeitos. A Empresa surge a partir de um consorcio entre a Biopalma da Amazônia e a Companhia Vale do Rio Doce, que com o aval do estado, constituiu-se a Biovale. A Biopalma da Amazônia S/A, Reflorestamento, Indústria e Comercio é uma empresa do grupo MSP constituída em 2007. O grupo MSP atua nos setores de extração mineral, serviços essenciais e de infraestrutura e indústria alimentícia (por meio da Biopalma). No dia 22 de maio de 2009, o governo federal deu um parecer técnico favorável ao comercio formado pela Biopalma e a Companhia Vale do Rio Doce para a construção, operação e manutenção de um complexo de produção de óleo de palma. [...] A empresa passa então a denominar-se Biovale (SANTANA, 2010). O objetivo desde consorcio é gerar o biodiesel do dendê e outros derivados como fonte de energia limpa. No entanto, a Biovale tem modificado ainda mais a paisagem da região, transformando pastos e pequenos sítios camponeses em um “mar” de dendê. A empresa capitalista esta se instalando em grandes hectares de terras e nas redondezas de várias comunidades camponesas, e continua com sua expansão no sentindo Concórdia – Bujaru, ocasionando a “expulsão” de varias famílias da terra. Sobre este processo Oliveira (2004) nos dar a pista para entendermos a territorialização do capital e a monopolização do território no nordeste paraense. No primeiro mecanismo no qual o capital se territorializa, ele varre do campo os trabalhadores, concentrando-os nas cidades, quer para serem trabalhadores para a indústria, comercio ou serviços, quer para serem trabalhadores assalariados no campo (bóias-frias). Nesse caso, a lógica especificamente capitalista se instala, a reprodução ampliada do capital se desenvolve na sua plenitude. O capitalista/proprietário da terra embolsa simultaneamente o lucro da atividade industrial e da agrícola (da cultura da cana, por exemplo) e a renda da terra gerada por essa atividade agrícola. A monocultura se implanta e define/ caracteriza o campo, transformando a terra num “mar” de cana, soja, de laranja, de pastagem, etc. (OLIVEIRA, 2004, p. 42). E prossegue, Já no segundo mecanismo, quando monopoliza o território, o capital cria, recria, redefine relações camponesas de produção familiar. Abre espaço para que a economia camponesa se desenvolva e com ela o campesinato como classe social. O campo continua povoado, e a população rural pode até se expandir. Nesse caso, o desenvolvimento do campo camponês pode possibilitar, simultaneamente, a distribuição da riqueza na área rural e nas cidades, que nem sempre são grandes (OLIVEIRA, 2004, p. 42). Partindo desta perspectiva, percebemos que o avanço do agronegócio nessa parte da Amazônia, dar-se tanto pela territorialização do capitalismo, quando a Biovale compra as propriedades camponesas, como também pela monopolização do território, quando os camponeses passam a cultivar o dendê, estreitando laços com o empresário capitalista. Em Nova Esperança e em outras comunidades próximas, observamos que por meio do consorciamento, algumas famílias são atraídas pela Biovale a cultivarem o dendê, construindo no campo o extraordinário avanço da monopolização do território camponês pelo capitalismo, na qual o capital mantém relações com os sujeitos não capitalistas (os camponeses). O dendê é colocado como um projeto que além de desenvolver o nordeste paraense, parte da natureza de um projeto maior, na qual “o óleo de dendê é umas das soluções tecnicamente satisfatórias para substituir o óleo diesel” (MONTEIRO et al., 2006a, p. 236). Nesse sentido, o óleo do dendê passa a ser uma das fontes de energia alternativas em detrimento dos combustíveis fosseis. A produção de biodiesel iria totalmente ao encontro das preocupações ambientais atuais quanto à utilização dos combustíveis fósseis e sua relação com as mudanças climáticas globais, especialmente com o “efeito estufa”. As atividades de geração de energia e uso de combustíveis alternativos a partir de biomassa e óleos vegetais podem contribuir substancialmente para diminuição das emissões de CO2 para a atmosfera (MONTEIRO et al., 2006a, p. 236). Neste contexto, o cultivo do dendê tem como finalidade produzir biodiesel, fomentando a emergência de fonte de energias limpas. No caso da Biovale, a produção do dendê tende acontecer de duas maneiras. Na primeira é cultivar o dendê em propriedade própria, marcada pelo agronegócio, e na segunda maneira é no consorciamento com agricultores camponeses da região. Além do reaproveitamento de um subproduto para produzir biodiesel, há ainda outra vantagem: do resíduo resulta um combustível mais puro, isento de glicerina, o que agrega valor ao produto da região e incorpora a produção da agricultura familiar (MONTEIRO et al., 2006a, p.239). Monteiro et al (2006a) colocam o cultivo do dendê como algo primordial para o desenvolvimento das famílias camponesas. No entanto, a pesquisa tem nos revelado que este desenvolvimento não é tão simples assim. Ao longo da PA tem-se visto sítios que se tornaram ilhas no meio do dendê, e indiretamente essas famílias são obrigadas a venderem suas terras. Desde 2007 a Biovale vêm comprando terras de fazendeiros e de camponeses para a plantação do dendê, levando muitas famílias a evasão para a cidade ou a retomada as terras através da compra de terras mais baratas em outros lugares. Ao mesmo tempo em que a empresa vem comprando terras, também tem incorporado em propriedades camponesas a produção do dendê. Simultaneamente a esses dois processos, assiste-se a resistência camponesa, na qual os mesmo se negam a produzir dendê e a vender suas terras. Questionando os moradores de Nova Esperança sobre se sentem “pressionados” há venderem as suas terras para a Biovale, o senhor Abóba nos relatou que “nós não sentirmos pressão para a venda da terra, mais outros moradores sim”. Este morador nos aponta que mesmo não se sentindo pressionado, existe pressão sobre outros camponeses para venderem suas terras. É preciso frisar que está pressão não se dá a mão armada ou por meio da violência como ocorre em outras regiões da Amazônia, mas se dá por meio da oferta de dinheiro, pelo avanço da cerca da empresa, entre outras ações. De certa forma a implantação do agronegócio através da criação da Biovale apresentou interferências na comunidade aqui estudada. Pode-se visualizar em campo, que esta expansão do dendê tem se apresentando como uma ameaça às comunidades rurais dessa região de fronteira entre os municípios de Bujaru e Concórdia do Pará, pois tal empresa vem comprando terras de camponeses e descaracterizando a paisagem da região. Este empreendimento é visto como o reflexo do avanço do agronegócio nessa parte da Amazônia. O sistema agrícola do agronegócio é distinto do sistema agrícola do campesinato. No sistema agrícola do agronegócio, a monocultura, o trabalho assalariado e produção em grande escala são algumas das principais referências. No sistema agrícola camponês, a biodiversidade, a predominância do trabalho familiar e a produção em pequena escala são algumas das principais referências. [...]. O campesinato pode produzir a partir do sistema agrícola do agronegócio, contudo, dentro dos limites próprios das propriedades camponesas, no que se refere à área e escala de produção. Evidente que a participação do campesinato no sistema agrícola do agronegócio é uma condição determinada pelo capital (FERNANDES & WELCH, 2008, p.49). A expansão do agronegócio no nordeste paraense externaliza claramente esta dicotomia territorial apresentada por Fernandes e Welch (2008). De um lado, a Biopalma, e a implantação do agronegócio, atendendo a uma demanda do capital, e de outro, encontramos a comunidade Nova Esperança, atreladas a um sistema agrícola camponês, atento as necessidades familiar e ao mercado interno paraense. Em linhas gerais Fernandes e Welch (2008) também nos dão uma pista para entender o campesinato dentro do sistema do agronegócio. Isto fica claramente exposto, quando os camponeses de comunidades próximas passam a cultivar o dendê em seus sítios, tendo a sua produção determinada pela Biovale. A inserção da pequena agricultura na produção de agroenergia está colocada como se fosse possível obter vantagens na produção em cadeia controlada por corporações nacionais e estrangeiras globalizadas. Contudo, a participação dos camponeses na produção de agrocombustível implica numa inclusão subordinada, [...] em que o trabalho e renda da terra são transferidos ao capital no processo de circulação (comercialização) da produção, principalmente (FABRINI, 2010, p. 56). Inferimos em Fabrini (2010), as implicações que o agronegócio/agroenergia tende a oferecer ao camponês, que numa falsa ilusão de melhorias (estradas, salário mensal via assalariamento, venda da produção), subordinam-se ao grande capital. Nesta relação o camponês acaba por receber pouca parte da riqueza que produz, ficando as margens de um falso desenvolvimento. Dessa forma, diversos agentes privados, com o apoio decisivo de ações estatais, têm historicamente introduzido na região matrizes tecnológicas ambientalmente danosas, porquanto desenvolvidas na relação com outros ecossistemas, reforçando dinâmicas de homogeneização do espaço regional que se materializavam na aplicação de aparatos de padronização que negam o capital natural contido na diversidade biológica da Amazônia (MONTEIRO, 2006b, p. 4). Fazemos em Monteiro (2006b) uma compreensão para entendermos a territorialização do dendê no nordeste paraense, por meio da Biovale. Este projeto, que tem a “benção” do estado, e partindo de uma concepção totalmente de agentes privados, tem como princípio promover uma fonte de energia alternativa aos combustíveis fósseis e apoiar simultaneamente a agricultura familiar da região. No entanto nos questionamos como o projeto pode ter princípios sustentáveis se o mesmo quebra a biodiversidade amazônica, desterritorializando camponeses, trocando uma agricultura camponesa diversa, tal qual realizada em Nova Esperança, pela monocultura capitalista? Dessa forma, a pesquisa de campo em Nova Esperança e em outras comunidades desta região, nos aponta que o dendê é colocado na vida camponesa de forma externa a realidade vivida pelas comunidades, como se o desenvolvimento social dessas famílias depende-se exclusivamente desse projeto. No entanto, a nossa pesquisa tem nos mostrado que este desenvolvimento não é muito diferente de outros espalhados pela Amazônia e pelo Brasil, que tem descaracterizando a paisagem natural, desterritorializando populações tradicionais, e construindo um falso desenvolvimento regional e nacional. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho tentamos fazer uma reflexão sobre a pesquisa que estamos desenvolvendo nos municípios de Bujaru e Concórdia do Pará, no nordeste paraense. No trabalho tentamos apresentar a comunidade de Nova Esperança como um território que surgiu a partir da estrada, estabelecendo um território de migrantes de outras regiões do país e de outros municípios paraenses. Na comunidade vimos que existe uma produção agrícola diversificada, que serve para a alimentação da família e ao mesmo tempo para comercialização. No caso da comercialização, dar-se não para obter lucro, mas uma renda na qual a família camponesa consegue comprar produtos que não é produzida na roça. Percebemos que a unidade produtiva em Nova Esperança se distância da produção realizada pela Biovale. Está empresa surge com o objetivo de produzir derivados do dendê, principalmente o biodiesel, que é considerado um combustível limpo. A pesquisa tem nos apontado que as formas que o capitalismo vem se apropriado da terra no meio rural paraense, não tem destruído a vida camponesa. Em Nova Esperança percebemos que por meio das associações, muitas famílias tem conseguido escoar suas produções de forma satisfatórias, contribuindo para o bem estar social da família. Assim, buscamos neste trabalho apresentar algumas questões para entender a dinâmica da produção do espaço no nordeste paraense, no atual momento marcado pelo avanço do agronegócio sobre territórios o camponês. Espera-se assim, sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto, contribuir para o entendimento da questão camponesa nessa parte da Amazônia. REFERÊNCIAS BECKER, B. Amazônia. 2 ed. São Paulo: Editora Ática, 1991. 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