Poder Judiciário
Tribunal de Justiça da Paraíba
Gabinete do Des. Manoel Soares Monteiro
ACÓRDÃO
AGRAVO DE INSTRUMENTO NR 073.2011.001037-51002
(Oriunda da 2a Vara da Comarca de CalyedeloIPB)
RELATOR
: Juiz Ricardo Vital de Almeida, convocado em substituição ao
Des. Manoel Soares Monteiro
AGRAVANTES: Hyundai Caoa do Brasil Ltda e Caoa Montadora de Veículos S/A
AGRAVADA :
(Advs. Alberto Lourenço Rodrigues Neto, Daniel Pacheco
Medeiros e Stênio Sérgio Xavier Tavares)
Daisan Comércio de Veículos Ltda (Advs. Celina Lopes Pinto,
Rodrigo Azevedo Toscano de Brito e outros)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. Ação inibitória c/c obrigação de
fazer. Concessão comercial. Alegação de concorrência desleal.
Abertura de nova concessionária, sem observância da Lei II°
6.729/79. Antecipação de tutela. Deferimento. Proibição de a parte
ré/agravante instalar-se no Município de Cabedelo, área de
influência da autora/agravada. Irresignação. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. Incontrovérsia quanto à inexistência de contrato
escrito. Verossimilhança, porém, da ocorrência fática dos elementos
materiais do contrato de concessão comercial. Dever de observância
da boa fé objetiva e dos preceitos da Lei re 6.729/79. Art. 6. Perigo
de dano irreparável de difícil reparação. Verificação.
Desprovimento recur
PROC. NIQ 073.2011.001037-5/002
- Apesar de inexistir contrato de concessão comercial celebrado sob a
forma escrita entre a Daisan Comércio de Veículos Ltda e a Caoa
Montadora de Veículos S/A para revenda exclusiva dos veículos da
marca Hyundai, no Município de Cabedelo (como exige a
literalidade do art. 20 da Lei n 2 6.729/79), diante de todos os fatos
narrados e documentos colacionados aos autos, revela-se
extremamente verossímil a existência dos elementos substanciais de
um contrato de concessão comercial entre tais sociedades
empresárias.
- Em face da inexistência de contrato escrito, não é possível afirmar,
com juízo de certeza, quais seriam as condições previamente
ajustadas entre as partes. Todavia, para dar adequado cumprimento
ao art. 62 da Lei 6.729/79, deveria ter sido feito ao menos um estudo
de mercado, a fim de identificar as condições deste e se estas
justificariam a instalação de uma nova concessionária.
- Não constando dos autos que a CAOA Montadora de Veículos S/A
tenha realizado este estudo preliminar, para justificar que o mercado
comportaria a instalação de uma segunda concessionária, estão
evidenciados a verossimilhança das alegações da autora/agravada,
bem como o evidente prejuízo que lhe trará a abertura de um novo
estabelecimento, mediante a absorção de parcela do público-alvo
consumidor.
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Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que figuram como
partes as acima nominadas:
ACORDA a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da
Paraíba, na conformidade do voto do relator e da súmula de julgamento, por votação
unânime, em tornar sem efeito a decisão concessiva de efeito suspensivo (fls.
110/114) e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento.
RELATÓRIO
Daisan Comércio de Veículos Ltda ajuizou AÇÃO INIBITÓRIA
OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, com pedido liminar, em desfavor de Caoa
PROC. NIQ 073.2011.001037-5/002
Montadora de Veículos S/A e de Hyundai Caoa do Brasil Ltda.
Narrou que realiza comercialização e prestação de assistência técnica
de veículos automotores da marca Hyundai, desde 30/03/2007, de maneira que,
apesar da inexistência de instrumento de contrato escrito, é concessionária da Caoa
Montadora, empresa esta que, na prática, manteria contrato de exclusividade com
todas as concessionárias da Hyundai para a venda de peças e veículos da marca, no
Brasil.
Diante do transcurso de mais de três anos de atividade, alegou que a
concessão já se teria tornado por prazo indeterminado, nos termos da Lei n 9 6.729, de
28/11/79, a qual dispõe sobre a concessão comercial entre produtores e distribuidores
de veículos automotores de via terrestre.
Firme em sua qualidade de concessionária da marca Hyundai,
ajuizou a Ação Inibitória c/c Obrigação de Fazer, aduzindo que as promovidas
(participantes do mesmo grupo econômico) infringiram dispositivos da Lei n 96.729/79 (com as alterações da Lei ri(2. 8.132/90), pois a Caoa Montadora S/A autorizou
a instalação de nova concessão, pela Hyundai Caoa Ltda, na área de abrangência da
promovente/agravante, sem respeitar a distância mínima entre concessionárias (a
menos de 200 metros da sede da autora) e sem conceder à autora a oportunidade de
exercer seu direito de preferência para obter a nova concessão, concorrendo em
igualdade de condições com a segunda demandada.
Sustentou que, com isso, a Caoa Montadora de Veículos S/A "vem
formando um cartel de distribuidores próprios para venda de seus veículos, com
clara intenção de acabar com a concorrência entre as revendas e, por isso, tirar as
concessões" (original com grifos, fls. 59).
Requereu, então, a concessão liminar de tutela inibitória, a fim de
proibir a Caoa Montadora de Veículos S/A (primeira ré), através de sua rede própria
de concessionárias (da qual faz parte a segunda promovida), de "abrir, construir ou
instalar concessionária da marca Hyundai na cidade de Cabedelo-PB", bem como
determinar a imediata retirada de outdoor e demais materiais publicitários alusivos à
construção e instalação da nova concessionária, sob pena de multa diária e crime de
desobediência. E pugnou, ao final do processo, pela procedência do pedido, com a
confirmação definitiva da liminar.
Através da decisão acostada às fls. 47/49, o MM Juiz a quo defe
antecipação da tutela inibitória, proibindo a Caoa Montadora de Veículo
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através de sua rede de concessionárias Hyundai Caoa do Brasil Ltda, de instalar-se
por qualquer forma no Município de Cabedelo, devendo os promovidos retirar os
outdoors colocados na altura do Km 14 da BR 230, além de todo o material
publicitário que sugira a instalação da nova concessionária, sob pena de multa diária
de R$ 10.000,00 (dez mil reais), até o limite de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
Inconformadas, a Caoa Montadora de Veículos S/A e a Hyundai
Caoa do Brasil Ltda interpuseram o presente Agravo de Instrumento, com pedido de
efeito suspensivo, propugnando pela imediata suspensão da decisão atacada e
consequente reforma do decisum.
Em suas razões, as Agravantes insistem na ausência da
verossimilhança das alegações da parte adversa, a impedir a antecipação da tutela
pretendida. Alegam que a agravada apenas comprava veículos junto à Caoa
Montadora de Veículos S/A e os revendia, sem jamais ter sido celebrado contrato de
concessão comercial por escrito para a revenda de veículos da marca Hyundai,
requisito que reputa necessário para a existência da concessão, nos termos do art. 20
da Lei IV 6.729/79.
Aduziram existir apenas um instrumento particular autorizando a
Agravada a representar, tão somente e por prazo determinado, o comércio de peças e
componentes automotivos da marca Hyundai e que, além disso, a tutela requerida
não teria utilidade, já que há quase um ano a agravada não comercializa veículos da
marca Hyundai.
Como fundamentos jurídicos, afirmaram que a decisão recorrida
afronta o princípio da livre concorrência e invocaram a Súmula 646 do STF ("Ofende
o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de
estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.") e o art. 170, IV
e parágrafo único, da CF/88, bem como vários dispositivos da Lei nQ 6.729/79.
Quitaram o preparo (fls. 51) e juntaram procurações, decisão
agravada e outros documentos às fls. 19/104.
Às fls. 110/114, concedi efeito suspensivo ao presente agravo de
instrumento, sustando todos os efeitos da decisão atacada.
Em contrarrazões (fls. 122/145), a agravada Daisan Comércio d
Veículos Ltda acrescentou ser considerada publicamente, pela Caoa Montador
Veículos S/A, como uma concessionária Hyundai, conforme se poderia verificar
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T.■
através do portal desta na internet. Recordou, ainda, ter sido "obrigada a cumprir
TODA A CONFIGURAÇÃO EXIGIDA PELA MONTADORA para montar a sua
CONCESSIONÁRIA em João Pessoa" (fls. 123) e que sua área de atuação abrange
todo o Município de Cabedelo. Juntou diversos documentos, notas fiscais e DANFE's
(Documento Auxiliar de Nota Fiscal Eletrônica), a fim de demonstrar a existência do
contrato de concessão e, inclusive, que seu patamar de vendas encontrava-se acima
da média nacional das demais distribuidoras Hyundai.
Aduziu ser prática usual da Caoa Montadora de Veículos S/A não
celebrar contrato escrito com as concessionárias que não fazem parte de sua própria
rede (Hyundai Caoa do Brasil), apesar de manter relação comercial que preenche
todos os demais requisitos de uma concessão. Com isso, a Caoa Montadora de
Veículos S/A estaria agindo de forma contraditória e em afronta à boa fé.
Por fim, afirmou a agravada que, de fato, seu estabelecimento está
fechado exatamente em consequência da abertura e funcionamento de outra
concessionária, pela segunda agravante, na cidade de João Pessoa, onde pratica
preços e condições altamente desfavoráveis à Daisan Comércio de Veículos Ltda.
Pugnou, então, pelo restabelecimento da decisão de primeira instância. Juntou
documentos de fls. 146/564.
Pedido de reconsideração às fls. 566/570, indeferido às fls. 572.
Informações às fls. 577/580.
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça às fls. 583/588, pelo
desprovimento do agravo, para manter a decisão recorrida.
É o relatório.
VOTO O ExmQ Sr. Juiz Ricardo Vital de Almeida (Relator):
—
O presente recurso trata-se de agravo de instrumento contra decisão
que antecipou parcialmente os efeitos da tutela inibitória requerida pela autora em
face das rés, ora agravantes.
Com isso, faz-se necessário registrar que, na análise deste recur
não convém a esta Câmara exaurir a análise do mérito da lide, devend
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observada a questão apenas sob a ótica da presença ou não dos requisitos
autorizadores da concessão da tutela antecipada na ação ordinária (verossimilhança
das alegações e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação), nos
termos do art. 273 do Código de Processo Civil, verbis:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I
— haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II —
fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu.
Fixada essa premissa, passo a expor as conclusões a que cheguei em
seguida à atenta análise de todas as alegações e documentos colacionados aos autos
por ambas as partes, bem como pela leitura das lúcidas considerações da
Procuradoria-Geral de Justiça.
Pois bem! De início, quando da apreciação do efeito suspensivo a este
recurso, entendi que a juntada aos autos do contrato escrito seria requisito necessário
para que se pudesse afirmar a verossimilhança das alegações da Agravada quanto à
existência de exclusividade na concessão e/ou à ofensa a direitos de preferência dele
decorrentes.
Contudo, de posse das alegações e dos documentos de ambas as
partes e, especialmente após o julgamento do mérito da Apelação Cível ng
200.2010.019.2604/0041, que guarda estreita relação com este agravo, e na qual
funcionei como Revisor, tive a oportunidade de estudar com mais detimento a
matéria e conhecer com mais propriedade os fatos debatidos na lide.
Diante disso, hei de rever a decisão de fls. 110/114, a fim de
restabelecer os efeitos da decisão de primeiro grau, por encontrar-me convencido da
verossimilhança das alegações da autora, Daisan Comércio de Veículos Ltda, bem
como do perigo concreto de dano irreparável e irreversível a esta.
Com efeito, vejam-se os seguintes fatos e constatações colhidos dos
presentes autos:
É indubitável a existência e a manutenção, no mínimo desde jan ir67
2009 (fls. 241) até maio/2010 (fls. 478), de relação comercial entre a Caoa Mon dora
,
Apelação Cível nQ 200.2010.019.260-4/004, julgada pela 1'-` Câmara Cível deste Tribunal, em 1 de maió
do corrente ano, acórdão e notas taquigráficas juntado às
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de Veículos S/A e a Daisan Comércio de Veículos Ltda, em que aquela faturava para
esta veículos da marca Hyundai, com a finalidade de revenda ao consumidor final.
Além do mais, ficou demonstrado que todo o layout, o projeto
arquitetõnico e o mobiliário do estabelecimento da Daisan Comércio de Veículos
Ltda foram estruturados e organizados de acordo com as exigências e padrOnagem
predeterminadas pela CAOA Montadora para as instalações de uma revenda
autorizada da Hyundai, como se pode verificar pelos documentos de fls. 165/180.
Não bastasse isso, consta do site oficial da Hyundai
(http://www.hyundai-motor.com.br/distribuidores.php) o nome da "Daisan Com.
Veic. Ltda." elencado entre os distribuidores no estado da Paraíba, conforme acesso à
internet realizado em 24/07/2012.
Conforme o documento de fls. 480, a Daisan Comércio de Veículos
Ltda iniciou suas atividades em 30/03/2007, tendo declarado a Associação Brasileira
dos Concessionários Hyundai — ABRAHY que a referida sociedade é sua associada
desde aquele mesmo período, março de 2007 (fls. 156). A CAOA Hyundai do Brasil
Ltda somente iniciou suas atividades na área de influência João Pessoa/Cabedelo em
10/03/2010, consoante documento de fls. 484 e 492.
O "Ranking Market Share" das concessionárias Hyundai segundo a
área de influência indica que entre os meses de março a maio de 2010, a média de
vendas na área de influência João Pessoa estava acima da média nacional e em
perceptível ascendência (fls. 158/163).
Diante de todos estes fatos, não há como negar: pelos documentos
colacionados aos autos, apesar de a Daisan Comércio de Veículos Ltda não ter
contrato de concessão comercial celebrado sob a forma escrita com a Caoa
Montadora de Veículos S/A para revenda exclusiva dos veículos da marca Hyundai,
no Município de Cabedelo (como exige a literalidade do art. 20 da Lei ng- 6.729/79 2),
revela-se extremamente verossímil a existência dos elementos substanciais de um
contrato de concessão comercial entre tais sociedades empresárias.
Assim, presente a verossimilhança da alegação de que existe, de f o,
uma relação negocial que preencheria os elementos e as características materiai de
"Art. 20. A concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores, seV
ajustada em contrato que obedecerá forma escrita padronizada para cada marca e especifi rá
produtos, área demarcada, distância mínima e quota de veículos automotores, bem como as condições
relativas a requisitos financeiros, organização administrativa e contábil, capacidade técnica,
instalações, equipamentos e mão-de-obra especializada do concessionário."
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um contrato de concessão comercial, faltando apenas o formalismo de um
instrumento escrito, não seria justo negar a antecipação da tutela requerida pela parte
autora.
Todo o sistema jurídico, suas normas e princípios, devem ser
interpretados e aplicados à luz do determinado pela Constituição Federal. A
hermenêutica constitucional traz como uma de suas bases aquilo que preceitua o art.
3Q, inciso I 3/ da Constituição Federal de 1988, quando elenca como um dos objetivos
da República Federativa do Brasil a constituição de uma sociedade livre, justa e
solidária.
Justa acima de tudo, mesmo porque, sem a justiça, não há como a
solidariedade e a liberdade serem impostas. Essa justiça é precisamente o que
reclama a hegemonia do processo de relatividade do direito. O direito não é uma
fórmula matemática — a própria matemática é relativa em determinados aspectos,
quando se discute a co' nstrução de novos caminhos para que se chegue a teorias mais
aperfeiçoadas.
A Lei Ferrari traz o artigo 20 como norma impositiva, mas não inibe
que, à luz da realidade e da boa fé (referida no Código Civil Brasileiro como um de
seus parâmetros, sustentáculos, pilares do seu sentido existencial), os negócios
jurídicos sejam celebrados e, neste caso, reconhecidos, de acordo com a conduta
fática objetivamente adotada pelas partes no relacionamento comercial por elas
travado. Ora, os negócios jurídicos ou estão vinculados, atrelados, baseados e
dependentes da boa fé ou não não tem razão de ser.
Convém lembrar que o Código Civil de 1916 laborava com a égide de
três alicerces: família, propriedade e contrato. O Código Civil de 2002 revela uma
mudança de parâmetros, sucedendo os anteriores pela operabilidade, sociabilidade e
eticidade, da qual decorre a boa fé, que é exatamente o recurso empregado para o
destrinche desse contexto.
Acerca da boa fé objetiva, poderia citar apenas a título de exemplo no
direito positivo, alguns dispositivos do Código Civil de 2002, tais como os artigos 113
e 422: "Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os
usos do lugar de sua celebração." e "Art. 422. Os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípio.. e
probidade e boa-fé.". E ainda o art. 187 do mesmo diploma legislativo: "
•
"Art. 3Q Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - con truir u a
sociedade livre, justa e solidária,"
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Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.". É boa fé, sobretudo, o que se discute na presente lide.
Com isso, vêm algumas perguntas complementares: a interpretação
literal, estrita da lei, deve ser aplicada ou a social democrata, seguindo a verdade
evidente dos autos no âmbito do Estado de Direito? Não fosse, ou não sendo possível
a aplicação de um entendimento mais liberal e voltado a parâmetros de
constitucionalidade e de boa fé, por que, então, a Caoa Montadora de Veículos S/A
faturou veículos e transacionou com a Daisan Comércio de Veículos Ltda elementos
estruturadores de um verdadeiro contrato, pois, estão todos eles, de fato, presentes?
Não rompeu apenas a Daisan Comércio de Veículos Ltda, mas a Caoa Montadora de
Veículos S/A não inspirou aquela ao rompimento do art. 20 da Lei Renato Ferrari? E,
se o fez, com que interesses?
O juiz não se deve prender à legalidade pura, com subserviência
como se um mero "bouche de la loi" o fosse. Deve haver justiça com legalidade, o
juiz é e deve ser o intérprete da lei, não trazendo o caso a ela, porque isso faz parte da
acomodação, da preguiça e, sim, levando a lei ao caso, segundo suas variações e em
determinação daquilo que rezam as regras de dignidade, de probidade, de honradez,
de ética e de contratualismo fático.
Como já referi no julgamento da Apelação Cível n'-' 200.2010.019.2604/004, o aprofundamento da reflexão mostra que a Caoa Montadora de Veículos S/A,
a cada passo dado, assumia o fato do contrato verbal, porque, além de fornecer
centenas de veículos faturados à Daisan Comércio de Veículos Ltda, fez também uma
série de negociações, tais como fazer constar o nome desta em relação de
concessionárias/distribuidores no site da Hyundai e enviar arquiteto para orientar a
construção do estabelecimento da Daisan Comércio de Veículos Ltda em João Pessoa/
Cabedelo.
Fixada esta segunda premissa (de que existe verossimilhança da
alegação da existência material, tácita, fática, substancial de um contrato de
concessão comercial entre a primeira agravante e a agravada), é elementar que
deveriam ter sido observadas pelas partes as determinações prescritas na Lei ng.
6.729/79, especialmente em seu art. 6 2, verbis:
Art. 60 É assegurada ao concedente a contratação de nova concessão.
I - se o mercado de veículos automotores novos da
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área delimitada, apresentar as condições justificadoras da
contratação que tenham sido ajustadas entre o produtor e sua rede
de distribuição;
II - pela necessidade de prover vaga de concessão extinta.
§ 1° Na hipótese do inciso I deste artigo, o concessionário instalado na
área concorrerá com os demais interessados, em igualdade de condições.
§ 2° A nova contratação não se poderá estabelecer em condições que
de algum modo prejudiquem os concessionários da marca. (grifei)
Ou seja, a contratação de uma segunda concessão pressupõe a
extinção da primeira (inciso II) ou a existência de "condições justificadoras" no
mercado da área de influência delimitada, dentro daquilo que foi ajustado entre o
produtor e sua rede de distribuição (inciso I).
No caso concreto, como inexiste um contrato escrito, não há como
afirmar com juízo de certeza quais seriam essas condições previamente ajustadas,
todavia, é certo que deveria ter sido feito ao menos um estudo de mercado a fim de
identificar as condições deste e se estas justificariam a instalação de uma nova
concessionária, de acordo com o modelo padrão adotado pela concedente perante as
demais concessionárias. Pelo art. 6, deveria ter sido garantida, inclusive, igualdade
de condições para a agravada, quando da abertura da segunda concessionária.
Entretanto, não consta dos autos que a Caoa Montadora de Veículos
S/A tenha garantido igualdade de condições, tampouco realizado o estudo
preliminar a justificar que o mercado comportaria a instalação de uma segunda
concessionária, cujo funcionamento causa evidentes prejuízos à agravada por retirar
desta parcela de seu público-alvo, estando neste ponto, evidenciado perigo de dano
irreparável caso não tivesse sido concedida a antecipação da tutela.
Sendo assim, entendo ter sido acertada a decisão de primeiro grau
que concedeu a antecipação da tutela requerida pela Daisan Comércio de Veículos
Ltda, por estarem presentes de forma suficiente os requisitos da verossimilhança das
alegações e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.
Firme em tais razões, torno sem efeito a decisão de fls. 110/114 e, no
mérito, NEGO PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento, mantendo a decisão
recorrida em todos os seus termos.
É como voto.
"Negou-se provimento ao recurso, no termos do voto do Relator,
•
em harmonia com parecer ministerial. Unânidie."
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10
Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Des. José Ricardo Porto. Participaram
do julgamento além de mim (Relator), o Exmo. Sr. Dr. Aluízio Bezerra Filho (Juiz
convocado para substituir o Exmo. Des. José Di Lorenzo Serpa) e o Exmo. Sr. Des.
José Ricardo Porto. Presente à sessão a Procuradora de Justiça Otanilza Nunes de
Lucena.
Sala de Sessões da Primeira Câmara Cível "Desembargador Mário
Moacyr Porto" do Egrégio Tribunal de Ju a do Estado da Paraíba, em João Pessoa,
11 de outubro de 2012.
Ricardo Vitalde Almeida
JUIZ CONVOCADO
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11
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