Publicação Online Setembro de 2011 PESQUISA DA FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER MEXICO BRASIL Pesquisa de Índice de Desenvolvimento Democrático O informe que segue abaixo faz parte de uma extensa pesquisa realizada ao longo dos últimos 10 anos pela Fundação Konrad Adenauer no México. Na última década, este escritório desenvolveu o importante trabalho de monitorar o desenvolvimento das bases democráticas na América Latina. A análise comparativa entre os países da região permite uma visão ampla bastante interessante sobre o atual panorâma político, social e econômico, apontando para problemas estruturais, mas também inúmeros avanços entre os vizinhos latino-americanos. paridade em relação aos homens se mantém. Este é um dos principais pontos que pesa contra o desenvolvimento democrático na região. A seguir apresentamos uma tradução das análises sobre o Brasil, destacando os pontos positivos e negativos encontrados na pesquisa. Brasil Em 2011, a pesquisa mostra de forma bastante clara o impacto da crise econômica, desacelerando o crescimento do PIB e reduzindo expectativa quanto aos avanços sociais. No entanto, de acordo com os números apresentados, o principal problema da região ainda é a violência, urbana e no campo, que atinge, principalmente, jovens pobres. Esta questão está mais em evidência no Brasil e no México, onde o tráfico de drogas é apontado como um grande desafio a ser vencido pelos respectivos governos. Contudo, este grave problema não se restringe aos dois países mais fortes da região, sendo uma questão significativa na maioria das grandes cidades. No que tange à tendências de longo prazo, o resultado é bastante animador. Segundo esta pesquisa, a região, como um todo, vem lentamente reduzindo os índices de pobreza e demonstrando que possui instituições democráticas mais fortes. As reformas estruturais dos anos 90 foram ultrapassadas, abrindo espaço para um modelo de Estado forte, capaz de formular políticas distributivas, mas que garante abertura comercial. Por fim, o estudo ressalta que a participação das mulheres na política, uma das importantes bandeiras da Fundação Konrad Adenauer no mundo, apesar de apresentar alguns avanços, ainda encontra fortes obstáculos na região. Apenas na Costa Rica a participação de mulheres é efetiva e, mesmo que Brasil e Argentina tenham mulheres no cargo mais alto de seus governos, no legislativo e nos governos estaduais a dis O Brasil apresentou uma pequena melhora no Índice de Desenvolvimento Democrático (IDD) no ano passado, cerca de 3% (Gráfico 3.11). Assim, o país se mantém no oitavo lugar do ranking, bastante próximo ao melhor resultado na série, obtido em 2003. Esta leve melhora de desempenho se deu graças ao crescimento alcançado nas dimensões de “direitos políticos e civis” e “econômicas e sociais”, compensando a relativa piora na dimensão “qualidade institucional e eficiência política”. Os valores brasileiros de 2011 estão, pela primeira vez, acima da média regional, colocando o país no grupo de desenvolvimento democrático médio. O panorâma político brasileiro foi marcado pelas eleições presidenciais de outubro de 2010. Estas, que requeriram dois turnos, apresentaram resultados que precisam ser analisados. Marina Silva, ex-Ministra do Meio Am- 2 Konrad-Adenauer-Stiftung e. V. PUBLICAÇÃO ONLINE SETEMBRO DE 2011 www.kas.de/brasil biente – pediu demissão em 2008 e se desfiliou do PT em 2009 – lançou candidatura pelo Partido Verde (PV). Ela foi, do ponto de vista político, a grande vencedora do primeiro turno, tendo obtido 19,33% dos votos e sendo responsável por tirar votos do PT nas últimas semanas de campanha. dência começou a mudar, com uma leve curva ascendente, fazendo com que o Brasil suba duas posições, alcançando o 9º lugar no ranking. O primeiro turno eleitoral deixou marcas significativas: 1) Marina, não o PV, surgiu como uma figura importante no cenário político brasileiro, algo que pode trazer novos ares para a democracia do país. 2) O apoio de Marina a um dos candidatos que passaram ao segundo turno poderia designar ao PV, sobretudo em relação à divisão de ministérios, um papel importante na conformação do governo. 3) Caso Dilma Rousseff confirmasse sua vitória no segundo turno, teria uma situação institucional mais favorável para exercer seu mandato que Lula em suas duas gestões. As pesquisas já indicavam que o PT sairia das eleições legislativas como o maior partido na Câmara dos Deputados, seguido de perto por seu aliado, o PMDB. Além disso, já se apontava para um crescimento do PT também no Senado, onde a oposição tinha sido capaz de criar sérios obstáculos ao governo Lula. Apontava-se para uma vitoria do PT (e de seus aliados, o PMDB e o PSB) que parecia garantir mandatos na maior parte do país. 4) A oposição parecia que sairia debilitada. Desde as eleições anteriores já se notava um processo gradual de esvaziamento de alguns partidos, como o PSDB e o Democratas. Portanto, a única oportunidade que se apresentava seria a vitória de José Serra. Pela primeira vez em décadas, grandes figuras destes partidos não saíram vencedoras para vagas no Congresso. 5) Na base do governo surgiu uma força política capaz de eleger um grande número de parlamentares e governadores, o PSB. Em outras palavras, o processo eleitoral do primeiro turno significou o declive de alguns representantes da velha classe de políticos, abrindo espaço para uma renovação partidária e de lideranças. Finalmente, o segundo turno veio a consagrar a candidatura oficial. Dilma Rousseff foi eleita com 56,05% dos votos, derrotando o opositor José Serra e se convertendo na primeira mulher presidente do Brasil. No que se refere aos direitos políticos e civis, em toda a série – de 2002 a 2011 – o país tem se mantido próximo aos 4 pontos (Gráfico 3.12). Este ano, contudo, esta ten- O Brasil apresenta melhoras nos indicadores de “voto de adesão política”, “condicionamento da liberdade por insegurança e gênero”, mas o valor obtido nestas comparações é ainda baixo se comparado à evolução de outros países da região, como a Costa Rica, que lidera o ranking de participação de mulheres no governo (com uma pontuação duas vezes melhor que a do Brasil). Tendo como base Chile e Uruguai, os dois melhores no que concerne à participação política e cidadania, o Brasil também tem muito a avançar. O demais indicadores se mantiveram estáveis, sem alcançar a média da região. Lula terminou seu governo com mais de 80% de aprovação. Seus partidários afirmam que ele deixa o país com menos pobreza, mais empregos e uma das economias emergentes mais promissoras. Por outro lado, seus críticos afirmam que houve graves problemas com narcotráfico e violência, além de um “personalismo” extremado na política externa. Ainda que no período de Lula a taxa de homicídios tenha baixado de 28,8 para 25,4 a cada 100 mil habitantes (segundo dados disponíveis até 2007), a percepção de insegurança, especialmente nas grandes cidades, não melhorou substancialmente. O Rio de Janeiro segue entre as cidades mais violentas da América Latina. Até o fim de 2010, ainda era comum presenciar confrontos entre jovens narcotraficantes e o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), deixando um saldo de dezenas de mortos e feridos. O desempenho do país no que diz respeito à “qualidade institucional e eficiência política” foi negativo em relação ao ano passado (gráfico 3.13), com uma queda de quase 20%. Este decréscimo representou também um descenso no ranking, ocupando atualmente o 14º lugar, quatro posições abaixo de 2010. O país manteve péssima performance em alguns dos aspectos que compõe este indicador, tais como: o índice de percepção da corrupção, o accountability e a 3 Konrad-Adenauer-Stiftung e. V. PUBLICAÇÃO ONLINE SETEMBRO DE 2011 estabilidade democrática. Assim, o Brasil se afastou ainda mais da média regional. www.kas.de/brasil Em relação à piora do índice de percepção da corrupção, deve-se ressaltar que os dados surgiram com os estudos da organização Transparência Internacional, cuja pontuação reflete os atos de corrupção registrados em 2010. Após a ordem de prisão emitida pelo Tribunal Superior de Justiça ao governador do Distrito Federal, José Arruda (ex-DEM), muito se especulou sobre possíveis impactos eleitorais, já que se tratava da queda de um importante aliado do PSDB no momento em que José Serra liderava as pesquisas de intenção de voto. Contudo, mesmo com o caso de Arruda, a corrupção não foi um dos eixos centrais do debate eleitoral, uma vez que PT e PSDB, as duas principais opções para a sucessão de Lula, estiveram vinculados direta ou indiretamente com casos de corrupção, o que os deixou com pouca autoridade moral para abordar esta questão como um dos principais temas da campanha. Durante o período eleitoral, a substituta de Dilma Rousseff na Casa Civil, Erenice Guerra, foi denunciada por envolvimento em uma trama de tráfico de influências. Guerra ocupava o cargo de assistente e braço direito de Dilma quando a empresa de seu filho, Capital Assessoria e Consultoria, manobrou de forma pouco transparente para que a companhia de cargas Master Top Airlines (MTA) conseguisse renovar seu contrato com a Agência Nacional de Aviação Civil. Segundo a revista Veja, Guerra estaria ciente das comissões recebidas por seu filho, Israel Guerra. É significativo, no entanto, que o Brasil tenha colocado em marcha alguns mecanismos para conter a desordem provocada pela corrupção. O Tribunal Superior Eleitoral aprovou uma nova lei para prevenir a corrupção no governo, cuja aprovação se deu pouco antes das eleições de outubro. A lei 9.840 impede que cidadãos condenados por uma ampla gama de crimes, como fraude eleitoral, sejam candidatos. Esta lei ficou conhecida como “Ficha Limpa” e é, sem dúvida, a maior conquista contra a corrupção na América Latina. Esta também define que políticos que tenham abandonado seus partidos durante o mandato não sejam capazes de se eleger ou ocupar cargos públicos por um período de oito anos. Esta iniciativa, no entanto, ainda é criticada por tirar o interesse de cidadãos honestos em participar de atividades políticas, uma vez que pode-se perder prestígio pessoal por denúncias infundadas. A lei constitui um importante tema de estudo na difícil tarefa de por fim a utilização de bens públicos em benefício das pessoas que exercem cargos nos governos democráticos da região. Em aspectos sociais houve uma melhora, mesmo que em proporção menor (gráfico 3.14). Os avanços na redução da mortalidade infantil e de regiões abaixo da linha da pobreza são notórios em relação ao ano anterior, sendo resultados dos maiores gastos públicos com educação e saúde. Esta melhora, no entanto, não chega a elevar a posição do Brasil no ranking, no qual o país ainda ocupa o 5º lugar. Assim, o valor obtido na área de “capacidade de gerar políticas que assegurem o bem-estar” continua acima da média regional. O aumento do gasto com projetos sociais e a formulação de programas com maior amplitude não deixa dúvidas sobre a existência de uma “agenda para os pobres” – antes sem espaço - nos programas de “transferências condicionadas”, como ocorre no principal projeto do governo Lula, o “Bolsa família”. O êxito deste programa e seus múltiplos efeitos são indiscutíveis, tendo atendido a 40 milhões de pobres (mais de 20% da população), principalmente nas zonas menos desenvolvidas do país (no nordeste), tirando da probraza extrema, segundo dados oficiais, cerca de 20 milhões de pessoas, e estimulando o consumo das classes menos favorecidas. Outra questão fundamental do ponto de vista socioeconômico foi a política de aumento salarial promovida pelo executivo. O salário mínimo aumentou mais de 60% e, junto a ele, melhoraram consideravelmente os rendimentos de diversas categorias profissionais. Os aspectos econômicos evidenciam uma melhora ainda maior que no setor social 4 Konrad-Adenauer-Stiftung e. V. PUBLICAÇÃO ONLINE SETEMBRO DE 2011 www.kas.de/brasil (gráfico 3.15), devido à recuperação após a crise internacional. Neste caso, a tendência positiva coloca o Brasil no sétimo lugar do ranking, duas posições acima em relação ao último levantamento. Este foi o sexto ano seguido que o país se manteve acima da média regional, alcançando o melhor resultado na série histórica. Quase todos os indicadores apresentam melhoras, com exceção das variáveis de investimento. Aos olhos do Fundo Monetário Internacional (FMI) não há dúvidas de que o Brasil se consolida como a locomotiva do crescimento regional. Tanto é assim que o país já avançou à oitava economia do mundo. Desta forma, o Brasil, com um PIB de 1.5 trilhões de Dólares, desbanca a Espanha para o nono lugar, cujo PIB alcança 1.4 trilhões. No informe “Perspectivas da economia mundial”, o FMI melhor sensivelmente as perspectivas para o país, apontando um crescimento de aproximadamente 7,5% em 2010 e 4,1% em 2011. No ano de nossa pesquisa, a economia brasileira consolidou sua recuperação com base no crescimento de seu PIB, uma forte expansão dos empregos – foram criados mais de 2,4 milhões de postos de trabalho formais entre janeiro e outubro – e, logicamente, redução do desemprego, que atingiu um nível historicamente baixo: 5,6% nas seis principais regiões econômicas do país. Em média, os salários aumentaram 6,5% em termos reais, tendo o crédito a pessoas físicas aumentado 7,7%, permitindo que o consumo das famílias permacesse em contínua expansão. Como nota preocupante da economia brasileira se apresenta a inflação, que permaneceu acima da meta estabelecida de 4,5%, com uma variação de 5,9%, convertendo-se em um dos fatores de maior cautela para o novo governo. No setor internacional, se destacam a recuperação das importações e o significativo aumento do ingresso de capitais por parte do investimento externo direto e investimento em títulos. Estes resultados macroeconômicos se devem, principalmente, a maior demanda interna, em especial pelas políticas públicas de maior gasto social e financiamento do consumo. Este crescimento econômico, o impacto dos proramas sociais e o respeito a ordem institucional – que o levaram a desistir de uma nova reeleição -, permitiram ao presidente Lula terminar sua gestão com 80% de aprovação popular.